Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 753/2015-T
Data da decisão: 2016-09-22  IRS  
Valor do pedido: € 1.250,00
Tema: IRS – massa insolvente; exceção dilatória – interesse em agir
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Decisão Arbitral

 

Acorda o Árbitro Catarina Gonçalves, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:

 

I.                   RELATÓRIO

 

1.             No dia 17-12-2015, A…, titular de NIF n.º … (Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRS do ano de 2014 com o n.º 2015… .

 

2.             Para fundamentar o seu pedido alega o Requerente, em síntese, que:

 

A.       ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE FACTO (ERRADA QUANTIFICAÇÃO DOS RENDIMENTOS PREDIAIS)

a.    O Requerente deu de arrendamento duas frações, referentes aos artigos matriciais n.ºs …-… e …-…, da freguesia de … de que é proprietário, tendo fixado uma renda global de € 250.

b.    O requerente foi declarado insolvente no dia 26-02-2014, tendo o seu património imóvel sido apreendido a favor da massa insolvente, incluindo as frações supra referidas.

c.    A partir de agosto de 2014, inclusive, as rendas das referidas frações passaram a ser pagas ao administrador da insolvência.

d.   Foi concedido ao requerente o benefício legal da exoneração do passivo restante.

e.    Por força do art 81. do CIRE (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), a apreensão dos bens a favor do administrador da insolvência significa o seu desapossamento.

f.     Pelo que, as rendas que não foram declaradas não constituem rendimento predial auferido pelo Requerente, mas sim da massa insolvente.

g.    E em consequência a liquidação de IRS do ano de 2014 está ferida de ilegalidade por erro da AT na quantificação da matéria coletável.

 

3.             No dia 22-12-2015, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

4.             A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do prazo.

 

5.             Em 5-2-2016, as partes foram notificadas da designação do árbitro não tendo arguido qualquer impedimento.

 

6.             Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 22-2-2016.

 

 

 

7.             No dia 4-4-2016, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, invocando, em síntese:

 

  1. POR EXCEPÇÃO

                                                              i.      Inexistência de interesse em agir, dado que a coleta apurada relativa a 2014 é consumida/anulada pelas deduções à coleta, de onde resulta uma coleta líquida de imposto de €0, não sendo a procedência da ação suscetível de conduzir a um reembolso superior àquele que foi já apurado.

 

  1. POR IMPUGNAÇÃO

                                                              i.      Em sede de direito subjetivo, o carater ex lege da obrigação fiscal, determina que os elementos da relação jurídica-tributária fixados na lei não são afetados pelo regime especial do CIRE.

                                                            ii.      Em sede de direito adjetivo, o carater indisponível do crédito tributário prevalece sobre qualquer disposição especial do CIRE.

                                                          iii.      Assim, as rendas controvertidas constituem rendimento de que o Requente é titular, ainda que por força do regime falimentar o efetivo recebimento e gestão caiba à administradora da insolvência.

                                                          iv.      Os rendimentos aportam à esfera jurídica do Requerente, que embora privado dos poderes de administração e disposição, mantém-se na titularidade dos prédios.

                                                            v.      De facto, o Requente mantém a qualidade de beneficiário dos rendimentos, os quais se destinam a amortizar o seu passivo.

 

8.             No dia 18-5-2015, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

9.             Em face da exceção invocada pelas partes, o tribunal decidiu proferir uma decisão interlocutória.

 

10.         Nos termos do art. 21. n.º 2 do RJAT, foi emitido despacho no sentido da prorrogação do prazo por um período de dois meses, o qual foi notificado às partes em 29-8-2016.

 

 

 

II.                SANEAMENTO

 

11.1.   O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.

 

11.2.   As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

11.3.   Contudo, previamente à apreciação do mérito, há que aferir se o Requerente possui ou não interesse em agir, conforme invocado pela Requerida.

 

Assim, vejamos,

 

12.      Quer a doutrina, quer a jurisprudência consideram o interesse em agir um requisito processual inominado, dado não estar expressamente consagrado na lei (art 30.º do CPC).

 

13.      Refira-se a este respeito M. Teixeira de Sousa, in “Reflexões sobre a legitimidade das partes em processo civil”, CDO, n.º 1, 2003, quando refere que “ A aferição do interesse na tutela serve para definir os sujeitos que têm legitimidade para serem partes num certo processo, pois que dessa aferição resulta a atribuição de legitimidade apenas aos sujeitos com interesse em demandar ou em contradizer (…); o interesse processual, pelo contrário, não se destina a determinar os sujeitos passivos que podem ser partes numa determinada causa, mas a aferir da utilidade da concessão da tutela jurisdicional requerida numa ação.”

 

14.      No mesmo sentido, entre outros, o Ac. da RC de 6.10.1992: “O interesse em agir constitui pressuposto processual autónomo da ilegitimidade, inominado, não claramente exigido por lei”, assim como o Ac. da RP de 7.11.2002: “A legitimidade, baseada na posição (subjetiva) da pessoa perante a relação controvertida distingue-se do interesse em agir, traduzido na necessidade objetivamente justificada de recorrer à ação judicial”.

 

15.      O interesse em agir tem vindo a ser definido como “o interesse da parte activa em obter a sua tutela judicial de um direito subjetivo através de um determinado meio processual e o correspondente interesse da parte passiva em impedir a concessão daquela tutela[1].”

 

16.      Ou seja, o interesse em agir é configurado como um pressuposto processual autónomo pelo qual se afere a utilidade ou vantagem que o sujeito processual que busca a composição do litígio pode retirar da sentença que vier a ser proferida (Ac. TCAS 11.04.2013, proc. 5815/10).

 

17.      Assim, “O interesse em agir consiste na necessidade de apelo aos tribunais para o acautelamento dum direito ameaçado, que precisa de tutela, e só por recurso aos tribunais consegue obtê-la[2]”, pelo que, para que ele exista, o recurso à tutela judicial deve ser indispensável.

 

18.      Neste sentido, o interesse em agir dever ser reportado ao prejuízo ou ao proveito que o deferimento da pretensão evita ou proporciona (Ac. 1348/14 STA, de 12.12.2014).

 

19.      De salientar ainda a decisão arbitral 336/2014, quando relembra que, nos termos do art. 30.º do CPC, o interesse deve ser direto (e não indireto ou derivado), expresso pela vantagem jurídica a retirar da tutela judicial.

 

20.      In casu, qual a vantagem jurídica direta que resultará para o autor da procedência da ação?

 

21.      Entendemos que nenhuma, pois a procedência da ação não altera o valor da liquidação do IRS referente ao exercício de 2014, já que, conforme se evidencia na documentação junta pelas partes, nomeadamente a nota de liquidação, a Requerente, procedendo ou não a ação, terá direito a um reembolso de IRS no mesmo montante (os € 32,08).

 

22.      Ou seja, não se verifica que a tutela judicial seja necessária para acautelar um direito da Requerente, já que a situação da Requerente não se altera quer a ação proceda ou não, não havendo por isso um prejuízo ou proveito que o deferimento da pretensão evita ou proporciona.

 

23.      Pelo que, nos termos do art.278 n.1 do CPC, ex vi do art.29, nº1 e) do RJAT, o juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância quando julgue procedente alguma exceção dilatória.

 

24.      Como se refere atrás, é pacífico que o interesse em agir “configura-se como uma exceção dilatória que pode determinar a absolvição da instância” (Ac. 1477/14 do STA), “devendo ser verificado no momento do exercício do direito de ação e cuja ausência impede o órgão jurisdicional de admitir a ação e consequentemente de examinar o mérito da questão levando a sua falta à pronúncia de uma absolvição da instância” (Ac. STA 1348/14).

 

 

C. DECISÃO

 

Atento a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral decide:

 

a)      Julgar procedente a exceção deduzida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, e em consequência, absolver a Requerida da instância;

b)      Julgar, em consequência, prejudicado o conhecimento da questão de mérito.

 

 

 

D. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 1.250, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

E. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 306, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Lisboa, 22 de setembro de 2016.

 

O Árbitro

 

 

(Catarina Gonçalves)



[1] M. Teixeira de Sousa, “As partes, o objecto e a prova na ação declarativa”, Lisboa, 1995

[2] Ac. da RC de 30.6.2009