Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 202/2016-T
Data da decisão: 2016-09-26  IRS  
Valor do pedido: € 4.404,11
Tema: IRS - Mais-valias; Partilha; Tornas
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DECISÃO ARBITRAL

1.    RELATÓRIO

 

A…, com o NIF … e mulher, B…, com o NIF…, residentes na Rua…, n.º…, …, Dt.º, em Lisboa (área do Serviço de Finanças de Lisboa …), o primeiro adiante designado por Requerente e ambos, conjuntamente, por Requerentes, vêm, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, com a intervenção de árbitro singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação adicional de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) com o n.º 2015…, referente ao ano de 2011, cuja nota de cobrança, emitida em 25 de novembro de 2015, pelo valor de € 4 401,11, em que se incluem juros compensatórios da quantia de € 535,83 e com data limite para pagamento em 4 de janeiro de 2016, foi por si paga em 2 de janeiro de 2016.

Cumulativamente, pedem os Requerentes a condenação da Requerida na restituição da quantia paga e no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, da Lei Geral Tributária (LGT), desde a data do pagamento indevido.

Sustentando o seu pedido, invocam os Requerentes os fundamentos de facto e de direito que, resumidamente, se passam a enunciar:

a.    Em 4 de novembro de 2011, o Requerente e os seus três irmãos partilharam as heranças dos seus falecidos Pais, cujas aberturas ocorreram, a da Mãe, em 28 de julho de 1983 e a do Pai, em 2 de abril de 1996;

b.    A herança da Mãe do Requerente era composta exclusivamente por imóveis e a do Pai, por imóveis e direitos cemiteriais;

c.    Para preenchimento do quinhão hereditário “global”, de € 136 132,50, o Requerente recebeu bens imóveis no valor total de € 107 700,00, direitos cemiteriais no valor de € 1 037,50 e tornas de € 27 395,00;

d.   A quota ideal do Requerente na herança de sua Mãe era de € 41 669,06 e a sua alienação onerosa estava excluída da incidência de mais-valias, por força do disposto no artigo 5.º, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, que aprovou o Código do IRS;

e.    A sua quota ideal na herança de seu Pai era de € 94 463,44, apenas se encontrando sujeita a mais-valias a parte das tornas correspondente à alienação onerosa dos direitos sobre os imóveis que a integravam, com exclusão dos direitos cemiteriais, quer porque não são considerados imóveis, quer porque os mesmos lhe foram adjudicados na mesma proporção em que o foram a cada um dos irmãos, ou seja, em ¼ do respetivo valor para cada herdeiro;

f.     Os Requerentes apresentaram, em 23 de abril de 2012, por via eletrónica, a declaração modelo 3 de IRS relativa aos rendimentos do ano de 2011, na qual apenas incluíram os anexos A (rendimentos da categoria A/H) e H (deduções à coleta e benefícios fiscais);

g.    Por ofício do Serviço de Finanças de Lisboa …, de 25 de maio de 2015, foi o Requerente notificado para, no prazo de 10 dias, proceder à apresentação do anexo G à declaração modelo 3 de IRS do ano de 2011, no qual deveria declarar a partilha de 4 de novembro do mesmo ano, com a cominação de que, não o fazendo, seria emitida liquidação oficiosa, nos termos do artigo 76.º, do Código do IRS;

h.    Em requerimento datado de 22 de junho de 2015, dirigido ao Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa …, o Requerente prestou os esclarecimentos que julgou necessários à liquidação adicional do IRS de 2011, juntando cópia da liquidação do Imposto Sucessório efetuada pelo Serviço de Finanças de …, em 12 de fevereiro de 1998, referente à herança aberta por óbito do seu Pai;

i.      Ao mesmo requerimento, em que o Requerente manifestou dúvidas quanto ao preenchimento do anexo G (e G1), vocacionado(s) para declarar a transmissão onerosa de imóveis e não a de quinhões hereditários, como era caso, fez este juntar listagens dos imóveis que integravam cada uma das heranças partilhadas e dos que em cada uma lhe couberam, para preenchimento dos anexos G (campo 401) e G1 (campo 501) e determinação das mais-valias tributáveis;

j.      Em 17 de dezembro de 2015, foi emitida pelo Serviço de Finanças de Lisboa …, a pedido do Requerente, certidão contendo a fundamentação dos valores inscritos nos anexos G e G1 da declaração oficiosa que deu origem à liquidação impugnada, com os quais os Requerentes não concordam;

k.    Consideram os Requerentes que os valores apurados pela AT não tiveram em conta, entre outros aspetos, nem o facto de a partilha respeitar a dois quinhões hereditários referentes a heranças abertas em épocas fiscalmente diferenciadas no que respeita à tributação das mais-valias, nem o valor de aquisição (gratuita) dos bens que integram a quota ideal do Requerente na herança de seu Pai, para correto apuramento do imposto devido pelo recebimento de tornas;

l.      Além de que o quinhão do Requerente foi maioritariamente preenchido com bens da herança de seu Pai, sendo maior a diferença entre a quota a que tinha direito na herança da sua Mãe e os bens que desta lhe couberam na partilha, a que corresponde a maior parte das tornas recebidas, excluídas da tributação por força do disposto no artigo 5.º, do Decreto-Lei 442-A/88, de 30 de novembro;

m.  Porém, a AT tudo resolveu com uma regra de três simples, tendo por referência o somatório de ambos os quinhões hereditários (quinhão hereditário global) e o valor das tornas recebidas pelo Requerente, que repartiu proporcionalmente, sem ter em conta a imputação real dessas tornas a cada uma das heranças;

n.    A liquidação de IRS do ano de 2011 padece dos vícios de falta de fundamentação e de violação de lei, por erro na determinação dos valores de aquisição e de realização da parte dos quinhões hereditários da Mãe e do Pai do Requerente, sendo que apenas a parte das tornas a imputar a este último seria geradora de rendimentos de mais-valias.

Pugnam os Requerentes, a final, pela anulação dos atos de liquidação de IRS do ano de 2011 e de juros compensatórios, atribuindo ao pedido o valor económico de € 4 404,11.

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou resposta e juntou processo administrativo, defendendo que a liquidação de IRS objeto do presente pedido de pronúncia arbitral deve ser mantida, invocando, em síntese, as seguintes razões:

a.    O pedido respeita à anulação da liquidação adicional de IRS nº 2015…, do ano de 2011, com fundamento nos vícios de falta de fundamentação e de violação de lei, por erro na determinação dos valores de aquisição e realização na tributação de tornas, no montante de 27 395,00€, pagas ao Requerente no âmbito de uma escritura de partilha, outorgada em novembro em 2011, na sequência do óbito da Mãe (em 1983) e do Pai (em 1998);

b.    Porém, no entender da AT, nenhum vício pode ser imputado à liquidação que ponha em causa a sua legalidade e validade;

c.    Os Requerentes apresentaram atempadamente a declaração Modelo 3/IRS, referente ao ano de 2011, sem preenchimento do anexo G;

d.   Tendo a AT tido conhecimento da escritura de partilha de 4 de novembro de 2011, foi o Requerente notificado para, no prazo de 10 dias, “apresentar Declaração Modelo 3 de IRS para o ano de 2011, com o anexo G, declarando a partilha feita em 4/11/2011, conforme cópia da escritura enviada pelo Serviço de Finanças …”, e que “Caso não seja entregue a respectiva declaração em falta, será efectuada uma declaração oficiosa pelos serviços”;

e.    O Requerente não cumpriu o solicitado e, consequentemente, foi elaborada declaração oficiosa, nos termos do artigo 76.º, do Código do IRS, com base nos elementos constantes da escritura de partilha, da qual resultou a liquidação impugnada;

f.     Só em 22 de junho de 2015, o Requerente apresentou “uma exposição argumentativa” dos valores que deveriam ser inscritos no Anexo G, “bem como uma cópia da declaração rasurada, parte, preenchida à mão e parte, com a indicação “ver complemento””, o que não equivale à apresentação de uma declaração de substituição;

g.    As tornas recebidas pelo Requerente, no valor de € 27 395,00, têm uma necessária correspondência com bens (ou parte de bens) que lhe caberiam no quinhão hereditário global de € 136 132,50 e que adjudicou/alienou a outro herdeiro, sem que a AT tenha de saber a que bens ou parte de bens respeitam as tornas;

h.    Para cálculo das mais-valias devidas, apenas interessa à AT saber que o valor das tornas corresponde a 21% da quota da herança a que o Requerente tinha direito, por morte dos Pais;

i.      Dado que o valor a que o Requerente tinha direito por herança da Mãe era de € 41 631,56, foi inscrito no Anexo G1 da declaração oficiosa a quantia de € 8 742,56, correspondente a 21% daquele valor, que ficou excluído da tributação;

j.      No preenchimento do Anexo G da declaração oficiosa, a AT partiu do mesmo valor que é invocado pelo Requerente, a título de quota de herança por morte do Pai, de € 94 463,44, a que aplicou a mesma percentagem de 21%, obtendo o valor de realização de € 19 837, 32;

k.    Cabia ao Requerente indicar e demonstrar os valores de aquisição – o que não fez tempestivamente, pois não apresentou a declaração de substituição dentro do prazo da notificação que lhe foi expedida para o efeito;

l.      O sistema informático de liquidação do IRS impõe a inscrição de um valor de aquisição positivo para o cálculo das mais-valias; desconhecendo a AT o efetivo valor de aquisição, ficcionou o valor de € 0,01;

m.   A liquidação não enferma também do vício de falta de fundamentação, pois o Requerente demonstra, na sua argumentação, ter entendido exatamente as operações aritméticas da AT e a sua razão de ser;

n.     O ato tributário impugnado não enferma de qualquer vício que ponha em causa a sua legalidade e validade, não havendo, consequentemente, lugar ao pagamento de quaisquer juros por parte da AT.

Termina a AT por, juntado cópia do requerimento dirigido pelo Requerente ao Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa … em 22 de junho de 2015 e o PA elaborado pelo mesmo Serviço de Finanças, advogar a “total improcedência do pedido, por falta de apoio legal”.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no CAAD em 31 de março de 2016, tendo sido aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.

Os Requerentes informaram não pretender utilizar a faculdade de designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º, do RJAT, foi a signatária nomeada árbitro pelo Exm.º Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, encargo que aceitou no prazo legalmente previsto, sem oposição das Partes.

O Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 13 de junho de 2016 e é materialmente competente para apreciar e decidir o litígio objeto dos presentes autos.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

Não tendo sido requerida a produção de prova adicional nem havendo necessidade de correção das peças processuais, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, tendo as Partes sido convidadas à apresentação de alegações escritas sucessivas, pelo prazo de dez dias.

Ambas as Partes apresentaram alegações, nas quais reiteraram as posições ínsitas nos articulados iniciais.

 

2.    MATÉRIA DE FACTO

Os documentos juntos aos autos pelas Partes provam a seguinte factualidade, com interesse para a decisão da causa:

a.    Os Requerentes apresentaram, em 23 de abril de 2012, por via eletrónica, a declaração modelo 3 de IRS referente aos rendimentos do ano de 2011 (declaração n.º …), na qual incluíram os anexos A (rendimentos de pensões) e H (deduções à coleta e benefícios fiscais);

b.    Nos termos do ofício n.º … do Serviço de Finanças de Lisboa…, expedido a coberto do registo RD … PT, de 26 de maio de 2015, tendo por assunto “Notificação para audição prévia”, foi o Requerente notificado de que, no prazo de dez dias, deveria apresentar, naquele Serviço de Finanças ou por Internet, a declaração modelo 3 de IRS para o ano de 2011, em falta, com o anexo G, a fim de declarar a partilha feita em 4 de novembro do mesmo ano, nela indicando os elementos do agregado familiar (rendimentos e despesas), com a cominação de que, não o fazendo dentro do prazo indicado, seria efetuada liquidação oficiosa com base nos elementos disponíveis no sistema informático da AT, de acordo com o disposto no artigo 76.º, do Código do IRS;

c.    A escritura de partilha a que se referiu o ofício identificado no ponto precedente, foi celebrada em 4 de novembro de 2011, no Cartório Notarial a cargo do Licenciado C…, em …, registada a fls. …/… v.º do Livro…, na qual foram outorgantes o Requerente e os seus três irmãos, na qualidade de herdeiros de seus falecidos Pais;

d.   Consta da mencionada escritura de partilha a descrição dos factos seguintes:

 

          i.          Em 2 de abril de 1996, em …, faleceu intestado o Pai do Requerente, no estado de viúvo da Mãe do Requerente, deixando quatro descendentes do primeiro grau, que procedem à partilha dos bens próprios de cada um dos progenitores e ainda dos seus bens comuns;

             ii.     Em 28 de julho de 1983, em …, faleceu a Mãe do Requerente, no estado de casada como Pai do Requerente, sem deixar testamento, e deixando como herdeiros o cônjuge e os quatro descendentes já referidos;

           iii.     Somam os bens próprios do Pai do Requerente (imóveis e direitos cemiteriais) a quantia de € 164 060,00;

           iv.     Somam os bens próprios da Mãe do Requerente (exclusivamente imóveis) a quantia de € 64 000,00;

             v.     Somam os bens comuns do Pai e da Mãe do Requerente (exclusivamente imóveis) a quantia de € 316 470,00;

                vi.          Por morte da Mãe do Requerente, a sua herança (bens próprios e a meação nos bens comuns), num total de € 222 235,00, dividiu-se em quatro partes iguais, sendo ¼ a legítima do cônjuge sobrevivo e os restantes ¾, a legítima dos seus quatro filhos, em partes iguais;

              vii.          A herança do Pai do Requerente (bens próprios, meação nos bens comuns e legítima de sua Mulher) num total de € 377 853,75, foi dividida em quatro partes iguais, correspondendo cada uma delas à legítima de cada filho;

            viii.          A cada um dos filhos coube o quinhão hereditário de Pai e Mãe (quinhão hereditário global), no valor de € 136 132,50;

                ix.          O Requerente foi pago com os bens identificados nas verbas 4, 5, 6, 7, 18, 19, 25 e 29 e com ¼ indiviso de cada uma das verbas 15, 16 e 17, no valor total de € 108 737,50; para preencher o seu quinhão, recebeu de tornas a quantia de € 27 3295,00;

                  x.          As verbas n.ºs 4, 5, 6, 7, 15, 16 e 17 respeitam a bens próprios do Pai do Requerente, correspondendo os três últimos a direitos cemiteriais; as verbas n.ºs 18, 19 e 25 respeitam a bens próprios da Mãe do Requerente e a verba n.º 29 corresponde a um bem comum a ambos os progenitores;

e.         Em 22 de junho de 2015, o Requerente dirigiu requerimento ao Senhor Chefe do   Serviço de Finanças de Lisboa …, a que juntou a cópia da declaração modelo 3 de IRS do ano de 2011, apresentada em 23 de abril de 2012, acompanhada dos anexos G e G1;

                    i.          No quadro 4, campo 401, do anexo G – “Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis – art. 10.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS”, foram inscritos o ano e mês de realização (2011-11) e o valor de € 7 850,93, assim como o ano e mês de aquisição (1996-04), pelo valor de € 1 684,41;

                  ii.          No mesmo quadro 4 – “Identificação matricial dos bens” campo 401, foi inscrita a expressão “Ver complemento” – este complemento consiste numa folha dactilografada contendo a identificação matricial dos imóveis que foram adjudicados ao Requerente, na partilha da herança paterna;

                iii.          No anexo G1, quadro 5 – “Imóveis alienados excluídos ou isentos da tributação”, foi inscrita a data da aquisição (1983-07-28), o valor de realização (€ 4 615,00) e o valor de aquisição (€ 1 227,33), com a indicação de “Ver complemento”, o qual consistiu numa folha dactilografada com a relação dos bens imóveis pertencentes à herança de sua Mãe;

                iv.          Juntou ainda o Requerente, para além de outros documentos, cópia da liquidação de Imposto Sucessório relativa à herança de seu Pai, efetuada pela … Repartição de Finanças da …, em 12 de fevereiro de 1998, da qual consta a identificação dos bens imóveis e direitos cemiteriais transmitidos, assim como os valores que lhe serviram de base;

f.     A liquidação adicional de IRS do ano de 2011 com o n.º 2015…, de 20 de  novembro de 2015, deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2015 … e à demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2015…, num valor total de € 4 404,11, com data limite para pagamento voluntário em 4 de janeiro de 2016;

g.     Em 17 de dezembro de 2015, a pedido do Requerente, o Serviço de Finanças de     Lisboa … emitiu certidão de teor do documento de correção que serviu de base à liquidação impugnada, a que acrescentou a fundamentação do apuramento dos valores inscritos nos anexos G e G1 da declaração oficiosa, como segue:

                    i.       No anexo G1 foram incluídos os valores referentes à herança da Mãe do Requerente, aberta em 28 de julho de 1983 e constituída pelo valor da totalidade dos seus bens próprios e pela sua meação nos bens comuns, num total de € 222 035,00, sendo ¼ a legítima do cônjuge sobrevivo e os outros ¾ a dividir pelos quatro filhos, cabendo a cada um o valor de € 41 631,56;

             ii.          Ao anexo G foram levados os valores dos bens da herança do Pai do Requerente, constituída pelo valor da totalidade dos seus bens próprios, pelo valor da meação nos bens comuns do casal e pela legítima na herança de sua Mulher, perfazendo um total de € 377 853,75 de que cabe a cada um dos quatro filhos o valor de € 94 463,43;

                iii.     O valor total do quinhão do Requerente é de € 136 132,50 (€ 41 631,56 do quinhão materno e € 94 463,43 do quinhão paterno), tendo recebido bens no valor de € 108 737,50 e tornas no valor de € 27 395,00;

                iv.          Para achar o valor das tornas a imputar a cada parte da herança, foi feita uma regra de três simples com o valor total do quinhão e o valor dos bens adjudicados ao Requerente, a que corresponde a percentagem de 79%, sendo a percentagem das tornas de 21%;

                  v.          A percentagem de 21% foi aplicada ao valor das tornas recebidas pelo Requerente, de que resultou o valor de € 8 72,62 (a Resposta da AT refere a quantia de € 8 742,56) de tornas relativas à herança aberta por óbito da Mãe, inscrito no anexo G1 e de € 19 837,32 de tornas referentes à herança do Pai;

h.      Os Requerentes procederam ao pagamento da liquidação impugnada, pelo valor   total de € 4 404,11, em 2 de janeiro de 2016.

 

2.2. Fundamentação da matéria de facto provada:

A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada como provada resultou da análise crítica da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral e à resposta e processo administrativo remetidos aos autos pela Requerida.

2.3. Factos não provados

Não existem factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

3.        MATÉRIA DE DIREITO – FUNDAMENTAÇÃO

3.1.   Delimitação da questão a decidir:

A questão trazida aos autos pelos Requerentes consiste em apurar da correção da determinação oficiosa dos rendimentos de mais-valias provenientes do recebimento de tornas na composição dos quinhões a que o Requerente tinha direito nas heranças abertas por óbito de sua Mãe, em 28 de julho de 1983, e de seu Pai, em 2 de abril de 1996, e que esteve na origem da liquidação adicional de IRS do ano de 2011, objeto do presente pedido de pronúncia arbitral.

Ambas as Partes estão de acordo em que, na escritura de partilha celebrada em 4 de novembro de 2011, na qual o Requerente e os seus três irmãos outorgaram na qualidade de coerdeiros, foram partilhadas as heranças de ambos os progenitores e que os quinhões hereditários do Requerente eram de € 41 669,06 (a AT indica o valor de € 41 631,56, no que não diverge significativamente o valor indicado pelos Requerentes), na herança de sua Mãe, e de € 94 463,44, na herança de seu Pai.

No que as Partes divergem é na forma de apuramento das mais-valias tributáveis, tendo em conta o valor de cada um dos quinhões hereditários, pois enquanto a AT pretende imputar proporcionalmente a cada um deles as tornas recebidas pelo Requerente (valor de realização), este defende que o valor das tornas a imputar a cada um dos quinhões hereditários se subsume à diferença entre o valor dos bens recebidos e o valor da sua quota, em cada uma das heranças.

Divergem ainda as Partes no que toca ao valor de aquisição que serviu de base ao cálculo das mais-valias, que o Requerente defende ser o considerado na liquidação do Imposto Sucessório por óbito de seu Pai e não o valor ficcionado pela AT, de € 0,01.

Face às divergências assinaladas, vêm os Requerentes arguir a ilegalidade da liquidação impugnada, por erro na determinação do valor de realização e na determinação do valor de aquisição, que, afinal, se reconduzem à errónea quantificação dos rendimentos das mais-valias tributáveis e, ainda, a falta de fundamentação da mesma liquidação, fundamentos enquadráveis nas alíneas a) e c), respetivamente, do artigo 99.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Cumpre, pois, analisar a questão colocada no pedido de pronúncia arbitral e decidir o litígio que opõe os Requerentes à AT.

 

3.2.  Do erro na determinação do valor de realização:

De acordo com o disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos, “1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a)                 Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;

 (…)”.

 

Concordam as Partes que a cedência dos direitos reais sobre os imóveis cujo valor, na partilha, integraria o quinhão hereditário de um dos herdeiros, mediante o pagamento de tornas por parte daquele que leva bens de valor superior à quota que lhe caberia na herança, constitui situação enquadrável na previsão da norma de incidência no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS.

 

Indispensável se torna, pois, para apuramento dos rendimentos sujeitos a IRS, conhecer previamente o valor de realização que, no caso da partilha da herança, será o da respetiva contraprestação (cfr. o artigo 44.º, n.º 1, alínea d), do Código do IRS), equivalente às tornas recebidas pelo herdeiro que levou bens de valor inferior ao do seu quinhão hereditário, no caso, o Requerente.

 

No caso concreto dos autos, como demonstra a factualidade provada supra, muito embora tenha sido celebrada apenas uma escritura de partilha, nela foram partilhadas duas heranças, a da Mãe e a do Pai do Requerente, tendo este direito a dois quinhões hereditários, um de cada progenitor.

 

Parece, pois, evidente, que as tornas recebidas pela cedência de parte de cada um daqueles quinhões hereditários corresponderão à diferença entre os bens que, em cada herança, couberam ao Requerente na partilha, e o valor da quota que em cada uma delas detinha.

 

Destarte, afigura-se não assistir razão à AT na afirmação de que “A AT não sabe, nem tem de saber, que bens ou parte de bens estão em causa” (artigo 20.º, da Resposta), pois, é precisamente com a partilha que o herdeiro passa a ser considerado sucessor único dos bens que nela lhe foram atribuídos, conforme o artigo 2119.º, do Código Civil, sendo que, “Embora cada um dos herdeiros tenha desde a abertura da sucessão direito a uma parte ideal da herança, é apenas com a partilha que esse direito se concretiza tornando certos e determinados os bens que couberem ao herdeiro” – cfr. o Acórdão proferido pelo STA em 28 de janeiro de 2015, processo n.º 0450/14, disponível em http://www.dgsi.pt/.

 

Nem sem identificação dos bens que couberam ao Requerente em cada uma das heranças, de Mãe e de Pai, seria possível imputar corretamente o valor das tornas a cada uma delas, pois, como a AT reconhece, “As tornas que o R. recebeu têm uma necessária correspondência com bens (ou parte de bens) que lhe caberiam e que adjudicou/alienou a outro herdeiro” (artigo 20.º, da Resposta).

 

É certo que, na escritura de partilha, apenas se faz referência ao valor global das tornas recebidas pelo Requerente, sem discriminação da parte a imputar a cada quinhão hereditário, mas com indicação dos bens que lhe couberam (identificados como bens próprios da Mãe, bens próprios do Pai – em que se incluem direitos cemiteriais, que, não podendo ser qualificados como imóveis (mas sim como direitos de concessão de bens do domínio público municipal), se tornam irrelevantes para o apuramento do rendimento de mais-valias –, e bens comuns).

 

Porém, tal facto não autoriza que a AT proceda à repartição proporcional das tornas, quando lhe seria possível e, até mesmo, exigível, proceder à sua imputação exata a cada uma das heranças partilhadas.

 

Efetivamente, teria sido possível à AT saber, com base nos valores constantes da escritura de partilha, qual o valor dos imóveis que o Requerente recebeu para composição do seu quinhão hereditário na herança da Mãe (bens próprios – verbas 18, 19 e 25 e a legítima dos descendentes na sua meação da verba 29) e na herança do Pai (bens próprios – verbas 4, 5, 6 e 7, para além da sua meação, acrescida da legítima do cônjuge sobrevivo, na verba 29) para, por comparação com o valor de cada quinhão hereditário, determinar o valor das tornas a tributar, sabendo, como se sabe, que as tornas recebidas para preenchimento do quinhão hereditário materno se encontram excluídas da incidência de imposto, por força da norma transitória do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, que aprovou o Código do IRS.

 

Repartindo proporcionalmente o valor das tornas recebidas pelo Requerente, sem atender ao quinhão hereditário que este detinha em cada herança nem aos bens imóveis que de cada uma recebeu, o que a AT faz é criar uma espécie de presunção do valor tributável.

 

Mas a presunção não é mais do que uma ilação “que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido” (artigo 359.º, do Código Civil). Ora, sendo possível à AT, pela simples subtração do valor dos bens que couberam ao Requerente em cada uma das heranças partilhadas ao valor do quinhão que em cada uma delas detinha, apurar o valor exato das tornas tributáveis, não poderia criar tal presunção, tanto mais que a presunção de rendimentos, salvo casos excecionais previstos na lei, não se compagina com o princípio da tributação pelo rendimento real.

Daí que se deva dar por demonstrado o erro da AT no apuramento do valor de realização considerado no cálculo do rendimento de mais-valias em que assentou a liquidação adicional de IRS do ano de 2011, objeto dos autos.

 

3.3.             Do erro na determinação do valor de aquisição:

O ganho sujeito a mais-valias pela alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis é dado pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição (artigo 10.º, n.º 4, alínea a), do Código do IRS), sendo o valor dos rendimentos tributáveis o correspondente a metade do saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano (artigo 43.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo Código).

 

Para apuramento do referido saldo ou diferença, haverá que conhecer, antecipadamente, quer o valor de realização, quer o valor de aquisição dos direitos alienados.

 

Determina o n.º 1 do artigo 45.º, do Código do IRS, que o valor de aquisição a título gratuito é o que tenha sido considerado para efeitos de liquidação do imposto do selo (alínea a)) ou o que serviria de base àquela liquidação, caso fosse devido imposto (alínea b)). Este valor de aquisição é corrigido pela aplicação do coeficiente de correção monetária a que se refere o n.º 1 do artigo 50.º, do Código citado, sendo caso disso, considerando-se a data de aquisição que constar do título aquisitivo (n.º 2, proémio).

 

No caso em análise, à data da abertura da sucessão do Pai do Requerente, a única data relevante para o apuramento das mais-valias em questão, encontrava-se em vigor o Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto Sobre as Sucessões e Doações, sendo as transmissões mortis causa sujeitas a este último imposto, substituído pelo Imposto do Selo nas transmissões gratuitas (alterações introduzidas ao Código do Imposto do Selo pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro (reforma da tributação do património).

 

Assim, o valor a considerar como valor de aquisição será o que serviu de base à liquidação do Imposto Sucessório, como vem sendo comummente aceite.

 

Admite expressamente a AT não ter atendido ao real valor de aquisição dos direitos reais sobre imóveis transmitidos pelo Requerente na escritura de partilha, mediante o recebimento de tornas. Alegando o seu desconhecimento, admite ter ficcionado o valor mínimo aceite pelo sistema informático de liquidação do IRS, de € 0,01.

 

Justifica a AT a sua ficção com o facto de o Requerente, a quem caberia a prova do valor de aquisição, não ter procedido à apresentação da declaração de substituição referente aos rendimentos do ano de 2011, apesar de para tanto ter sido notificado. E que, só muito após o decurso do prazo de notificação apresentou um requerimento a que fez anexar cópia da liquidação do Imposto Sucessório por óbito de seu Pai.

 

Ora vejamos: é facto assente que os Requerentes apresentaram atempadamente a declaração modelo 3 de IRS referente aos rendimentos do ano de 2011, na qual não incluíram os anexos G e G1 referentes às tornas recebidas na partilha dos imóveis que integravam as heranças da Mãe e do Pai do Requerente, conforme a escritura de partilha celebrada em 4 de novembro daquele ano.

 

Tal omissão autorizaria a AT à correção dos valores declarados, nos termos do artigo 65.º, n.ºs 4 e 5 e do artigo 76.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código do IRS.

Apesar da notificação expedida ao Requerente, não foi apresentada declaração de substituição, com os anexos G e G1, dentro do prazo da notificação, o que deu aso à emissão da liquidação adicional de IRS do ano de 2011, agora impugnada.

Todavia, resta saber se a dita liquidação foi efetuada com base nos elementos na posse da AT ou, por outras palavras, se, face à omissão declarativa, as correções efetuadas aos rendimentos declarados pelos Requerentes para o ano de 2011, poderiam ser de outro teor, nomeadamente as que respeitam ao apuramento do valor de aquisição da parte do quinhão hereditário pelo qual o Requerente recebeu tornas geradoras de rendimentos de mais-valias.

Um dos princípios que regem a atividade da AT é o princípio do inquisitório, com consagração legal no artigo 58.º, da LGT, segundo o qual “A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.”.

Ora, o facto de o procedimento de liquidação (oficiosa) ter sido da iniciativa da AT e de não ter havido a colaboração do sujeito passivo dentro do prazo da notificação, não dispensava a AT de proceder a todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade material, na prossecução do interesse público da legalidade da liquidação, ainda que de resultado desfavorável à pretensão de arrecadação de receita, como determina o princípio da imparcialidade.

Para além de que, ainda que fora do prazo da audição prévia, sempre a AT deveria ter levado em consideração os documentos anexos à petição do Requerente, de 22 de junho de 2015 (data muito anterior à da emissão da liquidação impugnada), nomeadamente a cópia da liquidação do Imposto Sucessório sobre a herança de seu Pai.

Trata-se de uma liquidação efetuada pela AT e na sua posse, facilmente localizável pela data e morada do Autor da herança, identificados na escritura de partilha (a competência para a liquidação do Imposto Sucessório era da Repartição de Finanças do concelho ou bairro do domicílio do finado ao tempo da morte, nos termos do artigo 59.º, do respetivo Código) e nada impede que “(…) fora do âmbito da audição prévia, os interessados podem[ssam] fazer alegações, trazer documentos e outros elementos, em qualquer momento anterior à decisão final, ao abrigo dos princípios da descoberta da verdade material e do inquisitório (…)”[1]

Não tem a AT razão ao dizer que “Era ao R. que cabia indicar e demonstrar os valores de aquisição – o que não fez atempadamente”, pois não se trata de uma questão de prova, mas sim de um poder-dever de inquisitório que sobre si impende e precede as regras sobre o ónus da prova, que devem ser concebidas “num sentido subsidiário ou supletivo, aplicando-se apenas quando o princípio do inquisitório se afigure insuficiente[2]

Tendo a AT ficcionado o valor de aquisição, em preterição do valor real, por omissão das diligências necessárias ao seu apuramento e desconsideração dos documentos apresentados pelo Requerente em data anterior à da liquidação, conclui-se ser-lhe exclusivamente imputável o erro na determinação daquele valor.

3.4.             Do erro no apuramento dos rendimentos de mais-valias:

Concluindo-se pelo erro na determinação quer do valor de realização, quer do valor de aquisição em que assentou o apuramento dos rendimentos de mais-valias na origem da liquidação adicional impugnada, a conclusão que se impõe é a de que esta consubstancia um ato tributário ilegal, por violação do bloco de legalidade que preside à determinação daquele tipo de rendimentos.

4.    Do pedido de juros indemnizatórios

O processo arbitral tributário foi concebido como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, n.º 2 (primeira parte) da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril – Lei do Orçamento do Estado para 2010), devendo entender-se incluídos na competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD os poderes que, na impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, como é o de apreciar o erro imputável aos serviços.

Por outro lado, face ao disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT, fica a AT vinculada a, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que inclui “o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”.

De igual modo, o artigo 100.º da LGT, aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.

Dispondo o n.º 1 do artigo 43.º, da LGT, que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

São imputáveis à AT seja o erro sobre os pressupostos de facto, que ocorre sempre que haja “uma divergência entre a realidade e a matéria de facto utilizada como pressuposto na prática do ato”[3], seja o erro sobre os pressupostos de direito, quando “na prática do ato tenha sido feita errada interpretação ou aplicação das normas legais, como as normas de incidência objetiva e subjetiva (…)”[4] e “fica[m] demonstrado[s] quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação judicial dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte”[5].

No caso em apreço, afigura-se manifesto que, declarada a ilegalidade da liquidação adicional de IRS do ano de 2011 (assim como a da acessória liquidação de juros indemnizatórios), por ter ficado demonstrado o erro na determinação dos rendimentos de mais-valias que lhe deram origem, o que justifica a sua anulação, terá de reconhecer-se o direito dos Requerentes a juros indemnizatórios sobre a quantia indevidamente paga, desde a data do respetivo pagamento, conforme estatui o n.º 5 do artigo 61.º, do CPPT, já que tal ilegalidade é exclusivamente imputável à Administração Tributária.

  1. Questões de conhecimento prejudicado

Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT). As questões a apreciar pelo tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

Em face da solução dada às questões relativas à determinação do rendimento de mais-valias e ao pagamento de juros indemnizatórios, fica prejudicado o conhecimento do invocado vício de falta de fundamentação do ato impugnado, pois que, de acordo com o disposto no artigo 124.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do CPPT, foi conhecido o vício de cuja procedência se crê assegurar a mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos.

 

6.        DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se em, julgando inteiramente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral:

6.1.Declarar a ilegalidade da liquidação adicional de IRS do ano de 2011 impugnada, por erro na determinação dos rendimentos de mais-valias em que assentou, determinando a sua anulação;

6.2.Condenar a AT à restituição da quantia indevidamente paga pelos Requerentes, acrescida de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da respetiva nota de crédito.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 4 404,11 (quatro mil, quatrocentos e quatro euros e onze cêntimos).

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 612,00 (seiscentos e doze euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Lisboa, 26 de setembro de 2016.

O Árbitro,

 

/Mariana Vargas/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990. 

 



[1] -“Cfr. CAMPOS, Diogo Leite de e SOUTELINHO, Susana, “Direito do Procedimento Tributário”, Almedina, Coimbra, 2013, pág. 138.

[2] Cfr. ROCHA, Joaquim Freitas da, “Lições de Procedimento e Processo Tributário”, 5.ª Edição, Coimbra Editora, 2014, pág. 125.

[3] SOUSA, Jorge Lopes de “Código de Procedimento e de Processo Tributário – anotado e comentado”, II Volume, Áreas Editora, 6.ª Edição, 2011, pág. 115.

[4] Idem, ibidem.

4 CAMPOS, Diogo Leite de, RODRIGUES, Benjamim Silva, SOUSA, Jorge Lopes de “Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada”, Encontro da Escrita, 4.ª Edição, pág. 342.