Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 762/2015-T
Data da decisão: 2016-08-31  IRC  
Valor do pedido: € 1.278.260,70
Tema: IRC - Correcções à matéria colectável; preços de transferência; pagamento de royalties a entidades não residentes; indemnização por prestação de garantia indevida
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Decisão arbitral

 

 

I. Relatório

 

A…, S.A., pessoa coletiva n.º…, com sede na Rua do…, n.º…, …, veio, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a), e dos artigos 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, apresentar pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade do ato de liquidação adicional n.º 2012…, de 2012/06/03, relativo ao IRC do exercício de 2009.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 21-12-2015.

 

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários, Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs, (Árbitro Presidente), Prof. Doutor Daniel Taborda e Dra Cristina Aragão Seia, como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em 16-02-2016, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 02-03-2016.

 

Devidamente notificada, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido, defendendo-se unicamente por impugnação.

 

No dia 27-6-2016, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT. Nela, a representante da Requerente, esclareceu, a solicitação do tribunal, que o objeto do litígio é o constante nas als. a), b) e c) do art. 8.º do pedido de pronúncia arbitral, o que não mereceu oposição por parte da Requerida. De seguida, teve lugar o depoimento de parte efetuado pelo representante da Requerente, B…, e a inquirição das testemunhas por esta arroladas, C… e D…. Foi fixado o dia 2 de Setembro para a prolação da decisão final.

 

As partes apresentaram alegações escritas, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respetivas posições jurídicas.

 

Pretende a Requerente que seja declarada a ilegalidade e inerente anulação do ato de liquidação adicional n.º 2012…, de 2012/06/03, relativo ao IRC do exercício de 2009, do qual resulta um valor a pagar de € 1.278.260,70, resultante de correções efetuadas pela AT ao lucro tributável/prejuízo fiscal declarado, alegando em síntese:

 

1. Com referência ao exercício de 2009, a sociedade E…, SA (adiante designada E…), sociedade que faz parte de um grupo de sociedades de que a Requerente é a sociedade dominante, pagou à sociedade F…, Limited (adiante designada F…), a título de royalties, o montante total de € 1.158.461,91.

2. Desse montante, € 965.039,99 são referentes ao licenciamento e à utilização pela E… das marcas G…, H…, I… e J…, e € 193.421,92 são referentes ao licenciamento e à utilização pela E… da marca K… .

3. Em relação aos royalties das marcas G…, H…, I…e J…, a AT considera que os mesmos não são um custo fiscalmente dedutível porquanto são de montante exagerado.

4. A fundamentação da AT para a falta de normalidade do valor destes Royalties em particular divide-se em vários aspetos: a não apresentação do documento de transmissão das marcas das marcas para a F… por parte da E… e não apresentação dos documentos de cessão; ausência de registos do INPI; a intervenção da sociedade L…, S.A. junto dos Agentes de Propriedade Industrial; transferências bancárias; e custos com A&P (Advertisement & Promotion).

4.1. Da não apresentação dos documentos de cessão

4.1.1. Quanto aos documentos de transmissão das marcas para a F…, nem a Requerente nem a E… poderiam ter na sua posse (e assim apresentar) esses documentos uma vez que não foram essas sociedades que transmitiram as marcas em questão à sociedade F… .

4.1.2. A AT considerou o valor dos Royalties pagos exagerado face ao valor de alienação das marcas à sociedade Holding do grupo (montante unitário de dois mil escudos).

4.1.3. Ora, os documentos de cessão não titulam qualquer alienação dos direitos patrimoniais das marcas, mas apenas a transmissão do registo das marcas junto do INPI.

4.1.4. De facto, a F… já era proprietária das marcas desde 1994: dos documentos juntos resulta que, em 1976, as marcas da família M… foram transmitidas pela sociedade N… (que posteriormente alterou a sua denominação social para O…) à sociedade P…, com sede nas ilhas de Jersey, tendo sido esta última que, em 1992, transmitiu as marcas à sociedade Q…, que por sua vez, em 1994, foram transmitidas à F… . 

4.1.5. Em relação às marcas da família R…, a sociedade F…é a sua proprietária desde 1988, como resulta dos documentos juntos, não as tendo adquirido em 1996, como defende a AT.

4.1.6. No que concerne às marcas J… e I…, a F… é a sua proprietária desde, pelo menos, 1993.

4.1.7. As marcas já estavam registadas em nome da F…, nos outros países, muito antes de 1996.

4.1.8. Se a AT pretende fundamentar a correção aqui em crise com base nos documentos de cessão, que apenas são relevantes para efeitos das vendas efetuadas com essas marcas em Portugal, então só faria sentido desconsiderar os royalties pagos pela Requerente, em relação a essas marcas, vendidas em Portugal.

4.1.9. O preço mencionado nos documentos de cessão é apenas referente às marcas nacionais registadas no INPI, pelo que o desajustamento teria que ser sempre avaliado por comparação apenas entre esse preço e o valor dos royalties pagos sobre as vendas dessas marcas em Portugal.

4.1.10. As partes quando assinaram os documentos de cessão não quiseram “transmitir” as marcas, até porque as marcas já há muito que haviam sido transmitidas, mas única e simplesmente permitir que fosse efetuado o seu registo em nome da F… .

4.1.11. No Relatório de Fiscalização Tributária a AT salienta o fato da Requerente não ter apresentado os documentos a partir dos quais se possa demonstrar quando é que a F… adquiriu as marcas, nem por que valor as mesmas foram transmitidas: a E… não apresentou os documentos porque não os tem; a E… não transmitiu nem teve qualquer participação na transmissão das marcas para a F… .

4.2. Ausência de Registos no INPI

4.2.1. Em relação à ausência de Registos no INPI, não se entende em que termos o mesmo permite concluir que o valor dos royalties pagos é ou não de montante exagerado ou mesmo que as operações não são efetivas.

4.2.2. O registo do INPI apenas permite validar se as marcas estão registadas e quem é o titular desse registo.

4.2.3. As marcas existem e podem ser economicamente exploradas independentemente do seu registo.

4.2.4. O registo do INPI traduz-se apenas no meio legal que o agente económico tem à sua disposição para obter proteção jurídica quanto à exploração económica exclusiva da marca, no território português.

4.2.5. O facto de uma marca não estar registada não significa que ela não exista, como também não significa que a mesma não tenha um proprietário e que esse proprietário não tenha o direito de a explorar economicamente, designadamente através do seu licenciamento, e daí retirar os seus proveitos, nomeadamente, receber royalties.  

4.2.6. Ainda que existam algumas marcas que não estejam registadas no INPI, ou não estejam registadas em nome da F…, tal não significa que o valor dos royalties pagos não seja “normal”, ou mesmo, que estes não correspondam a operações reais.

4.2.7. O não registo das marcas significa única e simplesmente que a F… não pode invocar em Portugal o direito de usar e explorar essas marcas, de forma exclusiva, com fundamento nos direitos privativos da propriedade industrial.

4.2.8. O referido pela Autoridade Tributária no Despacho de Indeferimento da Reclamação Graciosa, a saber “o registo de marcas ganha uma importância acrescida, uma vez que, é através dele que o proprietário ganha o seu exclusivo e garante-lhe a possibilidade de conceder licenças de exploração a favor de terceiros”, claramente não é correto.

4.2.9. Acresce que, ainda que se aceite (o que só por mera hipótese se concede), que o registo junto do INPI constitui condição sine qua non para que se conclua que o valor dos royalties pagos não é exagerado ou que os mesmos correspondem a operações efetivas, tal implica que só possam ser desconsiderados os royalties relativos às marcas indicadas pela AT, que tendo sido comercializadas em Portugal, não se encontrem registadas no INPI.

4.2.10. Ora, as marcas comercializadas em Portugal e sobre as quais foram pagos royalties à F… encontram-se todas registadas em nome da F… .

4.2.11. De qualquer forma, a ausência do registo de determinadas marcas no INPI, a ausência do registo das marcas em nome da F… ou a sua caducidade, não permitem de modo algum provar ou mesmo indiciar que os royalties pagos são de montante exagerado ou que não correspondem a operações efetivas.

4.3. A intervenção da sociedade Q…

São as empresas licenciadas que tratam dos assuntos relativos aos registos das marcas junto do INPI, por ser mais pratico e também por razões geográficas e de língua, atuando, sempre em nome e por conta da F…, que suporta os correspondentes custos.

4.4. Transferências bancárias

4.4.1. A AT coloca em dúvida se os royalties pagos em 2009 foram de facto pagos à F… porque, em exercícios anteriores, aparece referida em documentos relativos a transferências bancárias a sociedade S… Limited, do grupo do T…of Canada.

4.4.2. A S… Limited mais não é do que um intermediário financeiro, contratado pela F…, com a função de gerir a cobrança das suas faturas.

4.4.3. Uma vez cobradas e pagas as faturas, os valores recebidos pela S… são transferidos para a F… .

4.5. Da normalidade do valor dos royalties e dos custos com Advertising & Promotion (Desenvolvimento e promoção)

4.5.1. No que concerne à questão de “normalidade” ou do alegado valor “exagerado” dos royalties pagos, a Requerente entendeu que a melhor forma de demonstrar a razoabilidade (e normalidade) do valor dos royalties pagos seria através da utilização do princípio, regras e procedimentos estatuídos para os preços de transferência, previstos no, à data, artigo 58.º do CIRC (atual artigo 63.º) e na Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro.

4.5.2. Através do disposto artigo no 58.º do CIRC (atual artigo 63.º), o legislador procurou assegurar que os preços de transferência, nas transações efetuadas entre empresas com relações especiais entre si, cumprem o princípio de plena concorrência, ou seja, que os preços de transferência são idênticos aos que normalmente seriam contratados e praticados no mercado por entidades, entre si independentes, em operações comparáveis.

4.5.3. Seguindo a metodologia legalmente imposta pelo artigo 58.º do CIRC, a E… demonstrou que a taxa de royalties contratada se situa no intervalo de plena concorrência, mais precisamente sobre a mediana do referido intervalo, ou seja, que os termos e condições dos licenciamentos em apreço correspondem aos termos e condições que normalmente são acordados no mercado (livre), entre partes independentes, em circunstâncias comparáveis.

4.5.4. Utilizando o método do preço comparável de mercado, constata-se que as taxas de royalties praticadas entre a F… e a E…, que são sempre de 4% sobre as vendas líquidas das marcas licenciadas, se situam exatamente sobre a mediana do intervalo de plena concorrência (entre 1,00%, o mínimo, e 10,00%, o máximo, com a mediana em 4,00%).

4.5.5. Tendo a Requerente apresentado documentação na qual se encontra justificado, como sendo de mercado, o valor praticado com a entidade (relacionada) residente num território onde está sujeita a um regime fiscal privilegiado, não parece que a AT tenha margem discricionária para efetuar as correções com base no disposto no artigo 65.º do CIRC, desconsiderando pura e simplesmente a existência dessa documentação.

4.5.6. Tal comportamento viola claramente, o princípio da presunção de veracidade e correção da contabilidade do contribuinte, constante do artigo 75.º da LGT, dado que a documentação em causa faz parte do acervo contabilístico do sujeito passivo – cfr. artigo 130.º do CIRC.

4.5.7. A correção à matéria tributável da Requerente por parte da AT, sem que esta anteriormente tenha demonstrado a falta de “normalidade” dos valores praticados, está ferida de clara falta de fundamentação, que deve ter como consequência a anulação da liquidação.

4.5.8. A AT não pode efetuar correções ao lucro tributável do contribuinte com base na presunção de simulação constante do art. 65.º, n.º 1 do CIRC, quando existam relações especiais e se os preços praticados estiverem devidamente justificados.

4.5.9. Em relação aos custos promocionais, esclarece-se que a E… não contrata diretamente qualquer entidade “especializada e independente” para a promoção de marcas fora do território nacional: a U…, indicada como exemplo pela AT, é um distribuidor de bebidas alcoólicas, cliente da E… .

4.5.10. E, como é normal no âmbito da atividade de distribuição, a E…, efetivamente, comparticipa em despesas em que a U…incorre para a promoção dos produtos (e não das marcas) que adquire à E… (e que vende nos seus espaços comerciais).

4.5.11. Os contratos entre entidades independentes, que forneceram as taxas para a determinação do intervalo de plena concorrência, também preveem uma factualidade (contratada) idêntica àquela que existe entre a E… (entidade licenciada) e a F… (entidade licenciadora).

4.5.12. Compete, assim, naturalmente à licenciada suportar os custos com A&P, já que pretende promover a comercialização dos seus produtos.

4.5.13. A Requerente provou, como ficou demonstrado documentalmente quer na resposta ao pedido de informações da AT quer no seu dossier de preços de transferência, que o valor dos royalties foi efetivamente por si pago, respeita o princípio de plena concorrência e não é de montante exagerado.

4.5.14. A AT limitou-se a argumentar que os valores dos royalties eram excessivos perante os valores pelos quais supostamente tais marcas haviam sido transacionadas no passado (e por entidades que não a E…), quando, tendo essas transações ocorrido num passado longínquo, as mesmas são irrelevantes para a análise, anos depois, dos licenciamentos em apreço.

4.5.15. O que deve relevar para a aferição do montante de um licenciamento é o próprio direito (económico) que está a ser licenciado: não restam dúvidas de que se trata de marcas com inegável projeção (e valor económico).

4.5.16. Acresce que, sendo os royalties relativos às marcas K…de 4% tal como os royalties relativos às outras marcas (G…, H…, I… e J…), não se entende por que razão o valor destes últimos são tidos AT como exagerados, mas já não os referentes à marca K…, cuja normalidade não é contestada.

5. Quanto às marcas associadas à denominação “K…”, a AT considerou que os Royalties pagos não podem ser aceites como custo na medida em que não correspondem a operações comprovadamente realizadas.

5.1. Como decorre dos registos do INPI, o titular da marca-mãe com a denominação “K…” é a sociedade V…, Lda, sendo que, o registo das marcas que se encontram em nome da E…, designadamente “W…”, “W…”, só pôde ser efetuado mediante autorização daquela.

5.2. Logo, a sociedade V…, enquanto titular da marca “K…” junto do INPI, tem o direito de ser compensada, e a E… a obrigação de a compensar, designadamente mediante o pagamento dos correspondentes royalties pela utilização que da mesma seja feita.

5.3. Isto porque, a sociedade V… licenciou o uso das marcas “K…” à sociedade F…, que por sua vez as sub-licenciou à sociedade E…, através de contrato celebrado por documento particular, forma que, apesar de ser a legalmente prevista, a AT coloca em causa.

5.4. Importa ainda salientar, que, em 2009, a Requerente não vendeu vinho com as marcas “W…” ou “W1…”, razão pela qual também não pagou qualquer valor a título de royalties referentes a essas marcas.

5.5. Assim, a posição da AT em desconsiderar os royalties pagos pela E…, no montante de € 193.421,92, com fundamento no facto das marcas “W…” ou “W1…” estarem registadas em seu nome, não pode proceder, porquanto, nos Royalties pagos não estão incluídos quaisquer valores referentes a essas marcas.

5.6. Estranha-se que a AT, que já reconheceu a dedutibilidade fiscal dos Royalties referentes à K…, com exceção dos relativos às marcas K… registadas em nome da E…, no procedimento de fiscalização relativo ao IRC de 2010, opte aqui, no presente indeferimento do Recurso Hierárquico, sem qualquer fundamento, por manter as correções!

5.7. Os Royalties pagos pela Requerente à F… são custos indispensáveis à obtenção dos proveitos, correspondem a operações efetivamente realizadas e não são de valor exagerado.

5.8. Pelo que a sua desconsideração como custo fiscal corresponde a uma violação clara do disposto nos artigos 23.º e 58.º (atual 65.º) do CIRC, conduzindo à ilegalidade do ato de liquidação adicional, bem como do ato de indeferimento da Reclamação Graciosa e do ato de indeferimento do Recurso Hierárquico, devendo os mesmos ser anulados.

6. As correções efetuadas pela AT em sede de preços de transferência são relativas às transações estabelecidas entre a X… Limited (X…) e a E… .

6.1. O método utilizado pela Requerente, no seu Dossier de Preços de Transferência, para aferir do cumprimento do princípio da plena concorrência, nas operações vinculadas, designadamente nas vendas efetuada para a X…, foi o Método do Custo Majorado (MCM), complementado pelo Método da Margem Líquida da Operação (MMLO).

6.2. A Requerente não optou pelo Método do Preço Comparável de Mercado (MPCM) por entender que o mesmo não pode ser aplicado ao caso concreto.

6.3. Com efeito, o MPCM exige “o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objeto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes”, o que não acontece no caso em apreço, dadas as diferenças verificadas e insuscetíveis de ajustamento naqueles e noutros fatores de comparabilidade.

6.4. Desta forma, entende a Requerente que cumpriu com o disposto no n.º 2 do artigo 63.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), que exige a aplicação do método capaz de “assegurar o mais elevado grau de comparabilidade”, precisamente ao selecionar aqueles métodos: repita-se, Método do Custo Majorado (MCM), complementado pelo Método da Margem Líquida da Operação (MMLO).

6.5. O MCM complementado pelo MMLO, com recurso ao uso de comparáveis externos, são os métodos mais adequados in casu, porque, conforme disposto na Portaria dos Preços de Transferência, no artigo 4.º, n.º 2, constituem aqueles (i) que são suscetíveis de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência, (ii) que são mais aptos a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade, (iii) que contam com a melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e, fundamentalmente, (iv) que implicam o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis.

6.6. Esta opção foi tomada no entendimento de que, conforme estabelecido na legislação portuguesa em sede de preços de transferência, e orientação da OCDE, o princípio de plena concorrência poderia ser corretamente aferido desta forma.

6.6. No entender da AT, tal como se poderá verificar pelo constante no Relatório, o método mais adequado é o Método do Preço Comparável de Mercado (MPCM).

6.7. No entanto, o MPCM tem de ser rejeitado porque, conforme dispõe a Portaria dos Preços de Transferência, no artigo 6.º, n.º 1, a sua adoção requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objeto e demais termos e condições da operação, como na análise funcional das entidades intervenientes, o que manifestamente não sucede no caso em apreço porque apesar de haver operações com entidades independentes dos mesmos produtos que são transacionados com a X…, as operações não são similares, porque não preenchem os cinco requisitos de comparabilidade (características das mercadorias transacionadas, análise funcional e de riscos das transações, termos e condições contratuais das transações, mercados de destino das mercadorias, estratégia empresarial das entidades).

6.8. Tendo a Requerente testado e validado o cumprimento do princípio de plena concorrência em dossier contemporâneo, como decorre da lei, teria a AT que infirmar as suas conclusões, o que não logrou fazer.

6.9. Acresce o facto da AT, no Relatório de Inspeção Tributária relativa ao exercício de 2010, reconhecer que o MPCM não pode ser aplicado às vendas da X…, defendendo a aplicação do MCM, não se percebendo a razão por que, no Despacho de Indeferimento do Recurso Hierárquico, continua a insistir na aplicação desse método.

6.10. Entende a Requerente que, porque utilizou as metodologias analíticas mais apropriadas para análise das suas operações vinculadas, relativas a vendas de mercadorias a entidades relacionadas, e que, dessa análise, resulta claro que as partes relacionadas estabeleceram termos e condições em conformidade com o princípio de plena concorrência, ou até acima dos parâmetros de mercado, a AT deveria ter-se abstido de proceder a qualquer tipo de correção.

6.11. Pelo que enferma o ato tributário de grosseiro vício erro de fundamentação e violação de lei, devendo, por isso, ser anulado.

7. Porque a Requerente prestou garantia bancária, com o objetivo de suspender o processo executivo instaurado pela AT pelo não pagamento da liquidação aqui Reclamada, vem a mesma ao abrigo do disposto no artigo 170.º, n.º 2 e 53.º da LGT solicitar a respetiva indemnização.

 

Por seu turno, a Requerida veio em resposta alegar, em síntese:

1. De acordo com o Relatório de Fiscalização Tributária, o ato tributário em apreço resulta das seguintes correções efetuadas pela AT à declaração de rendimentos modelo 22 apresentada pela Requerente:

1.1. Correção ao resultado fiscal do grupo, em consequência do acréscimo no valor de € 2.161.967,68 ao lucro tributável declarado pela sociedade participada E…, resultante de:

a) Gastos, a título de royalties, não dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável referente ao período de 2009, no montante de €1.158.461,91;

b) Tributações autónomas, em sede de IRC e relativas ao período de 2009, no valor global de €405.461,67;

c) Ajustamentos em matéria de preços de transferência (vendas para regiões/territórios com regime de tributação privilegiada, claramente mais favorável) no valor global de €1.003.505,77;

d) Ajustamento de prejuízos fiscais anteriores, relativos ao período de 2007, no valor de €2.994.780,03;

e) Correção aos benefícios fiscais considerados pela E…, na forma de crédito de imposto (SIFIDE), no valor de €68.500,92.

2. Resulta do pedido que a Requerente pretende a anulação da liquidação adicional de IRC supra referida apenas na parte correspondente às als. a), b) e c).

3. Da correção referente a pagamento de royalties a entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal mais favorável

3.1. A E… contabilizou, no período de 2009, na Conta “…- …-ROYALTIES”, tendo considerado como custo fiscal, o pagamento de €1.158.461,91, a título de royalties, à sociedade F… (F…), com sede em…, Channel Islands.

3.2. Dos elementos disponíveis constatou-se que a consideração, como custo fiscal, daqueles royalties é relativa à pretensa cedência à E… do uso das seguintes marcas que, alegadamente, pertencem à titularidade da sociedade F… :

a) “G…”, “H…”, “I…”, “J…”;

b) “K…”.

3.3. Os valores de royalties pagos à F… pela E… em relação às marcas “G…”, “H…”, “I…”, “J…” revelam-se manifestamente de montante exagerado, assumindo um carácter anormal.

3.3.1. A desconsideração do custo fiscal e a respetiva tributação autónoma referente aos royalties tem por base a alienação à F…dos registos das marcas centenárias pelo valor unitário de dois mil escudos.

3.3.2. Nos termos do art. 59.º, n.º 1 do CIRC, é à Requerente que cabe provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e que não têm carácter anormal ou o montante não é exagerado.

3.3.3. Ora, a E… não logrou fazer essa prova, nomeadamente, nunca apresentou provas de que as marcas em causa foram transmitidas à F….

3.3.4 A Requerente refere que as marcas objeto do pagamento de royalties não foram comercializadas em Portugal, não sendo, por isso, necessário o seu registo junto do INPI, juntando certificados de registos noutros países sem que estabeleça o cruzamento necessário com a listagem das vendas das marcas comercializadas e que foram objeto do pagamento de royalties.

3.3.5. Estes registos não são suficientes para demonstrar e provar a propriedade ou o sub-licenciamento das marcas àquela sociedade, não constituindo prova bastante para afastar a correção aqui em causa.

3.3.6. A Requerente afirma, ainda, que o direito de explorar uma marca não resulta do seu prévio registo no INPI, pelo que o valor dos royalties pagos pela E… à F… pela utilização das marcas não pode ser desconsiderado pela AT.

3.3.7. Ora, a ausência de registo implica que não exista um direito de propriedade industrial sobre a marca.

3.3.8. Pelo que, face ao que dispõe o n.º 1 do artigo 59.º do Código do IRC não são dedutíveis tais custos para efeitos da determinação do lucro tributável, havendo lugar ainda a tributação autónoma, em sede de IRC, de acordo com o disposto no n.º 8 do artigo 81.º do CIRC, no montante de €337.764,00 (€ 965.039,99 x 35%).

3.4. Em relação às marcas “K…” os royalties pagos não correspondem a operações comprovadamente realizadas.

3.4.1. Dos elementos constantes dos registos do INPI verificou-se que as marcas “W…” (n.º…) e “W1” (nº…) estão registadas e são tituladas pela E…, com data de início em 31/05/2005 e com data de fim prevista em 17/09/2014 e a marca Y…(n.º…) encontra-se registada e é titulada pela E…, com data de início em 14/09/2004 e com data de fim previsto em 13/02/2018.

3.4.2. Dos elementos constantes do INPI resulta que, em 2009, não existem quaisquer registos (nacionais, comunitários e/ou internacionais) a favor da F…e relativos às marcas associadas à denominação “K…”.

3.4.3. A E… não apresentou quaisquer elementos que comprovem que as marcas em causa são propriedade da F…, tendo-se limitado a apresentar um documento particular designado de sub-licenciamento de marcas tendo apenas força probatória quanto à existência dessas declarações, não abrangendo a exatidão das mesmas, nos termos do artigo 376.º n.º 1 do Código Civil.

3.4.5. Ora, detendo a E… registos a seu favor das marcas em causa, suportando ainda todos os custos com A&P, a presente correção, quanto a estes royalties, afigura-se então devida, sem qualquer contestação possível.

3.4.6. Conclui-se que os encargos respetivos (royalties pagos) não correspondem a operações comprovadamente realizadas, pelo que, face ao que dispõe o n.º 1, do artigo 65.° CIRC não são dedutíveis tais custos para efeitos da determinação do lucro tributável, relativo ao exercício de 2009, havendo, ainda, lugar a tributação autónoma, em sede de IRC, de acordo com o disposto no n.º 8 do artigo 81.º do Código do IRC, no montante de € 67.697,67 (€193.421,92 x 35%).

4. Da correção ao lucro tributável por aplicação dos normativos relativos a preços de transferência (atual art. 63.º CIRC)

4.1. A E… enviou a Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal/IES relativa ao ano de 2009, nos termos do n.º 7 do artigo 63.º (ex. art.º 58), da al. c) do n.º 1 do Artigo 117. º (ex art.º 109, n.º 1, al c)) e n.º 1 do artigo 121.º, (ex artigo 113.º n.º 1) todos do CIRC, tendo declarado no campo “H70” [operações com entidades sujeitas a regime fiscal privilegiado] do anexo H, o valor de €1.534.125,00.

4.2. Desse valor cerca de €1.432.329,75 dizem respeito a vendas de categorias especiais de vinho do Porto (“Z…” e “AA…”) à entidade "X… LTD" (X…).

4.2.1. Considerando que, no exercício de 2009, a E… efetuou vendas à X…, conclui-se que, nos termos da al. h) do n.º 4 do artigo 63.º (ex. art. 58.º) do CIRC, existem relações especiais entre ambas as sociedades.

4.2.2. Ora, tal facto nem sequer é controvertido nos presentes autos, tanto que a Requerente detém um dossier de preços de transferência.

4.2.3. Porém, a E… não demonstra, clara e inequivocamente, no seu Dossier qual o método utilizado dos previstos no n.º 3 do artigo 63.º (ex. art. 58º) do Código do IRC, nas operações realizadas com a X… (operações vinculadas) e com as outras entidades independentes.

4.2.4. Ora, perante as lacunas e contradições evidenciadas no Dossier da Requerente e na declaração foram efetuadas as necessárias correções nos termos do artigo 58.º do CIRC e da Portaria n.º 1446-C/2001 de 21/12, nas operações vinculadas com a X… e com as outras entidades relacionadas.

4.2.5. Para o efeito, verificaram os serviços de inspeção se foram praticados preços de plena concorrência, ou seja, se os preços foram substancialmente idênticos aos estabelecidos com os demais clientes independentes, recorrendo ao método do preço comparável de Mercado (MPCM).

4.2.6. Tendo concluído que os preços praticados, nas faturas emitidas às entidades relacionadas (designadamente a X…), são, substancialmente, inferiores aos praticados para clientes independentes, em violação do princípio da plena concorrência.

4.2.7. Assim foi apurado um valor global de €1.003.505,77, para o ano de 2009, resultante dos preços praticados serem substancialmente inferiores para as entidades relacionadas, em comparação com preços praticados para entidades independentes.

5. Deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado e absolvida a Requerida de todos os pedidos, com as devidas e legais consequências.

 

II. Saneamento

 

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e foi regularmente constituído.

 

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas exceções.

 

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

III. Decisão

 

1. Matéria de facto

 

1.1. Factos dados como provados

 

Consideram-se como provados os seguintes factos com relevância para a decisão, com base na prova documental junta aos autos e depoimentos prestados pelo administrador da Requerente desde 2006, B…, e pelas testemunhas arroladas, D…, funcionário da Requerente, e pelo consultor fiscal do grupo, desde 1989, C… .

 

1)      A Requerente detém 100% da sociedade E…, tendo optado pela aplicação do regime especial de tributação de grupos de sociedades (RETGS).

2)      A sociedade E… foi objeto de inspeção tributária de que resultou a elaboração do respetivo relatório por parte da AT nos termos constantes do processo administrativo que aqui se dá por integralmente reproduzido (doc. n.º 6 junto com o pedido arbitral e processo administrativo).

3)      Nessa sequência, a Requerente foi notificada do ato tributário de liquidação adicional n.º 2012…, de 2012/06/03, relativo ao IRC do exercício de 2009, no montante de € 1.278.260,70 (doc. n.º 1).

4)      Esse valor resulta de correções efetuadas ao resultado fiscal do grupo, relativas aos gastos apresentados pela participada da Requerente E… referentes a royalties pagos à F… e a ajustamentos em matéria de regime dos preços de transferência (pontos a), b) e c) do artigo 8.º do pedido arbitral) (docs. n.º 1 e 6 e processo administrativo).

5)      Com base no Relatório de Inspeção Tributária realizada à E…, as correções efetuadas fundamentam-se:

- na não consideração, ao abrigo do artigo 59.º do CIRC, como gastos fiscalmente dedutíveis dos seguintes royalties pagos pela E…:

• relativos às marcas G…, H... , I… e J…, contabilizados a favor da sociedade F…, no montante de € 965 039,99, por serem considerados de montante exagerado;

• relativos à marca K…, contabilizados também a favor da sociedade F…, no montante de € 193 421,92, por se entender não corresponderem a operações comprovadamente realizadas.

- em ajustamentos referentes a preços de transferência no montante de € 1 003 505,70, correspondentes a vendas à X… em relação às quais a AT entendeu não terem sido respeitadas as regras da plena concorrência.

6)      A desconsideração, por parte da AT, dos royalties pagos resultou quer em acréscimo de matéria coletável, quer em acréscimo de tributação autónoma de € 405 461,67. (doc. n.º 6 e processo administrativo).

7)      A marca H… era, em 1990, detida pela sociedade P…Limited, com sede nas ilhas de Jersey; em 1992 foi transmitida para a sociedade Q… Limited, também com sede em Jersey; em 1994 foi novamente transmitida, desta vez para a F… (docs. 9 e 10).

8)      As marcas da família M… foram transmitidas, em 1976, pela sociedade N…SARL, para a sociedade P… Limited, com sede nas ilhas de Jersey (docs. 12, 13 e 14).

9)      As marcas da família R… foram transmitidas, em 1975, pela BB…, S.A. para a sociedade CC… Limited, que posteriormente as transmitiu à F… (doc. 25 e 26).

10)  As marcas da família R… são da titularidade da F…desde, pelo menos, 1982 (doc. 11, 19 e 21).

11)  As marcas J… e I… são da titularidade da F…, pelo menos, desde 1993 (doc. 29).

12)  A sociedade E… não pagou royalties à F… relativamente a nenhuma das marcas indicadas pela AT como não estando registadas em Portugal, ou não estando registadas em seu nome, ou cujo registo se encontra caducado (doc. 32 e declarações do representante da Requerente, B…, e do seu consultor fiscal, C…).

13)  O desenvolvimento e promoção (A&P) das diferentes marcas são diretamente contratadas pela E…, suportando esta os custos inerentes, o que é prática no sector em causa (depoimentos de B… e de C…), onde vigora o princípio de que quem produz e comercializa é que trata do marketing.

14)  Também é normal estabelecer-se um orçamento para publicidade e promoção dos produtos entre a empresa produtora e o distribuidor (como é o caso da empresa U…) uma vez que este conhece melhor o mercado permitindo ao produtor economizar recursos internos para esse efeito (depoimento de B… e de C…).

15)  A AT tem recebido, desde ano anterior a 2002, pagamentos por conta e retenções na fonte sobre royalties pagos pela utilização das marcas aqui em causa, nomeadamente sobre aqueles que foram objeto da desconsideração fiscal a que se referem os presentes autos (doc. 6; testemunho de C… e D… que demonstraram conhecimento dos factos, o primeiro por ser consultor fiscal da Requerente e demais empresas do grupo desde 1989 e o segundo por ser funcionário da Requerente).

16)  As marcas sobre as quais foram pagos os royalties que foram objeto da desconsideração fiscal, nos referidos relatórios da AT, referem-se a produtos de vinho do porto com longa tradição no comércio do vinho do porto, algumas cujas datas se perdem no tempo, com elevada capacidade de convencer os consumidores e o comércio em geral. (doc. 50; testemunhos de B… e C…).

17)  A proprietária da marca K… é a sociedade V… (doc. 46).

18)  Entre a E… e a F… foi celebrado um contrato de sub-licenciamento para exploração, pela primeira sociedade, da marca K… (doc. 47 e testemunho de C…), tendo a contraente F… contratado com base num anterior contrato de licenciamento para exploração de tal marca, celebrado entre si e a proprietária da marca, a sociedade V... (docs. 48 e testemunho de C…).

19)  A E… vendeu produtos da marca K… e pagou os respetivos royalties à F... (testemunho de B… e de C…).

20)  A sociedade S… Limited é um intermediário financeiro contratado pela F…, sedeada nas Ilhas de Jersey e pertencente ao grupo do T… of Canada (doc. 39 e a consulta pelo Tribunal ao site constante do documento), com a função de gerir a cobrança das suas faturas.

21)  Uma vez cobradas e pagas as faturas, os valores recebidos pela S… são transferidos para a F… .

22)  A S… já não teve intervenção no processo de cobrança de faturas no período que se refere ao exercício de 2009. (testemunho do administrador da E…, B…).

23)  A Requerente apresentou à AT o dossier de preços de transferência para 2009 (doc. 40), cujo teor se dá como reproduzido.

24)  A Requerente demonstrou, clara e inequivocamente, que, no que se refere aos preços de transferência, os métodos por si utilizados, MCM complementado pelo MMLO, com recurso ao uso de comparáveis externos (doc. 44), são os métodos mais adequados in casu, porque, conforme o disposto no artigo 4.º, n.º 2 da Portaria dos Preços de Transferência, constituem aqueles (i) que são suscetíveis de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência, (ii) que são mais aptos a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade, (iii) que contam com a melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e, fundamentalmente, (iv) que implicam o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis (testemunho de C… que participou na elaboração do dossier).

25)  O preço médio de vinhos da categoria Z… varia substancialmente quer quanto a vinhos de colheitas diferentes, como ao longo do tempo, quanto a vinhos de uma determinada colheita.

26)  Não é possível prever quais as colheitas classificadas como vintage que atingirão preços mais altos nem quando eles serão atingidos.

27)  A Requerente prestou, em 25.07.2012, garantia bancária (Garantia nº GAR …/…), do montante de € 1 633 096,96, para suspender o processo executivo instaurado pela AT por não pagamento da liquidação objeto de impugnação judicial, tendo a mesma sido ampliada para o montante de 1 648 433,92 em 27-08-2012 (doc. n.º 55).

28)  Em 13/08/2012, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa do supra referido ato tributário de liquidação adicional, Reclamação Graciosa essa que foi indeferida por Despacho da Chefe de Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa, de 25/11/2012, por subdelegação do Diretor de Finanças do … (docs. 2 e 3).

29)  Em 21/12/2012, a Requerente apresentou Recurso Hierárquico do Despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, Recurso Hierárquico esse que foi indeferido por Despacho do Diretor-Geral de 27/05/2015 (docs. 4 e 5).

30)  A Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral em 18-12-2015.

 

1.2.Factos dados como não provados

 

O Tribunal julga não provados todos os demais factos que foram alegados, por não sair convencido da sua existência em face das provas constantes dos autos.

               

1.3.Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

1.3.1.      Os factos dados como provados baseiam-se na documentação junta pelas partes aos autos e considerados idóneos pelo Tribunal e no depoimento de parte prestado pelo administrador da Requerente e da E…, B…, que exerce essas funções desde 2006 e prova testemunhal produzida pelas testemunhas arroladas, C…, consultor fiscal da Requerente e do grupo desde 1989, e D…, funcionário da Requerente, que se revelaram seguros, coerentes e credíveis. As testemunhas inquiridas aparentaram depor com isenção e com conhecimento direto dos factos que referiram.

1.3.2.      O Tribunal julga, pelo modo acima descrito, a matéria de facto alegada, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova relativamente aos documentos de valor legal não tarifado e aos depoimentos das testemunhas, consagrado no art. 16.º, al. e) do RJAT, de sentido equivalente ao art. 655.º do CPC.

 

2.                      Do Direito

 

As questões essenciais a decidir e colocadas pela sociedade comercial A…, S.A., sociedade dominante de um grupo de sociedades, enquadradas no “Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades”, no seu pedido de pronúncia arbitral são as seguintes:

1) Ilegalidade do acto de liquidação adicional n.º 2012…, de 3/6/2012, relativo ao IRC do exercício de 2009, no valor de 1 278 260,70€;

2) Ilegalidades do Despacho que indeferiu o Recurso Hierárquico, de 27/5/2015, e do Despacho que indeferiu a Reclamação Graciosa, de 25/11/2012;

3) Direito ao pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia bancária.

Vejamos.

1)                      Quanto à alegada ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRC relativo ao exercício de 2009.

A questão que está no âmago do diferendo relaciona-se com a correção ao lucro tributável da “E…, S.A.” (E…), no valor de 2 161 967,61€. Este montante inclui:

  • 965 039,99€ relativos a royalties que não foram aceites como gasto fiscal, por serem de montante exagerado (artigo 59.º, n.º 1 do CIRC, à data em vigor);
  • 193 421,92€ relativos a royalties que não foram aceites como gasto fiscal, por não corresponderem a operações comprovadamente realizadas (artigo 59.º, nº 1 do CIRC, à data em vigor) e
  • 1 003 505,70€ correspondentes a vendas que não seguiram as regras da plena concorrência (artigo 58.º do CIRC, à data em vigor).

O montante de 965 039,99€ corresponde a royalties relativos a quatro marcas (G…, H…, I… e J…), pagos pela E… à sociedade F…, Limited (F…), com sede nas ilhas Jersey.

O montante de 193 421,92€ refere-se a royalties associados à marca K… .

A desconsideração dos gastos com royalties implicou uma tributação autónoma de 405 461,67€, que resulta da soma de 337 764€ (965 039,99 x 35%) com 67 697,67€ (193 421,92 x 35%), nos termos do artigo 88.º, n.º 8 do CIRC.

A - Royalties suportados

A redação do artigo 59.º do CIRC (pagamentos a entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado), revogado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que o condensou na alínea r) do n.º 1 do artigo 23.º-A, que vigorava no exercício de 2009, era a seguinte:

1 - Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.

2 - Considera-se que uma pessoa singular ou colectiva está submetida a um regime fiscal claramente mais favorável quando o território de residência da mesma constar da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ou quando aquela aí não for tributada em imposto sobre o rendimento idêntico ou análogo ao IRS ou ao IRC, ou quando, relativamente às importâncias pagas ou devidas mencionadas no número anterior, o montante de imposto pago for igual ou inferior a 60% do imposto que seria devido se a referida entidade fosse considerada residente em território português.

3 - Para efeitos do disposto no número anterior, os sujeitos passivos devem possuir e, quando solicitado pela Direcção-Geral dos Impostos, fornecer os elementos comprovativos do imposto pago pela entidade não residente e dos cálculos efectuados para o apuramento do imposto que seria devido se a entidade fosse residente em território português, nos casos em que o território de residência da mesma não conste da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

4 - A prova a que se refere o n.º 1 deve ter lugar após notificação do sujeito passivo, efectuada com a antecedência mínima de 30 dias.

Este preceito caracteriza-se por ser uma cláusula específica anti-abuso, que impede que os contribuintes obtenham uma vantagem fiscal com base num determinado comportamento. Assim, os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, relativos aos Processos n.º 08126/14, de 19-2-2015, e n.º 07022/13, de 5-11-2015, concluem que “Estamos perante norma anti-abuso específica, criada com o objectivo de combater a fraude e evasão fiscal (…) para o efeito se invertendo o ónus da prova que passa a onerar o sujeito passivo nos termos do n.º 1 do preceito”.[1]

É facilmente perceptível a vantagem fiscal obtida com a deslocalização de ativos intangíveis, de que as marcas constituem exemplos, para territórios de baixa tributação, constituindo-se os inerentes royalties como gastos fiscais na esfera das empresas que as usam (e que as transmitiram). Compreende-se, portanto, a invocação do dispositivo previsto no artigo 59.º do CIRC, uma vez que está em causa o pagamento de royalties pela E…, com sede em Portugal, a uma sociedade sediada nas ilhas Jersey.

O ponto 14) da Portaria do Ministro das Finanças n.º 150/2004, de 13 de fevereiro, inclui as “Ilhas do Canal (Alderney, Guernesey, Jersey, Great Stark, Herm, Little Sark, Brechou, Jethou e Lihou)”. A sociedade F… tem sede nas ilhas Jersey, pelo que está submetida a um regime fiscal claramente mais favorável.

O artigo 59.º prevê a inversão do ónus da prova, atribuindo ao sujeito passivo a demonstração dos requisitos do n.º 1, sob pena de os gastos contabilizados não serem aceites fiscalmente. Assim, uma primeira questão que requer resposta consiste em saber se a recorrente cumpriu com o ónus da prova que aquele número lhe imputa.

Pelo Ofício n.º …/…, a E… foi notificada para apresentar prova de que os encargos relativos àqueles royalties correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou montante exagerado.

Nesta sequência, foram enviados cinco contratos de licenciamento relativos às marcas das famílias G…, H…, I…, J…e K… (como resulta do processo administrativo). Estes contratos permitem constatar que a F… cedeu o direito a explorar economicamente as marcas à E… . Portanto, esta sociedade vendeu produtos associados a estas marcas, gerando rendimentos tributados em Portugal. Logo, as operações ocorreram, ou foram efectivamente realizadas.

O montante dos royalties foi registado numa subconta de fornecimentos e serviços externos … - …ROYALTIES). Estes gastos eram contabilizados por contrapartida de um passivo que era anulado quando eram pagos - transferências bancárias efectuadas a favor da F… (BANK:…, London UK - ACCOUNT: T… of Canada (Chanel Islands) Limited) – concretizando o princípio da periodização económica.

Fundando-se no valor da suposta transmissão das quatro marcas à F… por 9,98€ cada, a requerida coloca em causa a razoabilidade dos montantes pagos a título de royalties. Aduz que a existência, em simultâneo, de gastos suportados a título de desenvolvimento e de promoção (Advertising and Promotion - A&P) contribui para demonstrar o seu valor desproporcionado.

As transmissões de valor unitário de 9.98€ remontam a 1996. Dizem respeito aos registos no INPI das quatro marcas que estavam em nome das sociedades H…, J…, G… e I… . As marcas eram já nessa data detidas pela F…, pelo que estas operações visaram apenas a regularização da propriedade dos registos, procurando repor a verdade. Quanto ao segundo argumento, importa salientar que é prática normal no setor competir à licenciada a promoção e publicidade dos produtos, tendo a requerida apresentado vários exemplos na PI (n.º 397 a 417). Não se pode, portanto, inferir que estamos perante um caso de duplicação artificial de gastos dedutíveis.

Em conclusão e em linha com a jurisprudência do CAAD, a titularidade das marcas[2], a existência de contratos de licenciamento e o pagamento de royalties, os quais foram sujeitos a retenção na fonte, porque obtidos em Portugal, comprovam que as operações foram realizadas[3]. Perante operações efetivas, reais e não artificiais ou simuladas, os pagamentos de royalties consubstanciam remunerações da utilização das marcas, pelo que não têm um carácter anormal.

Quanto ao seu montante eventualmente exagerado, a análise será redirecionada para o disposto nos preços de transferência, uma vez que se o preço cumprir o princípio de plena concorrência será necessariamente um preço de mercado, ou seja, um “preço não exagerado”. Com efeito, o valor da transmissão (dos registos) da marca não constitui um critério universal para aferir a razoabilidade do valor dos royalties, como a requerida parece advogar. Neste sentido, o Acórdão Arbitral n.º 146/2013-T refere que “(…) o carácter exagerado do valor dos royalties não pode ser determinado simplesmente na base do valor de alienação dos direitos sobre as marcas ou dos direitos relativos ao registo das marcas”. Também o Acórdão n.º 148/2013-T sustenta que “tendo em conta que se trata de marcas antigas com história e reconhecidas, é natural que, numa sociedade como a de hoje, em que a marca tem um carácter cada vez mais distintivo do produto, aquelas valham muito, independentemente da forma como foram adquiridas. A remuneração não pode, por conseguinte, ser aquilatada em função do suposto valor de aquisição, que pode até ser zero, porque esses produtos em data [s] próximas da sua formação têm por regra um valor incomensuravelmente menor”. Note-se, aliás, que este critério não revela ser adequado para o teste do balanceamento entre os gastos suportados com os royalties das marcas e os rendimentos (tributáveis) derivados das vendas dos produtos associados às mesmas.

A avaliação da razoabilidade dos royalties deve centrar-se em torno do princípio da plena concorrência, ou da independência, que consagra a obrigação de, na valorização das transações entre entidades relacionadas, serem adotados preços semelhantes aos que seriam praticados entre entidades independentes. Daqui decorre a importância da comparabilidade entre as operações realizadas por entidades independentes e as operações vinculadas (realizadas por entidades relacionadas). É sobre este princípio que assenta o modelo dos preços de transferência.

Segundo o preâmbulo da Portaria n.º 1446-C/2001, em linha, aliás, com as Recomendações da OCDE (Guidelines), as “regras sobre preços de transferência não permitem atuar com o rigor e a precisão próprios de uma ciência exata”. Ora, não é de estranhar que se admita um intervalo de valores, denominado intervalo de plena concorrência.

A requerente cumpriu com a sua obrigação de elaborar o dossier de preços de transferência (doc. 40), nos termos dos (anteriores) artigos 58.º, n.º 6 e 121.º do CIRC. O objetivo de mostrar que os termos e condições dos licenciamentos sob análise correspondem aos que normalmente são acordados no mercado, entre partes independentes, em circunstâncias comparáveis, foi atingido mediante a aplicação do método do preço comparável de mercado, com recurso a comparáveis externos[4].

Por outro lado, a requerente efetuou uma pesquisa exaustiva (cuja descrição detalhada evidencia preocupações de rigor) de operações externas comparáveis realizadas entre empresas independentes, recorrendo à base de dados Lexis Nexis Material Contracts (MCD). Os acordos compilados na MCD têm a sua fonte na Securities and Exchange Commission (SEC), que obriga as entidades dos EUA sujeitas à sua supervisão a divulgarem informação.

No apuramento do valor dos royalties, a taxa de 4% aplicada sobre as vendas líquidas das marcas licenciadas, contratada entre a E… e a F…, situa-se sobre a mediana do intervalo de plena concorrência (compreendido entre 1% e 10%), como resulta do mapa junto pela Requerente com a designação de documento 44.

Complementando a análise e recorrendo a um comparável interno (licenciamento Newman), demonstrou-se que a taxa de royalties fixada (entre partes independentes) corresponde ao dobro da taxa de royalties acordada entre a F… e a E… para as quatro marcas aqui analisadas as quais têm, inclusivamente, maior notoriedade. Este resultado reforça a conclusão de que os valores destes royalties não são de “montante exagerado”.

No que à marca K… diz respeito, ficou demonstrado que é detida pela empresa V… . A V… licenciou a utilização da marca K… à F… (documento 48 da PI) e que, por sua vez, a sublicenciou à E… (documento 47 da PI), cobrando royalties. Estes factos foram corroborados pelo depoimento das testemunhas. A E…, que vendeu produtos com a marca K…, pagou royalties à F…, comprovando que se trata de operações efectivamente realizadas. Refira-se que a taxa destes royalties não foi considerada exagerada pela requerida. Por esta razão, e por que o cálculo desta taxa seguiu a mesma lógica que as outras (ascendendo, portanto, a 4% sobre as vendas líquidas da marca sublicenciada), dispensam-se considerações redundantes.

Demonstrado que os pagamentos de royalties associados às cinco marcas referidas correspondem a operações efetivamente realizadas e que não têm um carácter anormal ou um montante exagerado, devem os mesmos ser dedutíveis ao lucro tributável.

Termos em que se julga procedente o pedido de anulação da liquidação de IRC n.º 2012…, de 3/6/2012, na parte referente à correção de 1 158 461.91€ (965.039.99€ + 193 421.92€), que, fundando-se no artigo 59.º do CIRC, não aceitou os royalties suportados como gasto fiscal, e da tributação autónoma associada (artigo 88.º, n.º 8 do CIRC), no montante de 405 461.67€, resultante da soma de 337 764€ (965 039.99 x 35%) com 67 697.67€ (193 421.92 x 35%).

 

B- Preço das vendas registadas

Outra questão que importa decidir reporta-se ao cumprimento do princípio da plena concorrência nas operações estabelecidas entre a E… e a X… Limited (X…). Mais de metade dos litros de Vinho …de categorias especiais (Z…) é vendida à X… (em 2009, adquiriu 67 032 litros, correspondentes a 50,97% das vendas de categorias especiais da E…), que paga no acto de encomenda (frequentemente, antes de o produto estar disponível, adquirindo um bem futuro). Esta empresa tem sede em Jersey, nas Ilhas do…, pelo que não restam dúvidas da existência de relações especiais entre a E… e a X… . É ainda importante reter para a análise dos preços de transferência que, de acordo com a base de dados SABI, os rácios de rendibilidade (calculados sobre o volume de negócios e sobre o CMVMC) da E…atingem valores superiores ao máximo dos respetivos intervalos de plena concorrência.

O dossier de preços de transferência justifica a inadequação do método do preço comparável de mercado, em favor do custo majorado. Apesar de existirem operações com entidades independentes dos mesmos produtos que são transacionados com a entidade relacionada X…, as operações não são similares. Nos termos do artigo 5.º da Portaria dos Preços de Transferência, o grau de comparabilidade entre uma operação vinculada e uma operação não vinculada deve ser avaliado sob os seguintes fatores: caraterísticas específicas dos bens ou serviços transacionados (alínea a)); funções desempenhadas por cada entidade nas operações, considerando os ativos e os riscos envolvidos (alínea b)); termos contratuais que definem a repartição das responsabilidades, riscos e lucros (alínea c)); condições de mercado (alínea d)) e, entre outros, a estratégia das entidades (alíneas e) e f)). Ora, apenas para referir alguns exemplos (que ilustram o não preenchimento destes requisitos cumulativos), os elevados volumes transacionados com a X…, assim como a transferência de riscos de mercado de perdas e danos de stock, de câmbio e de crédito para esta empresa, que, geralmente, e mesmo fazendo pagamentos antecipados, aceita o ónus de escoar um produto ainda não testado, para os mercados de Inglaterra e Estados Unidos, afetam substancialmente o nível de comparabilidade das transações efetuadas. Logo o método do preço comparável de mercado não é adequado, uma vez que exige o “grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objeto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes”[5] (artigo 6.º, n.º 1 da mencionada Portaria).

O método utilizado na venda de vinho Z… à entidade relacionada foi o do custo majorado, complementado com o método da margem líquida da operação. Na determinação da margem de lucro bruto a adicionar aos custos de produção, a base de referência adotada foi a obtida em operações não vinculadas comparáveis efetuadas por entidades independentes, com características e em condições semelhantes (comparável externo). O método da margem líquida da operação funciona de forma idêntica aos métodos do preço de revenda minorado e do custo majorado, mas, em vez da margem bruta, recorre-se à margem líquida das operações. Refira-se que, para além das elevadas taxas de rendibilidade calculadas no dossier de preços de transferência, a X…, anualmente, comparticipa as despesas incorridas pela E… com a promoção das marcas por ela comercializadas (promotional funding), o que tem um efeito positivo nos rendimentos tributáveis em Portugal.

Em conclusão, a seleção do método do custo majorado com recurso a comparáveis externos é apropriada (tal como foi decidido relativamente aos exercícios de 2006, 2007 e 2008 – Acórdãos 145/2013-TCAAD (2006), 148/2013-TCAAD (2007) e 146/2013-TCAAD (2008), não transitados em julgado). Considerando que os argumentos da requerida e da requerente são semelhantes aos apresentados nos referidos processos arbitrais que deferiram a pretensão desta última de anulação dos atos tributários, optou-se por seguir, no essencial, aquela linha jurisprudencial.

Assim, não se aceita o ajustamento de 1 003 505.77€, decorrente de, alegadamente, os preços praticados com entidades relacionadas serem inferiores aos de mercado, provocando um efeito redutor na matéria coletável da E… .

Termos em que se julga, portanto, procedente o pedido de anulação da liquidação de IRC n.º 2012…, de 3/6/2012, também na parte referente à correção deste montante, correspondente a vendas relativamente às quais a AT considerou que não foram respeitadas as regras relativas à aplicação do princípio de plena concorrência, violando o previsto no artigo 58.º do CIRC.

Atentos os fundamentos expostos, o tribunal julga procedente o pedido de anulação da liquidação adicional n.º 2012…, de 3/6/2012, relativa ao IRC do exercício de 2009, no valor de 1 278 260,70€.

 

2)      Ilegalidades do Despacho que indeferiu o Recurso Hierárquico, de 27/5/2015, e do Despacho que indeferiu a Reclamação Graciosa, de 25/11/2012

Nesta sequência, são também ilegais, quer o Despacho que indeferiu o Recurso Hierárquico, de 27/5/2015, quer o Despacho que indeferiu a Reclamação Graciosa, de 25/11/2012, que vão igualmente anulados.

 

3)      Quanto ao direito de indemnização por prestação de garantia indevida

Importa, por último, averiguar, se a Requerente tem, como peticiona, direito à indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação caução para suspender o processo de execução fiscal.

Com relevância para a decisão, resulta da matéria de facto dada como provada que a Requerente prestou garantia bancária no valor de 1 648 433,92 em 27-08-2012 (doc. nº 55), com o objetivo de suspender o processo executivo instaurado pela AT.

O artigo 53.º da LGT, que, sob a epígrafe, “Garantia em caso de prestação indevida”, dispõe o seguinte:

1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2-O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3.A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4.A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”

 

Da conjugação dos n.ºs 1 e 2 extrai-se que, em caso de erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, o devedor é indemnizado pelos prejuízos resultantes da prestação da garantia independentemente do tempo por que tenha tido que a manter.

No caso dos autos, o erro de que padece a liquidação cuja legalidade se discute resulta de erro dos serviços sobre os pressupostos de direito. Por outro lado, a liquidação objeto de impugnação foi da exclusiva iniciativa da Administração Tributária e a Requerente em nada contribuiu para que ela fosse efetuada, pelo que o erro é imputável exclusivamente à própria Administração.

A Requerente refere ter pago garantia bancária, no valor de € 1 648 433,92, pelo que tem direito a ser indemnizada dessa despesa e ainda de outras posteriores, que vierem a ser comprovadas.

Não dispondo o Tribunal de elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efetuada tendo por referência a quantia que se provou ter sido expendida acrescida do que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão (cfr. o artigo 609.º do Código do Processo Civil e o artigo 565.º do Código Civil).

Julga-se, portanto, procedente o pedido de indemnização formulado pela requerente.

 

III. Decisão

 

Termos em que este colectivo decide:

a)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, nessa sequência, anular liquidação adicional n.º 2012…, de 3/6/2012, relativa ao IRC do exercício de 2009, no valor de 1 278 260,70€;

b)      Julgar procedente o pedido de anulação do Despachos que indeferiu o Recurso Hierárquico, de 27/5/2015, quer o Despacho que indeferiu a Reclamação Graciosa, de 25/11/2012;

c)      Condenar a Administração Tributária e Aduaneira no pagamento de uma indemnização à Requerente, por prestação de garantia indevida, no valor que vier a ser fixado em execução de sentença.

 

IV.             Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 1 278 260, 70, nos termos do artigo 305.º, n.º 2 do CPC e 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

V.                Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem a cargo da Requerida em € 17 442, 00, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 31 de Agosto de 2016

 

O Árbitro Presidente,

 

 

(Maria Fernanda dos Santos Maçãs)

 

 

O Árbitro Vogal,

 

(Daniel Taborda)

 

 

O Árbitro Vogal,

 

        (Cristina Aragão Seia)

 

 



[1] Sobre este assunto, José Luís Saldanha SANCHES, Os limites do planeamento fiscal (2006), Coimbra Editora, p. 202, refere que “a lei, quando inverte o ónus da prova em relação a pagamentos feitos a zonas de baixa fiscalidade que destroem a conexão natural entre custo dedutível de A e proveito sujeito a imposto de B, está a retirar àquele custo a presunção de veracidade, até prova em contrário, que acompanha qualquer custo devidamente documentado, devendo, por isso, demonstrar-se que o serviço existiu e que o montante do pagamento não é exagerado”.

[2] Segundo o Acórdão Arbitral n.º 10/2012-T, “normalmente as marcas se transmitem através de um contrato de cessão que tem como efeito a transmissão imediata desses direitos. Todavia, no caso sub judice, e de acordo com os factos provados, o único contrato de cessão conhecido não serviu para transmitir os direitos (que já se encontravam registados em nome da ... desde longa data em vários países), tendo apenas como propósito constituir um mero expediente para alterar os registos em Portugal, tornando-os, por conseguinte, concordantes com registos anteriores que existiam em vários países a favor da ..., e não traduzir um negócio jurídico material”. Acrescenta que “independentemente de ter havido cessão, que de facto não se encontra provada, ou de algumas das marcas terem sido criadas pela própria..., o que também não resulta dos factos provados, o que releva, e isso sim é que é determinante para a solução do caso, é que, a partir dos registos vários que existem há décadas, nos países onde as marcas são vendidas (tal como se deu como provado), é possível presumir a titularidade desses direitos por parte dessa sociedade”.

[3] O referido Acórdão destaca que “de facto a Requerente tem todo interesse em provar os elementos referidos na norma. Isso não significa, no entanto, atenta a natureza da prova no processo tributário, que a AT esteja dispensada de considerar todos os elementos de que tenha conhecimento que possam contribuir para a comprovação dos factos. A circunstância de ter vindo, tal como se encontra provado, a beneficiar das retenções na fonte sobre os royalties que foram objecto de desconsideração fiscal, é um elemento importante e que contribui para a prova do carácter efectivo das operações realizadas. Esta prova tem suporte tanto nos depoimentos das testemunhas como no relatório de inspecção, nunca tendo a AT questionado esses pagamentos. Face ao exposto nunca estaria a AT dispensada, mesmo em presença da referida inversão do ónus da prova, de, a propósito da aplicação da medida anti-abuso em causa, fazer uma fundamentação adequada nos termos do artigo 65.º do CPPT. Ora, isso não aconteceu, tendo-se a AT desonerado dessa obrigação, com base no pretenso carácter absoluto da inversão do ónus da prova, que, no contexto específico do processo tributário, não pode jamais, como é óbvio, levar à dispensa de fundamentação”.

[4] Os três métodos tradicionais baseados nas operações assentam em critérios diversos. Nos métodos do preço de revenda minorado e do custo majorado, a comparabilidade funda-se na margem bruta e os preços dependem das funções desempenhadas, dos ativos utilizados e dos riscos assumidos. No método do preço comparável de mercado, as características dos bens são factores determinantes e é de fácil utilização quando existe no mercado informação suficiente sobre operações comparáveis. Refira-se, por fim, que os métodos baseados no lucro das operações (sempre na perspectiva da sua comparabilidade) são de aplicação supletiva e incluem o método da margem líquida da operação, bem como o do fraccionamento do lucro.

[5] Assim, António MARTINS “A Tributação e os preços de transferência, estudo de caso de aplicação do método da margem líquida das operações”, Boletim de Ciências Económicas, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Volume LVIII (2015) p.1-62, refere que “este método é considerado, à partida, como o que requer maior grau de comparabilidade, tanto no objecto como nas demais condições da operação vinculada, como ainda na análise funcional das entidades relacionadas”. Acrescenta que “Se existirem diferenças [entre as operações objecto de comparação ou entre entidades que as efectuem], as mesmas devem ser de tal forma identificadas ou quantificadas que permitam um ajustamento de correcção sobre as mesmas, para repor as condições de uma operação não vinculada comparável”.