Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 467/2015-T
Data da decisão: 2016-02-04  Selo  
Valor do pedido: € 207.279,55
Tema: IS - Verba 28.1 da TGIS; Terrenos para construção
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Decisão Arbitral

 

 

1.      RELATÓRIO

 

1.1.            Fundo de Gestão de Património Imobiliário – A…, contribuinte n.º … e Fundo de Gestão de Património Imobiliário – B…, contribuinte n.º …, ambos representados pela Sociedade Gestora C… – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A., contribuinte n.º …, doravante designada por Requerente, apresentou, em 23/07/2015, pedido de pronúncia arbitral, no qual solicita que seja desaplicada a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), por violação do princípio constitucional da igualdade – art. 204.º da CRP –, e a declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo do ano de 2014 respeitantes aos prédios inscritos na matriz predial sob os artigos números … e …, da freguesia de …, o prédio inscrito na matriz predial sob o artigo número …, da freguesia de …, e o prédio inscrito na matriz predial sob o artigo número … da freguesia de … – ....

 

1.2.            O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), designou, em 21/09/2015, como árbitro-presidente, a Senhora Conselheira Maria Fernanda Maçãs, e como co-árbitros os Professores Miguel Patrício e Francisco Nicolau Domingos.

 

1.3.No dia 06/10/2015 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

1.4.            Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), foi a Requerida, em 06/10/2015, notificada para, querendo, apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e para remeter o processo administrativo.

 

1.5.            Em 04/11/2015, a Requerida apresentou a sua resposta, na qual conclui que deve ser julgado improcedente o pedido de declaração de ilegalidade.

 

1.6.            O tribunal, em 08/11/2015, por não ter sido requerida a produção de prova e ressalvando a hipótese de as partes desejarem produzir alegações orais, dispensou a reunião a que alude o art. 18.º do RJAT e convidou as mesmas a dizerem se pretendiam apresentar alegações e a esclarecerem a forma que deviam revestir, oral ou escrita. Foi fixado o dia 5 de Abril como prazo limite para prolação da decisão arbitral.

 

1.7.            A Requerida, em 11/11/2015, apresentou requerimento no qual sustenta que nada tem a opor relativamente ao projecto de dispensa da reunião do art. 18.º do RJAT, prescindindo da realização de alegações, ressalvando que, caso a Requerente desejasse a sua produção, as mesmas deviam ser sucessivas.

 

1.8.            No dia 18/11/2015, a Requerida veio aos autos solicitar a junção de um acórdão do Tribunal Constitucional, datado de 11/11/2015 e proferido no âmbito do processo n.º 542/14.

 

1.9.            O tribunal, no dia 22/11/2015, decidiu aceitar a junção do acórdão referido em 1.8 do presente e concedeu à Requerente prazo de 10 dias para, querendo, exercer o contraditório.

 

1.10.        A Requerente, em 23/11/2015, exerceu o contraditório relativamente ao teor do referido acórdão, no qual concluiu, nomeadamente, pela inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS.

 

2.      SANEAMENTO

 

O art. 3.º, n.º 1, do RJAT, dispõe que: ”A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.

Assim, a cumulação de pedidos subjacente aos presentes autos e a coligação de autores é admissível, porquanto tem por objecto actos de liquidação do mesmo imposto, o do Selo. Como também se verifica a identidade entre a matéria de facto e a procedência do pedido depende da interpretação dos mesmos princípios e regras de direito, cfr. art. 3.º, n.º 1, do RJAT.

Consequentemente, o processo não enferma de nulidades, não foram suscitadas quaisquer questões que obstem à apreciação do mérito da causa, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

3.      OBJECTO DO LITÍGIO

 

A Requerente alega, em primeiro lugar, que as liquidações de Imposto do Selo objecto do presente processo resultam da aplicação do art. 1.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo (CIS), conjugada com a verba 28.1 da TGIS, e tais normativos contrariam de forma manifesta e intolerável os princípios nucleares do Direito, atentando contra a Constituição da República Portuguesa (CRP), mais concretamente o princípio da igualdade, previsto na lei fundamental.

            Acrescenta que o legislador, através da verba 28 da TGIS, pretendeu instituir uma “tributação especial” que incide apenas sobre prédios urbanos de valor superior a um milhão de euros e de acordo com a intervenção do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais na apresentação e discussão da Proposta de Lei n.º 96/XII, o objectivo legislativo consistiu em promover um “sistema fiscal mais equitativo” e que os contribuintes “são chamados a contribuir de acordo com a sua capacidade contributiva” e que o legislador “…visou assim tributar a riqueza e a capacidade económica dos contribuintes”.

            Assim, esclarece que a referida inconstitucionalidade se verifica porque a capacidade contributiva, que assenta no princípio constitucional da igualdade, assume-se como um elemento essencial, porquanto a efectiva igualdade de tratamento fiscal dos contribuintes dependerá da existência de uma tributação idêntica para capacidades contributivas idênticas e, nos termos infra, a verba 28 da TGIS e a tributação especial dela resultante promovem um tratamento diferenciado e uma desigualdade injustificada entre os contribuintes, em desrespeito pelo princípio da igualdade.

            Em concreto, começa por dizer que a tributação consagrada na verba 28.1 da TGIS exclui, de forma arbitrária, uma parcela significativa do património “de elevado valor”, na medida em que o facto tributário relevante restringe-se a uma parcela do património imobiliário de valor superior a € 1 000 000, ou seja, sobre aquele afecto à habitação, estando excluído do âmbito da tributação o património de elevado valor que se destine a outros fins. Por outras palavras, com tal exclusão, a lei diferencia os contribuintes, sem atender à sua capacidade contributiva.

Acrescenta, ainda, que a tributação especial, nos moldes em que foi implementada, ao incidir sobre prédios urbanos isoladamente considerados, não logra agravar, de forma efectiva, todos os proprietários que têm um património de elevado valor e que, consequentemente, demonstram uma capacidade contributiva superior. Até porque, caso um proprietário detenha apenas um único prédio urbano de valor patrimonial superior a € 1 000 000, será sujeito a uma tributação especial, diversamente daqueloutro que seja proprietário de vários prédios urbanos de valor inferior a € 1 000 000, cuja soma perfaça um montante muito superior ao referido € 1 000 000, hipótese em que não será sujeito a tal tributação. Circunstância que conduz a um tratamento distinto de sujeitos passivos proprietários de património de muito elevado valor, consoante esteja concentrado ou disperso.

Deste modo, a formulação legislativa da tributação especial, incidente sobre os prédios com afectação habitacional de valor superior a € 1 000 000, introduzida pela Lei n.º 55.º-A/2012, viola o princípio constitucional da igualdade tributária e o seu corolário do princípio da capacidade contributiva.

Mais, a Requerente entende ainda que a norma de incidência supra referida constitui a dupla tributação do mesmo facto tributário, a titularidade de um direito real e, consequentemente, devem as liquidações ser anuladas. Na verdade, os factos a que se aplica a verba 28 da TGIS são igualmente tributados em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis. Deste modo, é automaticamente gerada uma discriminação negativa de determinados sujeitos passivos que, sobre o mesmo facto tributário, apenas viram incidir um único tributo.

            Em terceira linha de argumentação (artigos 75.º a 92.º do Pedido arbitral), a Requerente fundamenta a anulação das liquidações em causa em manifesta ilegalidade por erro nos pressupostos de facto e de direito.

Segundo a Requerente, o concreto facto tributário gerador de imposto do selo, tal como gizado pelo legislador com as alterações introduzidas pela Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de Dezembro, é constituído por três pressupostos cumulativos: a) titularidade de um direito real sobre o prédio; b) valor patrimonial tributário do prédio e c) uma “edificação, autorizada ou prevista” para habitação. Razão pela qual, a tributação dos “terrenos para construção” assenta na existência de uma “autorização” ou de uma mera “previsão” de que o terreno em causa venha a ser edificado e que tal edificação se destine a habitação.

            Ora, no limite, ainda que nunca seja concluída a “edificação” ou qualquer “edificação para habitação”, o respectivo proprietário, usufrutuário ou superficiário deverá suportar o Imposto do Selo decorrente da “potencial edificação para habitação”. Ora, essa finalidade de onerar uma previsão ou expectativa de “edificação para habitação”, não poderá ser aceite por não configurar uma exteriorização de capacidade contributiva.

Alega a Requerente que, “(…) sem que aquela previsão ou expectativa de «edificação para habitação» esteja concretizada, não poderá considerar-se verificada in casu a demonstração de riqueza ou de fortuna que a lei pretendeu alcançar” (artigo 86.º do Pedido), e que o que o legislador sempre pretendeu tributar, desde a génese da verba 28 em análise,  “(…) foram prédios com efectiva «afectação habitacional», sempre associada a «edifícios» ou «construções» existentes, porquanto apenas estes poderão ser habitados (…)” (artigo 90.º do Pedido).

Neste âmbito, a Requerente refere, ainda, que a tributação dos “terrenos para construção”, nas condições supra descritas, não decorre dos diplomas que estiveram na génese da verba 28 da TGIS, porquanto a intenção do legislador visou os prédios efectivamente afectos a habitação, isto é, aqueles que podem ser habitados, como o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais descreveu na apresentação da Proposta de Lei n.º 96/XII.

            Tal possibilidade de utilização para habitação não se verifica necessariamente em todos os “terrenos para construção”, mas somente se e quando neles for edificada a construção para os mesmos autorizada e prevista. Contudo, quando tal suceda, já não serão “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos, “habitacionais”, “comerciais”, “industriais ou para serviços” ou “outros”.

            Assim, conclui que as liquidações de Imposto do Selo, ao incidirem sobre uma mera “expectativa ou previsão” de construção destinada a habitação, afiguram-se ilegais, por erro nos pressupostos de facto e de direito.

            Finalmente, sustenta que os Fundos representados pela ora Requerente desenvolvem a título principal a actividade de compra e venda de imóveis. Razão pela qual a titularidade do direito de propriedade sobre imóveis, v.g. “terrenos para construção”, não pode representar uma capacidade contributiva superior.

Para tanto, advoga que não podem ser considerados bens de luxo, consubstanciando antes, bens de investimento, os quais se encontram afectos a operações imobiliárias, pelo que a propriedade de tais imóveis não manifesta, por si só, uma capacidade contributiva superior.

Nesta sequência, pede a Requerente que:

a)      “Seja desaplicada, no caso concreto, a verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio constitucional da igualdade…;

b)      Seja declarada a ilegalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto do selo sub judice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos prontamente anulados;

c)      Seja a autoridade Tributária e Aduaneira condenada a reembolsar do valor do Imposto do Selo pago, ou a pagar, relativamente às liquidações aqui impugnadas;

d)     Seja a Autoridade Tributária e Aduaneira condenada no pagamento, à aqui Requerente, de juros indemnizatórios, à taxa legal, até reembolso integral da quantia devida e calculados sobre o imposto pago ou apagar, até à decisão final da presente acção arbitral.”

 

4. MATÉRIA DE FACTO

4.1. Factos que se consideram provados

 

4.1.1. O Fundo identificado como “A…” foi notificado dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo em relação aos prédios inscritos nas matrizes prediais a seguir identificadas:

i) …, urbano, freguesia de …, concelho de ... e com um valor patrimonial tributário de € 1 227 040,00;

ii) …, urbano, freguesia de …, concelho de ... e com um valor patrimonial tributário de € 1 385 334,64;

iii) …, urbano, freguesia de …, concelho de … e com um valor patrimonial tributário de € 1 067 010,00;

iv) O Fundo identificado como “B…” foi notificado dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo em relação ao prédio inscrito na matriz sob o artigo matricial …, urbano, freguesia de …, concelho do ..., e com um valor patrimonial tributário de € 17 048 570,00.

4.1.2. A Requerente foi notificada das liquidações de Imposto do Selo, datadas de 20/03/2015 e 21/03/2015, relativas ao ano de 2014, em relação a cada uma de tais inscrições matriciais, no montante global de € 207 279,55, e que se decompõem do seguinte modo:

i) …, urbano, no montante de € 12 270,40;

ii) …, urbano, no montante de € 13 853,35;

iii) …, urbano, no montante de € 10 670,10;

iv) …, urbano, no montante de € 170 485,70.

4.1.3. A Requerente procedeu ao pagamento de € 69 093,21, relativos à 1.ª prestação da colecta dos prédios infra, e que se dividem da seguinte forma:

i) …, urbano, 1.ª prestação da colecta, € 4 090,14;

ii) …, urbano, 1.ª prestação da colecta, € 4 617,79;

iii) …, urbano,1.ª prestação da colecta, € 3 556,70;

iv) …, urbano, 1.ª prestação da colecta, € 56 828,58.

4.1.4. Os prédios descritos em 4.1.1. estão matricialmente inscritos como “terrenos para construção”.

 

4.2. Factos que não se consideram provados

 

4.2.1. Que os prédios identificados em 4.1.1. tenham projecto aprovado para a construção ou se localizem em zona onde esteja prevista a construção para a habitação.

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

 

4.3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada

 

            A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa.

 

4.4. Fundamentação da matéria de facto que não se considera provada

 

            Não se encontra junto aos autos qualquer suporte documental que ateste que os actos em crise foram praticados tendo por objecto prédios com projectos aprovados para a construção ou quaisquer outros títulos constitutivos do direito de construir para habitação.

 

5. DO DIREITO

5.1. Quanto ao mérito

 

Ante tudo o que ficou exposto, a Requerente impugna as liquidações de Imposto do Selo, em análise, com base nos seguintes fundamentos:

- Inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, com a redacção dada pela Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de Dezembro, se interpretada no sentido de o facto tributário relevante assentar numa expectativa de afectação à habitação, por violação dos princípios constitucionais da capacidade, da igualdade e da dupla tributação;

- Ilegalidade por erro nos pressupostos de facto e de direito.

A Administração encontra-se subordinada à Constituição, como qualquer poder ou órgão do Estado, mas o que a caracteriza é a subordinação imediata à lei, não podendo haver Administração sem mediação legal. O princípio da legalidade, entendido num sentido amplo (da juridicidade da administração), constitui pressuposto e fundamento de toda a actividade administrativa, sendo que só excepcionalmente pode haver actividade administrativa directamente vinculada à Constituição[1].

Nesta conformidade, impõe-se, antes de mais, averiguar se os actos tributários de liquidação objecto do presente Pedido arbitral estão, ou não, em conformidade com o parâmetro imediato a que está subordinada a Administração Tributária, no caso dos autos: a verba 28.1 da TGIS, segundo a redacção dada pela Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de Dezembro.

Como vimos, alega a ora Requerente, em síntese, que as liquidações de Imposto do Selo em causa são ilegais por erro nos pressupostos de facto e de direito (vd. artigo 92.º do Pedido).

Cumpre apreciar.

Para a resolução da questão acima identificada, importa ter presente, antes do mais, a evolução e o enquadramento da referida verba 28, quer antes, quer depois da alteração que foi determinada pelo artigo 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de Dezembro (que é, como se disse, a redacção aplicável ao presente caso).

 

Nesse sentido, torna-se útil a referência ao Acórdão do STA de 9/4/2014 (proc. n.º 1870/13), que, tal como outros arestos do STA – e.g.: Acórdão de 9/4/2014 (proc. n.º 48/14), Acórdãos de 23/4/2014 (proc. n.os 270/14, 271/14 e 272/14), Acórdão de 25/11/2015 (proc. 1338/15) – faz uma análise histórica e cronológica detalhada da evolução e enquadramento da verba 28, ora em análise:

“O conceito de «prédio (urbano) com afectação habitacional» não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei) remete, a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação –, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.

 

Esta alteração – a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros)”. (Fim de citação.)

 

Antes da alteração legislativa que passou, de forma inovadora, a incluir os referidos terrenos para construção, mostrava-se necessário averiguar, fazendo uso dos diversos elementos interpretativos, se, na ausência daquela referência literal, tais terrenos poderiam, ainda assim, ser incluídos no âmbito de incidência objectiva da verba 28. É por essa razão que se compreende que o referido aresto tenha prosseguido, dizendo:

 

“[Nada] esclarecendo [o legislador] em relação às situações pretéritas [i.e., liquidações anteriores a 2014], como a que está em causa nos presentes autos, não parece poder perfilhar-se [quanto a estas] a interpretação do recorrente, porquanto não resulta inequivocamente, nem da letra, nem do espírito da lei, que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos em matéria – de incidência tributária – em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.

 

E do seu «espírito», apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44 [...]) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza «mais poupadas» no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de «prédios (urbanos) com afectação habitacional», porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido – como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD –, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros» (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, «os prédios (urbanos) habitacionais», em linguagem corrente «as casas», e não outras realidades.

 

[...]. [...] referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com «afectação habitacional», sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.

 

Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos «habitacionais» e «terrenos para construção», não podem estes ser considerados como «prédios com afectação habitacional» para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.” (Fim de citação.)

 

Em síntese, depreende-se da jurisprudência do Venerando STA que, com a nova redacção da verba 28.1 da TGIS, dada pelo artigo 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31/12 (e aplicável aos presentes autos), foi alargado, de forma inovadora, o âmbito de incidência objectiva da norma, ao incluir-se, de uma forma explícita, os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista edificação para habitação.

 

Feito o imprescindível enquadramento histórico-legal, importa, agora, num segundo momento, analisar os termos do referido alargamento do âmbito de incidência objectiva da norma em causa e aferir da legalidade da sua aplicação ao caso dos presentes autos.

 

Dispõe a nova redacção da verba 28.1 da TGIS (dada, como se disse, pelo art. 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31/12) o seguinte: “Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.

 

A questão essencial que, neste contexto, se coloca, é a saber se, fazendo uso das palavras da ora Requerente, “sem [...] aquela previsão ou expectativa de «edificação para habitação» [...] concretizada”, se poderá aceitar a aplicação do imposto do Selo aqui em análise (vd. artigos 83.º a 86.º do Pedido).

 

Para responder à referida questão, afigura-se como particularmente útil a ponderação do seguinte:

 

“No que se refere a terrenos para construção, quer estejam, ou não, localizados dentro de um aglomerado urbano, tal como vem definido no art. 3.º/4 do presente diploma [CIMI], devem, como tal, ser considerados os terrenos relativamente aos quais tenha sido concedida: - licença para operação de loteamento; - licença de construção; - autorização para operação de loteamento; - autorização de construção; - admitida comunicação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção; emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, bem assim como; - aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, devendo ter-se em atenção que, também para esse efeito, apenas deve relevar o título aquisitivo com a forma preceituada pela lei civil, ou seja, a escritura pública ou o documento particular autenticado referidos no art. 875.º CC.” [vd. ANTÓNIO SANTOS ROCHA / EDUARDO JOSÉ MARTINS BRÁS – Tributação do Património. IMI-IMT e Imposto do Selo (Anotados e Comentados). Coimbra, Almedina, 2015, p. 44].

 

Em face dos requisitos acima citados – com os quais aqui se concorda, por traduzirem e explicitarem quais as exigências legais e administrativas necessárias à consideração de quaisquer terrenos para construção como terrenos abrangidos pela verba 28.1 da TGIS – verifica-se que, no caso ora em análise, os terrenos em causa não preenchem nenhum deles.

 

Com efeito, e como se disse em sede de prova, não foi junto aos presentes autos qualquer suporte documental que ateste que os actos em crise foram praticados tendo por objecto prédios com projectos aprovados para a construção (ainda sem ou já com as referidas licenças e autorizações de construção), ou prédios que se localizem em zona onde esteja prevista a construção para a habitação (com as mencionadas comunicações prévias ou informações prévias favoráveis à realização de operações de loteamento ou de construção). Não tendo sido feita essa demonstração, não se poderá considerar que os terrenos ora em causa têm edificação, autorizada ou prevista, para habitação, nos termos do CIMI. 

 

Importa, ainda, salientar que, embora os prédios aqui em causa estejam matricialmente inscritos como sendo “terrenos para construção”, tal não legitima a aplicação automática da verba 28.1 da TGIS, uma vez que, como parece resultar óbvio, a mera inscrição matricial não constitui, por si só, demonstração de que um prédio tem uma edificação para habitação prevista.

 

Prova do que acabou de se dizer é o facto de, como também referem ANTÓNIO SANTOS ROCHA e EDUARDO JOSÉ MARTINS BRÁS (ob. cit., p. 46), “os imóveis situados em zonas urbanizadas ou incluídas em áreas abrangidas por planos de urbanização já aprovados [...] apenas deve[re]m ser considerados como terrenos para construção quando, por acção desencadeada pelo respectivo proprietário, se verifiquem, em alternativa, a emissão de qualquer daqueles documentos [«concessão de licenças, autorizações de construção ou loteamento, comunicações ou informações prévias favoráveis para o mesmo desiderato»]”.

 

Acrescentam os mesmos autores (vd. ibidem) – reforçando o entendimento, já aqui expresso, segundo o qual, sem licenças ou autorizações de construção, a mera inscrição dos imóveis como terrenos para construção não legitima, por si, a aplicação da verba 28.1 da TGIS –, em abono da sua posição, o seguinte:

 

“Os imóveis já descritos na matriz como terrenos para construção, relativamente aos quais se verifique a caducidade do loteamento, da licença ou autorização de construção, e nos quais não tenha, sequer, sido iniciada qualquer operação de edificação, devem, por via do instituto da caducidade, recuperar a natureza anterior”.

 

No mesmo sentido, veja-se, igualmente, JOSÉ MANUEL FERNANDES PIRES, (Lições de Impostos sobre o Património e do Selo. Coimbra, Almedina, 3.ª ed., 2015, págs. 110 a 112): “O direito a construir não está ínsito no direito de propriedade, mas só nasce ex novo no património do proprietário quando um ato administrativo da entidade pública competente reconhece e autoriza o proprietário a construir ou a lotear. [...] só quando esse direito se constitui na esfera jurídica do proprietário é que o Código do IMI estabelece que estamos perante um terreno para construção. Sendo esse ato constitutivo praticado pela entidade pública a requerimento do proprietário, então a classificação de um prédio como terreno para construção depende sempre da vontade do proprietário.”

 

Em síntese, afigura-se claro, no caso que se vem tratando, que a incidência do imposto aos terrenos para construção não se pode materializar com a mera inscrição dos mesmos, como tais, na matriz, mas antes, e de forma decisiva, pela verificação da efectiva potencialidade de edificação nos referidos terrenos (a qual deve ser apurada in casu e revelada através da existência dos documentos supra descritos). O mesmo é dizer, por outras palavras, que a incidência do imposto, para efeitos do disposto na verba 28.1, só se materializa com a verificação da “afectação efectiva”, para utilizar a feliz expressão de JOSÉ MANUEL FERNANDES PIRES (ob. cit., p. 507).

 

Sem essa demonstração da efectiva potencialidade de edificação – que, como se disse, não ocorreu no caso aqui em análise –, não se mostram cumpridos os propósitos subjacentes à nova redacção do texto legal da verba 28.1 da TGIS, razão pela qual se conclui que as liquidações em causa incorrem no erro invocado pela Requerente (vd. artigo 92.º da Petição).

 

Mostrando-se procedente o entendimento da Requerente quanto à questão referida, fica prejudicado, em face do disposto no art. 124.º do CPPT, ex vi art. 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT, o conhecimento de demais alegações da Requerente (não havendo, em face desta decisão, qualquer prejuízo para a mais estável ou eficaz tutela dos interesses da mesma).    

 

5.2. Juros indemnizatórios e reembolso da quantia paga

 

 À luz do disposto no n.º 5 do artigo 24.º do RJAT – na parte em que se diz que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” –, tem-se entendido que tal norma permite o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios em processos arbitrais.

 

Justifica-se assim, pelo exposto, a análise do pedido de pagamento de juros indemnizatórios à ora Requerente.   

            São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (vd. art. 43.º, n.º 1, da LGT).

 

            É, por isso, condição necessária para a atribuição dos referidos juros a demonstração da existência de erro imputável aos serviços. Nesse sentido, vejam-se, por ex., os seguintes arestos: “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT [...] depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.” (Acórdão do STA de 30/5/2012, proc. 410/12); “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária pressupõe que no processo se determine que na liquidação «houve erro imputável aos serviços», entendido este como o «erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal»” (Acórdão do STA de 10/4/2013, proc. 1215/12).

 

Ora, tendo havido, como decorre do que foi dito no ponto 5.1. da presente decisão arbitral, erro imputável aos serviços – o qual conduz à anulação dos actos tributários em causa e à consequente devolução dos montantes pagos pela Requerente, nos termos do disposto no art. 173.º, n.º 1, do CPTA, ex vi art. 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT –, conclui-se, sem necessidade de mais considerações, pela procedência do pedido de pagamento de juros indemnizatórios à Requerente.

 

***

 

            6. DECISÃO

 

            Em face do supra exposto, decide-se:

            - Julgar procedente o presente pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular as liquidações de Imposto do Selo em causa, determinando-se a devolução dos montantes indevidamente cobrados.

            - Julgar procedente o pedido também na parte relativa ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da Requerente.

           

 

Fixa-se o valor do processo em € 207 279,55 (duzentos e sete mil duzentos e setenta e nove euros e cinquenta e cinco cêntimos), nos termos dos artigos 32.º do CPTA e 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e no art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas a cargo da Requerida, no montante de € 4 284,00, nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique.

 

Lisboa, 4 de Fevereiro de 2016.

 

 

 

Os Árbitros,

 

 

 

(Fernanda Maçãs)

 

 

 

(Miguel Patrício)

 

 

 

(Francisco Nicolau Domingos)

 

 

 

***

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

1990.

 

 



[1]              Para maiores desenvolvimentos sobre a vinculação da Administração à lei e à Constituição, cfr. GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA – Constituição da República Portuguesa, Anotada, Coimbra, Coimbra Editora, 4.ª ed., 2014, pp. 798 ss..