Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 752/2015-T
Data da decisão: 2016-08-30  IRC  
Valor do pedido: € 72.120,15
Tema: IRC - Tributações autónomas; artigo 90.º do CIRC; pagamento especial por conta (PEC); SIFIDE; dedutibilidade
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Decisão Arbitral

 

 

            I – Relatório

 

            1.1. A…, S.A., com sede no …, …, …, …-… … (doravante designada por «Requerente»), em face do indeferimento tácito da reclamação graciosa de autoliquidação de tributações autónomas de IRC do ano de 2012, no montante de €72.120,15, apresentou, a 16/12/2015, um pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante somente designado por «RJAT»), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), visando, em síntese, que “seja declarada, quer a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa, quer a ilegalidade parcial do acto de autoliquidação supra identificado (cfr. Doc. n.º 1) – e que sejam consequentemente anulados –, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, mais concretamente no que concerne à parte do referido acto de autoliquidação que reflecte a não dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma do pagamento especial por conta efectuado em sede de IRC, que originou um montante de imposto indevidamente liquidado no valor de € 72.120,15, ou, subsidiariamente, na medida em que reflecte tributação autónoma indevida.”

 

            1.2. Em 1/3/2016 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Colectivo, constituído pelo Sr. Dr. Juiz José Poças Falcão (Presidente), pelo Sr. Prof. Doutor Miguel Patrício e pelo Sr. Dr. João Cruz (em substituição do Sr. Dr. Júlio Tormenta, conforme teor do despacho do Sr. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD de 15/2/2016).

            1.3. Nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a AT citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta, nos termos do referido artigo. A AT apresentou a sua resposta em 11/4/2016, tendo argumentado, em síntese, no sentido da total improcedência do pedido da ora Requerente. O Processo Administrativo foi enviado ao CAAD em 4/5/2016.

 

            1.4. Por despacho datado de 29/4/2016, o presente Tribunal considerou que, “sendo as provas de base documental e [estando] juntos os documentos necessários, não há qualquer diligência probatória a efetuar, oficiosa ou requerida.” Considerou, também, que a reunião do art. 18.º do RJAT era dispensável visto não existirem “exceções a apreciar e decidir antes de conhecer do pedido nem necessidade aparente de correção de peças processuais” e convidou, ainda, as partes a apresentarem “as suas alegações finais, por escrito, no prazo sucessivo de 15 (quinze) dias, iniciando-se este prazo, para a Requerida, quando esta for notificada da apresentação das alegações da Requerente ou quando se esgotar o prazo para esse efeito.” Nos termos supra expostos, foi, por fim, fixada a data de 7/7/2016 para a prolação e notificação da decisão final.

 

            1.5. Na sequência do referido despacho, a ora Requerente apresentou as suas alegações finais através de requerimento datado de 10/5/2016, no qual, em síntese, reiterou alguns dos argumentos que constavam da sua petição – tendo incidido, agora, em 4 pontos seleccionados: “i) As tributações autónomas são IRC, logo aplica-se-lhes, prima facie, o artigo 90.º do CIRC, salvo norma de exclusão; ii) Em especial, a função quer do PEC, quer da tributação autónoma, não se opõe a este resultado da interpretação declarativa; iii) Alguns raciocínios da douta Resposta da AT [trata-se, aqui, de respostas da Requerente aos considerandos n.os 22 a 25, 37 a 39, 45 a 50, 56 a 57, 58 a 60, 61 a 64, 66 a 70 e 131 a 133 da resposta da AT, bem como à invocação do acórdão arbitral transcrito pela AT nos considerados n.os 93 a 104]; iv) A norma alegadamente interpretativa constante da Lei do Orçamento do Estado para 2016.”

           

            1.6. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.

 

            II – Alegações das Partes

 

            2.1. Vem a ora Requerente alegar, na sua petição inicial, que: a) “do mesmo modo que a jurisprudência tem entendido, de modo praticamente unânime, que a colecta de IRC prevista no (em vigor até 2013) artigo 45.º, n.º 1, alínea a), do CIRC, compreende, sem necessidade de qualquer especificação adicional, a colecta das tributações autónomas em IRC, se há-de também entender que a colecta do IRC prevista no mesmo código uns metros mais à frente (artigo 90.º, n.º 1, e n.º 2, alínea c), do CIRC, na redacção em vigor em 2013) abrange também a colecta das tributações autónomas em IRC”; b) “donde que a negação da dedução do PEC à colecta em IRC das tributações autónomas viole a alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC (anteriormente a 2010, artigo 83.º; e desde 2014 passou a ser a alínea d) do referido n.º 2 do artigo 90.º do CIRC)”; c) “não há razão para concluir que o raciocínio e racional da [antes citada] decisão no processo n.º 769/2014-T só se aplicaria ao SIFIDE e não também necessariamente a outros créditos por benefícios fiscais ou a outras deduções à colecta do IRC como a do PEC”; d) “com efeito, se é um facto que o próprio regime do SIFIDE, a propósito da previsão do benefício fiscal de dedução à colecta do IRC, menciona «o montante apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC», é de perguntar se acaso quando um regime legal não se expressa assim, como ocorre com a previsão normativa de dedução do PEC à colecta do IRC (cfr. o artigo 90.º, n.º 2, do CIRC), haverá nisso diferença para o que aqui se discute. E a resposta é negativa”; e) “mesmo que a previsão do crédito de imposto se expresse em termos de «dedução à colecta do IRC», por oposição a «dedução ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC», o resultado prático final é o mesmo, porquanto o montante apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC outro não é senão o IRC”; f) “se as tributações autónomas não fossem (afinal) IRC para efeitos do artigo 90.º do CIRC, como tem vindo a pretender a AT noutros processos relativos a deduções à colecta [...] com base então em que norma é feita e tem sido feita a liquidação das tributações autónomas? É que o artigo 88.º do CIRC apenas refere o sujeito passivo, a base de incidência e as taxas a aplicar por forma a apurar a colecta de IRC em sede de tributações autónomas, de modo em tudo igual ao que faz o artigo 87.º do mesmo Código [...] relativamente à colecta do IRC que resulta do lucro tributável e matéria colectável apurados em sede deste imposto”; g) “se a AT entende que naquele artigo 90.º do CIRC não está incluída a colecta de IRC resultante das tributações autónomas (apurada nos termos do artigo 88.º), mas apenas a colecta de IRC resultante do lucro tributável (apurada nos termos do artigo 87.º), sempre teria que se concluir na mesma que, afinal, a liquidação da própria tributação autónoma é, em si mesma, ilegal, por força quer do artigo 8.º, n.º 2, alínea a), da Lei Geral Tributária, quer do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa [...]. E por força desta ilegalidade, sempre terá então de ser anulada, agora com base nesta outra razão, as liquidações de tributação autónoma aqui em causa”; h) “num cenário em que, apesar de todos os argumentos expostos acima, se entenda não ser possível efectuar a dedução dos benefícios fiscais e dos pagamentos especiais por conta disponíveis para utilização aos montantes devidos a título de tributações autónomas, argumentando-se que, apesar de na sua essência as tributações autónomas serem IRC, a sua liquidação não tem enquadramento na norma de liquidação do IRC consagrada no artigo 90.º do Código do IRC (o que apenas como mera hipótese teórica se concebe), então a requerente solicita, a título subsidiário, que seja anulada a autoliquidação do período de tributação de 2012, na parcela correspondente às tributações autónomas, pelo facto de as mesmas terem sido liquidadas e cobradas sem base legal para o efeito”; i) “a requerente pagou imposto em montante superior ao legalmente devido [...], pelo que, declarada a ilegalidade das (auto)liquidações na parte aqui peticionada, a requerente tem direito não só ao respectivo reembolso, mas, também, ao abrigo do artigo 43.º da Lei Geral Tributária («LGT»), a juros indemnizatórios”; j) “em face do exposto, dúvidas não restam de que a procedência do presente pedido de constituição de Tribunal Arbitral com a consequente anulação parcial do acto de autoliquidação de IRC, incluindo as taxas de tributação autónoma, do exercício de 2012, deverá determinar a restituição à requerente da quantia indevidamente paga, no montante de €72.120,15, e bem assim o pagamento de juros indemnizatórios contados desde 31 de Maio de 2013 quanto a €70.259,38, e desde 1 de Setembro de 2013 quanto aos restantes €1.860,77.”

 

            2.2. Pelo exposto, pretende a ora Requerente, em síntese, que seja: “a) [...] declarada a ilegalidade e anulado o indeferimento da reclamação graciosa na medida em que recusou a anulação da parte ilegal, nos termos que aqui se discutiram, da autoliquidação de IRC na parte produzida pelas taxas de tributação autónoma, do exercício de 2012, com isso violando o princípio da legalidade; b) [...] declarada a ilegalidade desta autoliquidação (e ser consequentemente anulada), na parte correspondente ao montante de € 72.120,15; c) [...], consequentemente, reconhecido o direito ao reembolso deste montante e, bem assim, o direito a juros indemnizatórios pelo pagamento de imposto indevidamente liquidado, contados, até integral reembolso, desde 31 de Maio de 2013 quanto a € 70.259,38, e desde 1 de Setembro de 2013 quanto aos restantes € 1.860,77; d) subsidiariamente, caso se entenda que o artigo 90.º do CIRC não se aplica às tributações autónomas, [...] declarada a ilegalidade da liquidação das tributações autónomas (e ser consequentemente anulada) por ausência de base legal para a sua efectivação (cfr. artigo 8.º, n.º 2, alínea a), da LGT, e artigo 103.º, n.º 3, da Constituição), com o consequente reembolso do mesmo montante e o pagamento de juros indemnizatórios contados das mesmas datas.”

           

            2.3. Por seu lado, a AT vem alegar, na sua contestação, que: a) “a Requerente vem sustentar [a] sua pretensão, no essencial, nos seguintes fundamentos: i. vasta jurisprudência arbitral qualifica as tributações autónomas como IRC, por isso, nada existe na lei que afaste o abate do pagamento especial por conta também à parte da colecta do IRC produzida por aquelas tributações; ii. se a colecta do IRC prevista na alínea) do n.º 1 do art.º 45.º do Código do IRC compreende, sem necessidade de qualquer especificação adicional, a colecta das tributações autónomas, há-de entender-se que os n.ºs 1 e 2 do art. 90.º do mesmo Código também abrangem a colecta das tributações; iii. a AT já firmou entendimento favorável sobre a possibilidade de as dedução previstas no n.º 2 do art. 90.º do CIRC, com excepção da relativa à dupla tributação internacional, serem efectuadas à colecta das tributações autónomas; iv. o sistema informático da AT impede que a Requerente inscreva o valor relativo às taxas de tributação autónoma em IRC, não permitindo a dedução, para efeitos de apuramento do IRC por si devido, do montante das tributações autónomas apuradas aos PEC”; b) “a integração das tributações autónomas, no Código do IRC (e do IRS), conferiu uma natureza dualista, em determinados aspectos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro da alínea a) do n.º 1 do art. 90.º do CIRC, em apuramentos separados das respectivas colectas, por força de obedecerem a regras diferentes. E isso, pois, num caso, trata-se da aplicação da(s) taxa(s) do art. 87.º do CIRC à matéria colectável determinada segundo as regras contidas no capítulo III do Código e, noutro caso, trata-se da aplicação das taxas aos valores das matérias colectáveis relativas às diferentes realidades contempladas no art. 88.º do CIRC”; c) “ao contrário do que é afirmado no ponto 9 da declaração de voto de vencido anexa à Decisão Arbitral proferida no processo n.º 697/2014-T, não há uma liquidação única de IRC, mas, antes dois apuramentos: isto é, dois cálculos distintos que, embora processados, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 90.º do CIRC, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º do mesmo código, são efectuados com base em parâmetros diferentes, pois cada uma se materializa na aplicação das suas próprias taxas, previstas nos artigos 87.º ou no 88.º do CIRC, às respectivas matérias colectáveis determinadas igualmente de acordo com regras próprias”; d) “como bem se indica na decisão do CAAD proferida no Proc. n.º 113/2015-T – «Mas se esse reconhecimento [de que o imposto calculado por aplicação das taxas de tributação autónoma reguladas no artigo 88.º do CIRC é também ele imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas] pode ser um ponto de partida, a solução do caso sub judicio precisa que se vá um pouco mais fundo e se apure qual é o regime aplicável ao IRC calculado através das taxas de tributação autónoma.»”. Ou seja, importa determinar se as deduções previstas no n.º 2 do art. 90.º do Código do IRC estão compreendidas nas áreas de conflito que resultam da aplicação do regime geral do IRC à disciplina das «tributações autónomas»”; e) “de acordo com esta tese interpretativa [constante da decisão arbitral proferida no mencionado processo n.º 113/2015-T], sempre que se detecte incompatibilidade entre os objectivos inerentes à estrutura geral do IRC e os objectivos que presidem às tributações autónomas, à partida, as regras gerais que integram a disciplina deste imposto não lhe são aplicáveis. Donde resulta como evidente que a integração das tributações autónomas, no Código do IRC (e do IRS), conferiu uma natureza dualista, em determinados aspectos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro da alínea a) do n.º 1 do art. 90.º do CIRC, em apuramentos separados das respectivas colectas, por força de obedecerem a regras diferentes, pois, num caso, trata-se da aplicação da(s) taxa(s) do art. 87.º do CIRC à matéria colectável determinada segundo as regras contidas no capítulo III do Código, i.e., tendo como base o lucro e, noutro caso, trata-se da aplicação das taxas aos valores das matérias colectáveis relativas às diferentes realidades contempladas no art. 88.º do CIRC”; f) “para a base de cálculo dos pagamentos por conta apenas é considerada o IRC apurado com base na matéria colectável determinada segundo as regras do capítulo III e as taxas do art. 87.º do respectivo Código. Como, de resto, é entendimento perfilhado pela AT e acolhido pacificamente pela doutrina e pelos contribuintes em geral”; g) “também para as deduções à colecta a título de benefícios fiscais, o montante ao qual são efectuadas só pode respeitar ao imposto liquidado com base na matéria colectável, determinada com base nas regras do capítulo III e das taxas previstas no art. 87.º do CIRC”; h) “por simples decorrência das considerações precedentes que conduziram à conclusão de que as deduções referidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 90.º do Código do IRC são efectuadas ao «montante apurado nos termos do número anterior», entendido como o montante do IRC apurado com base na matéria colectável determinada de acordo com as regras constantes do capítulo III e das taxas do art. 87.ºdo mesmo Código e, descendo ao caso concreto, é possível estender tal conclusão à dedução relativa aos pagamentos especiais por conta. Basta, para tanto, invocar o disposto o disposto no n.º 7 (na versão de 2012) do mesmo preceito, segundo o qual «Das deduções efectuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo». E que, na falta ou insuficiência de colecta, apurada nesses termos, o pagamento especial por conta que não possa ser deduzido naquele período de tributação poderá ser deduzido até ao 4.º período de tributação seguinte – cf. dispõe o n.º 1 do artigo 93.º do CIRC”; i) “embora o PEC se distinga, em matéria de regras de cálculo, dos pagamentos por conta – pois estes têm como base de cálculo o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art. 90.ºdo CIRC, relativo ao período de tributação imediatamente anterior (n.º 5 do art. 105.º CIRC) –, é de salientar que estes regimes têm em comum a natureza de pagamento adiantado do IRC”; j) “deste modo, e em jeito de conclusão, temos que a natureza jurídica do PEC, revelada pela sua configuração como «instrumento ou garantia de pagamento do tributo por conta do qual é exigido, e não como imposição a se» (cfr. Acórdão do TC supra citado), bem como pela função que lhe está associada no combate à evasão e fraude fiscais, liga indissociavelmente este pagamento ao montante do IRC apurado sobre a matéria colectável determinada com base no lucro (capítulo III do Código)”; l) “em suma, a interpretação do n.º 2 do art. 90.º em coerência com a natureza e conteúdo das deduções previstas nas suas alíneas, entre as quais figura o PEC, deve ser feita à luz dos objectivos gerais do IRC que se reconduzem, na sua essência, à tributação do rendimento das pessoas colectivas, determinado em conformidade com as regras do capítulo III do respectivo código. Sendo, por isso, manifestamente destituída de qualquer base a pretensão da ora Requerente de dedução do montante suportado em sede de pagamento especial por conta à colecta produzida pelas tributações autónomas nos anos de 2012 e 2013”; m) “não se pode atribuir à AT uma posição num determinado sentido – que, curiosamente, surge no Pedido como favorável à pretensão da Requerente –, quando, sobre a matéria em causa, não houve qualquer emissão de pronúncia que leve a concluir que foi alterado entendimento expresso no preenchimento da declaração periódica de rendimentos, modelo 22, que, como vimos e demonstrámos, afasta por completo a possibilidade de dedução dos pagamentos especiais por conta ao montante das tributações autónomas”; n) “contrariamente ao que pretende o Requerente, nunca a AT defendeu que as Tributações Autónomas são IRC, mas sim que as mesmas estão imbricadas no IRC. [...]. Sem esquecer a evidência de que as decisões proferidas decidiram estritamente e em concreto a não dedução das Tributações Autónomas à colecta do IRC. Daí ser de extrair que o pretendido pela Requerente não passará de um mero raciocínio extrapolativo e infundado”; o) “se à data da propositura do Pedido não existia jurisprudência arbitral no que respeita ao assunto em apreço, foi a 30-12-2015 proferida a decisão arbitral no âmbito do Processo n.º 113/2015-T, a qual versou sobre a matéria aqui em apreço, i.e., dedução do PEC à colecta produzida pelas Tributações Autónomas, tendo sido julgado improcedente o pedido da Requerente. [...]. [...] Face a todo o exposto [antes citado], decidiu aquele tribunal que «a pretensão da Requerente tem necessariamente que improceder pois a liquidação impugnada cumpre com a legalidade, pois assenta em correcta interpretação da norma citada.»”; p) “na situação dos autos, o apuramento do imposto foi efectuado pela Requerente. De acordo com Jorge Lopes de Sousa, em Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por actos ilegais, Áreas Editora, Lisboa, 2010, pág. 52, «Nas situações em que a prática do acto que define a dívida tributária cabe ao contribuinte (como sucede, nomeadamente, nos referidos casos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta), bem como naqueles em que o acto é praticado pela Administração Tributária com base em informações erradas prestadas pelo contribuinte e há lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir um a decisão com pressupostos correctos»”; q) “ou seja, mesmo que fosse configurável a procedência do pedido quanto ao pagamento de juros - o que não é, já que improcedendo o pedido principal, terá forçosamente que improceder o pedido de juros - na situação em apreço nos autos, o seu cômputo teria como termo inicial a data em que ocorreu a da decisão que indeferiu a reclamação graciosa e, nunca, o momento indicado pela Requerente no seu pedido.” A AT pronunciou, ainda, pela desnecessidade de realizar inquirição de testemunhas, ainda que “a Requerente [não tenha solicitado] directamente a produção de prova testemunhal”.

 

2.4. A AT conclui, por fim, em face do supra exposto, que “não merecem censura os actos tributários impugnados pela ora Requerente, devendo os mesmos permanecer válidos na ordem jurídica”, pelo que, em seu entender, “deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.”

 

            III – Factualidade Provada, Não Provada e Respectiva Fundamentação

 

3.1. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

            i) Em 23/5/2013, a ora Requerente, dando cumprimento ao disposto no artigo 120.º do CIRC, procedeu à entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22 do IRC com referência ao período de tributação de 2012.

 

            ii) À mencionada declaração de rendimentos foi atribuído o n.º de identificação…-… -…, correspondendo-lhe a nota de demonstração de liquidação n.º 2013 …(vd. Docs. 1 e 2 apensos aos presentes autos).

 

iii) De acordo com a declaração de rendimentos Modelo 2 entregue, a ora Requerente apurou um prejuízo para efeitos fiscais de €5.500.439,71, e um montante total de imposto a pagar de €70.259,38, o qual resultou de uma colecta de tributações autónomas no montante de €72.120,15, deduzida de retenções na fonte no montante de €1.860,77. O referido imposto foi pago, conforme se demonstra pelo Doc. 3 apenso aos presentes autos.

 

iv) Inconformada, a ora Requerente deduziu reclamação graciosa do mencionado acto de autoliquidação de IRC a 21/5/2015 (vd. Doc. 2 apenso aos presentes autos).

 

v) Decorridos os 4 meses previstos na lei para o efeito, e não tendo havido decisão da referida reclamação, foi presumido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 57.º, n.º 1 e 5, da LGT, o indeferimento da mesma a 21/9/2015.

 

vi) A Requerente apresentou o presente pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral em 16/12/2015. 

 

            3.2. Não há factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

            3.3. Os factos considerados pertinentes e provados (v. 3.1) fundamentam-se na análise das posições expostas pelas partes e da prova documental junta aos autos.

 

IV – Do Direito

 

Questões decidendas ou objeto do litígio

 

É objeto dos autos a (i)legalidade parcial última do ato de autoliquidação de IRC (ano de 2012) na parte da coleta de IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma (TA) do pagamento especial por conta (PEC) que originou um montante de imposto liquidado no valor de €72.120,15 ou, subsidiariamente, na medida em que reflete tributação autónoma indevida.

 

Impõe-se mais uma vez recordar o que vem sendo entendido pela Jurisprudência desde há anos, ou seja, que os Tribunais não têm que apreciar todos os argumentos formulados pelas partes (Cfr inter alia, Ac do Pleno da 2ª Secção do STA, de 7 Jun 95, rec 5239, in DR – Apêndice de 31 de Março de 97, pgs. 36-40 e Ac STA – 2ª Séc – de 23 Abr 97, DR/AP de 9 Out 97, p. 1094).

 

Este entendimento jurisprudencial encontra-se estribado, atualmente, no disposto nos artigos 607.º-2 e 3, do CPC e 123.º - 1ª parte, do CPPT, aplicáveis no processo arbitral tributário por força do artigo 29.º, do RJAT, quando impõem apenas ao Juiz (ou ao Tribunal) que, depois de identificar as partes e o objeto do litígio e enunciar as questões decidendas, fundamente a decisão discriminando os factos provados e os não provados e indique, interprete e aplique as normas correspondentes para a sua conclusão final (decisão).

 

Vejamos então.

As tributações autónomas (TA)

 

A figura das tributações autónomas tem sido instrumentalizada para a prossecução de objectivos diversos, que abarcam desde o originário propósito de evitar práticas de evasão e de fraude –, através de despesas confidenciais ou não documentadas, ou de pagamentos a entidades localizadas em jurisdições com regimes fiscais privilegiados, à substituição da tributação das vantagens acessórias sob a forma de despesas de representação ou de atribuição de viaturas aos trabalhadores e membros dos órgãos sociais, na esfera dos respectivos beneficiários –, até à finalidade de prevenir o fenómeno designado por “lavagem de dividendos” (cfr. n.º 11 do art. 88.º, do CIRC) ou de onerar, por via fiscal, o pagamento de rendimentos considerados excessivos (cfr. n.º 13 do mesmo preceito).

A este respeito, realçou o Professor Saldanha Sanches que, sob a «(...) designação de “tributações autónomas”, escondem-se realidades muito diversas (...)»,

Acrescentando ainda que, em termos de denominador comum, se poderia afirmar que este tipo de tributação tem como alvo «despesas que se encontram na zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros.»

Por sua vez, o Professor Casalta Nabais qualifica as tributações autónomas como «verdadeiros impostos sobre (certas) despesas realizadas pelas empresas. Tendo começado por incidir sobre despesas não documentadas e confidenciais e, depois, sobre as despesas de representação e com viaturas, foram entretanto as mesmas alargadas a diversas despesas e, em sede de IRC, a alguns rendimentos como lucros distribuídos e certas indemnizações ou compensações. O que nos leva a reconhecer que no IRC temos tributações autónomas sobre determinados rendimentos, sobre despesas que não são gastos fiscais e sobre despesas que são considerados gastos fiscais».

Sendo que, mais adiante, quanto à finalidade das mesmas, acrescenta que, se, numa primeira fase, «visavam evitar que, através dessas despesas, as empresas procedessem à distribuição camuflada de lucros, sobretudo dividendos, bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionam, não só em relação ao IRS e IRC, mas também em relação às contribuições (das entidades patronais e dos trabalhadores) para a segurança social»;

Presentemente, o alargamento e o agravamento a que têm sido sujeitas revelam uma «finalidade clara de obter mais receitas fiscais».

Na linha da caraterização das tributações autónomas efectuada no acórdão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 80/2014-T – e na expressão, sem dúvida feliz, aí utilizada de que «as tributações autónomas não são mais do que mecanismos coadjuvantes do eixo central do IRC, que é o de tributar lucros (...)» –, fica bem patente o reconhecimento da coexistência entre, por um lado, o regime (especial) das tributações autónomas e, por outro, o sistema-regra (pré-existente) do IRC.

E conforme é ainda explicado no mesmo aresto arbitral, «a inclusão das tributações autónomas no respetivo Código (...) tem como corolário lógico a aplicação das normas gerais próprias deste imposto que não contendam com a sua especial forma de incidência».

Reconhece-se, assim, que o carácter autónomo destas tributações decorrente da especial configuração dada aos aspectos material e temporal dos factos geradores, impõe, em determinados domínios, o afastamento ou uma adaptação das regras gerais de aplicação do IRC.

Na realidade, a integração das tributações autónomas, no Código do IRC (e do IRS), conferiu uma natureza dualista[1], em determinados aspectos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro da alínea a) do n.º 1 do art. 90.º, do CIRC, em apuramentos separados das respectivas coletas, por força da obediência a regras diferentes: num caso, trata-se da aplicação da(s) taxa(s) do art. 87.º do CIRC à matéria coletável determinada segundo as regras contidas no capítulo III desse Código e, noutro caso, trata-se da aplicação das taxas aos valores das matérias colectáveis relativas às diferentes realidades contempladas no art. 88.º  do CIRC.

Ou seja: ao contrário do que é afirmado no ponto 9 da declaração de voto de vencido da Sra. Professora Leonor Ferreira, anexa à Decisão Arbitral proferida no processo n.º 697/2014-T[2], não há propriamente uma liquidação única de IRC mas, antes, dois apuramentos, isto é, dois cálculos distintos que, embora processados, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 90.º do CIRC, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º do mesmo Código, são efetuados com base em parâmetros diferentes, pois cada uma se materializa na aplicação das suas próprias taxas, previstas nos artigos 87.º ou 88.º  do CIRC, às respectivas matérias coletáveis determinadas igualmente de acordo com regras próprias.

E relativamente à admissão das tributações autónomas como custo fiscal, dir-se-á que aceitá-la seria desfazer, afinal, o efeito dissuasor que com aquelas (tributações autónomas) o legislador visou atingir e anular essa mesma tributação autónoma, uma vez que o montante pago seria compensado pela redução do mesmo ao lucro tributável, logo, sobre o IRC a pagar ou sobre os prejuízos a reportar.

Na sequência da integração das tributações autónomas no Código do IRC, através da Lei n.º 30-G/2010, de 29/12, o legislador parece não ter sentido a necessidade de explicitar, de forma abrangente – i.e. em todos os normativos onde se manifestam – as consequências da coexistência de duas formas de imposição dentro do sistema do IRC, limitando-se a acautelar as situações em que a isenção do IRC não se projetava nas tributações autónomas.

Tal traduziu-se no aditamento efetuado à redação do art. 12.º do CIRC, no sentido de clarificar, com caráter interpretativo, que as sociedades e outras entidades abrangidas pelo regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, excepto quanto às tributações autónomas.

A par disso, foi ainda estabelecido (cfr. o então n.º 6 do art. 109.º do CIRC [atual art. 117.º/6] que a obrigação de apresentar a declaração periódica de rendimentos abrange as entidades isentas de IRC, quando estejam sujeitas a tributação autónoma.

Ficou, assim, ao cuidado do intérprete e do aplicador da lei a tarefa de, perante a necessidade de, para determinados efeitos – nomeadamente das deduções previstas no n.º 2 do art. 90.º do CIRC ou do cálculo dos pagamentos por conta –, identificar a parte relevante de colecta do IRC, extraindo dos normativos aplicáveis um sentido útil, literalmente possível, que permita uma solução coerente e conforme com a natureza e funções atribuídas a cada componente do imposto.

Pois bem, quando se trata das deduções previstas no n.º 2 do art. 90.º do CIRC, parece defender a Requerente – ancorando-se, salvo o devido respeito, numa leitura simplista e descontextualizada deste normativo – que a expressão “montante apurado nos termos do número anterior” deve ser entendida como abrangendo o somatório do montante do IRC, apurado sobre a matéria colectável determinada segundo as regras do capítulo III e às taxas previstas no art. 87.º do mesmo Código, e o montante das tributações autónomas, calculado com base nas regras previstas no art. 88.º.

Repare-se que, ademais, o resultado desta interpretação implicaria que, na base de cálculo dos pagamentos por conta definida no n.º 1 do art. 105.º do Código do IRC – e em termos idênticos aos utilizados no n.º 2 do art. 90.º [«Os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art. 90.º (...)»] –, fossem incluídas as tributações autónomas.

Com efeito, para a base de cálculo dos pagamentos por conta apenas é considerado o IRC apurado com base na matéria colectável determinada segundo as regras do capítulo III e as taxas do art. 87.º do respectivo Código.

Ora, é de salientar que a coerência e adequação deste entendimento alicerça-se na própria natureza dos pagamentos por conta do imposto devido a final, os quais, de acordo com a definição do art. 33.º da LGT são «as entregas pecuniárias antecipadas que sejam efectuadas pelos sujeitos passivos no período de formação do facto tributário», constituindo uma «(...) forma de aproximação do momento da cobrança ao do da percepção do rendimento de modo a colmatar as situações em que essa aproximação não pode efectivar-se através das retenções na fonte.».

Portanto, em boa lógica, só faz sentido concluir que a respectiva base de cálculo corresponda ao montante da colecta do IRC resultante da matéria colectável que se identifica com o lucro/rendimento do exercício do sujeito passivo.

Assim sendo, a delimitação do conteúdo da expressão utilizada pelo legislador no n.º 2 do art. 90.º do CIRC, “montante apurado nos termos do número anterior”, e no n.º 1 do art. 105.º do CIRC, “imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art. 90.º”, deve ser feita de forma coerente;

Ou seja, sendo-lhe consequentemente atribuído, em ambos os preceitos, um sentido unívoco.

O que equivale a dizer que corresponde ao montante do IRC calculado mediante a aplicação das taxas do art. 87.º à matéria coletável determinada com base no lucro e nas taxas do art. 87.º do CIRC.

Assinale-se que, esta interpretação da expressão “montante apurado nos termos do número anterior” é também a única consistente com a natureza das deduções referidas nas alíneas do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, relativas a:

-          créditos de imposto por dupla tributação internacional jurídica e económica (actuais alíneas a) e b));

-          benefícios fiscais (actual alínea c));

-          pagamento especial por conta (actual alínea d));

-          e retenções na fonte (actual alínea e)).

E isso, em face da interconexão que, no plano material, deve ser estabelecida entre as realidades reflectidas por essas deduções e a origem do montante do qual são subtraídas.

Na realidade, faça-se notar que o traço comum a todas as realidades reflectidas nas deduções referidas no n.º 2 do art. 90.º do CIRC reside no facto de respeitarem a rendimentos ou gastos incorporados na matéria coletável determinada com base no lucro do sujeito passivo ou pagamentos antecipados do imposto, sendo, por isso, inteiramente alheios às realidades que integram os factos geradores das tributações autónomas.

A questão essencial não está assim em saber se as tributações autónomas são ou não IRC sendo claro que a liquidação das tributações autónomas se efetua com base nos artigos 89.º e 90.º, n.º 1, do Código do IRC mas, na verdade, aplicando regras diferentes para o cálculo do imposto:

(1) num caso, a liquidação opera mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria coletável apurada de acordo com as regras do capítulo III do Código e

(2) no outro caso, são apuradas diversas coletas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma.

Daqui resulta que o montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 90.º não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efetuadas à parte da coleta do IRC com a qual exista uma correspondência direta, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime-regra do imposto.           

Conclui-se daqui, se bem se entende, que não há sequer controvérsia entre as partes quanto à aplicação do artigo 90.º do CIRC à liquidação das tributações autónomas, limitando-se a divergência à forma de proceder à liquidação, pois a Autoridade Tributária e Aduaneira entende, se bem entendemos, que são apuradas diversas coletas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma e as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efetuadas à parte da coleta do IRC com a qual exista uma correspondência direta, entendendo que ela não se verifica em relação à coleta do IRC que resulta das tributações autónomas.

De qualquer forma, os referidos artigos 89.º e 90.º do CIRC, bem como outras normas deste Código, como as relativas às declarações previstas nos artigos 120.º e 122.º, são aplicáveis às tributações autónomas.

Desde logo – reafirma-se –, é hoje pacífico, na sequência de inúmera jurisprudência arbitral e das posições assumidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC.

De resto, para além da unanimidade da jurisprudência, o artigo 23.º-A, n.º 1, alínea a), do CIRC, na redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não deixa hoje margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código.

Ora, o artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10).

Por isso, aquele artigo 90.º aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, na sequência da apresentação ou não de declarações, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação.

Assim, as diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o resultante do lucro tributável restringem-se à determinação da matéria tributável e às taxas aplicáveis, que são as previstas nos Capítulos III e IV do CIRC para o IRC que tem por base o lucro tributável e no artigo 88.º do CIRC para o IRC que tem por base a matéria tributável das tributações autónomas e as respetivas taxas.

Mas, as formas de liquidação que se preveem no Capítulo V do mesmo Código são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC.

No entanto, a circunstância de uma autoliquidação de IRC, efetuada nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, poder conter vários cálculos parciais com base em várias taxas aplicáveis a determinadas matérias coletáveis, não implica que haja mais que uma liquidação, como resulta dos próprios termos daquela norma ao fazer referência a «liquidação», no singular, em todos os casos em que é «feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º», tendo «por base a matéria coletável que delas conste» (seja a determinada com base nas regras dos artigos 17.º e seguintes seja a determinada com base nas várias situações previstas no artigo 88.º).

Aliás, não são apenas as liquidações previstas no artigo 88.º que podem englobar vários cálculos de aplicação de taxas a determinadas matérias coletáveis, pois o mesmo pode suceder nas situações previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 87.º.

De qualquer forma, sejam quais forem os cálculos a fazer, é unitária a autoliquidação que o sujeito passivo ou a Autoridade Tributária e Aduaneira devem efetuar nos termos dos artigos 89.º, alínea a), 90.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e 120.º ou 122.º, e é com base nela que é calculado o IRC global, sejam quais forem as matérias coletáveis relativas a cada um dos tipos de tributação que lhe esteja subjacente.

Aliás se este artigo 90.º não fosse aplicável à liquidação das tributações autónomas previstas no CIRC, teríamos de concluir que não haveria qualquer norma que previsse a sua liquidação, o que se reconduziria a ilegalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a liquidação de impostos se faça «nos termos da lei».

Ora como se deixou dito supra não se antolha qualquer violação pela AT das regras de procedimento e/ou de forma de liquidação previstas no artigo 90.º do CIRC com a desconsideração, para o efeito, das tributações autónomas liquidadas e pagas pela Requerente (...).

 

O pagamento especial por conta (artigo 106.º do CIRC)

 

Aqui chegados, é altura de abordar a questão da dedução ao “montante apurado nos termos do número anterior [n.º 1 do art. 90.º]” do pagamento especial por conta a que se refere o art. 106.º, tal como previsto na alínea c) do n.º 2 do art. 90.º (versão de 2012, dada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28-4).

O PEC foi criado com o propósito de garantir uma coleta mínima de imposto, sendo até esta a sua primeira designação na discussão do OE para 1998. Esta exigência de coleta mínima surgiu pela constatação de que a grande maioria das empresas não apresentava lucro tributável e/ou que este era na maioria dos casos insignificante.

Tal como a TA, o PEC funciona como uma presunção de rendimento e como forma de combate à evasão fiscal, obrigando algumas empresas a pagar pelo menos algum imposto. O PEC é também utilizado como um “mecanismo de anestesia fiscal”, fazendo reduzir o período de tempo entre o facto tributário e o pagamento do imposto. Apesar do regime da Tributação Autónoma (TA) ter como fundamento a tributação de um rendimento presumido, este difere do regime do PEC, na medida em que o pagamento da TA é definitivo e não está sujeito a posteriores acertos.

O regime do PEC apresenta muitas especificidades que não será relevante assinalar para o objeto do processo. Apenas salientamos que a possibilidade de o valor suportado poder ser deduzido à coleta, torna-o muito menos pesado para as empresas do que a TA. Acresce ainda que as empresas podem, em certas circunstâncias, obter o reembolso do PEC suportado, se não conseguirem deduzir todo o valor, funcionando assim como uma forma de ilidir a presunção de rendimento que resulta deste instituto.

A incidência do PEC baseia-se no volume de negócios relativos ao período de tributação anterior, nos termos do artigo 106.º, n.º 2, do CIRC. Apesar de não ser óbvia a sua relação com a capacidade contributiva, o critério do volume de negócios está mais próximo de uma noção de rendimento do que as despesas sujeitas a TA.

Desde a criação do PEC, foram sendo levantados problemas de constitucionalidade, por se afastar do princípio da capacidade contributiva. O certo é que, apesar do aceso debate, o instituto do PEC perdura[3].

Ora a esta luz e por simples decorrência das considerações precedentes que conduziram à conclusão de que as deduções referidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 90.º do Código do IRC são efetuadas ao “montante apurado nos termos do número anterior”, entendido como o montante do IRC apurado com base na matéria coletável determinada de acordo com as regras constantes do capítulo III e das taxas do art. 87.º, do mesmo Código é possível estender tal conclusão à dedução relativa aos pagamentos especiais por conta.

Basta, para tanto, invocar o disposto o disposto no n.º 7 do mesmo preceito, segundo o qual «das deduções efectuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo».

De todo o modo, é também possível alcançar a mesma conclusão se se atentar na natureza do pagamento especial por conta (PEC), definido como sendo um adiantamento entregue ao Estado por conta do imposto devido a final, que pode ser efectuado em duas prestações (art. 106.º, n.º 1, do CIRC) e cujo cálculo toma como ponto de partida o volume de negócios do sujeito passivo relativo ao período de tributação anterior (n.º 2).

Saliente-se que, embora o PEC se distinga, em matéria de regras de cálculo, dos pagamentos por conta – pois estes têm como base de cálculo o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art. 90.º do CIRC, relativo ao período de tributação imediatamente anterior (n.º 5 do art. 105.º do CIRC) –, é de salientar que estes regimes têm em comum a natureza de pagamento adiantado do IRC.

Isso, tanto mais que se pode afirmar que, em certas circunstâncias, até se auto-excluem, porquanto, ao montante resultante do cálculo do PEC são deduzidos os pagamentos por conta efectuados no período de tributação anterior.

Acresce realçar que a instituição do PEC, pelo Decreto-Lei n.º 44/98, de 03.03, que aditou o art. 83.º-A ao Código do IRC, se inscreveu num conjunto de medidas de política fiscal dirigidas contra a evasão e a fraude fiscais, cuja motivação é explicada no Preâmbulo deste diploma, nos termos seguintes:

«(...) As estatísticas mostram que os rendimentos das pessoas colectivas sujeitos a tributação em IRC são frequentemente, e sem qualquer razão plausível, objecto de uma colecta muito inferior à real. As práticas evasivas de ocultação de rendimentos ou de empolamento de custos são manifestamente geradoras de graves distorções dos princípios da equidade e da justiça tributárias e da própria eficiência económica e lesivas da estabilidade das receitas fiscais. Delas resulta uma injusta repartição da carga tributária, tanto mais sentida quanto muitos sujeitos passivos de IRC, durante anos sucessivos, em nada ou quase nada contribuíram para o Orçamento do Estado, continuando, contudo, a usufruir, por vezes de modo privilegiado, dos direitos económicos e sociais previstos na Constituição. Neste contexto, o presente diploma estabelece um pagamento especial por conta, através de um novo mecanismo, sobre os rendimentos dos anos de 1998 e seguintes, para as pessoas colectivas sujeitas a IRC. A fórmula de cálculo usada para o seu apuramento e o mecanismo utilizado permitem aproximar o momento da produção dos rendimentos do momento da sua tributação.»

Não obstante as sucessivas alterações que lhe foram sendo introduzidas, entendem Saldanha Sanches e Salgado de Matos que:

«(...) do ponto de vista conceptual, os pagamentos especiais por conta são, em confirmação da sua designação, verdadeiros pagamentos por conta – ou seja, um mecanismo de anestesia fiscal utilizado pelo legislador para reduzir a dilação temporal entre o momento da verificação do facto que indicia a existência de capacidade contributiva (a percepção do rendimento) e o momento em que é devido o pagamento da divida fiscal, que faz nascer obrigações autónomas, com prazos e regras de vencimento especificas, surgidas em momento anterior ao da formação definitiva da divida fiscal. A diferença entre os pagamentos especiais por conta e os pagamentos gerais por conta não são assim de natureza, mas apenas de regime».[4]

Pois, tal como assinalam os mesmos autores quando se referem às razões que ditaram essa forma de pagamento:

«Embora a lei não o diga expressamente, a presunção de rendimento e a colecta mínima presentes no pagamento especial por conta visam o combate à evasão fiscal (...). Deve ter-se em conta que estes mecanismos podem, inclusivamente, constituir os únicos meios adequados, não – como é natural – para acabar com a evasão fiscal, mas para garantir que determinados sujeitos passivos em situações de evasão fiscal serão obrigados, pelo menos, a desenvolver algum esforço contributivo para os encargos gerais da comunidade política (...).»[5]

E no mesmo registo, diga-se ainda, se pronunciou o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 494/2009, proc. n.º 595/06, de 29/09:

«(...) uma leitura do regime jurídico do PEC que esteja atenta à sua génese e evolução leva a concluir que ele não obedece prioritariamente à lógica típica de um pagamento por conta – ou seja, primariamente, a de assegurar ao erário público entradas regulares de tesouraria e, em segunda linha, acautelar o Fisco contra variações de fortuna do devedor e produzir uma certa "anestesia" fiscal –, antes estando indissociavelmente ligado à luta contra a evasão e fraude fiscais. Há muito que havia suspeitas, desde logo por parte da Administração Fiscal, relativamente aos rendimentos declarados pelos sujeitos passivos de IRC; designadamente, questionava-se até que ponto eles correspondiam ao rendimento tributável realmente auferido. Isso mesmo foi evidenciado pela Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro (LOE para 1997), no seu artigo 32.º (Disposições comuns), que continha a autorização legislativa ao Governo para “definir uma tributação mínima” e que marcaria a introdução no nosso ordenamento tributário da figura do PEC. Na referida disposição, o instrumento fiscal que então se consagrava foi apresentado como “um novo tipo de pagamento por conta” que visava alcançar “uma maior justiça tributária e [a] uma maior eficiência do sistema”, admitindo-se lançar mão, “quando for o caso, de métodos indiciários”. Diga-se que a doutrina nacional é unânime em afirmar a natureza de instrumento de combate à evasão fiscal assinalada ao PEC.»

Deste modo, e em jeito de conclusão, temos que a natureza jurídica do PEC, revelada pela sua configuração como «instrumento ou garantia de pagamento do tributo por conta do qual é exigido, e não como imposição a se» (cfr. Acórdão do TC supra citado), bem como pela função que lhe está associada no combate à evasão e fraude fiscais, liga indissociavelmente este pagamento ao montante do IRC apurado sobre a matéria colectável determinada com base no lucro (capítulo III do Código).

Sendo, por isso, manifestamente destituída de qualquer base a pretensão da ora Requerente de dedução do montante suportado em sede de pagamento especial por conta à colecta produzida pelas tributações autónomas no ano de 2012.

Com interesse para a boa decisão da causa, passam-se a transcrever, por especialmente elucidativas, as mais relevantes passagens de acórdão arbitral lavrado a 30-12-2015, no âmbito do Processo n.º 113/2015-T, o qual versou especificadamente sobre a matéria sub juditio, ou seja, dedução do PEC à colecta produzida pelas Tributações Autónomas, tendo sido julgado improcedente o pedido da Requerente.

Foi naquele acórdão entendido que:

 

«A questão fundamental a que cabe responder nesta decisão é a de saber se as quantias satisfeitas como pagamento especial por conta podem ser deduzidas no imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma.

Cotejando a abundante jurisprudência referenciada pela Requerente há efetivamente uma linha condutora que há que realçar e que coincide com o que este tribunal arbitral perfilha: o imposto calculado por aplicação das taxas de tributação autónoma reguladas no artigo 88.° do CIRC é também ele imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, i.e., o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas inclui as tributações autónomas. Se dúvidas houvesse a atual redação do artigo 23.°-A CIRC desvanecê-las-ia.

(...)

a solução do caso sub juditio precisa que se vá um pouco mais fundo e se apure qual é o regime aplicável ao IRC calculado através das taxas de tributação autónoma.
O imposto sobre rendimento das pessoas coletivas nasceu incidindo objetivamente sobre o lucro tributável, correspondendo este à diferença entre o património líquido no fim e no início do período de tributação

(...)
            É assim que na estrutura conceptual original do IRC o apuramento do lucro tributável toma como ponto de partida o resultado do exercício obtido através das regras técnicas da contabilidade, introduzindo-lhe depois algumas correções de sentido positivo ou negativo, de modo a que este resultado final correspondesse ao lucro tributável, i.e. ao rendimento real que se pretendia tributar (...). Claro que não se regulava nem podia regular o tratamento a dar às “tributações autónomas” que não faziam parte do sistema, que foi concebido nesta estrutura simples: tomar como ponto de partida o resultado contabilístico (17.°-1 do CIRC.1989), corrigi-lo de forma a espelhar a rendimento que se pretende tributar através de regras qualitativamente semelhantes às que vigoravam no plano oficial de contabilidade então vigente (artigo 18.° e seguintes CIRC.1989), aplicar-lhe a taxa geral (69.°-1 CIRC.1989) e ao produto assim obtido fazer-lhe as deduções da tributação que de algum modo já havia sido suportada ou haveria que sê-lo através de outro sistema fiscal (71.°-2 CIRC.1989).

(...)
            Há que ver agora como foram inseridas as “tributações autónomas” neste sistema.
A introdução no complexo dos impostos sobre o rendimento da aplicação de taxas de tributação autónoma, foi feita através do Decreto-Lei n.° 192/90, de 9 de junho, que estipulou que as despesas confidenciais ou não documentadas passassem a ser tributadas autonomamente em IRS e IRC

(...)
            Todos os elementos indicam que a introdução do método de tributar despesas em IRC constituiu de início uma medida extravagante, fora da estrutura conceptual do IRC, criada para homenagear o princípio da tributação sobre o rendimento real equilibrado através das correções codificadas. A dita autonomia desta taxa aparece assim com grande intensidade; embora se considere inegavelmente que o seu produto é imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, não é já o rendimento que se tributa diretamente (como regulava o IRC) mas sim despesas.

Nestes casos de dissonância haverá os tais conflitos que importa dirimir.

Esses conflitos resultam e são resolvidos através da interpretação normativa. No fundo haverá que dirimir o conflito aparente quando o pensamento legislativo subjacente à norma do regime geral do imposto por um lado e à norma especial que regula a tributação autónoma por outro lado, não é conciliável, i.e. da sua aplicação atingir-se-á uma finalidade não prosseguida pela norma em causa.

Este conflito nas finalidades a atingir por cada uma das normas é patente no momento em que foram introduzidas no sistema fiscal português as chamadas “tributações autónomas”.

(...)
            Parece claro à luz destes comandos que no período 1990-2000 não era concebível utilizar créditos fiscais potenciais para satisfazer a obrigação de imposto apurado a este título, sob pena de se perverter o intuito da lei.

Na sua linha de orientação geral o CIRC pós reforma manteve os princípios que estão na sua génese: partir do resultado contabilístico e corrigi-lo de acordo com as regras estabelecidas, agora aperfeiçoadas pela experiência de 12 anos, para atingir o lucro tributável.
            No que se vem averiguando o CIRC resultante da reforma passou a conter o seu artigo 69.º-A, com a epígrafe “Taxa de tributação autónoma”, onde se regulou que as despesas confidenciais ou não documentadas (n.º 1) e as despesas de representação e os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, barcos de recreio, aeronaves de turismo, motos e motociclos (n.º 2), passavam a ser tributadas autonomamente”

(...)
            Não se vê que a reforma do CIRC operada em 2000-2001 tenha introduzido qualquer alteração significativa no código. Introduziu-se apenas o mecanismo de combate a despesas consideradas indesejadas que já constava de legislação extravagante, ampliou-se ligeiramente o espetro de aplicação mas não se adaptou por qualquer forma o procedimento de liquidação. Crê-se por isso que se manteve a caracterização do regime que já antes vigorava, continuando a ter que se efetuar a interpretação das normas de modo a prevenir efeitos contrários à ratio legis.

As sucessivas alterações a este artigo não afetaram por qualquer forma o (des)equilíbrio do sistema, que se manteve até à data dos factos.

Por sua vez, no acórdão do Tribunal Constitucional n.° 617/2012, a propósito das “tributações autónomas”, considerou-se:

Mais do que afirmar a ratio da imposição de taxas de tributação autónoma, a fundamentação do citado acórdão expressa bem a forma como é entendido o seu cálculo, por confronto com a liquidação do imposto sobre o rendimento de acordo com a taxa geral:

Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação. (sublinhado nosso).

O mencionado acórdão expressa ainda de forma clara o modo instantâneo ocorre o facto tributário e a inexistência de caráter periódico, duradouro ou sucessivo na sua formação.

Por isso caracteriza assim a operação de liquidação:

Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa (negrito nosso).

Crê-se que com a análise histórica, enquadramento sistemático e posições doutrinárias e jurisprudenciais, demonstrou-se já a ratio legis das normas que impõem imposto tributado autonomamente e a sua distinção perfeita dos objetivos que animam a estrutura geral do CIRC. Fica assim traçada a linha em que se inicia o conflito; logo que a interpretação da norma em causa conduza a resultado que afaste os objetivos que presidiram à sua inclusão no sistema fiscal. Viu-se já quais eram um e o outro.
É reconhecido por todos os atores que têm que trabalhar com o direito fiscal em geral e com o IRC em particular, a menor coerência da convivência das “tributações autónomas” com o regime geral do imposto sobre o rendimento. A Requerente dá abundante notícia disso mesmo. Mas reconhecida que é essa dificuldade haverá sempre que aplicar a lei, apurando o seu sentido através da interpretação.»

E, em concreto, no que concerne ao PEC:

«Na doutrina e na jurisprudência o regime do PEC sempre foi tido como sistema para evitar a evasão fiscal e para garantir o pagamento de imposto por todas as empresas em atividade. Esta linha de orientação consta nos textos mais indutores da aplicação do regime nos tribunais, designadamente pelo trabalho doutrinário desenvolvido pelo Tribunal Constitucional. Neste sentido pode ver-se na motivação do seu acórdão n.° 494/2009, que o PEC no recorte que que lhe foi dado no CIRC, está “indissociavelmente ligado à luta contra a evasão e fraude fiscais”, procurando garantir que os rendimentos manifestados pelos contribuintes “correspond[i]am ao rendimento tributável realmente auferido”.

Na doutrina (...) [Teresa Gil] deu fundamentadamente conta das circunstâncias que rodearam a introdução do PEC, designadamente das dificuldades na aplicação do princípio da tributação pelo lucro real, constatadas face à “divergência que existe entre os lucros efetivamente obtidos e aqueles que são declarados pelas empresas e, portanto, objeto de tributação”. Embora esta autora considere que o PEC é uma medida insuficiente para resolver o problema da evasão fiscal deste tipo, preferindo o estabelecimento de coleta mínima, menciona que o PEC foi afinal o regime possível face aos limites constitucionais.

O regime atual do PEC é assim caracterizado por (i) ter ligação indissociável à luta contra a evasão e fraude fiscais; (ii) foi introduzido no CIRC em março de 1998, antes das taxas de tributação autónoma que só passaram a fazer parte da sua sistemática na reforma de 2000-2001; (iii) na conceção do PEC previu-se a sua dedução à coleta na liquidação do IRC calculado sobre o rendimento real; (iv) a recuperação do crédito resultante do PEC está subordinada a condições de obtenção de rácios de rentabilidade próprios das empresas do sector de actividade em que se inserem ou à justificação da situação de crédito por ação de inspeção feita a pedido do sujeito passivo (87.°-3 CIRC). Em súmula, o crédito pelas quantias entregues como pagamento especial por conta, não constitui em crédito exigível que os sujeitos passivos do IRC possam dispor. Para que o possam fazer há que reunir determinadas condições.»

Finalizando:

«Cabe agora apreciar finalmente o argumento basilar que é aquele que resulta da letra da norma do artigo 83.º-2/e), do CIRC [redação dada pela Lei n.º 60-A/2005, de 31-12 e 90.º-c), do CIRC, na redação dada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28-4] que permite que ao montante de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado seja efetuada a dedução relativa ao pagamento especial por conta efetuado.

Resulta de facto um conflito entre o regime que regula a tributação autónoma e a dedução à coleta respetiva do PEC. Veja- se a ratio das normas em causa. O método de apuramento do imposto constante do CIRC baseia-se no princípio da incidência sobre o lucro tributário; a tributação autónoma incide sobre despesas individualmente consideradas, cuja taxa é aplicável a cada despesa, sendo que “essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma”.

É inequívoco que o sistema de liquidação não é o adequado ao apuramento das tributações autónomas. Mas será que deduzir o PEC à citada “agregação do conjunto de operações sujeitas a tributação autónoma” conduz a um resultado inconciliável para o sistema em causa?

Cabe indagar esta linha.

Como se viu o PEC passou a fazer parte do sistema do IRC cuja liquidação consagrada no então artigo 83.º foi concebida para apurar o imposto diretamente incidente sobre o rendimento declarado. Quando haja lugar a prejuízo fiscal o sujeito passivo tem ainda assim que suportar o PEC; essa foi aliás a razão da sua introdução. Se determinada empresa tiver sucessivamente prejuízos fiscais, suportará sistematicamente imposto, pois o sistema duvida da sua possibilidade de funcionamento em situação permanentemente deficitária, exigindo-lhe que satisfaça provisoriamente (por conta), determinado valor. Poderá reembolsá-lo se provar que essa situação é comum no seu setor de atividade ou se a AT verificar a regularidade das suas declarações. Este foi o equilíbrio que o CIRC exigiu para manter um sistema baseado nas declarações feitas pelos contribuintes.»

Por seu turno:

«(...) o imposto resultante da tributação autónoma fundamenta-se tão só na perseguição à evasão fiscal por transferência de rendimento e tem o efeito dissuasor e compensatório.
            Existe efetivamente um conflito inconciliável entre a ratio do PEC – o combate à evasão ou a pressão para correção das declarações – e a afetação dos seus créditos à satisfação de outras obrigações que não sejam as que resultam do apuramento do IRC calculado sobre o resultado tributável.

Em termos práticos a possibilidade de dedução do PEC às tributações autónomas implicaria que mesmo que determinada empresa estivesse eternamente em situação de prejuízo, nenhum imposto sobre o seu rendimento real teria que suportar, enquanto aplicasse o PEC à satisfação das tributações autónomas. Para mais as próprias tributações autónomas perderiam o seu caráter anti abuso, passando a confundir-se afinal com o imposto calculado sobre o lucro tributável. Ora não são esses os objetivos do sistema de tributação do rendimento das pessoas coletivas e a melhor interpretação da norma contida no artigo 83.º-2, do CIRC não é essa decididamente aquela que permite deduzir os pagamentos especiais por conta à coleta resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma.»

 

Face a todo o exposto, decidiu aquele Tribunal no sentido de que:

 

«(...) a pretensão da Requerente tem necessariamente que improceder pois a liquidação impugnada cumpre com a legalidade, pois assenta em correcta interpretação da norma citada.»

 

E é esta também a conclusão que se retira relativamente ao objeto destes autos, ou seja, de total improcedência do pedido de declaração de ilegalidade do ato de autoliquidação de IRC nos termos em foi formulado e sua consequente manutenção, in totum, na ordem jurídica.

 

            Pedido subsidiário

 

            Formalmente um pedido subsidiário é o que é apresentado ao Tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior (Cfr. artigo 554.º-1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT).

            Em sede principal, está assim formulado o pedido:

“(...) Deve ser declarada a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa supra melhor identificado e, bem assim, a ilegalidade das Autoliquidações de IRC, incluindo taxas de tributação autónoma (...)”,

            E o pedido subsidiário vem assim formulado:

“(...) Subsidiariamente, caso se entenda que o artigo 90.º do CIRC não se aplica às tributações autónomas, deverá então ser declarada a ilegalidade das liquidações das tributações autónomas (e ser consequentemente anulada) por ausência de base legal para a sua efetivação (cfr. artigo 8.º, n.º 2, alínea a), da LGT, e artigo 103.º, n.º 3, da Constituição), com o consequente reembolso dos mesmos montantes e o pagamento de juros indemnizatórios contados das mesmas datas(...)”.

            Ou seja: está formulado este “pedido subsidiário” não para ser tomado em consideração somente se vier a improceder o pedido principal mas apenas para a eventualidade de não ser sufragado pelo Tribunal um determinado entendimento ou interpretação da Lei (in casu, a aplicação do artigo 90.º do CIRC às tributações autónomas).

            Não há assim, em sentido formal e próprio, um verdadeiro pedido subsidiário.

            De todo o modo, a apreciação de tal matéria foi já feita supra, transcrevendo-se, no essencial, o seguinte:

“(...) A questão essencial não está em saber se as tributações autónomas são ou não IRC sendo claro que a liquidação das tributações autónomas se efetua com base nos artigos 89.º e 90.º n.º 1 do Código do IRC mas, na verdade, aplicando regras diferentes para o cálculo do imposto:

(1) num caso, a liquidação opera mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria coletável apurada de acordo com as regras do capítulo III do Código e

(2) no outro caso, são apuradas diversas coletas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma.

Daqui resulta que o montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 90.º não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efetuadas à parte da coleta do IRC com a qual exista uma correspondência direta, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime-regra do imposto.           

Conclui-se daqui, se bem se entende, que não há sequer controvérsia entre as Partes quanto à aplicação do artigo 90.º do CIRC à liquidação das tributações autónomas, limitando-se a divergência à forma de proceder à liquidação, pois a Autoridade Tributária e Aduaneira entende, se bem entendemos, que são apuradas diversas coletas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma e as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efetuadas à parte do coleta do IRC com a qual exista uma correspondência direta, entendendo que ela não se verifica em relação à coleta do IRC que resulta das tributações autónomas.

De qualquer forma, os referidos artigos 89.º e 90.º do CIRC, bem como outras normas deste Código, como as relativas as declarações previstas nos artigos 120.º e 122.º, são aplicáveis às tributações autónomas (...)” (sublinhado nosso).

 

Daqui se conclui ser aplicável às tributações autónomas o artigo 90.º do CIRC, mas com sujeição às especificidades descritas e que não permitem a dedução à coleta das importâncias das respetivas taxas.

 

V – DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)      Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa mencionada e que recusou a anulação da parte ilegal, de autoliquidações de IRC identificadas nos autos e produzidas pelas taxas de tributação autónoma, do exercício de 2012;

b)     Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade dessas autoliquidações nas partes correspondentes ao montante de €72.120,15;

c)      Julgar prejudicado o pedido de reconhecimento do direito da Requerente ao reembolso desses montantes e, bem assim, o direito aos juros indemnizatórios peticionados;

d)     Julgar prejudicado, nos termos mencionados, pela apreciação e decisão do pedido principal, o pedido formulado nos seguintes termos: “(...) caso se entenda que o artigo 90.º do CIRC não se aplica às tributações autónomas, deverá então ser declarada a ilegalidade das liquidações das tributações autónomas (e serem consequentemente anuladas) por ausência de base legal para a sua efetivação (cfr. artigo 8.º, n.º 2, alínea a), da LGT, e artigo 103.º, n.º 3, da Constituição), com o consequente reembolso dos mesmos montantes e o pagamento de juros indemnizatórios contados das mesmas datas (...)” e

e)      Condenar a Requerente A… – …, S.A., no pagamento das custas deste processo.

 

Valor do processo

 

De conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 47/2013, de 26 de Junho, 97.º - A), n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €72.120,15.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigos 2.º e 4.º do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária, e Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em €2.448,00, a cargo da Requerente.

 

 

  • Notifique-se.

 

Lisboa, 30 de agosto de 2016

 

O Tribunal Arbitral Colectivo,

 

(José Poças Falcão)

 

 

(Miguel Patrício)

 

 

 

 

(João Cruz)

 

 



[1] Expressão utilizada pelo Professor J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, pág. 407: «Com esta previsão [tributações autónomas] o sistema mostra a sua natureza dual.» De facto, o que existe é um pagamento único, pois, quanto às regras de pagamento, no art. 104.º, n.º 2, alínea a), do CIRC, o legislador refere-se ao montante total apurado na declaração, incluindo, portanto, todos os apuramentos.

[2] Presidido também pelo árbitro que preside a este Tribunal.

[3] Para mais desenvolvimentos, vide, entre outros: J. L. Saldanha Sanches e André Salgado de Matos, “O pagamento especial por conta de IRC: questões de conformidade constitucional“ in: Fiscalidade, 15, 2003, pp. 5-25; Manuel Anselmo Torres, “Incidência e inconstitucionalidade do pagamento especial por conta” in: Fisco, 107/108, 2003, pp. 23 e ss..

[4] Vd. J. L. Saldanha Sanches e André Salgado de Matos, “O pagamento especial por conta de IRC: questões de conformidade constitucional” in: Fiscalidade, 15, 2003, p. 8.

[5] Idem, p. 10.