Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 47/2012-T
Data da decisão: 2012-09-28  IRC  
Valor do pedido: € 8.372,00
Tema: Arbitrabilidade dos atos de indeferimento do pedido de revisão do ato tributário
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PROCESSO ARBITRAL N.º 47/2012-T

DECISÃO ARBITRAL


 


 

O árbitro Júlio César Nunes Tormenta, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, acorda no seguinte:

 

  1. …, constituída em 1983, no …, Estados Unidos de América (EUA), com direção efetiva em …, com número de contribuinte especial de entidade não residente … (doravante indicada como «a Requerente») requereu, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante referido como RJAT), a constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária, com vista à obtenção da declaração de ilegalidade do ato de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) que incidiu sobre os dividendos colocados à disposição da Requerente, pela …, em … de … de 2007, no montante de € 167.440,00 (cento e sessenta e sete mil, quatrocentos e quarenta euros).

 

Em suma, a Requerente defende:

 

  1. que o ato de retenção na fonte em causa viola a Convenção entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América para Evitar a Dupla Tributação em matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Património;

 

  1. que, posteriormente, apresentou um pedido de reembolso parcial de IRC no montante de € 8.372,00 (oito mil trezentos e setenta dois euros) correspondentes à diferença entre o imposto efetivamente retido (à taxa interna de 20%) e o que resultaria da aplicação da taxa convencional (de 15%) , ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 90.º- A do Código do IRC (na redação vigente à data dos fatos), através do formulário 14-RFI (pedido de reembolso do imposto português sobre dividendos de ações e juros de valores mobiliários representativos de dívida, efetuado ao abrigo da Convenção para Evitar a Dupla Tributação entre Portugal e os EUA; documento n.º 5, junto com a petição inicial). A Requerente foi notificada do projeto de indeferimento do pedido de reembolso parcial no montante acima referido de € 8.372,00 (oito mil trezentos e setenta dois euros) através do Oficio n.º … datado de 29 de junho de 2009, para querendo, exercer o direito de audição, no prazo de 15 (quinze) dias. Os fundamentos do indeferimento do reembolso parcial são os constantes do artigo 13.º da petição inicial cujo teor se dá como reproduzido. A Requerente não exerceu o direito de audição. O pedido de reembolso parcial de IRC foi indeferido com os fundamentos constantes do artigo 13.º da petição inicial e notificado à Requerente através do despacho Oficio n.º… datado de 31 de julho de 2009 da Direção de Serviços das Relações Internacionais;

 

  1. que, depois, em 26 de abril 2011 foi enviada à Direcção-Geral de Impostos por correio registado um pedido de revisão oficiosa do referido ato de retenção na fonte, ao abrigo do disposto no artigo 78.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) tendo apresentado documentação relacionada com o tipo de entidade em questão (documentos n.º 1, 2, 3 , 4, anexos ao pedido de revisão oficiosa e constantes dos artigos 1.º a 26.º do referido pedido de revisão oficiosa e igualmente identificados nas fls. n.º 2 a 112 correspondentes à 1.ª, 2.º e 3.ª partes do processo administrativo digitalizado assim como na petição inicial no artigo 15º) ; posteriormente foi notificada através do Oficio n.º … datado de 15 de novembro 2011 com base no Parecer n.º … de 11 novembro de 2011 do projeto de indeferimento e, para querendo, exercer o direito de audição previsto no artigo 60º da LGT num prazo de 15 dias. A Requerente não exerceu esse direito dentro do prazo legalmente estabelecido vindo a exercê-lo extemporaneamente através de requerimento enviado para a Direção de Serviços de Relações Internacionais datado de 14 de dezembro de 2011;

 

  1. que, por despacho datado de 15 de dezembro de 2011 do Senhor Diretor de Serviços das Relações Internacionais, em substituição, da Direcção-Geral de Impostos, lhe foi comunicado através de Ofício n.º … datado de 15 de dezembro, indeferimento do pedido de revisão oficiosa cujo teor se encontra reproduzido nas fls. 182 e 183 4.ª parte do processo administrativo digitalizado e documento n.º 7 da petição inicial. Os fundamentos para o indeferimento do pedido de revisão oficiosa, encontram-se elencados no documento n.º7 acima referido assim como nos artigos 20.º a 23.º da Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada AT) e artigo 18.º da petição inicial apresentada pela Requerente.

 

 

A AT exerceu o contraditório (doravante designado como Resposta) invocando exceções com os seguintes fundamentos que a seguir se identificam:

 

  1. a impugnação direta do referido ato de retenção na fonte é extemporânea (o ato tributário – retenção na fonte - data do ano de 2007) e não foi apresentada prévia reclamação graciosa necessária, nos termos do artigo 132.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), conforme é referido no artigo 11.º da Resposta;

 

  1. uma pretensão arbitral sem prévia reclamação graciosa necessária está afastada do âmbito das matérias suscetíveis de serem sujeitas a arbitragem, à face do disposto no artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, conforme é referido no artigo 12.º da Resposta;


 

  1. igualmente refere que a decisão relativa ao pedido de reembolso apresentado à administração, é um ato administrativo em matéria tributária que não comporta a apreciação do ato de liquidação. A referida decisão de indeferimento apenas é sindicável através de ação administrativa especial, pelo que está afastada no âmbito das matérias suscetíveis de apreciação em sede arbitral, face ao previsto nos artigos 97.º, n.º 1, alínea p), e n.º 2, do CPPT e artigo 2º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação introduzida pelo artigo 160.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, conforme é referido no artigo 13.º da Resposta;


 

  1. igualmente refere que o objeto da petição inicial apresentada pela Requerente versa a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa por parte da AT visando-se através disso a anulação do ato de retenção na fonte, conforme é referido no artigo 14.º da Resposta;


 

  1. acrescenta igualmente que atendendo ao material probatório constante dos autos, a decisão de indeferimento da revisão oficiosa por parte da AT, se deveu ao fato de não estarem cumpridos os requisitos da primeira parte do n.º1 do artigo 78.º da LGT e por outro lado o não preenchimento dos pressupostos procedimentais dos quais a lei faz depender a concretização da revisão nos termos do segunda parte do n.º1 do artigo 78.º da LGT, conforme é referido no artigo 15.º da Resposta.

 

Na reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, realizada em 11 de junho de 2012, a Requerida através dos seus mandatários, reafirmou que mantinha tudo o que já constava do material probatório constante dos autos, acrescendo que entendia não se encontrar vinculada ao pedido de pronúncia arbitral suscitado pela Requerente, nos termos e para os efeitos da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

A Requerente apresentou na reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, realizada em 11 de junho de 2012, um requerimento contendo a resposta às exceções apresentadas pela AT em sede de Resposta sobre ” i) o alcance da alínea a) do artigo 2º da Portaria n.112 – A/2011, de 22 de Março, e, bem assim, ii) a exceção dilatória, consubstanciada em erro na forma do processo” e que se considera inteiramente reproduzido como anexo à ata de reunião de 11 de junho de 2012.

 

A AT em sede de contraditório em 6 de julho de 2012 remete ao Tribunal Arbitral a resposta ao requerimento apresentado pela Requerente em 11 de junho de 2012, referindo que aquela não introduziu qualquer elemento que determine a alteração da posição já assumida em sede de Resposta oportunamente enviada ao Tribunal Arbitral em 22 de maio de 2012.

 

Nessa reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, realizada em 11 de junho de 2012, as partes declararam prescindir de alegações orais e acordada a prolação da decisão arbitral para 1 de outubro 2012.

 

Antes de mais, importa apreciar as exceções, de cuja solução depende a apreciação do mérito do recurso.

 

 

  1. A matéria de facto relevante para apreciar as exceções é a seguinte, com indicação dos fundamentos probatórios:

 

a) Em 27 abril de 2007, a …, distribuiu à Requerente dividendos no montante de € 167.440,00 (documento n.º 5 anexo à petição inicial e artigo 39.º da Resposta);

 

b) Em 8 de agosto de 2007, a Requerente apresentou um pedido de recuperação parcial do imposto retido sobre o pagamento de dividendos relativamente à Requerente, juntando ao requerimento o formulário Modelo 14-RFI, designado por “Pedido de reembolso do imposto português sobre dividendos de ações e juros de valores mobiliários representativos de divida, efetuado ao abrigo de convenção para evitar a dupla tributação entre Portugal e EUA” (documento n.º 5 anexo à petição inicial e artigo 43.º da Resposta);

 

c) O pedido de reembolso parcial referido na alínea anterior foi indeferido através do Oficio n.º … datado de 29 de junho de 2009, para querendo, exercer o direito de audição, no prazo de 15 (quinze) dias. Os fundamentos do indeferimento do reembolso parcial são os constantes do artigo 13.º da petição inicial cujo teor se dá como reproduzido. A Requerente não exerceu o direito de audição. O pedido de reembolso parcial de IRC foi indeferido por despacho da Direção de Serviços das Relações Internacionais notificado através Oficio n.º… data de 31 de julho de 2009.

 

 

d) Em 26 de abril de 2011, a Requerente apresentou à AT um pedido de revisão oficiosa do «acto de retenção na fonte sobre os dividendos distribuídos em 27 de Abril de 2007 pela sociedade … (doravante, "…”), com referência às ações detidas à data pelo …, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária»

(fls. 2 a 7 da 1.ª parte do processo administrativo digitalizado anexo com a Resposta da AT, cujo teor se dá como reproduzido);

 

e) Sobre o pedido de revisão oficiosa foi emitido pela Direção de Serviços das Relações Internacionais da Direcção-Geral de Impostos o Parecer n.º …/2011 de … de novembro de 2011 que consta de fls. 134 - 140 do processo administrativo 3.ª parte do processo digitalizado junto com a Resposta da AT, cujo teor se dá como reproduzido, em que, depois de se reproduzir o texto do artigo 78.º da LGT, se refere o seguinte, além do mais:

 

6. Verificamos, assim, que, nos termos do disposto no n.º 1 deste preceito a revisão oficiosa a pedido do sujeito passivo apenas pode ser efectuada desde que seja pedida por este no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade.

 

7. Ora, no presente caso, de facto a requerente invoca ilegalidade na retenção de IRC no ano de 2007, uma vez que entende que, por força do disposto na CDT celebrada por Portugal e os Estados Unidos da América, o imposto retido não poderia exceder 15% do montante bruto dos dividendos e foi-lhe retida a quantia correspondente a 20% dos mesmos dividendos.

 

8. No entanto, o seu pedido foi formulado para além do prazo de reclamação graciosa e mesmo do procedimento especial previsto no artigo 98º do Código do IRC.

 

9. De facto, o prazo para a apresentação de pedido de reclamação graciosa é de 2 anos a contar da data em que foi efectuada a retenção na fonte, conforme o determinado no artigo 132º do CPPT.

 

10. O mesmo prazo encontra-se previsto para o pedido de reembolso no caso de ter sido aplicada uma taxa superior à prevista numa convenção celebrada por Portugal para evitar a dupla tributação, conforme consta do n.º 7 do artigo 98º do Código do IRC.

 

11. Ora, no presente caso, a retenção na fonte ocorreu na data da distribuição dos dividendos, ou seja 27 de abril de 2007.

 

12. Por seu lado, o requerimento deu entrada nos serviços da DGCI a 5 de Maio de 2011, por isso já para além dos 2 anos previstos quer no artigo 132º do CPPT, quer no n.º 7 do artigo 98º do Código do IRC.

 

13. Assim, sendo, o presente pedido de revisão oficiosa não pode ser aceite com base na primeira parte do n.º 1 do artigo 78º da LGT.

 

III – DO PEDIDO DE REVISÃO OFICOSA E SEU ENQUADRAMENTO

NA SEGUNDA PARTE DO Nº 1 DO ARTIGO 78º DA LGT

 

14. Relativamente à 2.ª parte do mesmo preceito legal, constatamos que a revisão oficiosa pode ser efectuada por iniciativa da administração no prazo de 4 anos após a liquidação, ou a todo o tempo se o imposto ainda não estiver pago, mas desde que se constate que tenha havido erro imputável aos serviços.

 

15. Ora, no presente caso, a retenção na fonte cuja revisão oficiosa é solicitada pela requerente, resultou da normal aplicação das regras de liquidação de tributação de dividendos distribuídos ou postos à disposição de entidades não residentes por sociedades residentes em território português.

 

16. É certo que o sujeito passivo invoca, agora, que poderia beneficiar do disposto no n.º 2 do artigo 10º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, aprovada pela Resolução da Assembleia da Republica n.º 39/95, e publicada no Diário da Republica, I Série A, n.º 236/95, de 12 de Outubro, e cujo Aviso de troca de instrumentos de ratificação foi publicado no Diário da República I Série A, n.º 7 de 9 de Janeiro de 1996 (CDT EUA) caso tivesse apresentado a documentação comprovativa de que estavam reunidos os pressupostos de aplicação daquela norma convencional, o que não aconteceu.

 

17. Tal como continua a não acontecer, uma vez que continua a não apresentar a documentação necessária para se aferir dessa aplicabilidade ou não, nomeadamente os documentos referidos na Circular n.º 6/2009, de 6 de Abril, ou seja, a certificação de residência e a declaração de que reúne os requisitos exigidos pelo artigo 17º da CDT EUA conjugado com o n.º 3 do Protocolo anexo à mesma convenção.

 

18. Não existe, por isso, qualquer erro que possa ser imputável aos serviços. Se existiu erro no momento em que se processou a retenção na fonte, o mesmo ficou a dever-se à falta de prova apresentada pela requerente.

 

19. Para além disso, há que levar em linha de conta que o pedido de revisão oficiosa deu entrada nesta direcção de serviços já depois de decorridos mais de quatro anos sobre a data de distribuição dos dividendos (a data da distribuição foi 27 de Abril de 2007 e a data do pedido é 5 de Maio de 2011).

 

20. Assim, sendo, também não pode ser concedida a revisão oficiosa nos termos da segunda parte do disposto no n.º 1 do artigo 78º.

 

IV – DO PEDIDO DE REVISÃO OFICIOSA E SEU

ENQUADRAMENTO NO Nº 4 DO ARTIGO 78º DA LGT

 

21. Acresce, ainda referir que o n.º 4 do mesmo preceito legal prevê a possibilidade de ser autorizada pelo dirigente máximo do serviço nos três anos posteriores ao do acto tributário, a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

 

22. Acrescenta, no entanto, o referido preceito que essa autorização é excepcional.

 

23. Só que, no presente caso, levando em linha de conta que foi a requerente que não apresentou os documentos comprovativos de que estavam reunidos os pressupostos para aplicação do benefício previsto no artigo 10º da CDT EUA. será difícil justificar a ausência de negligência por parte da mesma, uma vez que foi a sua inércia que provocou a retenção na fonte.

 

24. Razão pela qual se nos afigura que também não poderá ser concedida a revisão oficiosa pelo disposto no n.º 4 do artigo 78º da LGT.

 

 

V – PROPOSTA DE DECISÃO

 

25. Nestes termos, afigura-se-nos ser de indeferir o presente pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRC relativo à retenção na fonte efectuada sobre os dividendos distribuídos em 27 de Abril de 2008, pela empresa portuguesa …, por falta de suporte legal conforme as conclusões do presente parecer.

 

f) A Requerente foi notificada para se pronunciar sobre o parecer referido na alínea e) no exercício do direito de audição (fl. 133 do processo administrativo 3.ª parte do processo digitalizado junto com a Resposta da AT, cujo teor se dá como reproduzido);

 

g) Na sequência do referido na alínea f), a Direção de Serviços das Relações Internacionais da Direção-Geral de Impostos emitiu o Parecer n.º …/2011 que consta de fls. 178 -181 do processo administrativo 4.ª parte do processo digitalizado junto com a Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, cujo teor se dá como reproduzido, de que consta, além do mais, o seguinte:

 

II – DA ANÁLISE DO PEDIDO E PROPOSTA DE DECISÃO

 

4. O processo foi objecto de análise pelo nosso Parecer n.º…/2011, de … de Novembro último, tendo concluído que o presente pedido de revisão oficiosa não tinha enquadramento nem na norma invocada pelo requerente, o n.º 1 do artigo 78° da LGT, nem em qualquer outra norma do citado artigo 78° da LGT.

 

5. Perante essa constatação, foi por nós proposto o indeferimento do pedido de revisão oficiosa da retenção na fonte do IRC efectuada aquando da distribuição de dividendos pela empresa portuguesa … em … de … de 2007.

 

6. A nossa proposta mereceu a concordância do Sr. Director de Serviços das Relações Internacionais que, por despacho de … de Novembro último, determinou a notificação da requerente para efeitos do exercício do direito de participação na decisão previsto no artigo 60° da LGT

 

7. O prazo concedido pelo referido despacho para a resposta da requerente foi de 15 dias.

 

8. A requerente foi notificada, na pessoa do seu representante, para efeitos do exercício do direito de participação na decisão através da audição prévia pelo nosso ofício n.º 22140, de 15 de Novembro último.

 

III – DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE PARTICIPAÇÃO NA

DECISÃO

 

9. Acontece, porém que a requerente não exerceu o seu direito de participação na decisão através da audição prévia uma vez que não apresentou, até à presente data, qualquer resposta, sendo que o prazo de 15 dias concedido terminou no assado dia 5 do corrente mês de Dezembro.

 

V – DA PROPOSTA DE DECISÃO FINAL

 

10. Assim, atento a fundamentação expressa no nosso Parecer n.º …/2011,de … de Novembro último, complementada com as conclusões do presente parecer, afigura-se-nos ser de concluir que não existe fundamento legal para se proceder à revisão oficiosa apresentado pela requerente, pelo que deve ser o mesmo indeferido nos termos propostos.

 

h) Na 1.ª página do Parecer referido na alínea g), o Senhor Director de Serviços das Relações Internacionais, em substituição, proferiu, em … de dezembro 2011, despacho com o seguinte teor:

«Concordo e indefiro o pedido, nos termos e fundamentos aqui expressos»; a Requerente foi notificada através do Oficio n.º … datado de .. de dezembro 2011 do teor do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

 

i) De relevar que tendo a Requerente sido notificada para exercer o direito de audição prévia à decisão definitiva referida na alínea h) acima, veio a fazê-lo extemporaneamente.

 

j) Em 16 de março 2012, a Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo.

 

l) O Tribunal Arbitral foi constituído em 8 de maio de 2012.

 

m) Tanto a Requerente como a Requerida dispõem de personalidade e capacidade judiciária.

 

 

Fatos não provados:

 

a) Não se provou que o intermediário financeiro, … (por lapso a Requerente indica no artigo 6º da petição inicial o …), na qualidade de substituto tributário, conhecesse, quando procedeu à retenção na fonte, os factos que a Requerente afirma nos artigos 2.º, 3.º e 8.º da petição inicial, de 99,83% das unidades de participação que refere serem detidas por investidores residentes nos EUA; a razão por que não se dão como provados tais factos é não se ter produzido ou apresentado qualquer prova de que o alegado conhecimento existisse, designadamente que tivesse sido apresentado àquele intermediário financeiro qualquer documento sobre tal matéria;

 

b) Não se provou que o … tivesse procedido à retenção na fonte de IRC à taxa de 20%, por «não ter sido apresentada a declaração referida no ponto 3.2. da Circular n.º 6/2009, da Direção de Serviços das Relações Internacionais» como a Requerente alega no artigo 8.º da petição inicial; a razão por que tal facto não se dá como provado é a referida Circular em que se exige tal declaração ter sido emitida apenas em 6 de abril de 2009, depois da retenção na fonte, que foi efetuada em 27 de abril de 2007.

 

  1. A Requerida na sua Resposta ao abrigo do artigo 17.º do RJAT, levantou questões prévias que têm a ver com erro na forma de processo, intempestividade e falta de pressuposto processual (reclamação prévia necessária). Igualmente foi colocada pela mesma a questão da eventual falta de competência deste Tribunal Arbitral tendo por referência todo o normativo legal relativo à competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que se encontra plasmado no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT e pelo artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (artigos 12.º, 13.º, 31º, 32.º e 33.º da Resposta).

 

As questões relacionadas com a determinação do âmbito da competência dos tribunais são de conhecimento prévio por força do estatuído no artigo 13º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável subsidiariamente por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT. Assim há que apreciar se a pretensão formulada se engloba no âmbito da competência deste Tribunal Arbitral.

 

Apesar de a Requerente, na parte final da petição inicial, apenas pedir a declaração de ilegalidade do ato de retenção na fonte e a sua anulação parcial, na fundamentação da sua pretensão refere também a questão da legalidade do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, referindo-se inclusivamente, ao despacho de indeferimento como o «... despacho que se ora impugna...» (artigo 18.º da petição inicial ). Assim, terá que se apreciar da possibilidade de a sua pretensão anulatória do ato de retenção poder ser apreciada por esta via, como corolário da eventual ilegalidade do despacho de indeferimento do pedido de revisão.

 

Relativamente ao pedido de reembolso parcial de imposto retido na fonte para efeitos de IRC, conforme referido na alínea c) da matéria de facto fixada, o mesmo foi apreciado pela AT tendo sido indeferido pela mesma, conforme referido na alínea c) da matéria de facto fixada. Não é formulado qualquer pedido de anulação do indeferimento expresso do reembolso por parte da AT. Por isso, fica prejudicado o conhecimento da exceção que a AT suscita no artigo 13.º da sua Resposta, para a hipótese de se entender existir uma eventual intenção de impugnação da decisão expressa do pedido de reembolso.

 

  1. Quanto à competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, que a mesma se encontra limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).

 

Por outro lado, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada às matérias em que a AT se vinculou àquela jurisdição e que se encontra densificada na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março por força do estipulado no artigo 4.º do RJAT que estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».

 

Tendo por assente o antes descrito em termos de tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral.

 

De acordo com a alínea a) do artigo 2.º desta Portaria n.º 112-A/2011, excluem-se expressamente do âmbito da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

 

A referência expressa ao «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles artigos 131.º a 133.º do CPPT.

 

Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia, leia-se, reclamação graciosa, «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (artigo 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de retenção na fonte, por força do disposto no n.º 6 do artigo 132.º do CPPT), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa (reclamação graciosa), que se entende ser desnecessária, não tenha sido efetuada.

 

Contudo, a impugnação direta do ato de retenção na fonte só pode fazer-se sem prévia reclamação graciosa nos referidos casos em que tiver sido efetuada «de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, como resulta do preceituado naqueles artigos. 132.º, n.º 6, e 131.º, n.º 3, do CPPT.

 

No caso em análise, não se está perante uma situação deste tipo, não sendo mesmo alegado que a AT tivesse emitido orientações no sentido de a retenção ter sido efetuada nos termos em que foi, pelo que tem de concluir-se que a impugnação do ato de retenção na fonte estava dependente de prévia reclamação graciosa.

 

Assim, não tendo havido prévia reclamação graciosa, a pretensão pela AT de declaração direta da ilegalidade do ato de retenção na fonte (sem ser corolário da ilegalidade do ato de indeferimento da revisão oficiosa) está afastada da competência deste Tribunal Arbitral, por a AT ter expressamente excluído tais pretensões do âmbito da sua vinculação à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

 

Por isso, procede a exceção da incompetência no que concerne à pretensão da Requerente, interpretada como impugnação direta do ato de retenção na fonte, pelo que fica prejudicado o conhecimento da questão da intempestividade dessa pretensão, que também é colocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

  1. Igualmente deve ser apreciada a questão da competência deste Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

 

No âmbito do direito tributário, o dever de proceder à revisão oficiosa de atos de liquidação constitui um reconhecimento quando se estiver perante atos ilegais que devam ser revogados e por isso deixem de produzir os efeitos no ordenamento jurídico-tributário. Esta necessidade de revogação de atos tributários resulta da concretização dos princípios de justiça, igualdade e legalidade que a AT tem de cumprir e observar aquando da sua atividade administrativa, conforme estatuído constitucionalmente (artigo 266.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa) e a nível da legislação ordinária (artigo 55.º da Lei Geral Tributária). Assim, face a uma situação em que como resultado dos erros de liquidações que se traduziram numa arrecadação de tributos superiores aqueles que eram devidos à face da lei, a AT deverá corrigir oficiosamente tal situação, conforme jurisprudencialmente firmado na ordem jurídica portuguesa1.

 

No entanto, este dever fazer vinculado, acima mencionado, que a AT está adstrita não é absoluto e sofre limitações, conforme é reconhecido jurisprudencialmente. De fato, o Acórdão de 12 de julho no âmbito do processo n.º 402/06 refere relativamente ao dever fazer vinculado a que a AT está adstrita «sofre limitações, justificadas por necessidades de segurança jurídica, designadamente quando as receitas liquidadas foram arrecadadas, o que justifica que sejam estabelecidas limitações temporais», o que vem confirmar que o referido dever fazer não é absoluto.

 

Por outro lado, a revisão do ato tributário é uma garantia disponível que pode ser usada pelos administrados (contribuintes) para defesa dos seus legítimos interesses mas, que tem especificidades próprias cujo Acórdão do processo 402/06 releva e que pela sua pertinência na análise do pedido sujeito a pronúncia arbitral, que a seguir se transcreve

 

«constitui um meio administrativo de correcção de erros de actos de liquidação de tributos, que é admitido como complemento dos meios de impugnação administrativa e contenciosa desses actos, a deduzir nos prazos normais respectivos, que tem em vista possibilitar sanar injustiças de tributação tanto a favor do contribuinte como a favor da administração». «No entanto, não é indiferente para o contribuinte impugnar ou não os actos de liquidação dentro dos respectivos prazos, pois em caso de anulação em processo impugnatório, judicial ou administrativo, pode ser invocada qualquer ilegalidade e há direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à emissão da nota de crédito (arts. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 3, do CPPT), enquanto nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT e a anulação apenas pode ter por fundamento erro imputável aos serviços e duplicação de colecta (art. 78.º, n.ºs 1 e 6, da LGT)». «Essencialmente, o regime do art. 78.º, quando o pedido de revisão é formulado para além dos prazos de impugnação administrativa e contenciosa, reconduz-se a um meio de restituição do indevidamente pago, com revogação e cessação para o futuro dos efeitos do acto de liquidação, e não a um meio anulatório, com destruição retroactiva dos efeitos do acto». «A esta luz, o meio procedimental de revisão do acto tributário não pode ser considerado como um meio excepcional para reagir contra as consequências de um acto de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do acto de liquidação).»

 

Da parte acima transcrita do Acórdão relativo ao processo n.º 402/06, poderá concluir-se pelo caráter relativo (não absoluto) do dever fazer vinculado da AT no âmbito do pedido de revisão oficiosa quando o mesmo não seja apresentado dentro dos prazos da reclamação graciosa não se podendo arguir uma inconstitucionalidade material face ao estatuído no artigo 266.º n.º2 da CRP. De fato, há outros valores constitucionais que têm que ser ponderados, nomeadamente, o da segurança jurídica como é referido no Acórdão em apreço e que é corolário do princípio do Estado de Direito democrático previsto no artigo 2.º da CRP. Ora, a preclusão de direitos impugnatórios devido ao não exercício tempestivo desses mesmos direitos, é justificável por razões de segurança jurídica.

 

Adicionalmente, e perfilhando o que em sede de jurisdição arbitral2 já se defendeu e este Tribunal Arbitral também comunga e adota as mesmas conclusões relativamente ao fato de não ser inconstitucional o estatuído no artigo 78.º n.º1 da LGT com base no seguinte fundamento «a limitação dos poderes de revisão aos casos de erro imputável aos serviços, constitui uma solução equilibrada, apresentando-se como resultado de uma justa e adequada ponderação das actuações da Administração Tributária, censurável apenas nos casos em que praticou um erro a si mesma imputável, e do sujeito passivo do tributo, cuja situação deixa de merecer proteção jurídica ou merece menor proteção quando, por negligência sua, deixou passar os prazos de impugnação de actos.

 

Por isso, não é inconstitucional o regime de revisão do ato tributário previsto no art.78.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, ao limitar o fundamento de revisão ao erro imputável aos serviços, nos casos em que o pedido não é apresentado no prazo da reclamação administrativa, designadamente, no da reclamação graciosa dos actos de retenção na fonte, previsto no artigo 132.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário

 

  1. Como já foi acima referido, teve lugar um ato de segundo grau – revisão oficiosa - o qual deu origem a um despacho de indeferimento por parte da AT e que a Requerente na petição inicial também vem impugnar, conforme é referido no artigo 18.º da mesma. Assim, terá que se analisar se a apreciação de atos de indeferimento de pedidos de revisão do ato tributário, previstos no artigo 78.º da LGT, se inclui nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD pelo artigo 2.º do RJAT.

 

O artigo 2.ºdo RJAT não faz qualquer referência expressa a estes atos, ao contrário do que sucede com a lei de autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT (artigo 124.º da Lei n.º 3 – B/2010 de 28 de abril), que refere os «pedidos de revisão de actos tributários» e «os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação».

 

No entanto, a expressão «declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, numa mera interpretação declarativa, não restringe o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado diretamente um ato de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de atos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um ato de segundo grau, que confirme um ato de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.

 

A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos atos aí indicados é efetuada através da declaração de ilegalidade de atos de segundo grau, que são o objeto imediato da pretensão impugnatória como resulta com segurança face à referência que naquela norma é feita aos atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes atos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objeto imediato do processo impugnatório é, em regra, o ato de segundo grau que aprecia a legalidade do ato de liquidação, ato aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do ato de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de atos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos atos referidos na alínea a) daquele artigo 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de atos de segundo grau.

 

Aliás, foi precisamente neste sentido que a AT, através da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, interpretou estas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», o que significa que a AT restringe a sua vinculação aos casos em que esse recurso à via administrativa foi utilizado.

 

Assim, conclui-se do que vem sendo exposto que por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não se excluem os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um ato de segundo grau e como consequência o âmbito material da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT abrangerá também os casos em que o ato de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do ato tributário pois como jurisprudencialmente3 foi firmado, se o pedido de revisão oficiosa ocorrer dentro do prazo da reclamação graciosa, o referido pedido deve ser convolado em reclamação graciosa.

 

Deste modo, entende-se que a declaração de ilegalidade de atos de retenção na fonte seja obtida, em processo arbitral, através da declaração de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa.

 

  1. Outra questão que terá este Tribunal Arbitral de responder, uma vez assente que o mesmo tem competência para se pronunciar quanto à declaração de ilegalidade de atos de retenção na fonte através da declaração de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa, é saber se pretensões de declaração de ilegalidade de atos de retenção através da declaração de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa, é exigível ou não reclamação graciosa prévia, pela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

Da leitura da referida alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112 – A/2011 de 22 de março poderá concluir-se que quando a referida norma refere «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», se deverá interpretar como aplicável apenas aos casos em que tal recurso, através de reclamação graciosa, é imposto por aquelas normas do CPPT?

 

Entende-se que não, porque quando é formulado um pedido de revisão oficiosa de um ato de liquidação, a AT tem a possibilidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, se entender que tem fundamento para tal, não sendo por isso exigível que cumulativamente com o procedimento de revisão oficiosa o sujeito passivo apresente reclamação graciosa, uma vez que com a apresentação do pedido de revisão oficiosa dá-se uma oportunidade de a AT se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo, como acima se referiu4.

 

Se da leitura da referida alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112 – A/2011 de 22 de março se retirasse a ilação de afastamento da jurisdição arbitral nos casos de pedido de revisão oficiosa em que não tenha havido uma reclamação graciosa prévia (criando-se uma nova situação de reclamação graciosa necessária privativa da jurisdição arbitral), “ (…) não se compreenderia a referência expressa que na alínea a) do art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 é feita aos «termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», pois, essa hipotética nova situação de reclamação graciosa necessária não seria exigida «nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, conforme é referido na Decisão Arbitral n.º 48/2012 – T.

 

Do acima exposto conclui-se que a falta de reclamação graciosa não afasta a jurisdição arbitral quanto à apreciação de declaração de ilegalidade ou não de atos de retenção na fonte que seja corolário da ilegalidade ou não de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa, conforme é referido na Decisão Arbitral n.º 48/2012 – T e que se perfilha.

 

 

  1. Conforme exposto acima, está já assente que a declaração de ilegalidade de atos de retenção na fonte pode ser obtida, em processo arbitral, através da declaração de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa e que, nestes casos, não é exigida prévia reclamação graciosa, o que constituiria uma duplicação de garantias graciosas.

 

Questão que tem que merecer pronúncia por parte do presente Tribunal Arbitral é o fato de a AT defender que está afastada da jurisdição deste Tribunal Arbitral, por não estar abrangida pelo artigo 2.º, n.º1, do RJAT, a apreciação da legalidade de atos de liquidação (conforme artigo 13.º da Resposta da AT), isto é, a pergunta que terá que ser feita é de saber se cabe nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD declarar a ilegalidade de atos de retenção na fonte quando essa ilegalidade não foi apreciada pelo ato que indeferiu o pedido de revisão oficiosa?

 

Numa análise ao estatuído no artigo 2.º do RJAT relativamente a “Competências dos tribunais arbitrais” não se inclui expressamente a apreciação de pretensões de declaração de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de atos tributários, pois, na redação introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (vigente à data da apresentação do pedido de constituição deste Tribunal Arbitral) apenas se indica a competência dos tribunais arbitrais para «a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta» e «a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais».

 

Porém, o fato de a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT fazer referência aos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT em que se indicam os vários tipos de atos que dão origem ao prazo de impugnação judicial, inclusivamente a reclamação graciosa, deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todos os tipos de atos passíveis de serem impugnados através de processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles n.ºs 1 e 2, desde que tenham por objeto um ato de um dos tipos indicados naquele artigo 2.º do RJAT.

 

Diga-se que em termos de âmbito material do processo de impugnação judicial e do processo arbitral houve uma preocupação de haver uma identidade quanto ao âmbito de aplicação das duas formas de manifestação de garantias que os contribuintes têm ao seu dispor e que está patente na autorização legislativa (artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril mais conhecida pela Lei de Orçamento de Estado para 2010) em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT na qual se revela a intenção de o processo arbitral tributário constituir «um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

Ora se é assim, pode concluir-se que o processo arbitral estará excluído como solução alternativa de litígios entre os contribuintes e a Administração na pessoa da AT, quando para a resolução do litígio não forem utilizadas em termos processuais as garantias judicias na forma de impugnação judicial ou a ação para reconhecimento de um direito ou interesse legitimo.

 

Convém referir que a lei de autorização legislativa relativamente à arbitragem tributária tem que respeitar o princípio de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República relativamente ao “Sistema Fiscal” onde se incluem nas matérias reservadas as respeitantes às “Garantias dos contribuintes” [artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP5] e ao estatuído na CRP sobre “Organização e competência dos tribunais” (artigo 165.º n.º 1, alínea p) porque caso contrário estávamos perante uma inconstitucionalidade material. Tomando por referência o que se acabou de referir, o artigo 2.º do RJAT não pode ser interpretado no sentido de atribuir aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competência para a apreciação da legalidade de outros tipos de atos, para cuja impugnação, não sejam adequados o processo de impugnação judicial e a ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

 

Deste modo e conforme cima explanado, a questão prévia suscitada pela AT de se saber se, o artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, abrange a apreciação do ato de indeferimento de pedido de revisão oficiosa de ato de retenção na fonte que está em causa neste processo, torna-se necessário apurar se a legalidade desse ato de indeferimento podia ou não ser apreciada, num tribunal tributário, através de processo de impugnação judicial ou ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, conforme análise que se irá fazer no ponto seguinte.

 

  1. Na resposta à questão suscitada no último parágrafo do ponto 8 da presente Decisão Arbitral, há que definir a natureza do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, isto é, se é um ato administrativo ou não?

 

O ato de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa do ato tributário constitui um ato administrativo, face ao estatuído no artigo 120.º do Código Processo Administrativo (CPA [subsidiariamente aplicável em matéria tributária, por força do disposto no artigo 2.º, alínea c), da LGT, artigo 2.º, alínea d), do CPPT, e 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT], pois constitui uma decisão de um órgão da Administração que ao abrigo de normas de direito público visou produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.

 

Adicionalmente não há dúvidas quanto ao fato de se tratar de um ato em matéria tributária pois através dele se aplicam normas de direito tributário.

 

Assim, pode concluir-se, quanto à natureza de um ato de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa, que o mesmo constitui um “ato administrativo em matéria tributária”.

 

Estando assente a natureza do ato de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa, constata-se que da análise das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 97.º do CPPT se pode concluir também que a regra de a impugnação de atos administrativos em matéria tributária poder ser feita em sede de processo judicial tributário, em termos gerais e segundo um critério material, através de impugnação judicial ou ação administrativa especial (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do artigo 191.º do CPTA), consoante os atos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade, respetivamente, de atos administrativos de liquidação. Poderão haver exceções à regra geral atrás enunciada, no caso de não haver regras especificas, mas que serão casuísticas6.

 

Assim, segundo Jurisprudência do STA7, os atos proferidos em procedimentos de revisão oficiosa de atos de retenção na fonte apenas poderão ser impugnados através de processo de impugnação judicial quando comportem a apreciação da legalidade destes atos de retenção. Se o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de ato de retenção na fonte não comporta a apreciação da legalidade deste, será aplicável a ação administrativa especial.

 

Constata-se que existe um meio impugnatório processual adequado para impugnar contenciosamente o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de ato de retenção na fonte, que pode assumir a forma de impugnação judicial ou ação administrativa judicial segundo o critério acima descrito com vista a assegurar uma tutela plena, eficaz e efetiva do direito ou interesse legalmente protegido.

 

Do atrás exposto, constata-se quanto à delimitação do campo de aplicação do processo de impugnação judicial e da ação administrativa especial que a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD restringe-se ao processo de impugnação judicial. Deste modo, só os pedidos de declaração de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de atos de retenção na fonte que comportem a apreciação da legalidade destes atos, cabem na competência dos tribunais arbitrais.

 

Aliás, a conclusão acima exposta está em consonância com a opção legislativa – alínea a) n.º4 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010 de 28 de abril - de afastar dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a apreciação de atos administrativos que não comportem a apreciação de legalidade de atos de liquidação que o legislador verteu na lei e através da arbitragem tributária criar um meio alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para reconhecimento de um direito ou interesse legitimo no processo judicial tributário.

 

Ora, torna-se decisivo conhecer, para efeitos de competência do presente Tribunal Arbitral, se da análise do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa existe alguma questão de ilegalidade no mesmo, de modo a saber se estará ou não ferido de ilegalidade o ato de retenção na fonte.

 

  1. A AT argui que resulta da fundamentação do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, reproduzida na matéria de facto fixada, que o indeferimento se baseou na inadmissibilidade da revisão oficiosa, por não estarem reunidos os requisitos de que o n.º1 do artigo 78.º da LGT a faz depender, não se tendo naquele ato – pedido de revisão oficiosa - apreciado a legalidade do ato de retenção na fonte.

 

Assim, a AT defende que se estará perante um pedido de declaração de ilegalidade de um ato – indeferimento do pedido de revisão oficiosa- que não comporta a apreciação da legalidade do ato de retenção na fonte e, por isso, a apreciação da sua ilegalidade não se inserirá na competência deste Tribunal Arbitral.

 

A Requerente defende posição oposta, alegando que:

 

  1. Conforme se extrai do despacho (leia-se despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa) que ora se impugna”, conforme artigo 18.º da petição inicial;

 

  1. Ainda no mesmo artigo 18.º da petição inicial transcreve os fundamentos da decisão de indeferimento da promoção de revisão oficiosa e que são


 

[No] presente caso, a retenção na fonte cuja revisão é solicitada pela requerente, resultou da normal aplicação das regras de liquidação de tributação de dividendos distribuídos ou postos à distribuição de entidades não residentes por sociedades residentes em território português";

 

e


 

[C]aso tivesse apresentado a documentação comprovativa de que estavam reunidos os pressupostos de aplicação daquela norma convencional, o que não aconteceu e continua a não acontecer, uma vez que continua a não apresentar a documentação necessária para se aferir dessa aplicabilidade ou não, nomeadamente os documentos referidos na Circular n.º 6/2009, de 6 de Abril, ou seja, a certificação de residência e a declaração de que reúne os requisitos exigidos pelo Artigo 17.° da CDT EUA conjugado com o n.º 3 do Protocolo anexo à mesma convenção”, o que implica que também esteja em causa a legalidade do referido despacho de indeferimento de promoção de revisão oficiosa para além do pedido de ilegalidade do ato de retenção que é o objeto do pedido de presente processo arbitral.

 

  1. Para reforçar a sua posição já manifestada na petição, no requerimento entregue na reunião de 11 de junho 2012 referiu que :“a decisão proferida no âmbito do procedimento de revisão oficiosa contém, efectivamente, a apreciação da (i)legalidade do ato de retenção na fonte em causa”;

 

e

 

“que, no caso concreto, a autoridade tributária não se limitou a indeferir o pedido que lhe foi dirigido com fundamento na sua intempestividade ou na não verificação de outros pressupostos formais”;

 

e

 

Dos transcritos excertos da decisão de indeferimento do pedido de promoção de revisão oficiosa extrai-se, em suma, o juízo segundo o qual o ato de retenção na fonte ai apreciado é legal na medida em que: i) consubstancia a estrita aplicação das normas legais vigentes – com o sentido e alcance que a Administração tributária lhes imprime – e, bem assim, ii) que a REQUERENTE não apresentou os documentos que, segundo a Autoridade tributária, seriam necessários para comprovação dos requisitos de que dependia a aplicabilidade das normas convencionais de atenuação da dupla tributação”.


 

Da análise por parte deste Tribunal Arbitral à parte decisória do despacho final de indeferimento do pedido de revisão oficiosa (documento n.º 7 anexo à petição inicial) apenas se aprecia a questão da admissibilidade do pedido de revisão oficiosa, afirmando não se estar perante qualquer das situações em que a revisão oficiosa é admitida.

Na verdade, no Parecer n.º …/2011, referido na alínea e) da matéria de facto fixada, termina-se com a seguinte «Proposta de Decisão»:

 

Nestes termos, afigura-se-nos ser de indeferir o presente pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRC relativo à retenção na fonte efectuada sobre os dividendos distribuídos em 27 de Abril de 2007, pela empresa portuguesa …, por falta de suporte legal conforme as conclusões do presente parecer”.

 

No Parecer n.º …/2011, referido na alínea g) da matéria de facto fixada, faz-se a seguinte «Proposta de Decisão final»:

 

“10. Assim, atento a fundamentação expressa no nosso Parecer n.º …/2011, de 11 de Novembro último, complementada com as conclusões do presente parecer, afigura- se- nos ser de concluir que não existe fundamento legal para se proceder à revisão oficiosa apresentado pela requerente, pelo que deve ser o mesmo indeferido nos termos propostos.”

 

Conforme referido na alínea h) da matéria de fato fixada mereceu concordância a proposta de decisão final com o teor acima descrito através da aposição da fórmula decisória «Concordo e indefiro o pedido, nos termos e fundamentos aqui expressos» por parte do Diretor de Serviços de Relações Internacionais.

 

No entanto e conforme consta dos autos, a decisão por parte da AT decorreu da análise da legalidade do ato de retenção na fonte em termos da existência ou não de erro imputável aos serviços e que mereceu igualmente pronúncia administrativa no Parecer n.º …/2011 (ponto 18) onde se afirma : “18. Não existe, por isso, qualquer erro que possa ser imputável aos serviços. Se existiu erro no momento em que se processou a retenção na fonte, o mesmo ficou a dever-se à falta de prova apresentada pela requerente

 

Aliás, a Requerente, ao pronunciar-se sobre as questões prévias (artigos 20.º e seguintes da petição inicial e requerimento apresentado na reunião de 11 de Junho 2012), afirma que esta decisão sobre a inexistência de erro imputável aos serviços baseou-se na análise da legalidade do ato de retenção na fonte quando a AT baseou o seu indeferimento de pedido de revisão oficiosa no seguinte:

 

Ora, no presente caso, a retenção na fonte cuja revisão oficiosa é solicitada pela requerente, resultou da normal aplicação das regras de liquidação de tributação de dividendos distribuídos ou postos à disposição de entidades não residentes por sociedades residentes em território português” (ponto 15 do Parecer n.º…/2011);

 

e

 

É certo que a sujeito passivo invoca, agora, que poderia beneficiar do disposto no n.º 2 do artigo 10.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, aprovada pela Resolução da Assembleia da Republica n.º 39/95, e publicada no Diário da Republica, I Série A, n.º 236/95, de 12 de Outubro, e cujo Aviso de troca de instrumentos de ratificação foi publicado no Diário da República I Série A, n.º 7 de 9 de Janeiro de 1996 (CDT EUA) caso tivesse apresentado a documentação comprovativa de que estavam reunidos os pressupostos de aplicação daquela norma convencional, o que não aconteceu” (ponto 16 do Parecer n.º…/2011);

 

e

 

Tal como continua a não acontecer, uma vez que continua a não apresentar a documentação necessária para se aferir dessa aplicabilidade ou não, nomeadamente os documentos referidos na Circular n.º 6/2009, de 6 de Abril, ou seja, a certificação de residência e a declaração de que reúne os requisitos exigidos pelo artigo 17.º da CDT EUA conjugado com o n.º 3 do Protocolo anexo à mesma convenção” (ponto 17 do Parecer n.º…/2011).

 

Assim, do acima exposto pode este Tribunal Arbitral concluir que se está perante um ato administrativo que inclui em si mesmo a apreciação da legalidade de um ato de retenção na fonte para cuja impugnação em processo judicial tributário o meio processual para o contestar é o processo de impugnação judicial.

 

De acordo com toda a análise anteriormente efetuada quanto às competências em termos de jurisdição arbitral, constata-se que se está em presença de uma situação que não se encontra excluída das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

 

  1. A AT coloca também a questão do erro na forma de processo, conexionada com o âmbito material do processo de impugnação judicial e da ação administrativa especial.

 

Porém, essa questão não é de colocar no caso dos processos arbitrais que funcionam no CAAD, pois há uma única forma de processo, havendo diferenças apenas a nível da composição dos tribunais e não da tramitação dos processos.

 

A ser adequada a ação administrativa especial nos tribunais tributários para apreciação da legalidade do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, estar-se-ia perante uma situação de falta de competência deste Tribunal Arbitral e não erro na forma de processo.

 

Assim, improcede a questão prévia de erro na forma de processo suscitada pela AT.

 

  1. Conforme o estatuído na parte inicial do n.º1 do artigo 78.º da LGT, os pedidos de revisão de atos tributários podem ter por fundamento “qualquer ilegalidade” desde que sejam apresentados dentro do prazo de reclamação administrativa.

 

No caso da questão material controvertida, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 26 de abril de 2011, conforme alínea d) da matéria de fato fixada, muito para além do prazo reclamação administrativa, tendo como referência o prazo de dois anos, previsto no artigo 132.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT ou no artigo 98.º n.º7 do CIRC na redação vigente à data do pedido de revisão oficiosa.

 

Deste modo, a AT tem razão quanto à intempestividade do pedido de revisão oficiosa face ao estatuído na 1.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

 

Porém, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado dentro do prazo de quatro anos, previsto na 2.ª parte daquele n.º 1 do artigo 78.º da LGT, pelo que não procede a exceção de intempestividade quanto à possibilidade de conhecimento da pretensão da Requerente nos termos aí previstos, mais limitados do que os que possibilita a apresentação do pedido de revisão no prazo da reclamação administrativa.

 

Nos casos em que o pedido de revisão é apresentado fora daquele prazo de reclamação administrativa, apenas pode ser efetuada revisão oficiosa de atos de liquidação com fundamento em erro imputável aos serviços ou duplicação de coleta para além dos casos previstos nos n.º4,5 e 6 do artigo 78.º da LGT.

 

Conforme o material probatório carreado para os autos, não se verifica a situação de duplicação de coleta pelo que a revisão oficiosa só poderia ser efetuada caso o ato de retenção na fonte enfermasse de um vício de erro imputável aos serviços.

 

Ora, atendendo precisamente ao material carreado para os autos verifica-se que o ato de retenção na fonte não foi praticado pela AT mas sim por um terceiro, o …, na qualidade de substituto tributário.

 

O substituto tributário é sujeito passivo do tributo que retém, como resulta do estatuído no n.º 3 do artigo 18.º da LGT, pelo que o ato de retenção na fonte, materializando-se numa liquidação efetuada por um sujeito passivo do imposto, deverá ser considerado como um ato de autoliquidação, designadamente para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 78.º da LGT, em que se estabelece que “considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação”.

 

Ora para que seja possível a revisão do ato tributário nos termos da 2ª parte do nº1 do artigo 78.º da LGT é necessário que se demonstre que houve um erro no ato de retenção.

 

Na questão material controvertida, não se provou que a Requerente tivesse providenciado a apresentação ao …, até à data em que efetuou a retenção, qualquer documento comprovativo de que se verificassem os pressupostos de aplicação do regime previsto na Convenção entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América para evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 39/95, publicada no Diário da República, I Série -A, de 12 de outubro de 1995.

 

Nestas condições, a taxa de retenção na fonte sem considerar a redução prevista nesta Convenção era imposta ao substituto tributário pelos artigos 88.º, n.º 1, alínea c) e n.º4 e 90.º-A do CIRC, na redação vigente em 27 de abril de 2007, designadamente por não se verificar a situação prevista no n.º 2 alínea a) deste último artigo ou qualquer outra situação de dispensa parcial de retenção na fonte.

 

Dependendo a dispensa parcial de retenção na fonte da “prova perante a entidade que se encontra obrigada a efetuar a retenção na fonte, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos das normas legais aplicáveis” “da verificação dos pressupostos que resultem de convenção destinada a eliminar a dupla tributação ou de um outro acordo de direito internacional ou ainda da legislação interna aplicável, através da apresentação de formulário de modelo a aprovar por despacho do Ministro das Finanças certificado pelas autoridades competentes do respectivo Estado de residência”, conforme artigo 90.º-A, n.º 2 alínea a), do CIRC, conclui-se que, se não foi apresentado o necessário formulário até à data da retenção para mitigar a retenção na fonte, não estavam reunidos os pressupostos para a dispensa parcial de retenção, pelo que a sua efetivação sem considerar essa dispensa parcial não enferma de qualquer erro de fato ou de direito.

 

Por isso, o substituto tributário fez precisamente aquilo, e tudo aquilo, que deveria ter feito perante a informação que lhe foi disponibilizada, não lhe cabendo, nem mesmo cabendo à AT, dispensar o contribuinte de preencher todas as formalidades de que depende o exercício de um direito.

 

Assim, relativamente ao ato de retenção na fonte, não se demonstrou que o mesmo enfermasse de qualquer erro de fato ou de direito.

 

Como corolário do acima exposto, não estavam reunidas as condições para que a AT pudesse proceder a revisão oficiosa do ato de retenção na fonte.

 

Adicionalmente a Requerente argui que de acordo com a prova produzida, o indeferimento do pedido de reembolso e da revisão oficiosa por parte da AT, conduziu a que o ato de retenção na fonte seja ilegal. A prova que a Requerente refere é a apresentação Modelo 14-RFI, designado por “Pedido de reembolso do imposto português sobre dividendos de ações e juros de valores mobiliários representativos de divida, efetuado ao abrigo de convenção para evitar a dupla tributação entre Portugal e EUA” (documento n.º 5 anexo à petição inicial e artigo 43.º da Resposta) assim como os documentos anexos ao pedido de promoção de revisão oficiosa sob os n.º 1,2,3,4 e 5, e que se encontram, igualmente, juntos da petição inicial com a indicação de documentos 1 a 4, conforme artigo 15.º da referida petição inicial.

 

Relativamente ao pedido de reembolso, o indeferimento deu-se precisamente pela incapacidade de a Requerente ter efetuado a prova necessária nos termos transcritos no artigo 13.º da petição inicial cujo teor corresponde ao do Oficio n.º … datado de 29 de junho de 2009.

 

Posteriormente, apresentou um pedido de revisão oficiosa que culminou num despacho de indeferimento por parte da AT e notificado à Requerente através do Oficio n.º … de 15 de dezembro 2011 (que teve por base o Parecer n.º …/2011 de 11 de novembro 2011), cfr. fls. 182 e 183 4.ª parte do processo administrativo digitalizado e documento n.º 7 da petição inicial.

 

O fundamento para o indeferimento da revisão oficiosa por parte da AT, tendo por base a 2.ª parte do n.º1 do artigo 78.º da LGT, deve-se à falta de prova apresentada pela Requerente de que reunia os requisitos para a aplicação da Convenção entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América para Evitar a Dupla Tributação em matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Património e por isso não poder ser imputável qualquer erro à AT.

 

Os fundamentos apresentados pela AT relativamente à falta de prova encontram-se identificados nos pontos 14 a 20 do Parecer n.º …/2011 de 11 de novembro de 2011 e que se encontram plasmados nos n.º3,4 e 5 do Oficio n.º… de 15 de dezembro de 2011, relativamente à pretensão da Requerente baseada na segunda parte do n.º1 do artigo 78.º da LGT ao abrigo da qual, a AT deveria proceder à revisão oficiosa.

 

A Requerente pediu a junção ao Tribunal Arbitral em 15 de junho de 2012 do formulário americano 6166 certificado pelas autoridades tributárias norte-americanas de que era residente e estava sujeita a imposto nos Estados Unidos, pedido esse que foi autorizado pelo Tribunal Arbitral notificando-se a Requerida desse facto. Ora, o formulário atrás referido, junto aos autos posteriormente à constituição do Tribunal Arbitral, não foi apresentado aquando do pedido de revisão oficiosa.

 

Assim, o que aconteceu foi a falta de prova apresentada pela Requerente que deu origem ao indeferimento do pedido de revisão oficiosa, e, como tal, não haver qualquer erro imputável aos serviços, dando origem ao indeferimento por parte da AT quanto ao pedido de revisão oficiosa.

 

  1. A Requerente coloca também no pedido de constituição do Tribunal Arbitral a questão de o ato de retenção na fonte enfermar de vício resultante da aplicação de exigências feitas na Circular n.º 6/2009, da Direção de Serviços das Relações Internacionais, sancionada pelo Senhor Diretor-Geral dos Impostos.

 

Como se refere nos “Fatos não provados” sendo o ato de retenção na fonte praticado em 2007, antes de ser emitida aquela Circular, de 2009, não é concebível a possibilidade de a aplicação do estabelecido nesta Circular constituir vício do ato de retenção.

 

Para além disso, como se referiu, só pode ser fundamento da revisão do ato tributário ao abrigo da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT o erro imputável aos serviços, de que enferme o ato a rever, no caso o de retenção na fonte, cuja anulação parcial é pedida.

 

Improcede também o pedido de anulação parcial de retenção na fonte com fundamento na aplicação da Circular, que não foi aplicada, e fica prejudicado, por não poder ter influência na decisão do presente processo, o conhecimento das questões de inconstitucionalidade e legalidade da referida Circular que a Requerente coloca que, não tendo ela sido aplicada, se reconduzem a puras questões de inconstitucionalidade e legalidade abstratas, cujo conhecimento é da exclusiva competência do Tribunal Constitucional, em processo próprio, como resulta do disposto no artigo 281.º da CRP.

 

 

DECISÃO:

 

Em face do exposto, este Tribunal Arbitral decide:

 

– julgar procedente a exceção de incompetência quanto à pretensão de impugnação direta do ato de retenção na fonte e considerar prejudicado o conhecimento da questão da intempestividade quanto à impugnação direta desse ato, absolvendo da instância a AT quanto a tal pretensão;

 

– julgar improcedentes as restantes exceções suscitadas pela AT;

 

– julgar improcedentes os pedidos de declaração de ilegalidade e de anulação parcial do ato de retenção referido na alínea b) da matéria de facto fixada, absolvendo a AT dos mesmos;

 

– considerar prejudicado o conhecimento da questão da inconstitucionalidade da Circular n.º 6/2009.

 

Valor do processo:

 

De harmonia com o disposto no artigo 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 8.372,00 (oito mil trezentos e setenta dos euros).

 

Custas:

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918,00 (novecentos e dezoito euros) nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente.

 

 

Notifique.

 

 

Lisboa, 28 de setembro de 2012

 

 

 

 

(O Árbitro) Júlio César Nunes Tormenta

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138º n.º 5 do Código Processo Civil (CPC) aplicável por remissão do artigo 29º n.º 1 alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por mim revistos.

1 Tal orientação está sufragada jurisprudencialmente em diversos Acórdãos do STA, conforme mencionado no artigo 32º da petição inicial, nomeadamente nos Acórdãos do STA proferidos em 12 de Julho no âmbito do processo 402/06; Acórdão do STA de 6 de Outubro de 2005 no âmbito do processo 653/05; Acórdão do STA de 11 de Maio de 2005 no âmbito do processo 319/05, entre outros. Toda esta jurisprudência encontra-se acessível em www.dgsi.pt.

2 Decisão Arbitral n.º 48/2012 – T.

3 Acórdão do STA de 12 de julho de 2006 no âmbito do processo n.º 402/06.

4 Cfr. Jurisprudência do STA, nomeadamente, Acórdão de 12 de julho 2006 no âmbito do processo n.º 0402/06 e Acórdão de 14 de novembro de 2007 no âmbito do processo n.º 565/07, citados pela Requerente ao responder às exceções da AT.

5 Embora no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, em que se define a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, se faça referência à criação de impostos e sistema fiscal, esta norma deve ser integrada com o conteúdo do n.º 2 do artigo 103.º da mesma, em que se refere que a lei determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, que constitui uma explicitação do âmbito das matérias incluídas naquela reserva, como vem sendo uniformemente entendido pelo Tribunal Constitucional.

 

 

6 N.º 2 do artigo 102.º CPPT; n.º 13 artigo 22.º do Código de Imposto sobre o Valor Acrescentado.

7 Cfr. Acórdão do STA de 9 de outubro de 2008 no âmbito do processo n.º 567/08; Acórdão do STA de 6 de novembro de 2008 no âmbito do processo n.º 357/08; Acórdão do STA de 12 de abril de 2012 no âmbito do processo n.º 122/12.