Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 270/2016-T
Data da decisão: 2016-09-28  Selo  
Valor do pedido: € 27.209,28
Tema: IS – Verba 28 da TGIS; Terrenos para construção
Versão em PDF

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

1.      RELATÓRIO

 

1.1.  A…, residente na Rua …, …, Porto, contribuinte n.º…, B…, residente na Rua …, …, … Esq., Porto, contribuinte n.º…, C…, residente na Av…, …, …º…, Lisboa, contribuinte n.º … e D…, residente na Rua …, …, …, Porto, contribuinte n.º … (Requerentes), apresentaram em 16/05/2016, pedido de pronúncia arbitral, no qual peticionam a declaração de ilegalidade das decisões de indeferimento dos recursos hierárquicos n.º …2015…, n.º …2015… (…/2015), n.º …2015… (…/2015) e n.º …2015… (…/2015) oportunamente apresentados na sequência do indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa das liquidações de Imposto do Selo dos anos de 2012 e 2013 e, bem assim, a anulação dos respectivos actos de liquidação.

 

1.2.  O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou, em 07/06/2016, como árbitro singular o signatário desta decisão.

 

1.3.  No dia 26/07/2016 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

1.4.  Cumprindo-se o disposto no n.º 1 do artigo 17.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) foi a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) notificada, em 27/07/2016, para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.

 

1.5.  Em 08/08/2016 a AT apresentou resposta, solicitando, ainda, a dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

1.6.  O tribunal arbitral em 11/08/2016 decidiu dispensar a realização da reunião a que n.º 1 do artigo 18.º do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, convidando ambas as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas facultativas e agendou a data para prolação da decisão final.

 

1.7.  Nem os Requerentes nem a AT apresentaram alegações escritas facultativas.

 

 

2.      SANEAMENTO

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.

 

O processo não enferma de vícios que afectem a sua validade.

 

Verificam-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

 

3.      POSIÇÕES DAS PARTES

 

São duas as posições em confronto, a dos Requerentes, vertida no pedido de pronúncia arbitral e a da AT na sua resposta.

 

Para fundamentar o seu pedido os Requerentes alegam, em síntese que:

 

a)      “(…) a interpretação de que os terrenos para construção se encontram sujeitos a este imposto nos anos em causa viola os princípios da legalidade e tipicidade tributárias (…)”;

 

b)      “Sucede que o legislador (…) lançou mão de um conceito que não é utilizado em qualquer outra legislação tributária que é o de «prédio com afectação habitacional»”;

 

c)      “O que igualmente é reconhecido pela AT nas decisões de indeferimento dos recursos hierárquicos aqui em causa.”;

 

d)     “Neste sentido, estando nos autos um terreno para construção (…) importa interpretar o preceito em causa para concluir se os terrenos para construção, cujo valor patrimonial tributário seja superior a um milhão de euros, são susceptíveis de integrar o âmbito de incidência da Verba 28.1 da TGIS, na sua redação originária, ou seja, antes da alteração desta verba introduzida pela Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de Dezembro.”;

 

e)      “Sobre esta mesma questão foram já proferidas múltiplas decisões, quer pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA), quer pelos tribunais arbitrais tributários, sendo que, de forma uniforme e reiterada, estes tribunais têm decidido em sentido contrario àquele sustentado pela AT (…)”;

 

f)       “Com efeito, um «prédio com afectação habitacional» pressupõe, desde logo, que já se encontra concretizada uma afectação efectiva habitacional, o que depende, naturalmente, da existência de edifícios ou contruções”;

 

g)      “Ora, afectação habitacional não poderá sugerir outro sentido que não seja a acção de dar a certo bem o destino de casa ou de lugar onde se mora.”;

 

h)      “O que não pode acontecer, por natureza, com um terreno para construção.”;

 

i)        Por outro lado, “(…) o facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (…) não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como «prédios com afectação habitacional».”;

 

j)        “Ademais, não parece razoável admitir que o recurso a normas de incidência: uma coisa são as regras que o legislador impõe para determinar o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, não sendo estranho que se atenda à sua capacidade construtiva e à natureza e vocação do que neles possa ser edificado; outra, diversa, é pretender que essas regras sejam convocadas para recortar o campo da previsão normativa das regras de incidência.”;

 

k)      Ora, “(…) na classificação como «terreno para construção» mostra-se, efectivamente, irrelevante a afectação que as futuras construções venham a ter, designadamente habitacional, comercial industrial ou para serviços (…)”;

 

l)        “Daqui retira-se, sem marguem para dúvidas, que a realidade a tributar que foi tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da Lei, «os prédios habitacionais», aqueles que têm afectação habitacional actual, em linguagem corrente, «as casas», e não outras realidades, como os terrenos para construção.” [realce dos Requerentes];

 

 

m)    Em conclusão, “(…) sempre se diga que, muito provavelmente mercê da sua imprecisão terminológica, a redacção originária da verba 28.1 da TGIS teve vida curta, porquanto essa referência a «prédios com afectação habitacional»  foi abandonada aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral e que recorta agora o seu âmbito de incidência através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.”;

 

n)      “Esta alteração – a que o legislador não atribuiu caracter interpretativo –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção, cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros) (…)”;

 

o)      “Mas nada esclarece em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013), como as que estão em causa nos presentes autos.”.

 

 

Doutro modo, a AT, defendendo-se por impugnação, sustenta, em síntese, o seguinte:

 

a)      “(…) no que tange à verba 28.1 da TGIS (…) é um facto incontornável que, previsivelmente por razões de certeza e segurança jurídicas, não foi atribuída à Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro (LOE 2014) natureza interpretativa, o que obsta à sua aplicação aos factos tributários ocorridos em data anterior à sua entrada em vigor, como sucede no caso vertente.”;

 

b)      “O certo também é que não se nos afigura despicienda a conclusão de que o legislador, ao reconhecer a necessidade de se expressar com uma maior precisão, acabou justamente por demonstrar ter sido sempre seu intento tributar em sede de imposto de selo-verba 28.1 os terrenos para construção, enquanto prédios urbanos afectos à habitação com um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00.”;

 

c)      “E que, portanto, a AT sempre esteve certa em apelar para uma interpretação que atendesse ao espírito da norma, procurando sistematizá-la no contexto mais vasto da codificação dos impostos sobre o património, designadamente no código do Imposto Municipal sobre os Imóveis.”;

 

d)     “(…) a AT sempre preconizou o entendimento de que, embora não expressamente previstos na lei, os terrenos para construção, de harmonia com nº 1 do artigo 2º do CIMI e com o nº 1 do artigo 6º, do mesmo diploma legal, para os quais remete o nº 2 do artigo 67º do CIS, estão igualmente sujeitos a tributação em sede de imposto de selo – verba 28.1 da TG, enquanto prédios urbanos, «terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida a comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção»” [realce e sublinhado da AT];

 

e)      “Tendo reiterado que para o preenchimento do conceito de afectação habitacional sempre se teria de atribuir o mesmo sentido empregue pelo nº 2 do artigo 45º do CIMI que, para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, manda atender à área a construir e à utilização a ser dada a essa construção, ou seja, «às características de uma realidade que ainda não existe, que é o prédio urbano que nele se vai poder construir.» (José Maria Fernandes Pires in Lições sobre o Património e Imposto de Selo, Almedina Coimbra, 2011, pag 100 e 101)” [sublinhado da AT];

 

f)       “Quanto ao momento que deve determinar essa «afectação», a AT sempre defendeu que esse momento deveria corresponder à atribuição do alvará de loteamento pois nesta fase, apesar de ainda não se verificar uma efectiva edificação do prédio, é possível determinar com precisão a afectação do terreno para construção, dadas as exigências específicas impostas pelo artigo 77º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) e também dos Planos Directores Municipais.”;

 

g)      “É assim inegável que a AT procurou sistematizar a tributação da verba 28.1 no código do IMI e nas regras de avaliação dos prédios urbanos, promovendo uma interpretação da expressão «afectação habitacional», à luz dos critérios interpretativos ínsitos no artigo 9º do Código Civil, dada a evidente desconformidade entre a letra e o pensamento da lei.”;

 

h)      “Pelo que à luz dos argumentos deduzidos a AT não considera que as liquidações ora sindicadas, enfermam do vício de violação de lei (…)”;

 

i)        “Como resulta claríssimo no preâmbulo do projecto de lei onde o legislador deu a conhecer os seus motivos, o que a Lei n.º 55-A/2012, de 29.10, visou tributar sujeitando a Imposto do Selo (IS) a propriedade e outros direitos reais sobre prédios urbanos de valor patrimonial tributário (VPT) igual ou superior a € 1.000.000,00, foi a riqueza sinalizada por essa propriedade.” [realce da AT];

 

j)        “Intento que pensamos não ter sido objecto da devida ponderação e a esta conclusão chegou também o legislador que decidiu através do artigo 192º da Proposta de Lei do Orçamento de Estado para 2014, alterar o texto da norma da verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo, aí ficando expressamente determinado que o imposto de selo de 1% sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afectação habitacional, com o valor patrimonial tributário igual ou superior a um milhão de euros, passaria igualmente a incidir sobre “terrenos para construção, cuja edificação autorizada ou prevista seja habitação”, alargando, deste modo, o seu campo de incidência.”.

 

 

 

4.      MATÉRIA DE FACTO

 

4.1.  FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS

 

Em face dos documentos carreados para o processo, dá-se como provado que:

 

4.1.1.      Os Requerentes são, por herança, comproprietários de metade do prédio urbano da espécie “terreno para construção” inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, Porto, sob o artigo P-… .

 

4.1.2.      À data das referidas liquidações, o valor patrimonial tributário (VPT) do prédio urbano em causa ascendia a € 2.720.926,75.

 

4.1.3.      A AT procedeu à liquidação, por referência aos anos de 2012 e 2013, do Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo (Tabela Geral), que ascendeu, na parte relativa aos Requerentes, ao montante global de € 27.209,28 (€ 3.401,16 por ano, por cada um dos Requerentes).

 

4.1.4.      Não se conformando com o teor dos actos de liquidação, os Requerentes apresentaram pedidos de revisão oficiosa contra os actos de liquidação de Imposto do Selo dos anos de 2012 e 2013.

 

4.1.5.      Uma vez julgados improcedentes, os Requerentes recorreram hierarquicamente alegando, em suma, que a interpretação da verba 28.1 da Tabela Geral, na redacção anterior à da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, no sentido de que a mesma se aplica aos terrenos para construção é contrária à lei e à jurisprudência.

 

4.1.6.      Através dos ofícios expedidos pelo Serviço de Finanças do Porto –…, datados de 15/02/2016, os Requerentes foram notificados das decisões proferidas pela Direcção de Serviços de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis, Imposto do Selo, Imposto Único de Circulação e Contribuições Especiais da AT, que indeferiram os recursos hierárquicos oportunamente apresentados na sequência do indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa das liquidações de Imposto do Selo dos anos de 2012 e 2013.

 

4.1.7.      Inconformados com a decisão de indeferimento dos recursos hierárquicos apresentados, os Requerentes apresentaram, em 16/05/2016, o pedido de pronúncia arbitral em apreço.

 

 

4.2.  FACTOS QUE NÃO SE CONSIDERAM PROVADOS

 

Não existem factos com relevo para a decisão que não tenham sido dados como provados.

 

 

5.      O DIREITO

 

5.1.  DA ILEGALIDADE DOS ACTOS DE LIQUIDAÇÃO DO IMPOSTO DO SELO DE 2012 E 2013

 

No caso em apreço, questão fundamental sob apreciação pelo tribunal arbitral consiste em saber se, no âmbito de incidência da Verba n.º 28 da Tabela Geral, na sua redacção à data dos factos tributários se incluem, ou não, os terrenos para construção. Ou seja, para tal efeito, os terrenos que integram esta espécie são, ou não, susceptíveis de serem considerados “prédios urbanos com afectação habitacional”?

 

Sobre esta matéria é já abundante a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) e a jurisprudência arbitral em sentido contrário. [1] [2]

 

Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe, por com ela continuarmos a concordar integralmente, pelo que nos limitaremos a reproduzir o que sobre a questão ficou dito no referido Acórdão do STA, de 9 de Abril de 2014, proferido no Processo n.º 1870/13 [3], senão vejamos:

 

“O conceito de «prédio (urbano) com afectação habitacional» não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação –, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.” [sublinhados nossos].

 

“Esta alteração – a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (…), como a que está em causa nos presentes autos.” [sublinhado nosso].

 

“Ora, quanto a estas, não parece poder perfilhar-se a interpretação da (…)” AT “(…), porquanto não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

De facto, “Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária – em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.” [sublinhado nosso].

 

“E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido - como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD –, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades.”. [4]

 

“O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os nºs 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI).”.

 

“Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI).”.

 

Nesta medida, “(…) atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.” [sublinhados nossos].

 

“Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.”.

 

Veja-se, por um lado, como nota o Acórdão do STA, de 25 de Novembro de 2015, proferido no Processo n.º 01338/15 [5], cujo resumo se transcreve:

 

“Não tendo o legislador definido o conceito de prédios (urbanos) com afectação habitacional, mas resultando do art. 6.º do CIMI (subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral) uma clara distinção entre prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei nº 55-A/2012, de 29/10), como prédios urbanos com afectação habitacional.” [sublinhado nosso].

 

E, por outro lado, como conclui o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 19 de Maio de 2016, proferido no Processo n.º 09509/16 [6]:

 

“No âmbito do C.I.M.I. (cfr.artº.6, do C.I.M.I.) um prédio com determinada afectação (habitacional, comercial e industrial) pressupõe a existência de uma edificação apta para ser utilizada com determinado fim, o que não ocorre nos terrenos para construção, em que estamos perante apenas «edificações autorizadas ou previstas» com possível afectação à habitação ou outra. É certo que a nova redacção da verba nº.28.1, da Tabela Geral do Selo, introduzida pela Lei 83-C/2013, de 31/12, vem fazer incidir a tributação sobre "prédio habitacional ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação", mas tal norma não tem carácter interpretativo, antes é inovatória. Afigura-se-nos, pois, que a Lei 55-A/2012, de 29/10, ao aditar à Tabela Geral do Imposto do Selo a «Verba nº.28», sujeitando a imposto de selo os prédios urbanos «com afetação habitacional», cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do C.I.M.I., seja igual ou superior a € 1.000.000,00, não engloba na sua previsão os lotes de terreno para construção, uma vez que aquela expressão pressupõe a existência de uma edificação apta para ser utilizada para habitação, requisitos que os lotes de terreno não possuem. O que só veio a ocorrer com a alteração à referida verba introduzida pela citada Lei 83-C/2013, de 31/12, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2014, que passou a englobar «prédio habitacional ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação»".” [sublinhados nossos].

 

Reitera-se, uma vez mais, a linha jurisprudencial traçada.

 

Por todo o exposto, considerando que o prédio dos Requerentes estava inscrito matricialmente como “terreno para construção” à data do(s) facto(s) tributário(s) relativo(s) ao(s) ano(s) de 2012 e 2013, não pode ser aplicável ao caso sub judice a norma de incidência em crise, sob pena de ilegalidade. Razão pela qual, devem ser anuladas as liquidações de Imposto do Selo, com todas as consequências legais.

 

Com efeito, fica assim prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pelos Requerentes, por ter sido declarada a ilegalidade das liquidações supra identificadas, por vício substantivo que impede a renovação dos actos, assegurando-se eficazmente a tutela dos direitos da Requerente, de harmonia com o preceituado no artigo 124.º do CPPT. [7]

 

5.2.  JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

À luz do disposto no artigo 24.º, n.º 5, do RJAT – na parte em que se diz que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, tem-se entendido que esta norma permite o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios em processos arbitrais.

 

Justifica-se assim, pelo exposto, a análise do pedido de pagamento de juros indemnizatórios à Requerente. 

 

São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (cfr. artigo 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária).

 

É, por isso, condição necessária para a atribuição dos referidos juros a demonstração da existência de erro imputável aos serviços. Nesse sentido, vejam-se, por ex., os seguintes arestos: “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT [...] depende de ter ficado demonstrado no processo que esse ato está afetado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.” (Acórdão do STA de 30 de Maio de 2012, proc. 410/12); “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária pressupõe que no processo se determine que na liquidação «houve erro imputável aos serviços», entendido este como o «erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal»” (Acórdão do STA de 10 de Abril de 2013, proc. 1215/12).

 

Ora, tendo havido, como decorre da presente decisão arbitral, erro imputável aos serviços – o qual conduz à anulação dos actos tributários em causa e à consequente devolução dos montantes pagos pelos Requerentes, nos termos do disposto no artigo 173.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT –, conclui-se, sem necessidade de mais considerações, pela procedência do pedido de pagamento de juros indemnizatórios aos Requerentes.

 

 

6.      DECISÃO

 

Com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

 

a)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegais as liquidações de Imposto do Selo de 2012 e 2013, com todas as consequências legais;

b)      Julgar procedente o pedido de reconhecimento do direito dos Requerentes ao pagamento de juros indemnizatórios;

c)      Condenar a AT a restituir aos Requerentes o Imposto do Selo indevidamente pago, no montante de € 27.209,28;

d)     Condenar a AT em custas.

 

 

7.      VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 27.209,28 (vinte e sete mil, duzentos e nove euros e vinte e oito cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

 

8.      CUSTAS

 

Custas a suportar pela AT, no montante de € 1.530 (mil quinhentos e trinta euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos do n.º 2 do artigo 22.º do RJAT.

 

 

 

Notifique.

Lisboa, 28 de Setembro de 2016

 

 

O árbitro,

 

 

(Hélder Filipe Faustino)

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 131.º, do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT. A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 



[1] Cfr. Andreia Gabriel Pereira, “As «Casas de Luxo» e o Imposto do Selo. Comentário ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (2.ª Secção), de 5 de Fevereiro de 2015, proferido no processo n.º 0993/14, Relator Cons. Francisco Rothes”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano VII, N.º 4, Julho de 2015, pp. 235 e ss.

[2] Vejam-se, a título de exemplo, as decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos n.º 218/2013-T, n.º 247/2013-T, n.º 66/2014-T e n.º 202/2014-T, disponíveis em https://caad.org.pt/.

[3] Ex vi do Acórdão do STA, de 29 de Abril de 2015, proferido no Processo n.º 021/15, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

[4] Conforme aponta Andreia Gabriel Pereira, “(…) visou-se criar uma tributação específica para os titulares das denominadas «casas de luxo», o que, aliás, é possível inferir do facto de a Verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo incidir apenas sobre os prédios destinados à habitação (e, marginalmente, sobre os prédios detidos por residentes em paraísos fiscais). Foi assim que aquela Verba foi apresentada à opinião pública e por esta percepcionada.”. Op. Cit. pág. 237.

[5] Disponível em www.dgsi.pt.

[6] Disponível em www.dgsi.pt.

[7] Subsidiariamente aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.