Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 26/2016-T
Data da decisão: 2016-07-26  IRS  
Valor do pedido: € 213.378,05
Tema: IRS – Mais-valias; venda de participações sociais; retroactividade da norma tributária; art. 59.º do CPPT; tempestividade; requisitos para a apreciação do pedido de revisão oficiosa; venire contra factum proprium; juros indemnizatórios
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Decisão Arbitral

 

 

Requerente: A…

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

 

 

I – Relatório

 

1.      O contribuinte A…, com o NIF … (doravante "Requerente"), apresentou, no dia 22 de Janeiro de 2016, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante "RJAT"), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante "AT" ou "Requerida").

2.      A Requerente vem pedir a pronúncia arbitral, seja sobre a ilegalidade do acto de liquidação adicional do IRS n.º 2011…, praticado pelo Director-Geral da Direcção-Geral dos Impostos e referente ao ano de 2010, no montante total a pagar de €213.378,05, seja sobre a ilegalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra esse acto de liquidação. Arrola uma testemunha.

3.      O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 5 de Fevereiro de 2016.

4.      Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 21 de Março de 2016.

5.      O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 6 de Abril de 2016; foi-o regularmente e é materialmente competente, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º, n.º 1, e 11.º, n.º 1, do RJAT (com a redacção introduzida pelo art. 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro).

6.      Nos termos dos n.os 1 e 2 do art. 17.º do RJAT, foi a AT notificada, em 6 de Abril de 2016, para apresentar resposta.

7.      Entretanto a AT apresentara um Requerimento em 5 de Abril de 2016, assinalando a falta do documento n.º 14, que tinha ficado de ser junto, mas não foi, ao pedido de pronúncia arbitral – solicitando que o Requerente fosse notificado para juntar aos autos o referido documento.

8.      Por Despacho Arbitral de 7 de Abril de 2016 foi o Requerente notificado para juntar aos autos, querendo, o documento protestado anexar, com o n.º 14, ao pedido de pronúncia arbitral.

9.      Em Requerimento de 14 de Abril de 2016, o Requerente respondeu ao Despacho Arbitral de 7 de Abril de 2016 juntando o Pedido de Passagem de Certidão correspondente ao referido documento n.º 14, apresentado ao Chefe do Serviço de Finanças de … em 13 de Abril de 2016.

10.  Por Despacho Arbitral de 14 de Abril de 2016 foi determinado aguardar-se a apresentação do referido documento n.º 14.

11.  Por Requerimento de 19 de Abril de 2016, veio a AT solicitar a concessão de novo prazo para apresentar a sua Resposta, dada a circunstância de não ter sido junto ainda o referido documento, sem o qual não poderia ser assegurada a igualdade das partes e o princípio do contraditório – solicitando em consequência a revogação do Despacho de 6 de Abril de 2016 na qual fora notificada para apresentar a sua Resposta, e a emissão de nova notificação para responder apenas quando estivessem reunidos no processo todos os elementos em falta.

12.  Em Requerimento de 20 de Abril de 2016, o Requerente apresentou um pedido de ampliação da instância, assente no facto de ao indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra o acto de liquidação do IRS n.º 2011… se ter seguido um acto de indeferimento expresso, por Despacho de 4 de Março de 2016 comunicado ao Requerente através de ofício de 16 de Março de 2016.

13.  E assim, à apreciação da ilegalidade do acto de liquidação do IRS n.º 2011…, praticado pelo Director-Geral da Direcção-Geral dos Impostos e referente ao ano de 2010, no montante total a pagar de €213.378,05, e à apreciação da ilegalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra esse acto de liquidação, somar-se-ia, nos termos dos arts. 63.º, 64.º, 65.º e 70.º do CPTA, a apreciação da ilegalidade do Despacho de 4 de Março de 2016 da Directora da DSIRS que determinou o indeferimento expresso do referido pedido de revisão oficiosa – passando a requerer-se, cumulativamente, a anulação do acto de liquidação e dos indeferimentos tácito e expresso do correspondente pedido de revisão oficiosa.

14.  Em Despacho Arbitral de 20 de Abril de 2016 foi concedido um prazo à AT para se pronunciar sobre o pedido de ampliação da instância apresentado na mesma data pelo Requerente, determinando-se, do mesmo passo, que o prazo notificado em 6 de Abril de 2016 à AT para apresentar Resposta se manteria em curso.

15.  Por Requerimento de 26 de Abril de 2016, a Requerente apresentou, para junção aos autos, o documento n.º 14 anexo ao pedido de pronúncia arbitral.

16.  O Despacho Arbitral de 26 de Abril de 2016 admitiu a junção aos autos do referido documento n.º 14.

17.  Em Requerimento de 26 de Abril de 2016, a AT pronunciou-se sobre o pedido de ampliação da instância apresentado pelo Requerente, sustentando o respectivo indeferimento; e voltou a solicitar novo prazo para a sua Resposta, nos termos do art. 17.º do RJAT.

18.  Em Despacho de 29 de Abril de 2016, o Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) esclareceu uma dúvida da AT quanto a critérios de prioridade de introdução, na Plataforma Informática, de Requerimentos apresentados pelas partes.

19.  Na sequência, o Despacho Arbitral de 3 de Maio de 2016 solicitou à AT que identificasse qual o Requerimento a que se referiu o Despacho do Presidente do CAAD – esclarecendo que o princípio do contraditório sempre seria respeitado, qualquer que fosse o momento de admissão desse Requerimento.

20.  Em Requerimento de 4 de Maio de 2016, de resposta a esse Despacho Arbitral, a AT esclareceu que se tratava do Requerimento inserido na Plataforma Informática na mesma data, em 4 de Maio de 2016. Verifica-se, todavia, que o Requerimento da AT inserido na Plataforma Informática com a data de 4 de Maio de 2016 é o mesmo já inserido com a data de 19 de Abril de 2016, no qual se solicitava a concessão de novo prazo para apresentar a sua Resposta, solicitando-se em consequência a revogação do Despacho de 6 de Abril de 2016 na qual fora notificada para apresentar a sua Resposta, e a emissão de nova notificação para responder.

21.  A AT apresentou a sua Resposta em 6 de Maio de 2016.

22.  Nessa resposta a AT alega, em síntese, a total improcedência do pedido da Requerente, opondo-se ainda à produção da prova testemunhal, seja por entendê-la inútil, seja por entender que a testemunha arrolada não oferece garantias de imparcialidade.

23.  O Despacho Arbitral de 10 de Maio de 2016 designou, nos termos do art. 18.º do RJAT, o dia 9 de Junho de 2016 para realização da audiência de julgamento, solicitando do Requerente a definição dos factos a que respeita a prova testemunhal por ela requerida.

24.  Em Requerimento de 23 de Maio de 2016 o Requerente veio, por um lado, solicitar a substituição da testemunha inicialmente indicada por uma outra; e, por outro lado, veio indicar que pretendia inquirir a testemunha arrolada sobre os factos constantes do art. 55.º do Requerimento Inicial.

25.  O Despacho Arbitral de 23 de Maio de 2016 admitiu a substituição de testemunhas solicitada pela Requerente.

26.  Em Requerimento de 27 de Maio de 2016 o Requerente veio pronunciar-se sobre as excepções invocadas pela AT na sua Resposta, sustentando a improcedência de todas.

27.  No dia 9 de Junho de 2016 teve lugar a audiência de julgamento, não obstante a ausência dos Representantes da Requerida, que não impediu o prosseguimento da diligência, nos termos do art. 19.º 1, do RJAT.

28.  Na audiência foi proferido Despacho Arbitral recusando a ampliação da instância requerida a 20 de Abril de 2016 pelo Requerente, por entender inútil tal ampliação. Ficou assim resolvida, pelo Tribunal, tanto a questão suscitada pelo Requerente como as objecções formuladas pela Requerida no seu Requerimento de 26 de Abril de 2016 e na sua Resposta de 6 de Maio de 2016.

29.  Nessa mesma audiência procedeu-se à inquirição da testemunha arrolada pela Requerente, B… .

30.  No final da audiência o Requerente e a Requerida foram notificados para apresentarem alegações escritas em prazos sucessivos de 15 dias.

31.  O Tribunal fixou a data de 6 de Outubro de 2016 como limite para a prolação da Decisão Arbitral.

32.  O Requerente apresentou em 23 de Junho de 2016 as suas alegações escritas.

33.  A Requerida apresentou em 5 de Julho de 2016 as suas contra-alegações escritas.

34.  O processo não enferma de nulidades e, resolvidas que sejam as questões de excepção suscitadas, não subsistem mais questões, prévias ou subsequentes, prejudiciais ou de excepção, que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.

35.  A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração (e posteriormente substabelecimento), encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.

36.  As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade, nos termos dos arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

II – Das Excepções

 

II.A. Posição da Requerida

 

1.      Na sua Resposta, a Requerida invoca quatro excepções

1.      Preterição, pelo Requerente, da formalidade consignada no art. 59.º do CPPT;

2.      Intempestividade do pedido de revisão oficiosa;

3.      Não-preenchimento dos requisitos para a apreciação do pedido de revisão oficiosa;

4.      A verificação de um venire contra factum proprium.

2.      Quanto à 1ª das excepções invocadas, a preterição da formalidade consignada no art. 59.º do CPPT, a AT sustenta que, se o Requerente pretendia excluir de tributação as alienações onerosas de acções, deveria ter declarado tal facto no anexo G1 da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS, e não no anexo G como fez quando entregou tal declaração em 29 de Maio de 2011. Não o tendo feito, esses rendimentos foram sujeitos a tributação em estrita obediência à declaração do contribuinte, de acordo com o estipulado no art. 59.º do CPPT na redacção em vigor à data dos factos.

3.      Ainda de acordo com esse regime, lembra a AT que o Requerente poderia ter sanado esse lapso declarativo, se fosse o caso, através da entrega de uma declaração de substituição, nos termos e nos prazos consignados no art. 59.º, 3 do CPPT.

4.      Mas não poderia nem pode fazê-lo através de um pedido de revisão oficiosa, sob pena de fraude à lei (o que é enfatizado pelo art. 59.º, 6 do CPPT).

5.      Quanto à 2ª das excepções invocadas, a intempestividade do pedido de revisão oficiosa, a AT sublinha o facto de, no seu pedido de pronúncia arbitral, o Requerente não se ter debruçado sobre os pressupostos legais do seu pedido de revisão oficiosa, antes parecendo partir do princípio de que esses pressupostos estariam inequivocamente preenchidos, ou que o indeferimento tácito os consolidaria.

6.      Mas como isso não sucede, entende a AT que o Tribunal Arbitral tem que analisar esses pressupostos processuais do próprio pedido de revisão oficiosa, para determinar se ele era viável ou não – o que será condicionante do próprio processo arbitral.

7.      Ora a AT entende que o pedido de revisão oficiosa foi intempestivo, por violação dos prazos do art. 78.º da LGT. É que, tendo sido a liquidação de IRS efectuada estritamente de acordo com os elementos fornecidos pelo Requerente (com a declaração no quadro 8 do anexo G, e não no anexo G1 como deveria ter sucedido se efectivamente se visava a exclusão de tributação), o erro invocado é atribuível ao contribuinte e não aos serviços, pelo que o Requerente não dispunha do prazo de 4 anos que o art. 78.º da LGT reserva exclusivamente aos casos em que o erro seja atribuível à administração tributária.

8.      Ora, não tendo havido erro imputável aos serviços da administração tributária, e tendo o erro sido da exclusiva responsabilidade do Requerente, este não dispunha do prazo de 4 anos para apresentar o seu pedido de revisão oficiosa, pelo que essa apresentação, quando ocorreu, foi intempestiva. E foi-o, acrescenta a AT, mesmo para efeito do pedido excepcional consagrado no art. 78.º, 4 da LGT, poi aí o prazo é de 3 anos e esse prazo foi também excedido.

9.      Quanto à 3ª das excepções invocadas, o não-preenchimento dos requisitos para a apreciação do pedido de revisão oficiosa, a AT relembra que não ocorreu qualquer erro – material, de facto ou de direito – imputável aos serviços, mas apenas um erro manifestamente atribuível ao próprio Requerente, pelo que, mesmo que tivesse sido tempestivamente apresentado, o pedido de revisão oficiosa seria infundado, inexistindo os pressupostos processuais de que depende a apresentação e procedência desse pedido, e que constam do art, 78.º, 1 da LGT.

10.  Quanto à 4ª das excepções invocadas, a verificação de um venire contra factum proprium, configurando abuso de direito, a AT sustenta que a figura decorre do facto de o Requerente ter pedido a revisão oficiosa, e depois a pronúncia arbitral, em contradição com o comportamento anteriormente assumido – nomeadamente o comportamento revelado no preenchimento e entrega da declaração de rendimentos no modelo 3 de IRS em 29 de Maio de 2011, pois aí declarou a alienação das acções no quadro 8 do Anexo G, para mais tarde pretender sindicar a legalidade do acto que ele próprio praticou (utilizando ilegitimamente, em termos materiais e temporais, o pedido de revisão oficiosa, como uma espécie de sucedâneo da apresentação da declaração de substituição).

 

II.B. Posição do Requerente

 

1.      No seu Requerimento de 27 de Maio de 2016, o Requerente veio pronunciar-se sobre as excepções invocadas pela AT na sua Resposta, sustentando a improcedência de todas elas.

2.      Quanto à 1ª das excepções invocadas, a preterição da formalidade consignada no art. 59.º do CPPT, o Requerente nega qualquer intuito de reabrir os prazos previstos no art. 59.º, 3 do CPPT através do mecanismo do pedido de revisão oficiosa, assim contornando, e defraudando, a proibição contida no art. 59.º, 6 do CPPT.

3.      Pelo contrário, argumenta que a AT assenta num entendimento erróneo, que é o de que os valores das mais-valias obtidas em Maio de 2010 não foram comunicados através da declaração de rendimentos modelo 3 do IRS – quando a verdade é que o foram, apenas tendo surgido um vício no preenchimento dessa declaração que se deveu ao estrito acatamento de instruções incorrectas prestadas pela própria AT (as instruções oficiais de preenchimento, consonantes aliás com declarações prestadas publicamente pelo SE dos Assuntos Fiscais do XVIII Governo Constitucional).

4.      Com efeito, faz notar o Requerente que o modelo de declaração n.º 3 e o respectivo anexo G1 foram modificados pela Portaria n.º 1303/2010, de 22 de Dezembro, de modo a reflectir a alteração legislativa resultante da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho. Com essa modificação, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2011, o Quadro 4 do referido anexo G1 passou a referir "alienação onerosa de acções detidas durante mais de 12 meses (Anos 2009 e anteriores)", não permitindo, pois, a inserção nesse anexo G1 da declaração de alienação de acções detidas há mais de 12 meses, quando essa alienação tivesse ocorrido no próprio ano de 2010 – como foi o caso.

5.      Essa impossibilidade foi confirmada nas instruções de preenchimento do referido anexo G1.

6.      Isso significa que, mesmo não concordando com o entendimento e instruções da AT, não era sequer possível materialmente ao Requerente declarar no Anexo G1 as mais-valias mobiliárias que obtivera nesse ano de 2010; e por isso também a AT informou o Requerente que teria que declarar essas mais-valias mobiliárias no quadro 8 do Anexo G da referida declaração de rendimentos – como veio a suceder.

7.      Em suma, o Requerente alega que se limitou a acatar as instruções que plasmavam o entendimento da AT, entendimento posteriormente posto em causa na jurisprudência e na doutrina.

8.      Sendo assim, o Requerente manifesta estranheza quanto ao facto de a Requerida centrar a sua argumentação numa alegada opção – entre o Anexo G e o Anexo G1 – que nunca existiu, que nunca foi disponibilizada ao Requerente.

9.      E a mesma estranheza se estende ao argumento da AT de que o Requerente teria podido apresentar uma declaração de substituição, nos termos e nos prazos consignados no art. 59.º, 3 do CPPT – porque pura e simplesmente não existia, nem existe, qualquer declaração de substituição que permita declarar no Anexo G1 os rendimentos de mais-valias mobiliárias obtidos ano de 2010.

10.  Não sendo possível corrigir nada, não houve qualquer opção do Requerente por uma não-correcção, e não houve por isso qualquer preterição de uma formalidade legal.

11.  Do mesmo passo o Requerente refuta a 3ª das excepções invocadas, o não-preenchimento dos requisitos para a apreciação do pedido de revisão oficiosa, já que o pedido de revisão oficiosa não visou alterar a declaração de rendimentos relativa a 2010, antes visou questionar os termos que determinaram a liquidação de um imposto de uma forma diversa da esperada, já que se julgava ocorrer uma exclusão desse imposto. Tratou-se de rever a decisão final de um procedimento, não a declaração de que esse procedimento emergiu – e cuja alteração nunca esteve em causa, nem podia está-lo por este meio, como o Requerente bem sabia.

12.  Por outro lado, o Requerente aproveita para lembrar que, contrariamente ao argumento da Requerida, um pedido de revisão oficiosa para anulação de um acto de liquidação não está, nem poderia estar, dependente da apresentação de qualquer declaração de substituição – bastando a verificação dos pressupostos estabelecidos no art. 78.º da LGT –. E sustenta que é isso que resulta precisamente do regime estabelecido no art. 59.º, 6 do CPPT.

13.  Quanto à 2ª das excepções invocadas, a intempestividade do pedido de revisão oficiosa, o Requerente sustenta que a AT labora num erro se pretende que a declaração do contribuinte esgotaria o procedimento da liquidação, exonerando a AT de assumir as suas competências nessa matéria; pelo contrário, no IRS não ocorre uma autoliquidação, pelo que a liquidação é em última instância uma iniciativa e uma responsabilidade da AT, que não pode nem deve confirmar cegamente qualquer declaração de um contribuinte (cfr. art. 78.º, 2 da LGT).

14.  Acresce ainda que, no caso, ao restringir as opções disponíveis no preenchimento da declaração de rendimentos e ao transmitir instruções de preenchimento que tinham o mesmo alcance restritivo, a AT ter provocado a situação que ela própria qualifica como um erro naquela declaração de rendimentos. O Requerente limitou-se a declarar as mais-valias mobiliárias da única forma possível, e da forma que lhe foi indicada como a única adequada e admitida.

15.  Portanto, a admitir-se que possa haver um erro na liquidação – o próprio objecto do pedido de revisão oficiosa, assente num entendimento jurisprudencial e administrativo que veio a revelar-se como dominante, como o reconhece a própria Direcção de Serviços do IRS (na sua Informação nº …/15) – esse erro não é do Requerente, é um erro dos serviços, um erro induzido pelos serviços da AT.

16.  Por outras palavras, se o erro que afecta a declaração ou a liquidação for resultado de instruções incorrectas da administração tributária, ele não poderá deixar de considerar-se imputável a esta, já que a lei lhe impõe a prestação de informações correctas e, ao não as prestar, haverá uma actuação da sua parte de incumprimento dos seus deveres, que apenas a ela pode ser imputado.

17.  O Requerente alega que, quando muito, terá sido vítima de uma violação do princípio da boa-fé, sendo constrangido, contra a tutela da sua confiança, a adoptar um comportamento declarativo do qual resultou uma liquidação em seu flagrante e injustificado prejuízo – como procurou demonstrar e reparar através do pedido de revisão oficiosa, e como se veria injustamente privado de fazer, se, contra toda a evidência, fosse alegada a intempestividade com base na errada atribuição ao próprio Requerente de um erro declarativo.

18.  Quanto ao momento em que apresentou o seu pedido de revisão oficiosa, o Requerente esclarece, em especial nas suas Alegações finais, que foi só em 2015, quando tomou conhecimento do teor do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do Processo n.º 013/15, em 20 de Maio de 2015, nos termos do qual foi julgada ilegal a tributação das mais-valias decorrentes de operações de alienação de acções detidas há mais de 12 meses, ocorridas antes da entrada em vigor da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, como era o caso, que o Requerente veio lançar mão dos meios de defesa que lhe concediam o art. 78.º da LGT e o art. 93.º do CIRS para contestar administrativamente a legalidade do referido acto de liquidação de IRS de 2010.

19.  Quanto à 3ª das excepções invocadas, o não-preenchimento dos requisitos para a apreciação do pedido de revisão oficiosa, o Requerente insiste que a liquidação é em última instância da responsabilidade da AT, além de que o "erro" verificado no caso em apreço se deve directamente aos condicionamentos e instruções que acompanharam o preenchimento da declaração de rendimentos de IRS referida ao ano de 2010 – tratando-se de um verdadeiro erro, dada a jurisprudência uniformizada do STA, no sentido de que a Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, não é aplicável às mais-valias mobiliárias decorrentes de operações de alienação realizadas antes da entrada em vigor do referido diploma legal, ou seja, antes de 27 de Julho de 2010 (Acórdão do STA, proferido no Processo n.º 734/15, em 2 de Dezembro de 2015).

20.  Como se trata agora do preenchimento dos requisitos e não da tempestividade, o Requerente lembra ainda que mesmo que se entendesse não ocorrer um caso de erro imputável aos serviços, sempre subsistiria a questão do acto de liquidação ilegal, assente num erro sobre os pressupostos de direito e do qual resultou um montante de imposto superior àquele que seria devido em face da lei em vigor, pelo que a AT não poderia deixar de promover a respectiva revogação, por respeito à legalidade, à prossecução do interesse público, e aos princípios da justiça e da igualdade – dentro do princípio geral de que o Estado não pode ficar com receitas de imposto às quais não tenha legalmente direito, sendo a revisão oficiosa um dos meios adequados para se alcançar esse desiderato.

21.  Quanto à 4ª das excepções invocadas, a verificação de um venire contra factum proprium, o Requerente diz estranhar esse argumento, que parece configurar uma restrição do acesso à justiça tributária – visto que a Lei em lado algum estabelece qualquer restrição à contestação de um acto de liquidação de imposto que lese direitos ou interesses legalmente protegidos do contribuinte, seja a que título for. Sendo assim, jamais o comportamento do Requerente poderia criar na AT a legítima convicção de que aquele prescindia (ou prescindiria) de exercer o seu direito de sindicar a legalidade do acto de liquidação – bastando isso para ter-se por não verificado o primeiro dos pressupostos do instituto jurídico do venire contra factum proprium: a existência de um comportamento do agente susceptível de basear uma situação objectiva de confiança.

22.  Quanto ao segundo dos pressupostos do instituto jurídico do venire contra factum proprium, o Requerente limita-se a lembrar que não foi por opção sua que preencheu a declaração de rendimentos modelo 3 do IRS referente a 2010 do modo como o fez, mas que esse preenchimento foi determinado por constrangimentos e instruções da autoria da AT – pelo que não houve nem há, da parte do Requerente, qualquer comportamento que, revelador de inconsistência de opções, ferisse a confiança da AT.

23.  Pelo contrário, o Requerente insiste que é a AT que viola o princípio da boa fé e desprotege a confiança do particular, ao tentar imputar ao Requerente uma conduta que é resultado da sua própria actuação, numa circunstância eu gerou um prejuízo significativo e injusto ao particular.

 

II.C. Decisão sobre as Excepções

 

1.      Relativamente às excepções invocadas pela Requerida, nenhuma delas procede; e, conquanto tenham sido apresentadas numa classificação quadripartida, todas soçobram pelo mesmo e único motivo fundamental, que é o da ausência de uma opção que tivesse sido disponibilizada ao Requerente, e à qual pudesse associar-se um erro que lhe fosse atribuível.

2.      Não houve um comportamento revelado pelo Requerente no preenchimento e entrega da declaração de rendimentos no modelo 3 de IRS em 29 de Maio de 2011 – porque não lhe foi concedida, seja nos formulários disponíveis seja nas respectivas instruções de preenchimento, qualquer alternativa, tendo-se ele limitado, por isso, a seguir o único caminho possibilitado. Não havendo por isso qualquer comportamento relevante seu, "revelado" ou "revelador", deixa de ser possível que haja da parte do Requerente qualquer incongruência na sindicância da legalidade do acto que praticou, deixando de ser possível invocar-se a existência de um venire contra factum proprium e, com este, a existência de um abuso de direito, seja no pedido de revisão oficiosa, seja no pedido de pronúncia arbitral.

3.      Além disso, não parece adequado invocar a figura do venire contra factum proprium para condicionar o exercício de uma prerrogativa que a lei reconhece incondicionadamente aos particulares para lhes garantir o acesso à justiça tributária e para os defender de ilegalidades.

4.      Não procede, assim, a 4ª das excepções invocadas (a verificação de um venire contra factum proprium).

5.      Não tendo sido concedida, seja nos formulários disponíveis, seja nas respectivas instruções de preenchimento, qualquer alternativa ao Requerente para além do comportamento que ele se viu, assim, forçado a adoptar, não lhe era possível subsequentemente "sanar", "corrigir", a situação através de uma qualquer declaração de substituição – pelo que o Requerente não preteriu, nem podia ter preterido, a formalidade consignada no art. 59.º do CPPT. Pela mesma razão, o pedido de revisão oficiosa não foi, nem podia ser, um "sucedâneo", mais ou menos fraudulento, dessa formalidade prevista no art. 59.º do CPPT – devendo ainda sublinhar-se que, pelo contrário, o regime legal de modo algum condiciona o direito de apresentar um pedido de revisão oficiosa para anulação de um acto de liquidação da apresentação prévia de qualquer declaração de substituição.

6.      Não procede, assim, a 1ª das excepções invocadas (preterição, pelo Requerente, da formalidade consignada no art. 59.º do CPPT).

7.      Como melhor veremos de seguida, a aplicação da Lei nº 15/2010, de 26 de Julho, efectuada pela Administração fiscal em violação do disposto no artigo 12.º da LGT, enferma de erro sobre os pressupostos de direito. Ao plasmar esse erro, seja nos formulários disponíveis, seja nas respectivas instruções de preenchimento, induzindo um comportamento e impedindo o Requerente de adoptar qualquer comportamento alternativo que lhe permitisse fazer frente a esse erro e saná-lo nesse momento, a AT originou um erro "imputável aos serviços", permitindo o preenchimento cabal dos requisitos para a apreciação e procedência do pedido de revisão oficiosa.

8.      Se o erro que afecta uma declaração ou uma liquidação for resultado de constrangimentos presentes nos formulários disponíveis, ou de vícios ou incorrecções contidos nas respectivas instruções de preenchimento, esse erro não poderá deixar de considerar-se imputável à AT, já que a lei impõe a esta o rigor formulário nas declarações e a correcção na prestação de informações, pelo que, na falta disso, haverá uma actuação da sua parte de incumprimento dos seus deveres, que apenas a ela pode ser imputada.

9.      Não procede, assim, a 3ª das excepções invocadas (não-preenchimento dos requisitos para a apreciação do pedido de revisão oficiosa).

10.  Pela mesma razão de ter ocorrido um erro sobre os pressupostos de direito que é "imputável aos serviços" – ao menos no sentido de que tal erro não é decerto imputável ao Requerente, que se limitou à observância e acatamento dos limites patentes nos formulários disponíveis e nas respectivas instruções de preenchimento da responsabilidade da AT –, o Requerente dispunha, nos termos do art. 78.º da LGT, do prazo de 4 anos para apresentar o pedido de revisão oficiosa, e esse prazo foi observado, pelo que não houve, portanto, intempestividade.

11.  Improcede assim, também, a 2ª das excepções invocadas (intempestividade do pedido de revisão oficiosa).

12.  Improcedendo todas as excepções apresentadas, fica o Tribunal habilitado a apreciar o mérito da causa.

 

III – Fundamentação: a matéria de facto

 

III.A. Factos que se consideram provados e com relevância para a decisão

 

1)       Por escritura pública de 28 de Junho de 1983, foi constituída, entre C… e D…, E… e F…, a sociedade por quotas "G…, Lda.", tendo por objecto social principal a exploração da indústria hoteleira e similares.

2)       O capital social, integralmente subscrito e realizado, cabia inicialmente em 2/3 a D…, em 1/6 a C… e em 1/6 a E… .

3)       Por subsequente divisão da quota de D…, 1/6 do capital social viria a caber ao Requerente (do restante capital, as quotas seriam de 1/3 para H…, 1/6 para D…, 1/6 para C… e 1/6 para E…).

4)       Por aumento de capital em 20 de Dezembro de 1988, foram admitidos 2 novos sócios, C… e E…, que passaram a deter 99,25% do capital, repartido por duas quotas de igual valor (49,625% cada).

5)       Seguidamente, em 29 de Maio de 1996 a Sociedade G…, Lda. foi transformada em sociedade anónima, passando a designar-se "G…, S.A.", tendo por sócios o Requerente (0,125% do capital social), I… (49,625% do capital social) e E… (49,625% do capital social), H… (0,25% do capital social), D… (0,125% do capital social), C… (0,125% do capital social) e E… (0,125% do capital social).

6)       Por aumento de capital, foi admitida uma nova sócia, J…, S.A., passando as participações sociais a ficar distribuídas da seguinte forma: o Requerente (0,069% do capital social), J…, S.A. (35,7% do capital social), I… (31,943% do capital social) e E… (31,943% do capital social), H… (0,138% do capital social), D… (0,069% do capital social), C… (0,069% do capital social) e E… (0,069% do capital social).

7)       Em 27 de Julho de 2000, I… e E… venderam a totalidade das acções que detinham sobre a sociedade G…, S.A., ao Requerente e a outros accionistas, incluindo uma nova accionista, K…, com o propósito de nivelar as suas posições, daí resultando a seguinte distribuição de participações sociais: o Requerente (10,7165% do capital social), J…, S.A. (35,7% do capital social), H… (10,717% do capital social), D… (10,7165% do capital social), C… (10,717% do capital social), E… (10,7165% do capital social) e K… (10,7165% do capital social).

8)       As mesmas proporções se mantiveram com a redenominação do capital social e das acções para euros.

9)       Em 13 de Maio de 2003, o acionista J…, S.A. vendeu à sociedade G…, S.A. as suas 71.400 acções, correspondentes a 35,7% do capital social.

10)   Posteriormente, a "G…, S.A." deliberou uma redução de capital social (por extinção das acções próprias por ela detidas), uma anulação do desconto de aquisição de acções próprias extintas e um aumento de capital social por incorporação de reservas livres e atribuição das novas acções aos accionistas na proporção das respectivas participações sociais, daí resultando a seguinte distribuição de participações sociais: o Requerente (16,6665% do capital social), H… (16,667% do capital social), C… (16,667% do capital social), D… (16,6665% do capital social), E… (16,6665% do capital social) e K… (16,6665% do capital social).

11)   Em 24 de Maio de 2010, os accionistas da "G…, S.A." alienaram a totalidade das acções que detinham sobre esta sociedade: 200.000 acções com o valor nominal de €5,00 cada, pelo preço global de €14.000.000,00.

12)   A participação do Requerente no capital social da "G…, S.A." foi vendida por um preço de €2.333.310,00 (33.333 acções, com o valor nominal de €166.665,00, sendo o preço correspondente a 16,6665% de €14.000.000,00).

13)   As mais-valias resultantes dessa operação para o Requerente são de €2.166.645,00, correspondentes à diferença entre o valor de realização (€2.333.310,00) e o valor de aquisição (€166.665,00) das acções por si detidas há mais de 12 meses.

14)   Essas mais-valias foram consideradas em apenas 50% do seu valor (€1.083.322,50), por estar em causa a transmissão de participações sociais respeitantes a uma pequena empresa não cotada (art. 43.º, 3 CIRS).

15)   A 8 de Julho de 2010 o Requerente entregou Declaração Modelo 4 a que se refere o art. 138.º do CIRS (uma declaração de substituição), indicando €8.334,00 como valor da operação de alienação de valores mobiliários, correspondendo apenas à parcela em que não houvera mais-valias (o lote de acções adquirido em Dezembro de 2008 e alienado pelo mesmo valor em 24 de Maio de 2010).

16)   A 29 de Maio de 2011 o Requerente entregou Declaração Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2010, e na Categoria G indicou que no mês de Maio de 2010 obtivera, por alienação onerosa de partes sociais, um valor de realização de €2.341.644,00 (= €2.333.310,00 + €8.334,00) contraposto a um valor de aquisição de €174.999,00 (= €166.665,00+ €8.334,00).

17)   O Requerente optou pelo não englobamento dos rendimentos.

18)   A Portaria n.º 1303/2010, de 22 de Dezembro, modificou o modelo de declaração n.º 3 e o respectivo anexo G1 de modo a reflectir, a partir de 1 de Janeiro de 2011, a alteração legislativa resultante da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho; com essa modificação, o Quadro 4 do referido anexo G1 passou a referir "alienação onerosa de acções detidas durante mais de 12 meses (Anos 2009 e anteriores)", não permitindo, pois, a inserção nesse anexo G1 da declaração de alienação de acções detidas há mais de 12 meses, quando essa alienação tivesse ocorrido no próprio ano de 2010.

19)   As "Instruções de Preenchimento" do Anexo G1 indicavam por duas vezes (genericamente e em relação ao Quadro 4) que só se admitia a declaração de alienações efectuadas nos anos de 2009 e anteriores relativamente a acções detidas pelos sujeitos passivos durante mais de 12 meses (o que foi corroborado por prova testemunhal).

20)   O Director-Geral da Direcção-Geral dos Impostos emitiu em 2 de Julho de 2011 um acto de liquidação do IRS n.º 2011…, sendo apurado imposto no montante total a pagar de €213.378,05.

21)   A parcela de imposto correspondente a tributações autónomas (€216.664,50) resulta da aplicação da taxa especial de 20% ao saldo positivo entre mais-valias e menos-valias mobiliárias obtidas no ano em causa (€216.664,50 = €1.083.322,50 x 20%).

22)   A aplicação da taxa de 20% resulta da aplicação do regime estabelecido pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, a qual entrou em vigor a 27 de Julho de 2010 (revogando o art. 10.º, 2, a) e b) do CIRS que excluía de tributação as mais-valias provenientes da alienação de acções detidas pelo respectivo titular há mais de 12 meses, e subindo para 20% a taxa especial de tributação prevista no art. 72.º, 4 do CIRS – que antes fora de 10%).

23)   Em 26 de Junho de 2011 o Requerente pagou integralmente o imposto em dívida, no montante de €213.378,05.

24)   O Requerente apresentou em 26 de Junho de 2015 um pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação adicional do IRS n.º 2011…, praticado pelo Director-Geral da Direcção-Geral dos Impostos e referente ao ano de 2010, com fundamento em erro imputável aos serviços, e ocorreu em 26 de Outubro de 2015 o indeferimento tácito desse pedido, nos termos do art. 57.º da LGT, por não lhe ter sido notificada qualquer decisão definitiva sobre ele até essa data.

25)   No Despacho de 4 de Março de 2016 de indeferimento expresso do pedido de Revisão Oficiosa, comunicado ao Requerente através de ofício de 16 de Março de 2016, faz-se alusão (nas pp. 6/8 e 7/8) à Informação n.º …/15 da Direcção de Serviços do IRS segundo a qual é "administrativamente pacífico que a alteração operada pela Lei nº 15/2010, de 26 de Julho, apenas é aplicável às alienações onerosas de acções detidas por período superior a doze meses quando as mesmas tenham ocorrido já na vigência do novo regime".

 

III.B. Factos que se consideram não provados

 

Com base nos elementos documentais disponibilizados nos autos e consensualmente aceites pelas partes, e com base na prova testemunhal apresentada na audiência de julgamento, verifica-se que, com interesse para a decisão da causa, nada ficou por provar:

 

IV – Fundamentação: a matéria de Direito

 

IV.A. Posição do Requerente

 

a)      O Requerente começa por alegar que o acto de liquidação adicional do IRS n.º 2011…, praticado em 2 de Julho de 2011 pelo Director-Geral da Direcção-Geral dos Impostos e referente ao ano de 2010, viola o art. 77.º da LGT por falta de fundamentação, quer de facto, quer de Direito (invocando-se também os arts. 135.º do CPA e 103.º, 2 e 268.º, 3 da Constituição).

b)      Adicionalmente, o Requerente alega que foi ilegalmente preterido o direito à audição prévia, uma formalidade essencial consagrada no art. 60.º, 1, a) da LGT (invocando-se também os arts. 45.º do CPPT e 267.º, 5 da Constituição).

c)      Quanto à ilegalidade do acto de liquidação, o Requerente invoca a jurisprudência do STA e do CAAD para sustentar que as mais-valias apuradas em 24 de Maio de 2010, porque obtidas em data anterior à entrada em vigor da Lei n.º 15/2010, de 26 de Junho, estão excluídas de tributação, nos termos aplicáveis do art. 10.º, 2, a) do CIRS, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 192/2005, de 7 de Novembro.

d)     Reforça o seu entendimento com a invocação do art. 10.º, 1, b) e 3 do CIRS, nos termos do qual os ganhos se consideram obtidos no momento da prática dos actos em causa (não obstante o valor depender de um saldo anualmente apurado, nos termos do art. 43.º, 1 do CIRS).

e)      As mais-valias obtidas em 24 de Maio de 2010 estariam, assim, excluídas de tributação, por corresponderem à alienação de acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses; a se estivessem detidas há menos de 12 meses, ter-lhes-ia sido aplicada a taxa de 10%, que era a que vigorava até à modificação do art. 72.º, 4 do CIRS pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Junho.

f)       O Requerente insiste no entendimento de que, tendo entrado em vigor em 27 de Julho de 2010 (nos termos do seu próprio art. 5.º), a Lei n.º 15/2010, de 26 de Junho, não pode aplicar-se às mais-valias decorrentes de alienações onerosas de valores mobiliários ocorridas antes da sua entrada em vigor, ou seja, entre 1 de Janeiro de 2010 e 26 de Julho de 2010 – pois o contrário corresponderia à violação da regra geral contida no art. 12.º da LGT, que veda a retroactividade das normas tributárias, e à violação da proibição contida no art. 103.º, 3 da Constituição (a qual constitui uma garantia do contribuinte e uma protecção da sua confiança).

g)      Quanto ao momento em que se verifica o facto gerador da obrigação fiscal, o Requerente sustenta que se tratou de um facto tributário simples, cujo elemento objectivo remete para o próprio momento da sua verificação, o "momento da prática dos actos" para que remete o art. 10.º, 1 e 3, do CIRS.

h)      Esse o momento relevante, sustenta o Requerente, momento de perfeição do facto tributário; momento que não deve ser confundido com o da determinação da matéria colectável, que esse depende do apuramento do saldo anual, nos termos do art. 43.º, 1 do CIRS. A determinação da matéria colectável não deve confundir-se com a determinação dos factos tributários subjacentes a essa matéria colectável, que esses ficam perfeitos no momento da sua ocorrência; por outras palavras, o saldo anual das mais-valias não se confunde com as próprias mais-valias, sendo estas, e não aquele (que consiste numa mera agregação para efeitos de cobrança), os factos tributários a que se reporta o art. 10.º do CIRS. O imposto é devido a partir do momento em que ocorre o facto tributário, não obstante a respectiva liquidação e cobrança poderem ainda depender de ulteriores ponderações e cálculos.

i)        Tendo a alienação de acções que gerou as mais-valias ocorrido antes da entrada em vigor da Lei n.º 15/2010, de 26 de Junho, daí decorre, no entendimento do Requerente, a ilegalidade da liquidação a que procedeu a Requerida, na medida em que aplicou retroactivamente o respectivo regime, sem qualquer habilitação legal para fazê-lo e em violação do princípio estabelecido no art. 12.º da LGT, devendo decorrer dessa ilegalidade a anulação do acto de liquidação e a restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º da LGT.

j)        O Requerente acrescenta ainda que se tratou de um retroactividade em sentido próprio, dita "de primeiro grau", já que consistiu na aplicação de lei nova a factos tributários de natureza instantânea já completamente formados, já estabilizados, e anteriores à entrada em vigor dessa lei nova. Isso, no seu entender, colide com o princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança, que deve ser preservado em reforço da proibição expressa da retroactividade, de modo a evitar que o contribuinte se veja confrontado com quebras de continuidade injustificadas e frustrantes de expectativas legítimas.

k)      Nas suas Alegações, o Requerente resume a sua argumentação e refere o depoimento corroborador da testemunha por si arrolada.

 

IV.B. Posição da Requerida

 

a)      Na sua Resposta, a Requerida mantém o entendimento de que a liquidação controvertida consubstancia uma correcta aplicação do Direito, não enfermando de qualquer vício.

b)      A Requerida começa, como se referiu antes, por invocar quatro excepções.

c)      Para lá das excepções apresentadas, a Requerida defende-se também por impugnação, começando por contestar o argumento do Requerente relativo à alegada falta de fundamentação do acto de liquidação – contrapondo não só que que a fundamentação é um conceito relativo, instrumental quanto ao objectivo de compreensão por parte de um destinatário normal, mas também, e sobretudo, que, tendo a liquidação resultado exclusivamente dos elementos declarados pelo próprio Requerente, espelhando essa declaração, não faz sentido dizer-se que tal liquidação se encontra infundamentada.

d)     Quanto à alegada preterição de formalidade essencial que consistiria na ausência de audição prévia, a Requerida sublinha que tal argumento do Requerente não tem qualquer apoio na Lei. Pelo contrário, como a liquidação se fez exclusivamente com base nos elementos declarados pelo Requerente, a AT estava dispensada de proceder à audição prévia, nos termos do art. 60.º, 2, b) da LGT.

e)      Quanto à pretensa ilegalidade do acto de liquidação por violação do princípio da irretroactividade e por violação do princípio da confiança, a AT recorda que a Lei n.º 15/2010, de 26 de Junho, foi criada em consonância com o princípio do "rendimento-acréscimo" que preside ao sistema tributário desde a Reforma de 1989, daí retirando a conclusão de que a ausência de uma norma de direito transitório naquela Lei só pode querer significar que se pretendeu que toda a realização de mais-valias ocorrida durante o ano de 2010 ficasse submetida ao novo regime instaurado pela Lei.

f)       Além disso, a AT sustenta que foi sempre claro, do ponto de vista histórico, que o regime seria aplicável no momento próprio de apuramento das mais valias que é o do final do período de tributação, e que, portanto, no final de 2010 todas as mais valias geradas em 210 seriam apuradas e os seus saldos submetidos à nova tributação – sendo claro que o que seria submetido ao novo regime de tributação seriam os saldos de mais- e menos-valias, e que esse saldo só poderia apurar-se no final de 2010. Daí resultaria, d entrada em vigor da nova Lei a meio do ano de 2010, mera retrospectividade (ou "retroactividade fraca, inautêntica ou imprópria"), não atentatória de qualquer expectativa atendível (não existindo um "direito à imutabilidade da lei fiscal"), não-violadora do art. 103.º, 3 da Constituição.

g)      A AT insiste no facto de o facto gerador do imposto, no caso do IRS, verificar-se sempre a 31 de Dezembro de cada ano, única solução consentânea com o carácter unitário e global dessa tributação sobre o rendimento, que é uma tributação anual, com escalões e taxas que dependem da consideração global do rendimento e da capacidade contributiva que ele espelha. Assim, no caso das mais-valias o facto gerador seria o apuramento do saldo global entre mais-valias e menos-valias, nos termos do art. 43º, 1 do CIRS, e não os ganhos ou perdas averbadas em cada alienação concreta (pois estes não permitem a sua consideração unitária e anual, e conduziriam a uma necessidade de fraccionamento "pro rata temporis" que seria incongruente, impraticável e exposto a planeamento fiscal especulativo).

h)      No caso, na entrada em vigor da Lei n.º 15/2010, de 26 de Junho, o saldo tributável não estava ainda formado, não era susceptível de liquidação, sendo pois que a sua verificação ocorreu em pleno já na vigência da nova Lei.

i)        Por outro lado, a Requerida rejeita a aplicação ao caso do art. 12.º da LGT, visto que essa norma cede perante uma norma especial que é o próprio CIRS, o qual estabelece o princípio da anualidade do imposto (art. 143.º CIRS), da qual decorre a aludida aglutinação de todos os factos geradores de rendimentos que se verifiquem do primeiro ao último dia do ano.

j)        Quanto aos juros indemnizatórios cujo pagamento é reclamado pelo Requerente, a AT sustenta que, sendo o acto tributário válido e legal, não existe o erro imputável aos serviços de que dependeria o direito a juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º da LGT e do art. 61.º do CPPT.

k)      Em Contra-Alegações, a Requerida manteve integralmente os argumentos já aduzidos na sua resposta, entendendo nada haver de novo nas alegações apresentadas pelo Requerente.

 

V. Sobre o mérito da causa

 

1.      As mais-valias apuradas em 24 de Maio de 2010, porque obtidas pelo Requerente em data anterior à entrada em vigor da Lei n.º 15/2010, de 26 de Junho, estão excluídas de tributação, nos termos aplicáveis do art. 10.º, 2, a) do CIRS, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 192/2005, de 7 de Novembro.

2.      Este entendimento, que poderia dar-se como meramente dominante na jurisprudência e na doutrina até 2015, admitindo por isso alguma margem de controvérsia, é hoje pacífico e incontroverso após o Acórdão para Uniformização de Jurisprudência proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em 2 de Dezembro de 2015, no Proc. n.º 734/15, e cujo sumário se reproduz:

"I - O Código do IRS estabelece, de forma clara e expressa, que constituem mais-valias os ganhos obtidos com a alienação onerosa de partes sociais, e que tais ganhos se consideram obtidos no momento da alienação - artigo 10º, nº 1, al. b), e nsº 3 e 4. E sendo o ganho apurado nesse preciso momento – pela diferença entre o valor de realização e o de aquisição do bem transmitido – as mais-valias não podem deixar de reportar-se a cada ganho de per si.

II - Razão por que o facto tributário nasce e esgota-se no momento autónomo e completo da alienação e da realização das mais-valias, sendo, por isso, um facto tributário instantâneo e não um facto tributário complexo de formação sucessiva ao longo de um ano, pese embora o valor a considerar para a determinação da base tributável para efeitos de IRS seja o correspondente ao saldo anual apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano.

III - A Lei nº 15/2010, de 26 de Julho, é omissa no que toca ao estabelecimento de regras específicas quanto à sua aplicação no tempo, pois não contém qualquer norma que deponha sobre a sua aplicação temporal, limitando-se a prescrever que “A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação”. Razão por que se impõe aplicar a regra geral que rege a aplicação da lei fiscal substantiva no tempo, plasmada no artigo 12º da LGT.

IV - As mais-valias produzidas antes de 27/07/2010 com a alienação de acções detidas há mais de 12 meses continuam a seguir o regime de não sujeição que vinha determinado no nº 2 do CIRS anteriormente às alterações introduzidas pela Lei nº 15/2010 de 26 de Julho, e, como tal, não concorrem para a formação do saldo anual tributável de mais-valias a que se refere o artigo 43º do CIRS."

3.      Essa decisão do STA, que anula a decisão arbitral do CAAD que, no Proc. 771/2014-T, seguira o entendimento oposto, vem culminar uma firme convergência de posições jurisprudenciais, seja no âmbito do STA (acórdãos proferidos no âmbito dos Processos 1078/12, 1582/13, 1292/14, 1504/14 e 013/15), seja no próprio âmbito do CAAD (decisões proferidas nos Processos 25/2011-T, 135/2013-T, 223/2014-T, 338/2014-T, 402/2014-T, 509/2014-T e 770/2014-T), e que vem lapidarmente plasmada no Acórdão proferido pelo STA, em 20 de Maio de 2015, no Proc. 013/15, cujo sumário transcrevemos também:

"I - As alterações introduzidas ao regime tributário das mais-valias mobiliárias pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho aplicam-se apenas aos factos tributários ocorridos em data posterior à da sua entrada em vigor (27 de Julho de 2010 – art. 5.º da Lei n.º 15/2010).

II - Nas mais-valias resultantes da alienação onerosa de valores mobiliários sujeitas a IRS como incrementos patrimoniais o facto tributário ocorre no momento da alienação (artigo 10.º n.º 3 do Código do IRS), sendo esse o momento relevante para efeitos de aplicação no tempo da lei nova, na ausência de disposição expressa do legislador em sentido diverso (artigos 12.º da LGT e do CC).

III - A aplicação da Lei 15/2010, de 26 de Julho a mais-valias resultantes da alienação de acções detidas pelo seu titular durante mais de doze meses ocorrida em Maio de 2010 configura erro sobre os pressupostos de direito da liquidação, gerador do dever de pagamento de juros indemnizatórios, ex vi do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, porquanto por erro imputável aos serviços a liquidação judicialmente anulada determinou o pagamento de imposto superior ao devido."

4.      Destacamos esta decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do Processo n.º 013/15, em 20 de Maio de 2015, porque é o próprio Requerente que admite que foi o conhecimento do respectivo teor que o motivou a lançar mão dos meios que o Direito lhe concedia para contestar administrativamente a legalidade do referido acto de liquidação de IRS de 2010, apresentando o pedido de revisão oficiosa em 26 de Junho de 2015 – antes mesmo, pois, da referida uniformização de jurisprudência empreendida pelo STA em 2 de Dezembro de 2015, no Proc. n.º 734/15.

5.      Até esse momento, em meados de 2015, o Requerente permanecera na convicção da regularidade da liquidação a que fora sujeito, por ter sido constrangido e induzido a cumprir os seus deveres declarativos de acordo com balizas formulárias e instruções de preenchimento que assentavam numa interpretação errada do quadro legal – e, portanto, numa ilegalidade.

6.      Da conjugação das normas relevantes é hoje pacífico, com relevância para o caso vertente, que:

a.       O facto tributário ocorre no momento da transmissão onerosa das acções;

b.      O rendimento correspondente é apurado conforme as regras de cada categoria, em especial quando o contribuinte opta pelo não-englobamento – e daí a aplicação de uma taxa especial, e proporcional, quando haja lugar à tributação;

c.       A constituição do facto tributário não se confunde com o apuramento do saldo anual dessa categoria de rendimentos, o que resulta especialmente nítido em casos em que é realizada uma única operação num dado ano, e deixa por isso de ser necessário qualquer cômputo ulterior de saldos;

d.      A norma de incidência não se confunde com a norma de quantificação da obrigação tributária, com a norma que rege o apuramento da matéria colectável;

e.       Quando uma lei nova é omissa quanto ao seu regime transitório, quanto à sua aplicação no tempo, aplica-se a vedação da retroactividade imposta pelo art. 12.º da LGT, que é a norma que rege a aplicação no tempo das normas fiscais;

f.       A LGT, não obstante, não dispor do estatuto de lei de valor reforçado, apresenta-se, por vontade legislativa, como o documento condensador e supraordenador dos princípios estruturais do Direito Fiscal, não podendo as suas regras ser afastadas por simples argumentos de posterioridade ou especialidade de outras normas de direito tributário;

g.      As mais-valias provêm de operações isoladamente realizadas em que cada facto gerador se apresenta como autónomo e completo;

h.      O facto tributário deve ser localizado no tempo de acordo com a respectiva norma de incidência; e de acordo com a sua específica norma de incidência, as mais-valias resultantes da alienação onerosa de valores mobiliários consideram-se obtidas no momento da prática do acto de alienação destes valores mobiliários;

i.        A Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, não estabelece nenhum regime transitório, mas apenas determina a sua entrada em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (art. 5.º), pelo que as alterações por ela introduzidas ao regime tributário em IRS das mais-valias mobiliárias se aplicam apenas aos factos tributários ocorridos em data posterior à sua entrada em vigor – sob pena de, em caso contrário, ocorrer violação de lei expressa, do art. 12.º da LGT (além de eventual violação do dispositivo constitucional).

7.      A aplicação da lei nova aos factos ocorridos antes da sua entrada em vigor, sem que o legislador o haja previsto, constitui portanto um verdadeiro e próprio "erro dos serviços", especificamente uma confusão conceptual em que a AT incorreu no que respeita aos pressupostos da liquidação de IRS respeitante ao exercício fiscal de 2010 – uma confusão que veiculou aos contribuintes, seja obrigando-os a preencher as suas declarações, seja instruindo-os a fazê-lo, de acordo com esse erro que perfilhou.

8.      Sublinhe-se ainda que na situação controvertida o Requerente realizou um só ganho decorrente de uma só transmissão onerosa de partes de capital, não apenas tornando claro como seria erróneo confundir esse momento de incidência com o momento de apuramento de um saldo (que, na ausência de outras operações, se tornaria redundante), como sobretudo reforçando a natureza instantânea do facto gerador, na medida em que retirou qualquer sentido e relevância ao domínio temporal da lei nova, por não subsistir qualquer facto, realidade ou momento que, após a vigência da lei nova, se apresentasse como necessário para completar o facto gerador ocorrido ao abrigo da lei antiga.

9.      Aplicando-se as considerações supra ao caso em apreço, fica em suma evidente a ilegalidade da liquidação decorrente da aplicação retroactiva do regime fiscal aprovado pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho. A transmissão onerosa das partes de capital ocorreu antes da entrada em vigor dessa Lei, e essa transmissão é o facto gerador do imposto, pelo que à data da realização da mais-valia fiscal, que constitui esse facto gerador, vigorava o regime de exclusão de tributação plasmado no n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS.

10.  Sendo assim, mesmo que se entendesse não ocorrer um caso de erro imputável aos serviços, sempre subsistiria a questão do acto de liquidação ilegal, do qual resultou um montante de imposto superior àquele que seria devido em face da lei em vigor, pelo que a AT não poderia deixar de promover a respectiva revogação, por respeito à legalidade, à prossecução do interesse público e aos princípios da justiça e da igualdade – dentro do princípio geral de que o Estado não pode ficar com receitas de imposto às quais não tenha legalmente direito, sendo a revisão oficiosa um meio adequado para se assegurar esse princípio.

11.  "Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito", eis a regra estabelecida no art. 8.º, 3 do Código Civil. O sentido da decisão acompanha, por isso, a jurisprudência do STA acima identificada: constitui um valor em si mesmo que um tribunal arbitral, como meio alternativo de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, procure acompanhar a jurisprudência dos tribunais superiores.

12.  Por fim, a verificação da ilegalidade do acto de liquidação, essencialmente por violação do princípio da irretroactividade, chega para que se julgue procedente o pedido de pronúncia arbitral, ficando portanto prejudicada a consideração dos demais fundamentos apresentados, no mesmo sentido, pelo Requerente (nomeadamente, as alegadas falta de fundamentação, violação do direito de audição prévia e violação do princípio da confiança).

 

VI – Sobre os juros indemnizatórios

 

1.      Para lá da declaração da ilegalidade da liquidação, o Requerente peticiona ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, matéria que se insere no âmbito das competências deste Tribunal, conforme expressamente prevê o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT.

2.      Determinada a ilegalidade da liquidação e a sua consequente anulação, e encontrando-se paga a dívida tributária indevida, o direito a juros indemnizatórios subsiste, sempre que tal decorra de erro imputável aos serviços da AT, conforme prevê o n.º 1 do artigo 43.º da LGT.

3.      No presente caso, está-se perante uma liquidação determinada pela AT e que veio a revelar-se legalmente injustificada, não por qualquer acto ou procedimento do Requerente, mas por um entendimento erróneo sobre os pressupostos da liquidação – um entendimento sustentado, imposto e veiculado pela própria AT.

4.      Considera-se por isso verificado um erro imputável aos serviços, com a consequente obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º, 1 e 2, da LGT e do art. 61.º do CPPT.

5.      São, portanto, devidos juros indemnizatórios, à taxa legal, sobre a importância indevidamente liquidada e paga, contados a partir do dia seguinte ao do pagamento indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

 

VII. Decisão

 

Em face de tudo quanto antecede, decide-se:

 

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando ilegal o acto de liquidação adicional do IRS n.º 2011…, praticado pelo Director-Geral da Direcção-Geral dos Impostos e referente ao ano de 2010, anulando esse acto de liquidação e condenando a Requerida ao reembolso da quantia correspondente de €213.378,05.

 

b) Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra esse acto de liquidação.

 

c) Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, condenando a Requerida ao pagamento da quantia correspondente.

 

VIII. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em €213.378,05, nos termos do disposto no art. 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

IX. Custas

 

Custas a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, dado que o presente pedido foi julgado procedente, no montante de €4.284,00, nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

Lisboa, 26 de Julho de 2016

 

 

Os Árbitros

 

José Baeta Queiroz

(Presidente)

 

 

 

Fernando Araújo

 

 

 

Luís Menezes Leitão