Decisão Arbitral
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Relatório
1.1 “A…, Ld.ª”, doravante designada por «Requerente», NIPC…, com sede na Rua …, n.º …-…, …, concelho de …, requereu a constituição de tribunal arbitral singular, ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por «RJAT») e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
1.2 O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 15 de fevereiro de 2016, tem por objeto a decisão de indeferimento tácito do recurso hierárquico interposto na sequência do indeferimento da reclamação graciosa (Processo n.º …2015…), referente à liquidação oficiosa de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) n.º 2014 … relativa ao exercício de 2011, no montante de 35 864,36 €, no âmbito da qual, ao lucro tributável de 128 145,57 €, constante da declaração de substituição apresentada em 12 de abril de 2013, não foi deduzido o prejuízo fiscal do exercício de 2010, no montante de 56 901,77 €, constante da declaração de substituição apresentada em 24 de abril de 2013.
1.3 Requer ainda a condenação da Requerida à restituição do referido montante, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), desde a data do pagamento indevido do imposto, ou seja, 13 de maio de 2015, até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
1.4 A Requerente optou por não designar árbitro.
1.5 O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 16 de fevereiro de 2016.
1.6 O signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro do tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, e comunicada a aceitação do encargo no prazo aplicável.
1.7 Em 13 de abril de 2016, as Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
1.8 Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 29 de abril de 2016.
1.9 A Requerida foi notificada, por despacho arbitral de 29 de abril de 2016, para, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT e no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional.
1.10 Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar o processo administrativo (PA) referido no artigo 111.º do CPPT.
1.11 Em 27 de maio de 2016, a Requerida apresentou a sua resposta, defendendo-se por impugnação e pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
1.12 Na mesma data juntou cópia do referido PA.
1.13 Considerando que as Partes não requereram a produção de qualquer prova, para além da que a Requerente juntou ao pedido de pronúncia, o Tribunal Arbitral, face aos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidades processuais, ínsitos no n.º 2 dos artigos 19.º e 29.º do RJAT, por despacho de 27 de maio de 2016, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do mesmo diploma, tendo ainda decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas, facultativas, de forma sucessiva para a Requerida.
1.14 Em 30 de maio de 2016, foram as Partes notificadas desse despacho, tendo a Requerida, em 27 de junho de 2016, apresentado as suas alegações e formulado as respetivas conclusões.
1.15 Em 09 de junho de 2016 vem a Requerente dar por reproduzido o anteriormente alegado na sua petição inicial.
1.16 Foi ainda designada a data de 08 de setembro de 2016 para a prolação da respetiva decisão arbitral final.
2. Saneamento
2.1 As Partes têm personalidade e capacidades judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
2.2 Quanto à tempestividade do pedido de pronúncia arbitral, importa referir o seguinte:
Em 18 de agosto de 2015, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que apreciou a questão de mérito, da qual interpôs recurso hierárquico em 17 de setembro de 2015, ou seja, no prazo previsto no n.º 2 do artigo 66.º do CPPT.
Nos termos do n.º 5 deste artigo, os recursos hierárquicos serão decididos no prazo máximo de 60 dias, o qual deverá contar-se da data da remessa do processo ao órgão competente para dele conhecer, conforme o n.º 1 do artigo 198.º do Código do Procedimento Administrativo, aplicável por força da alínea c) do artigo 2.º do CPPT.
O incumprimento deste prazo faz presumir o indeferimento do recurso, conforme n.º 5 do artigo 57.º da LGT, tendo o mesmo ocorrido, pelo menos, em 16 de novembro de 2015.
Assim, sendo o pedido de pronúncia arbitral apresentado em 15 de fevereiro de 2016, o mesmo é tempestivo, uma vez que foi observado o prazo de 90 dias previsto na alínea a), n.º 1, do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, contado nos termos da alínea d), n.º 1 do artigo 102.º do CPPT (formação da presunção de indeferimento tácito) e alínea e) do artigo 279.º do Código Civil, por remissão da alínea a), n.º 1 do artigo 29.º do mesmo decreto-lei e n.º 1 do artigo 20.º do CPPT.
2.3 O processo não enferma de nulidades.
2.4 Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
3. Posição das Partes
3.1 Da Requerente
· Em 12 de abril de 2013 procedeu à entrega da Declaração Modelo 22, referente ao exercício de 2011, «com um prejuízo fiscal declarado no montante de € 128 145,57».
· Em 19 de abril de 2013 foi notificada da correção ao montante dos prejuízos fiscais dedutíveis, efetuada àquele exercício pela AT, «indicando, além do mais, que ao prejuízo fiscal declarado no montante de € 128 145,57 corresponderia um prejuízo fiscal corrigido no montante de € 0,00».
· A AT emitiu a nota de liquidação impugnada «pretensamente pelo valor do prejuízo fiscal deduzido pela impugnante e constante na referida declaração Modelo 22, referente ao período tributário de 2011, não corresponder aos elementos constantes da base de dados da Autoridade Tributária».
· Em 24 de abril de 2013, e perante a referida notificação, «procedeu à entrega de Declaração Modelo 22, referente ao período de tributação de 2010, com um prejuízo fiscal declarado no montante de € 56 901,77».
· Que o prejuízo fiscal declarado, no montante de 128 145,57 €, referente ao exercício de 2011, «não deveria ter sido considerado na sua globalidade pela Autoridade Tributária para emissão da liquidação ora impugnada».
· Que o prejuízo fiscal declarado, no montante de 56 901,77 €, referente ao exercício de 2010, «deveria ter sido aceite pela Autoridade Tributária e consequentemente deduzido no apuramento de imposto a pagar pela impugnante referente ao período tributário de 2011».
· Que os prejuízos fiscais antes referidos «foram contabilisticamente apurados pela Impugnante, conforme decorre dos respectivos extratos contabilísticos referentes aos anos de 2010 e 2011».
· Que não foi provada a verificação dos pressupostos de que depende a exigibilidade da liquidação, pelo que «é manifesto que não se constituiu qualquer facto tributário, pelo que o pagamento exigido à demandante é ilegal e inexigível».
· Doutro modo «teria de concluir-se que a Autoridade Tributária poderia exigir o pagamento da quantia em causa independentemente da demonstração e verificação dos pressupostos legalmente estabelecidos, como se verifica no presente caso, criando livremente impostos, o que é inadmissível».
· Pelo que o ato de liquidação impugnado «configura a criação de um verdadeiro imposto ou contribuição especial não permitindo por lei (art. 103.º/2 da CRP e art.s 4.º/2 e 8.º da LGT)».
· O ato em causa é nulo «e de nenhum efeito por falta de atribuições e por ter criado impostos ou contribuições especiais não permitidos por lei», nos termos do artigo 133.º, n.º 2, alíneas a) e d) do CPA e dos artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP.
· Não indica e inexiste qualquer dispositivo legal que fundamente a quantificação do montante apurado.
· O ato carece de fundamentação, violando o disposto no artigo 268.º, n.º 3 da CRP e o artigo 36.º do CPPT.
· Não cumpre os requisitos de fundamentação referidos no artigo 77.º da LGT.
· A quantificação do facto tributário suscita fundadas dúvidas, pelo que o ato de liquidação deve ser anulado ao abrigo do artigo 99.º, n.º 1, alínea a) e 100.º do CPPT.
· A AT violou os princípios constitucionais da confiança, da certeza e segurança jurídica, da legalidade e da retroatividade da lei fiscal, previstos «entre outros nos artigos 12.º da LGT, 12.º do CC e 103.º, n.º 3 da CRP».
· Face ao erro de direito por parte da AT, «visto que procedeu a uma liquidação de IRC obrigando indevidamente a Demandante a pagar uma quantia decorridos três anos após o facto tributário», pugna pela integral procedência do pedido de pronúncia arbitral, com o consequente reembolso das quantias indevidamente pagas, acrescidas dos juros indemnizatórios devidos.
Em 09-06-2016, notificada para alegar por escrito, querendo, vem dar por reproduzido o anteriormente alegado na petição inicial.
3.2 Da Requerida
Defendendo-se, por impugnação, a AT invoca os seguintes argumentos:
· Sendo a anulação da liquidação de IRC a pretensão da Requerente, esta não invoca nenhuma norma do CIRC que considere ter sido violada pela AT, quer ao nível da incidência subjetiva ou objetiva, quer ao nível da determinação da matéria tributável bem como do regime respeitante à dedução de prejuízos fiscais.
· A Requerente limita-se a invocar a nulidade do acto «bem como a alegar a violação de normas constitucionais de forma genérica e muitas vezes descontextualizada sem concretizar como é que tal violação se projecta no acto tributário de liquidação».
· Invocando o vício de usurpação de poder e a ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, previstos no n.º 2 do artigo 133.º do CPA de 1991, como causas da nulidade do ato.
· Que o vício de usurpação de poder ocorrerá quando um órgão da administração tributária exercer uma competência atribuída à função jurisdicional, citando, neste sentido, o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, no seu « Código de Procedimento e de Processo Tributário », II volume, Áreas Editora – 6.ª Ed./2011, pág. 329.
· O que manifestamente não é o caso, uma vez que é missão da AT administrar os impostos, direitos aduaneiros e demais tributos, cfr. artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de dezembro.
· Quanto à alegada nulidade por ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental bem como à falta de fundamentação, transcreve um excerto do acórdão do STA de 25-05-2011 (Processo n.º 091/11) assim parcialmente sumariado:
«I-Em regra, os vícios dos actos administrativos e tributários implicam a sua mera anulabilidade, só ocorrendo nulidade quando falte qualquer elemento essencial do acto, quando a lei expressamente o determine, ou quando se verifiquem as circunstâncias referidas nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 133.º do CPA, designadamente quando ocorra ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental.
II-A fundamentação do acto tributário de liquidação não constitui um direito fundamental, ou, sequer, um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias, e a sua falta ou insuficiência não implica a ausência de elemento essencial do acto, não podendo, assim, gerar a nulidade do acto(…)».
· Que os requisitos legais da fundamentação dos atos tributários constam do artigo 77.º da LGT, o qual determina que «a fundamentação pode ser efectuada de forma sumária e pode consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão parte integrante do respectivo acto».
· Que, conforme jurisprudência maioritária, «a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto, ou seja, quando o destinatário possa conhecer as razões que levaram o autor do acto a decidir daquela maneira e não outra».
· Que a Requerente «tem perfeito conhecimento do conteúdo do acto de liquidação, já que o mesmo foi efectuado no seguimento da entrega das várias declarações modelo 22 de IRC, entre elas as declarações de substituição, nas quais a requerente apurou o lucro tributável e os prejuízos fiscais».
· Que, «quer as declarações modelo 22 entregues pela própria Requerente bem como a notificação respeitante à correcção do prejuízo fiscal, permitem identificar e conhecer, clara e documentalmente, todo o percurso percorrido pela AT para chegar ao valor da liquidação, dando a conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor da decisão, esclarecendo o que levou a decidir num determinado sentido e não em qualquer outro».
· Que se mostra evidente que a Requerente «teve conhecimento da fundamentação do acto de liquidação, o que lhe permitiu vir discuti-lo através da reclamação graciosa, bem como na presente acção arbitral».
· Que não faz sentido a menção do artigo 165.º da CRP que trata da matéria atinente à reserva relativa de competência da Assembleia da República.
· É desprovida de sustentação factual ou legal a invocação do princípio da irretroatividade da lei fiscal, quando, nos presentes autos, não está em causa a aplicação de lei nova, mas, apenas, a aplicação do regime de dedução de prejuízos fiscais, previsto do artigo 52.º do CIRC, e vigente no ano de 2011, a factos tributários respeitantes ao mesmo exercício, tendo a AT respeitado integralmente o prazo de caducidade previsto no artigo 45.º da LGT, quando, em 09 de dezembro de 2014, emitiu a liquidação impugnada.
· Quanto às invocadas inconstitucionalidades por violação dos princípios constitucionais da confiança, da certeza e segurança jurídicas, da legalidade e da retroatividade da lei fiscal, transcreve um excerto do acórdão do STA de 28-09-2011 (Processo n.º 0764/11) resumido nos seguintes termos:
«(…) Ora, como vem afirmando o próprio Tribunal Constitucional, na sua mais recente jurisprudência em matéria fiscal, designadamente nos acórdãos n.ºs 128/2009 e 85/2010 e 399/10 de 27.10.2010, a retroactividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, CRP é somente a autêntica.
Conforme se refere naquele primeiro acórdão: “A retroactividade proibida no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição é a retroactividade própria ou autêntica. Ou seja, proíbe-se a retroactividade que se traduz na aplicação de lei nova a factos (no caso, factos tributários) antigos (anteriores, portanto, à entrada em vigor da lei nova).” Assim para que ocorresse retroactividade autêntica ou própria seria necessário que a norma tivesse sido aplicada a um facto passado, inteiramente decorrido ao abrigo da lei antiga, o que, como se demonstrou, não sucedeu.
Do mesmo modo não se vislumbra qualquer violação do princípio constitucional da protecção da confiança, decorrente da ideia de Estado de Direito democrático (artigo 2.º da Constituição da República).
Nesta matéria, a jurisprudência do Tribunal Constitucional (cf. Acórdãos 128/09 e 287/09) sobre o princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança, vem afirmando que para que esta última seja tutelada é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais:
«a) A afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda
b) Quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição)».
· Também a invocada aplicação do artigo 100.º do CPPT não tem qualquer fundamento, «já que a quantificação do montante dos prejuízos fiscais com vista ao apuramento da sua matéria colectável foi, como impõe o CIRC, efectuada pela Requerente nas várias declarações modelo 22 a partir dos elementos registados na sua contabilidade».
· Quanto à correta interpretação do referido artigo 100.º do CPPT, transcreve um excerto do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 10-05-2011 (Processo n.º 04284/10) resumido nos seguintes termos:
«A «dúvida fundada» a que alude o referido art.º 100.º do CPPT, que implica a anulação do acto impugnado, não pode assentar na ausência ou inércia probatória das partes, sobretudo do impugnante.
Este não deve limitar-se a alegar factos que ponham em dúvida a existência e quantificação de facto tributário.
Cabe-lhe o ónus da prova de tais factos, sem embargo de o juiz, no âmbito do seu poder-dever inquisitório, diligenciar também comprová-los.
Só mediante a prova concludente de tais factos é que é possível pelo fundamento daquela dúvida.
Como aliás também entendem, A. José de Sousa e José da Silva Paixão, in Código de Processo Tributário, Comentado e Anotado, 4.ª Edição, pág. 292, nota 7., "O impugnante tem, por conseguinte, o ónus da alegação dos factos integradores da ilegalidade do acto tributário a anular"...E na nota 10., pág. 293: Sem embargo do ónus da prova de tais factos que recai sobre o impugnante (art.º 342.º do Código Civil)"... A produção de prova está associada à alegação. Quem tem de alegar os factos tem também em princípio, o ónus da produção da prova respectiva».
Cabia à impugnante alegar tal matéria, como em parte alegou – cfr. art.ºs 37º e segs da sua petição inicial de impugnação judicial - mas também prová-la, aliás de acordo com a norma geral em tal matéria do art.º 342.º do CC, que dispõe que «àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado». Princípio que hoje encontra expressa guarida na norma do art.º 74.º da LGT.
(…) E não tendo feito tal prova em contrário, e nem tendo colocado em dúvida séria, fundada, a conclusão tirada pela Administração Fiscal baseada naqueles indícios supra de que tal lançamento se reporta a operação simulada, tem a causa de ser decidida contra a impugnante».
· Sendo que incumbia à Requerente «provar a alegada inexistência do facto tributário (tanto mais que foi a própria a apurar a matéria colectável nas suas declarações) atento ao regime do ónus da prova constante dos artigos 342.º do Código Civil e 74.º, n.º 1 da LGT».
· Não há qualquer dúvida sobre a existência do facto tributário, designadamente o montante de prejuízos fiscais declarado pela Requerente e constante das bases de dados da AT.
· «Vigora no nosso ordenamento jurídico-tributário o princípio da declaração no apuramento da matéria tributável, previsto no artigo 75.º da LGT, pelo que o ponto de partida de qualquer correcção será sempre a declaração e os elementos da mesma constantes, sem prejuízo de incumbir à AT a confirmação de elementos declarados pelos sujeitos passivos».
· Que a matéria coletável, de acordo com o disposto no artigo 16.º do CIRC, é, em regra, «determinada com base na declaração do contribuinte, sem prejuízo do respectivo controlo pela Administração Fiscal, o que permite que as empresas sejam tributadas pelo respectivo lucro real efectivo, calculado com base na sua contabilidade, de acordo com o princípio constitucional da tributação pelo lucro real consagrado no artigo 104.º, n.º 2 da CRP».
· Que o modelo da dependência parcial do direito fiscal ao direito da contabilidade, consagrado pelo legislador no CIRC, implica que «o ponto de partida para a determinação do lucro fiscal é o resultado contabilístico, desempenhando a contabilidade uma função instrumental, mas o resultado contabilístico está sujeito a correcções fiscais decorrentes das regras que o CIRC impõe, como resulta dos artigos 17.º e 89.º»
Termina, pugnando pela total improcedência do pedido de pronúncia arbitral e absolvição da Requerida, uma vez que a liquidação controvertida não padece de qualquer vício, já que a AT se limitou a aplicar as normas legais vigentes aos factos em causa, cumprindo integralmente a disciplina jurídica definida pelo legislador.
Quanto aos juros indemnizatórios peticionados, a Requerida propugna pela improcedência do pedido, uma vez que a liquidação em causa está conforme ao regime legal aplicável.
Em 27-06-2016 apresentou alegações e formulou as suas conclusões, reiterando tudo quanto disse em sede de Resposta, pugnando pela integral improcedência dos pedidos de pronúncia arbitral com a consequente absolvição da instância.
4. Objeto do litígio
Prendendo-se a pretensão da Requerente com a não dedução de prejuízos fiscais do exercício de 2010, no montante de 56 901,77 €, ao lucro tributável pela mesma apurado para o exercício de 2011, no montante de 128 145,57 €, em conformidade com o artigo 52.º do CIRC, a questão que constitui o thema decidenduum consiste em saber se a declaração de rendimentos modelo 22, de substituição, relativa ao exercício de 2010, tardiamente apresentada (para lá do prazo previsto no n.º 2 do artigo 122.º do CIRC), beneficia da presunção de verdade estabelecida no artigo 75.º da LGT.
5.Fundamentação
5.1 Factos provados
Com relevo para a apreciação e decisão das questões de mérito suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
5.1.1 Em 31-05-2011, a Requerente apresentou a declaração modelo 22 de IRC (…-…-…), referente ao exercício de 2010, tendo apurado um lucro tributável de 3 746,94 € (fls. 391/393 do PA).
5.1.2 Tal declaração deu origem à liquidação n.º 2011 … de 27-06-2011, no valor a reembolsar de 189,34 € (fls. 394/396 e 410).
5.1.3 Com referência ao exercício de 2010, a Requerente apresentou três declarações modelo 22 de substituição, a seguir discriminadas:
Data de receção
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Identificação da declaração
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Prejuízo para efeitos fiscais
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Fls. do PA
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05-04-2013
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…-… -…
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4 620,76 €
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412 a 414
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12-04-2013
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…-… -…
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210 792,84 €
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415 a 417
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24-04-2013
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…-… -…
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56 901,77 €
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78 a 82
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5.1.4 Todas as referidas declarações encontram-se na situação de “Doc. Não Liquidável” (fls. 390).
5.1.5 Em 30-05-2012, a Requerente apresentou a declaração modelo 22 de IRC (…-…-…), referente ao exercício de 2011 (fls. 398/402), na qual declara o lucro tributável de 32 050,23 € (quadro 07 – campo 778), os prejuízos fiscais dedutíveis no montante de 325,43 € (quadro 09 – campo 303), os prejuízos fiscais deduzidos no montante de 325,43 € (quadro 09 – campo 309) e a matéria coletável de 31 724,80 € (quadro 09 – campo 311).
5.1.6 Esta declaração originou a liquidação adicional n.º 2012 … de 19-06-2012, no valor a pagar de 422,98 € (fls. 404/405).
5.1.7 Em 12-04-2013, a requerente apresentou declaração modelo 22 de substituição (…-…-…), referente ao exercício de 2011 (fls. 71/75) na qual declara o lucro tributável de 128 145,57 € (quadro 07 – campo 778), os prejuízos fiscais dedutíveis no montante de 211 118,26 € (quadro 09 – campo 303), os prejuízos fiscais deduzidos no montante de 128 145,57 € (quadro 09 – campo 309) e a matéria coletável de 0,00 € (quadro 09 – campo 311).
5.1.8 Os prejuízos fiscais dedutíveis, no montante de 211 118,26 €, correspondem aos prejuízos constantes da declaração modelo 22, de substituição, referente ao ano de 2010, apresentada em 12-04-2013, no montante de 210 792,84 € e aos prejuízos fiscais deduzidos, constantes da declaração modelo 22 referente ao exercício de 2011, apresentada em 30-05-2012, no montante de 325,43 € (210 792,84 € + 325,43 € = 211 118,26 €).
5.1.9 Por consulta à base de dados da AT verificou-se que os resultados fiscais (lucros tributáveis e prejuízos para efeitos fiscais) constantes das declarações modelo 22 de IRC relativas aos exercícios de 2006 a 2011, são os seguintes: (fls. 16)
Exercício
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Lucro tributável
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Prejuízo declarado
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Dedução de prejuízos (€)
|
Dedução de prejuízos (exercícios)
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Prejuízos a reportar
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2006
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0,00 €
|
85,87 €
|
0,00 €
|
----------------------
|
85,87 €
|
2007
|
0,00 €
|
13 875,57 €
|
0,00 €
|
----------------------
|
13 961,44 €
|
2008
|
13 636,01 €
|
0,00 €
|
13 636,01 €
|
2006 e 2007
|
325,43 €
|
2009
|
8 066,77 €
|
0,00 €
|
0,00 €
|
----------------------
|
0,00 €
|
2010
|
3 746,94 €
|
0,00 €
|
0,00 €
|
----------------------
|
0,00 €
|
2011
|
128 145,57 €
|
0,00 €
|
0,00 €
|
----------------------
|
0,00 €
|
5.1.10 Por comunicação de 15 de abril de 2013, a AT informou a Requerente da não correspondência do valor do prejuízo fiscal deduzido com os elementos constantes da sua (da AT) base de dados e, bem assim, da sua consequente correção na liquidação a emitir.
Mais precisamente foi referido o seguinte (fls. 56):
«ASSUNTO: Correção ao valor dos prejuízos fiscais dedutíveis – Período de 2011
Nos termos do n.º 10 do artigo 90.º do Código do IRC, a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu ao controlo dos prejuízos fiscais indicados na declaração periódica de rendimentos modelo 22.
O valor do prejuízo fiscal deduzido nos termos do artigo 52.º do Código do IRC, evidenciado na declaração modelo 22 do período de 2011, não corresponde aos elementos constantes da base de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira e vai ser objeto de correção na respetiva liquidação, conforme evidenciado no quadro anexo (…).
Prejuízo fiscal declarado
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Prejuízo fiscal corrigido
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128.145,57 €
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0,00 €
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Com os melhores cumprimentos (…)».
5.1.11 Em 09-12-2014 foi efetuada a liquidação adicional n.º 2014…, objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, no montante de 35 864,36 € (doc. 1 da p.i. e fls. 50 do PA).
5.1.12 Em 17-12-2014 foi efetuado o acerto de contas n.º 2014…, no montante de 35 441,38 €, a pagar até 16-02-2015, resultante do abatimento do imposto relativo à liquidação n.º 2012…, de 19-06-2012, no valor de 422,98 € (fls. 406/407).
5.1.13 O referido montante de 35 441,39 € foi pago no processo de execução fiscal n.º …2015…, em 13-05-2015 (doc. 3 da p.i.).
5.1.14 Em 08-04-2015 foi apresentada reclamação graciosa (Processo n.º …2015…), nos termos dos artigos 68.º e ss. do CPPT, tendo por objeto a legalidade da liquidação supra (doc. 2 da p.i. e fls. 62/68 do PA).
5.1.15 Em 10-04-2015 a Requerente vem juntar dois documentos (extratos contabilísticos) com os números 5 e 6, que, na reclamação graciosa, protestara fazer (fls. 84/388).
5.1.16 Pelo ofício n.º … (registo: RD … …PT) da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de …, de 07-07-2015, o mandatário constituído da Requerente foi notificado do projeto de despacho de indeferimento da referida reclamação, de 03-07-2015 bem como para, querendo, exercer o direito de audição prévia previsto no artigo 60.º da LGT (doc. 4 da p.i. e 420/424 do PA).
5.1.17 Em 13-08-2015 foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa, o qual foi notificado ao referido mandatário através do ofício n.º … (registo: RD … PT) dos mesmos serviços da Direção de Finanças de … .
5.1.18 Em 17-09-2015 foi interposto recurso hierárquico (doc. 6 da p.i. e fls. 22/29 do PA) tendo em vista a anulação do despacho de indeferimento proferido na reclamação graciosa e, em consequência, a anulação da liquidação adicional contestada.
5.2 Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
5.3 Motivação
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que pronunciar-se sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [(cfr. artigos 123.º n.º 2 do CPPT e 607.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea a) e e) do RJAT)].
Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos bem como nas posições assumidas pelas partes.
5.4 Matéria de Direito (fundamentação)
Questões a decidir:
- Da ilegalidade da liquidação efetuada; e
- Do pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
Da ilegalidade da liquidação impugnada -
Nos termos do n.º 2 do artigo 122.º do CIRC «A autoliquidação de que tenha resultado imposto superior ao devido ou prejuízo fiscal inferior ao efectivo pode ser corrigida por meio de declaração de substituição a apresentar no prazo de um ano a contar do termo do prazo legal».
O termo do prazo legal para a apresentação da declaração periódica de rendimentos (modelo 22), relativamente aos sujeitos passivos que não adotem um período de tributação diferente do ano civil, é o último dia do mês de maio, independentemente de esse dia ser útil ou não útil, cfr. o disposto no n.º 1 do artigo 120.º do CIRC.
Deste modo, as declarações modelo 22 de substituição relativas as exercício de 2010, apresentadas pela Requerente nos dias quatro, doze e vinte e quatro de Abril de 2013, com prejuízos para efeitos fiscais de 4 620,76 €, 210 792,84 € e 56 901,77 €, respetivamente, não poderão corrigir o lucro tributável de 3 746,94 €, pela mesma declarado em 31-05-2011, uma vez que foram apresentadas depois de 31 de maio de 2012, ou seja, fora do prazo de um ano a contar do termo do prazo legal.
Deste modo não sofre qualquer censura o procedimento da AT em não proceder à liquidação das mesmas, como vem referido em 5.1.4 do probatório supra.
Já quanto à declaração modelo 22 de substituição (5.1.7 supra), relativa ao ano de 2011, por da mesma resultar imposto inferior ao apurado na autoliquidação efetuada na declaração modelo 22 apresentada em 30-05-2012 (5.1.5 supra), aquela declaração teria a virtualidade de corrigir esta autoliquidação, cfr. n.º 2 do referido artigo 122.º
No entanto o prejuízo fiscal, dedutível nos termos do artigo 52.º do CIRC, no montante de 211 118,26 €, constante do quadro 09 – campo 303 da declaração de substituição, foi legalmente desconsiderado no que concerne ao montante de 210 792,84 €, por não constar da base de dados da AT, uma vez que a declaração modelo 22 de substituição (5.1.3 supra e fls. 415 a 417 do PA), relativa ao exercício de 2010, foi apresentada fora do prazo previsto no n.º 2 do artigo 122.º do CIRC.
Como consequência, o prejuízo fiscal deduzido, no montante de 128 145,57 €, constante do quadro 09 – campo 309 da mesma declaração de substituição, deverá ser ignorado pela AT, como efetivamente foi.
Pelas mesmas razões (não observância do prazo previsto no referido normativo), os prejuízos para efeitos fiscais, nos montantes de 4 620,76 € e 56 901,77 €, constantes das declarações modelo 22 de substituição, relativas ao referido exercício de 2010, apresentadas em 05-04-2013 (5.1.3 supra e fls. 412/414 do PA) e 24-04-2013 (5.1.2 supra e fls. 78/82 do PA), respetivamente, não poderão motivar quaisquer correções na autoliquidação do IRC relativa ao exercício de 2011.
Deste modo é irrelevante a prova documental (extratos contabilísticos) trazida aos presentes autos, com vista ao apuramento do prejuízo para efeitos fiscais do exercício de 2010, quando o que está em discussão é o resultado do exercício de 2011.
A liquidação adicional, objeto do presente pedido de pronúncia arbitral (5.1.11), foi efetuada pela AT, em 09-12-2014, nos termos do n.º 1 do artigo 99.º do CIRC, em virtude de correção efetuada nos termos do n.º 10 do artigo 90.º do mesmo código. Com efeito refere aquele preceito: «A Autoridade Tributária e Aduaneira procede à liquidação adicional quando, depois de liquidado o imposto, seja de exigir, em virtude de correção efetuada nos termos do n.º 10 do artigo 90.º (…) imposto superior ao liquidado».
Mostra-se assim provada a verificação dos pressupostos de que depende a exigibilidade da liquidação.
Nesta liquidação foi considerada a matéria coletável, no montante de 128 145,57 €, resultante do lucro tributável de igual montante, constante da declaração modelo 22 de substituição, do exercício de 2011, apresentada pela Requerente em 12-04-2013 (5.1.7 supra), a qual goza da presunção de verdade estabelecida no n.º 1 do artigo 75.º da LGT, cabendo à Requerente provar a alegada inexistência do facto tributário (tanto mais que foi a própria a apurar a matéria coletável nas suas declarações), atento ao regime do ónus da prova constante dos artigos 342.º do Código Civil e 74.º, n.º 1 da LGT, e que não logrou fazer.
A Requerente alega que o ato de liquidação enferma de diversos vícios que conduzem:
À nulidade, nos termos previstos nas alíneas a) e d), n.º 2 do artigo 133.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991, por usurpação de poder e ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental; ou
À anulação, nos termos do artigo 135.º do mesmo código, por falta de fundamentação, prevista no artigo 77.º da LGT e n.º 3 do artigo 268.º da CRP e pela existência de fundadas dúvidas na quantificação do facto tributário, nos termos do artigo 100.º do CPPT.
Alega ainda a violação dos princípios constitucionais da legalidade, da irretroatividade da lei fiscal e da confiança bem como da certeza e segurança jurídicas.
Diga-se, desde já, que a Requerente não tem razão, uma vez que o ato impugnado não enferma de qualquer vício nem da violação de nenhum destes, ou de outros, princípios constitucionais.
Assim, no que respeita ao vício de usurpação de poder:
Como refere Freitas do Amaral[1], «A usurpação de poder é o vício que consiste na prática por um órgão da Administração de um acto incluído nas atribuições do poder legislativo ou do poder judicial».
O ato impugnado foi praticado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do artigo 99.º/1 do CIRC, entidade a quem compete assegurar a liquidação e cobrança dos impostos, nomeadamente o IRC, de acordo com a estrutura orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira, prevista no Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de dezembro, e que resulta da fusão da Direção -Geral dos Impostos, da Direção -Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo e da Direção -Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros.
Deste modo não se verifica o vício de usurpação de poder invocado pela Requerente.
Quanto à alegada falta de fundamentação e ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental:
Segundo o mesmo autor[2], «A fundamentação de um acto administrativo consiste na enunciação explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto ou a dotá-lo de certo conteúdo”.
Assim, fundamentar um ato administrativo, «consiste em indicar, concretamente, as razões de direito e de facto por que se tomou a decisão em determinado sentido»[3].
Para Vieira de Andrade[4] «(…) o dever da fundamentação expressa obriga a que o órgão administrativo indique as razões de facto e de direito que o determinaram a praticar aquele acto, exteriorizando, nos seus traços decisivos, o procedimento interno de formação da vontade decisória».
Como referem Diogo Leite de Campos e outros[5] «No que concerne à fundamentação, a CRP garante aos administrados o direito a fundamentação expressa e acessível de todos os actos administrativos (conceito em que se inserem os actos tributários, à face do preceituado no art. 120.º do CPA) que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos (art. 268.º, n.º 3) (…).
Em matéria tributária, o dever de fundamentação dos actos decisórios de procedimentos tributários e dos actos tributários é concretizado no art. 77.º da LGT.
Como o STA vem entendendo, a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.
Para ser atingido tal objectivo a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente (…).
A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, ou numa declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integram o relatório da fiscalização tributária».
No mesmo sentido podem ver-se, entre muitos outros, os seguintes acórdãos do STA:
Acórdão de 06-05-2015 (Processo n.º 0291/13): «Nos casos em que a lei não imponha especiais requisitos de fundamentação (como se exige nos casos de “relações especiais” – art. 77.º, n.º 3 da LGT, tributação por “métodos indirectos” – art. 77.º, n.º 4 e 5 da LGT, “derrogação administrativa de segredo bancário” – art. 63.º-B n.º 4 da LGT ou de “reversão contra responsáveis subsidiários” – art. 23.º, n.º 4 da LGT) o cumprimento do dever de fundamentar por parte da Administração Tributária afere-se face ao disposto nos n.ºs. 1 e 2 do art. 77.º da LGT e atendendo aos fins visados pelo dever de fundamentação».
Acórdão de 09-09-2015 (Processo n.º 01173/14): «A AT tem o dever legal de fundamentar os actos de liquidação (cfr. art. 268.º da CRP, bem como os art.s 21.º do CPT, 125.º do CPA e 77.º da LGT). A fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma sucinta, não pode deixar de ser clara, congruente e de contemplar os aspetos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do ato».
E acórdão de 25-05.2011 (Processo n.º 091/11): «Em regra, os vícios dos actos administrativos e tributários implicam a sua mera anulabilidade, só ocorrendo nulidade quando falte qualquer elemento essencial do acto, quando a lei expressamente o determine, ou quando se verifiquem as circunstâncias referidas nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 133.º do CPA, designadamente quando ocorra ofensa essencial de um direito fundamental. A fundamentação do acto tributário de liquidação não constitui um direito fundamental, ou, sequer, um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias, e a sua falta ou insuficiência não implica a ausência de elemento essencial do acto, não podendo, assim, gerar a nulidade do acto (…)».
Para este Tribunal Arbitral os documentos constantes do processo, nomeadamente, a notificação da demonstração da liquidação n.º 2014 … relativa ao IRC de 2011 – liquidação impugnada (5.1.11 do probatório supra), a comunicação relativa à correção ao valor dos prejuízos fiscais dedutíveis no exercício de 2011 (5.1.10), a notificação da demonstração da liquidação n.º 2011… (5.1.2) bem como as declarações modelo 22, primeiras e de substituição (5.1.5 e 5.1.7), são suficientes para que a Requerente ficasse devidamente esclarecida do ato de liquidação impugnado.
Assim, também não se verificam os vícios de falta de fundamentação e de ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, invocados pela Requerente.
Quanto às fundadas dúvidas na quantificação do facto tributário:
O ato de liquidação teve por base o lucro tributável, no montante de 128 145,57 €, constante da declaração modelo 22 de substituição, do exercício de 2011, apresentada pela Requerente em 12-04-2013 (5.1.7 supra), não tendo a Requerente provado, como lhe competia, a alegada inexistência do facto tributário (tanto mais que foi a própria a apurar a matéria coletável nas suas declarações), face ao regime do ónus da prova ínsito nos artigos 342.º do Código Civil e 74.º, n.º 1 da LGT.
A desconsideração do prejuízo fiscal constante do quadro 09, campo 309, da mesma declaração, de igual montante, a deduzir nos termos do artigo 52.º do CIRC, deveu-se ao facto de a declaração modelo 22 de substituição, do exercício de 2010, haver sido apresentada fora do prazo previsto no n.º 2 do artigo 122.º do CIRC (5.1.3 supra).
E o mesmo se diga quanto aos prejuízos para efeitos fiscais, nos montantes de 4 620,76 € e 56 901,77 €, constantes de idênticas declarações relativas ao mesmo exercício, apresentadas em 05-04-2013 (5.1.3 supra) e 24-04-2013 (5.1.2 supra).
Assim, presumindo-se verdadeiras e de boa fé as declarações da Requerente, cfr. disposto no n.º 1 do artigo 75.º da LGT, não restam quaisquer dúvidas sobre a quantificação do facto tributário no que ao lucro tributável, no montante de 128 145,57 €, diz respeito.
E o mesmo se diga quanto ao montante dos prejuízos a deduzir, uma vez que a Requerente foi devidamente notificada da correção efetuada (5.1.10).
Assim, inexistem fundamentos para lançar mão do artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, segundo o qual «Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado».
Finalmente quanto à violação dos princípios constitucionais da legalidade, da irretroatividade da lei fiscal e da confiança bem como da certeza e segurança jurídicas:
O princípio da legalidade, previsto no n.º 2 do artigo 103.º da CRP, constitui o princípio basilar concretizador do Estado de Direito, exprimindo a subordinação da Administração Pública e, mais precisamente, da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT). Como refere Elisabete Louro Martins[6] «O princípio da legalidade deverá ser entendido em duas dimensões distintas, sendo que uma primeira dimensão exige que a actuação administrativa mesmo que conforme a lei, tenha fundamento numa lei anterior aprovada de acordo com as regras formais e materiais previstas na Constituição (reserva de lei), e uma segunda dimensão que proíbe que seja praticado qualquer acto tributário que contrarie o direito vigente (preferência de lei)».
O princípio da legalidade tributária encontra-se previsto no artigo 8.º da LGT, nos seguintes termos:
«1 – Estão sujeitos ao princípio da legalidade tributária a incidência, a taxa, os benefícios fiscais, as garantias dos contribuintes, a definição dos crimes fiscais e o regime das contra-ordenações fiscais.
2 – Estão ainda sujeitos ao princípio da legalidade tributária:
a) A liquidação e cobrança dos tributos, incluindo os prazos de prescrição e caducidade;
b) A regulamentação das figuras da substituição e responsabilidade tributárias;
c) A definição das obrigações acessórias;
d) A definição das sanções fiscais sem natureza criminal;
e) As regras de procedimento e processo tributário».
Assim, como vem referido no acórdão do STA de 26-04-1995 (Processo n.º 16187), o princípio da legalidade em matéria de impostos «significa que eles apenas podem ser criados por lei, a qual deve conter os elementos essenciais (incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias do contribuintes) para a definição da situação tributárias dos particulares, não podendo os referidos domínios ser deixados à mercê do Poder Administrativo para ele os definir através de regulamento e muito menos através de acto administrativo».
A liquidação adicional em apreciação foi efetuada nos termos do n.º 1 do artigo 99.º do CIRC, sendo que este código foi aprovado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, no uso da autorização legislativa concedida ao Governo pela Lei n.º 106/88, de 17 de setembro, e nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 201.º da CRP, e com base na competência prevista na alínea b), n.º 1 do artigo 198.º do mesmo diploma.
O princípio da irretroatividade da lei fiscal encontra-se plasmado no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, constituindo uma manifestação do princípio da segurança jurídica ou da proteção da confiança em matéria fiscal, pretendendo-se com o mesmo evitar a aplicação de uma norma fiscalmente desfavorável para o contribuinte a factos passados[7].
Porém, a retroatividade proibida é a verdadeira, própria ou autêntica, ou seja, aquela que se traduz na aplicação de lei nova a factos tributários antigos (anteriores, portanto, à entrada em vigor da lei nova)[8].
Assim, a invocação do princípio da irretroatividade fiscal, verdadeira, própria ou autêntica, ou falsa, imprópria ou inautêntica, não tem qualquer fundamento no caso sub judice, uma vez que aos factos tributários (ato de liquidação) respeitantes ao exercício de 2011, foi aplicada a lei vigente nesse período.
Quanto ao princípio constitucional da segurança jurídica, na vertente material da confiança, refira-se que, para que esta seja tutelada, é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais[9]:
«a) A afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda
b) Quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição)».
Como é evidente não se vislumbra qualquer violação do princípio constitucional da segurança jurídica, decorrente da ideia de Estado de Direito democrático (artigo 2.º da Constituição da República).
No artigo 39.º do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alega a caducidade do direito à liquidação «Nesta medida, verifica-se claramente um erro de direito por parte da Autoridade Tributária, visto que procedeu a uma liquidação de IRC obrigando indevidamente a Demandante a pagar uma quantia decorridos três anos após o facto tributário».
Também nesta parte não assiste razão à Requerente uma vez que, sendo a liquidação validamente notificada em 09 de dezembro de 2014, como refere a Requerente no artigo 1.º do referido pedido de pronúncia arbitral, foi observado o prazo de caducidade previsto no artigo 45.º da LGT.
Por todo o exposto entendemos que a liquidação adicional de IRC n.º 2014…, do exercício de 2011, não enferma de qualquer vício, sendo de manter na ordem jurídica.
Do pedido de juros indemnizatórios -
Estando este pedido dependente da procedência do pedido anterior, improcedendo aquele, improcede também este, não havendo qualquer condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
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6.Decisão
Em face do exposto, decide-se:
a) Julgar improcedente o pedido de anulação do despacho do Chefe da Divisão de Justiça e Administrativa da Direção de Finanças de …, de 13-08-2015, proferido no processo de reclamação graciosa n.º …2015… ;
b) Julgar improcedente o pedido de anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2014 …, relativa ao exercício de 2011;
c) Julgar improcedente o pedido de pagamento de quaisquer juros indemnizatórios; e
d) Condenar a requerente no pagamenbto das custas do processo arbitral, no montante de 1 836,00 €, cfr. n.º 1 do artigo 527.º do CPC.
7. Valor do Processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1 , alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 35 864,36 €.
8. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 3 do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1 836,00 €, nos termos da Tabela I, anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique.
Lisboa, 04 de setembro de 2016.
O Árbitro,
(Rui Ferreira Rodrigues)
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.
[1] Diogo Freitas do Amaral, in «Direito Administrativo», volume III, Lisboa 1989, pág. 295.
[3] Acórdão do STA de 06-02-1991 (Processo n.º 13085).
[4] José Carlos Vieira de Andrade, in “O Dever da Fundamentação Expressa de Actos Administrativos”, Coleção Teses, Almedina, pág. 13.
[5] Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in “Lei Geral Tributária”, anotada e comentada, 4.ª edição, 2012, Encontro de Escrita, pág. 675/676.
[6] In “O Ónus da Prova no Direito Fiscal”, Coimbra Editora, pp. 58/59.
[7] Rui Guerra da Fonseca, in “Comentário à Constituição Portuguesa”, II vol., Centro de Investigação da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Almedina, pp. 870/871.
[9] Acórdão n.º 287/90 do Tribunal Constitucional, de 30 de outubro (Processo n.º 309/88).