Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 15/2016-T
Data da decisão: 2016-08-09  Selo  
Valor do pedido: € 51.856,40
Tema: IS - Verba 28.1; terrenos para construção em compropriedade; caso julgado
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Decisão Arbitral

 

       O árbitro, Dr. Henrique Nogueira Nunes, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 29 de Março de 2016, acorda no seguinte:

 

1.    RELATÓRIO

 

1.1. A…, com o número de identificação fiscal …, e B…, com o número de identificação fiscal …, doravante designado por “Requerentes”, requereram a constituição do Tribunal Arbitral ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”).

 

1.2. O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de imposto do selo melhor identificados sob os documentos de cobrança emitidos com os números 2015…, no valor de € 25.928,20, e 2015…, no valor de € 25.928,20, efectuados ao abrigo do disposto na verba 28.1 da TGIS, referente ao ano de 2014.

 

1.3. A fundamentar o seu pedido alegam as Requerentes, em síntese, o seguinte vício:

 

(i) Que tendo o terreno em causa nos autos uma área total de 9.010 m2, a área de implantação dos edifícios é apenas, dizem, de 5.180 m2, e que tendo sido determinado pela Requerida um valor patrimonial de € 3.266.985,55 à parte do terreno destinado a habitação e de € 1.918.652,78 à parte restante destinada a outra afectação, o imposto do selo em causa nos autos só deverá incidir sobre a parcela referente ao valor de € 3.266.985,55, pois é este o valor do terreno que sustentam poder edificar a habitação.

 

(ii) Pelo que invocam estarem incorrectas as liquidações em causa nos autos, devendo as mesmas ser anuladas, ou, quanto muito, substituídas por outras que tivessem como base de incidência o valor de € 3.266.985,55, porquanto só aí é que se poderia construir habitação.

 

1.4. A Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por “Requerida” ou “AT”, respondeu, em síntese, como segue:

(i) Vem suscitar matéria de excepção, por verificação de caso julgado, por considerar que a questão de fundo foi já decidida em anterior Decisão Arbitral, no processo que tramitou sob o n.º 509/2015-T, situação que diz consubstanciar uma excepção dilatória de conhecimento oficioso que obsta ao conhecimento do mérito da causa e que importa a absolvição da instância.

 

(ii) Adicionalmente, e por impugnação, sustenta que resulta claro que na avaliação do terreno para construção atende-se à área a construir autorizada e à utilização a ser dada a essa construção, ou seja, às características do prédio urbano que nele se vai construir.

 

(iii) E que a determinação do Valor Patrimonial Tributário dos terrenos para construção tem como pressuposto a determinação do valor das edificações autorizadas ou previstas, para o que se deve atender à afectação dessas mesmas edificações.

 

(iv) E que o art. 6.° do Código do IMI classifica os prédios em função do seu licenciamento ou destino normal e não em função da sua afetação (conceito inerente à respetiva avaliação).

 

(v) Vem dizer que muito antes da efectiva edificação do prédio, é já possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção.

 

(vi) Vem, de igual modo, sustentar que o conceito de prédios com “afectação habitacional”, com a redacção em vigor à data dos factos tributários, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, abrange os terrenos para construção, enquanto prédios urbanos afectos à habitação.

 

(vii) E que nenhuma dúvida poderá subsistir para o ano em crise nos autos, porquanto, diz, com a Lei n.º 83-C/2013 de 31-12-2013, foi alterada a letra daquele dispositivo passando a incluir expressamente os terrenos para construção como elemento objectivo de incidência da norma, pelo que falece necessariamente qualquer tentativa de chamar à colação qualquer questão interpretativa da letra da lei.

 

(viii) Por todo o exposto, entende que inexiste qualquer sustentação para a propugnada ilegalidade que as Requerentes pretendem imputar às liquidações em crise nos autos, tendo actuado no estrito cumprimento da lei, à qual está vinculada.

 

(ix) Termina dizendo que nenhum erro existe na matriz e na respectiva afectação porquanto o projecto de edificação já aprovado constante do processo n.º …/EDIF/… de 07.07.2009 da Câmara Municipal de …, contempla “a construção (…) de três edifícios destinados a habitação (…”) e que tal resultou provado no processo arbitral n.º 509/2015-T em função do PA junto pela Requerida e do Documento n.º 6 junto pelas Requerentes.

 

(x) Pelo que as liquidações em crise consubstanciam uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei, devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida e absolver-se a Requerida do pedido.

 

1.5. Entendeu o Tribunal, dispensar a realização da primeira reunião do Tribunal Arbitral, de acordo com o disposto no artigo 18.º do RJAT, o que não mereceu qualquer oposição das partes. Foi identificada uma excepção que será apreciada e decidida na presente decisão. Foram as partes notificadas para apresentar alegações, querendo, tendo ambas decidido fazê-lo, reforçando, no essencial, as posições anteriormente expressas e tendo as Requerentes respondido à matéria de excepção suscitada pela Requerida.

Foi fixado prazo para o efeito de prolação da decisão arbitral até ao dia 15 de Agosto de 2016.

 

* * *

 

1.6. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

Não foram identificadas nulidades no processo.

 

2.    QUESTÕES A DECIDIR

 

       Na petição arbitral, as Requerentes apresentam a seguinte questão:

 

1.    Os actos de liquidação de imposto do selo em causa devem ser anulados, por ilegais, por incidirem sobre o valor patrimonial tributário de € 5.185.640,00, ao invés de incidirem sobre o valor de € 3.266.985,55?

 

       Na Resposta, para além de se defender por impugnação, a Requerida vem suscitar uma questão prévia, em matéria de excepção de verificação de caso julgado.

 

 3.        MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevo para a apreciação e decisão do mérito, dão-se por provados os seguintes factos:

 

A) As Requerentes são comproprietárias em ½ do terreno para construção sito na …, freguesia do …, concelho de Lisboa, inscrito na respectiva matriz sob o artigo …, com o valor patrimonial de € 5.185.640,00 (cfr. Documento n.º 1 junto com a Petição Arbitral).

B) As Requerentes foram notificadas, em 20 de Outubro de 2015, das liquidações do imposto de selo emitidas com os números 2015 …, no valor de € 25.928,20, e 2015 …, no valor de € 25.928,20, efectuadas ao abrigo do disposto na verba 28.1 da TGIS, referente ao ano de 2014 (cfr. Documentos n.º 2 e 3 juntos com a Petição Arbitral).

C) Tais liquidações resultaram da aplicação da verba 28.1 da TGIS do Código do Imposto do Selo sobre o valor patrimonial tributário de € 5.185.640,00. (cfr. Documentos n.ºs 2 e 3 juntos com a Petição Arbitral).

D) Até 04-11-2014, as Requerentes tinham sido comproprietárias do imóvel em causa nos autos na proporção de 1/6 cada.

E) Em 5-11-2014, por escritura pública de doação, a Sra. C…, outra comproprietária do prédio em causa nos autos, doou a sua parte (2/3) às Requerentes em partes iguais (cfr. Documento n.º 1 junto pela Requerida com a sua Resposta).

F) Em 01-12-2014 as Requerentes procederam à referida participação para efeitos de imposto de selo (participação n.º…) no Serviço de Finanças de Lisboa … (cfr. Documento n.º 1 junto pela Requerida com a sua Resposta).

G) Em 31-12-2014, as Requerentes eram comproprietárias em 50% do imóvel em causa nos autos.

H) A 24-03-2015, quando as Requerentes já eram comproprietárias do imóvel em ½, o sistema de cobrança da Requerida procedeu à liquidação do Imposto de Selo da Verba 28 da TGIS, tendo sido criadas e posteriormente emitidos as notas de cobrança (vulgo 1.ª e 2.ª prestação) no valor de € 2.880,91 para cada contribuinte (cfr. Documento n.º 3 junto pela Requerida com a sua Resposta).

I) Em Abril de 2015, aquando da actualização da matriz predial do prédio urbano, a Requerida procedeu à actualização dos comproprietários e respectiva percentagem nos direitos de compropriedade, em conformidade com a doação realizada.

J) Após a referida actualização à matriz, o sistema de cobrança da AT procedeu à rectificação da liquidação do imposto de selo, reflectindo, assim, a propriedade do prédio em causa nos autos a 31 de Dezembro de 2014.

K) No processo arbitral que tramitou no CAAD sob o n.º 509/2015-T, processo esse findo, as mesmas Requerentes vieram suscitar a questão da legalidade das liquidações de Imposto do Selo efectuadas ao abrigo do disposto na verba 28.1 da TGIS e com referência ao ano de 2014, procurando imputar às mesmas um conjunto de vícios que afectariam a sua legalidade, entre os quais, precisamente, o mesmo vício que agora imputam no presente processo arbitral.

L) No âmbito desse processo arbitral foi o pedido formulado pelas então Requerentes julgado totalmente improcedente pelo Tribunal Arbitral.

M) As liquidações de imposto de selo cuja anulação se peticiona nos presentes autos arbitrais, resultam da aplicação da verba 28.1 da TGIS sobre o mesmo valor patrimonial tributário anteriormente determinado do terreno em causa nos autos, decorrente da mera actualização da matriz a 31-12-2014 para reflectir os actuais comproprietários e os seus respectivos direitos de compropriedade.

O) No dia 18-01-2016 as Requerentes apresentaram requerimento de constituição do Tribunal Arbitral junto do CAAD – cfr. requerimento electrónico no sistema do CAAD.

 

4.    FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não existem factos com relevo para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

5.    FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

            Quanto aos factos essenciais a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais (oficiais) juntos ao processo e acima discriminados cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.

 

6.    DO DIREITO

 

De acordo com as questões enunciadas, que constam do ponto n.º 2 da presente Decisão, e tendo em conta a matéria de facto fixada no ponto n.º 3, importa agora determinar o Direito aplicável.

 

Desde logo cumpre, primeiramente, apreciar a questão da excepção dilatória aduzida pela AT na sua resposta, atinente à verificação de caso julgado.

 

Invoca a AT que sobre esses actos, referentes ao mesmo prédio ora em questão, já as Requerentes recorreram a este Tribunal, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido autuado com o n.º 509/2015 – T CAAD.

 

E que, in casu, se verifica caso julgado sobre as liquidações de imposto de Selo - Verba 28.1 TGIS - no que à questão de fundo, ora novamente invocada, trazida a este Tribunal, diz respeito, porquanto as liquidações impugnadas nos presentes autos arbitrais reflectem a mera actualização da matriz do prédio urbano, a qual só veio a ocorrer em Abril de 2015, tendo a Requerida se limitado a proceder à correcção da respectiva compropriedade de cada uma das Requerentes em conformidade com a doação realizada.

 

Situação que no entendimento da Requerida consubstancia uma excepção dilatória de conhecimento oficioso que obsta ao conhecimento do mérito da causa e que importa a absolvição da instância, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do art.º 576.º, alínea i) do art.º 577.º, art.º 578.º do CPC, aplicáveis ex vi pela alínea e), n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.

 

Em resposta a esta excepção, a Requerente veio, já em fase de alegações, contestar esta posição, aduzindo que in casu, não se verifica a excepção de caso julgado, porquanto não existe identidade de pedido e causa de pedir.

 

E que a presente acção arbitral visa obter a anulação integral do imposto e não apenas uma parte do mesmo, cujo imposto teria sido liquidado inicialmente pela Requerida.

 

Vejamos.

 

O caso julgado material é a autoridade especial que uma decisão adquire dentro do processo e fora dele quando esta já não é susceptível de recurso ordinário (cfr. artigo 619.º do Código do Processo Civil “CPC”).

 

Trata-se de um efeito processual da sentença que se projecta sobretudo sobre os titulares da função jurisdicional, quer impedindo que os tribunais se venham a pronunciar no futuro sobre a questão de mérito já decidida, quer vinculando-os a acatar e aplicar a definição transitada em julgado, quando lhes seja submetida a mesma questão.

 

O caso julgado visa, essencialmente, a imodificabilidade da decisão transitada e a irrepetibilidade do juízo contido na decisão. Como ensinava Manuel de Andrade, o caso julgado obsta “a que em novo processo o juiz possa validamente estatuir de modo diverso sobre o direito, situação ou posição jurídica concreta definida por uma anterior decisão, e portanto, desconhecer no todo ou em parte os bens por ela reconhecidos e tutelados” (cfr. Noções Elementares de Processo Civil, pág. 317).

 

Por isso, perante a propositura de uma nova acção sobre a mesma questão, o juiz (neste caso o árbitro) deve negar-se a proferir nova decisão autónoma, sob pena de ineficácia da nova decisão (cfr. artigo 625.º do CPC).

 

A operatividade da excepção de caso julgado depende, assim, da relação subsistente entre o que já foi julgado e o que está submetido a decisão como a nova acção. Como a decisão deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à apreciação do juiz (neste caso, árbitro), e só essas, salvo as de conhecimento oficioso (cfr. artigo. 608.º nº 2 do CPC), a eficácia de caso julgado deve limitar-se à decisão que for tomada sobre tais questões.

 

Dispõe o artigo 621.º do CPC que é «nos precisos limites e termos em que se julga» que se determina a extensão do caso julgado, limites subjectivos e objectivos que, por remissão do n.º 1 do artigo 619.º, estão definidos nos artigos 580.º e 581.º do CPC.

 

Os limites objectivos do caso julgado definem-se por referência ao objecto do processo. Como se prescreve nos artigos 580.º e 581.º do CPC é preciso que exista a “repetição de uma causa” depois da “primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admita recurso ordinário”, em que “o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior”, o que acontece “quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”.

 

Portanto, objecto do processo e a extensão objectiva do caso julgado identificam-se através do pedido e da causa de pedir, mas o que é fundamental descortinar é avaliar a pretensão do impugnante, que se identifica como o efeito jurídico pretendido (n.º 3 do artigo 581.º do CPC), ou seja, a providência solicitada ao tribunal (pedido imediato) e a posição jurídica material a tutelar por esse meio (pedido mediato).

 

A causa de pedir serve apenas para individualizar a posição subjectiva que o autor pretende efectivar com a providência solicitada. Como refere Antunes Varela “a ordem pela qual, compreensivelmente, a lei enumera as três identidades caracterizadoras do caso julgado (a identidade do pedido, antes da identidade da causa de pedir) mostra que é sobre a pretensão do autor, à luz do facto invocado como seu fundamento, que se forma o caso julgado” (cfr. Manual de Processo Civil, pág. 712).

 

O facto do acto tributário (in casu, as liquidações de imposto do selo em crise nos autos) ser um elemento essencial da acção arbitral impugnatória, não permite concluir que o objecto do processo se restrinja ou se identifique com ele.

 

Efectivamente, embora as Requerentes pretendem, em primeira linha, a anulação dos actos de liquidação, que reputam ilegais, fazem-no com um único fundamento, com uma única causa de pedir, precisamente e em tudo rigorosamente igual àquela que foi decidida no processo arbitral que tramitou no CAAD sob o n.º 509/2015-T.

 

A eficácia objectiva do caso julgado não se delimita, tout court, pela questão da validade ou invalidade de um acto, determinando, de forma imodificável, o seu afastamento da ordem jurídica ou a sua confirmação, mas deve, ao invés e em primeiro lugar, atender à relação material na qual se inscreve o acto impugnado.

 

Mas, se o assunto que se discute no processo é a determinação do valor (em €) do edificado em relação ao prédio identificado nos autos, sobre o qual a Requerida aplicou a verba 28.1 da TGIS, então haverá identidade de objecto se já existir uma decisão transitada em julgado que apreciou os concretos fundamentos de facto e de direito em que se baseia a pretensão anulatória dos actos impugnados.

 

Se as Requerentes já contestaram o valor em causa, arbitrando a sua redução, e se nessa acção arbitral foi emitida uma pronúncia arbitral que veio negar essa pretensão, então já há um acertamento do poder manifestado com o acto impugnado que não pode ser repetido, sob pena de ofensa ao caso julgado.

 

Ora na anterior acção arbitral que tramitou sob o n.º 509/2015-T, foi precisamente isso que as Requerentes fizeram.

 

Através de uma leitura das páginas 9 e 10 (sobretudo esta última) da decisão arbitral proferida nesse processo, verifica-se que as Requerentes já tinham suscitado ao Tribunal Arbitral que se pronunciasse sobre a pretensão de apenas ver aplicada a verba 28.1 da TGIS sobre o valor de € 3.266.985,55, por referência ao mesmo prédio identificado nos autos e com relação ao mesmo ano de 2014, justamente o ano cujo imposto vêm agora impugnar, numa repetição em tudo igual à argumentação usada na petição arbitral referente ao processo que tramitou no CAAD sob o n.º 509/2015-T, que foi julgada improcedente por decisão transitada em julgado[1].

 

Ou seja, as Requerentes não apresentam na presente acção fundamentos de facto e de direito diferentes dos invocados no supra referido processo.

 

É certo que a Requerida emitiu novas liquidações de imposto[2], anulando as anteriores[3], mas fê-lo, unicamente, como consequência directa da actualização da matriz do prédio urbano, por via da entrega da declaração Modelo 1 por parte das Requerentes, a qual só veio a ocorrer em Abril de 2015[4], tendo a Requerida se limitado a proceder à correcção da respectiva compropriedade de cada uma das Requerentes em conformidade com a doação realizada.

 

E tal sucedeu assim, porquanto à data do facto tributário, ou seja, a 31-12-2014, já as Requerentes eram comproprietárias em 50% (1/2) do imóvel e não em 1/6, pelo que as liquidações antes emitidas e impugnadas no âmbito do processo arbitral n.º 509/2015-T, não reflectiam a totalidade da compropriedade das Requerentes à data do facto tributário em causa nos autos.

 

Diga-se que as liquidações em crise nos presentes autos arbitrais limitam-se a reflectir a percentagem da compropriedade das Requerentes no prédio em causa nos autos à data do facto tributário relevante, não modificando em nada o valor patrimonial tributário do mesmo ou a taxa de imposto aplicada que é a mesma.

 

Ora, havendo decisão arbitral transitada em julgado sobre essa questão material, a anulação dos actos de liquidação peticionada só poderia ser apreciada se os fundamentos de invalidade fossem outros.

 

A presente acção, nos termos em que as Requerentes a apresentaram, visa um dos efeitos jurídico que a decisão arbitral n.º 509-2015-T precisamente veio decidir.

 

Houve, assim, uma decisão de improcedência que teve o alcance de declarar com força imperativa que a pretensão formulada não tem fundamento, ou seja, que o valor (em €) sobre o qual a verba 28.1 da TGIS se deve aplicar não padece da ilegalidade que as Requerentes lhe apontaram, não merecendo qualquer redução.

 

A específica ilegalidade ali invocada é totalmente idêntica à invocada e formulada no presente processo. Se o processo prosseguisse, haveria o risco de o Tribunal Arbitral poder contradizer ou confirmar a decisão anterior proferida quanto à determinação do valor sobre o qual deveria assentar o imposto, pois, apesar de se estar perante actos tributários “novos”[5], a ilegalidade invocada e a pretensão anulatória são exactamente as mesmas.

 

Nas duas acções arbitrais está em discussão a mesma questão de fundo[6], sendo certo que na primeira já se decidiu que não há lugar a qualquer redução do valor sobre o qual deve incidir o imposto, por se ter então entendido que não há lugar a qualquer cisão do projecto de edificação apresentado[7].

 

E não havendo mais nenhum vício a apreciar no processo, tem, necessariamente, que se julgar procedente a excepção de caso julgado, cuja razão de ser essencial é evitar que se renovam indefinidamente litígios entre as mesmas pessoas, pelos mesmos fundamentos e sobre o mesmo assunto, donde resultaria a falta de confiança e tranquilidade social e a possibilidade de decisões contraditórias com o desprestígio para a justiça, quer judicial, quer arbitral.

 

Termos em que se julga procedente a excepção de caso julgado e determina-se a absolvição da instância por parte da Requerida.

 

Verificando-se a absolvição da instância não há lugar à apreciação da questão de mérito suscitada pelas Requerentes e identificada no ponto 2. 1. supra da presente Decisão - (cfr. artigo 576.º, n.º 2 do CPC aplicável, ex vi, pela alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).

 

7.         DECISÃO

 

       Em face do exposto, acorda este Tribunal Arbitral Singular em:

 

- Julgar verificada a excepção dilatória de caso julgado, determinando-se a absolvição da instância por parte da Requerida, com as legais consequências.

 

* * *

 

            Fixa-se o valor do processo em Euro 51.856,40, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC. 

 

            O montante das custas é fixado em Euro 2.142,00, ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo das Requerentes, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

            Notifique-se.

 

            Lisboa, 09 de Agosto de 2016.

 

 

O Árbitro,

 

 

Dr. Henrique Nogueira Nunes

 

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 

 



[1] Embora não exista na decisão referente ao processo n.º 509/2015-T, datada de 11 de Janeiro de 2016, disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/ referência expressa ao seu trânsito em julgado, nenhuma das partes veio pôr em crise tal facto, pelo que se dá o mesmo como provado, considerando que nesse processo as partes foram as mesmas.

[2] Em sentido estricto.

[3] Que tinham sido objecto do processo arbitral n.º 509-2015-T.

[4] Embora a AT o devesse ter feito um pouco mais cedo.

[5] Embora emitidos no âmbito das circunstâncias que já se detalharam.

[6] Embora no processo arbitral n.º 509/2015-T as Requerentes tivessem imputado outros vícios às liquidações de imposto, para além do vício que agora repetem.

[7] E estando ou não de acordo com tal decisão deve este Tribunal respeitá-la.