Decisão Arbitral
I. RELATÓRIO
1. Em 11 de Dezembro de 2015, A…, S.A.”, pessoa colectiva n.º…, com sede na Rua …- Edifício …, … Sala…, …-… … (adiante designada “A…” ou “Requerente”), apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT)] e artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, d 22 de Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”) para se pronunciar, à luz do disposto no art. 99.º do CPPT, sobre a ilegalidade parcial da liquidação de IRC n.º 2012 … relativa ao ano de 2011, na parte correspondente às tributações autónomas no montante de €49.521,36.
2. No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente optou por não designar árbitro.
3. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, foi designada como árbitro singular, a signatária Maria Manuela Roseiro, que aceitou o encargo no prazo legalmente estipulado.
4. Notificadas as partes e não havendo recusa da referida designação (artigo 11.º, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico), veio o tribunal arbitral a ficar constituído em 25 de Fevereiro de 2016, de acordo com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, sendo, na mesma data, proferido despacho arbitral de notificação da Administração Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida) nos termos do artigo 17.º do RJAT.
5. Em 4 de Abril de 2015, a Requerida veio apresentar Resposta, juntando o processo administrativo em 6 de Abril.
6. Na sequência de notificação do tribunal a Requerente respondeu, em 10 de Maio de 2016, e com anuência das Partes foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, marcado prazo de dez dias para apresentação de alegações, a decorrer sucessivamente.
7. As alegações, em que as Partes mantiveram as posições iniciais, foram apresentadas em 7 e 26 de Junho de 2016, respectivamente, tendo sido comunicado pelo tribunal que a decisão seria proferida até 25 de Agosto de 2016.
8. Pedido de pronúncia arbitral
A Requerente invoca, em síntese (da nossa responsabilidade):
a) Em 30 de Maio de 2012, apresentou a declaração de rendimentos modelo 22 referente a 2011 do grupo de sociedades (RETGS de que é sociedade dominante, apurando um prejuízo fiscal de €1.126.703,59 e um montante total de imposto a pagar de €49.925,37.
b) Em 4 de Março de 2015 apresentou pedido de revisão oficiosa do acto de autoliquidação de IRC referente a 2011, solicitando o reembolso de € 49.521,36 relativamente à dedução dos montantes pagos como pagamentos especiais por conta no valor das tributações autónomas, que a Requerida indeferiu, em 15 de Setembro de 2015, considerando não aplicável ao caso o art. 90.º do CIRC e, dada a função anti abuso das tributações autónomas, negando a possibilidade de compensação destas com PECs.
c) Não concorda com a decisão porque os pagamentos especiais por conta correspondem a um adiantamento do IRC devido a final (Ac. do Tribunal Constitucional n.º 494/2009) e as tributações autónomas são parte integrante da colecta do IRC.
d) A própria AT e decisões de tribunais arbitrais têm decidido que as tributações autónomas integram o regime do IRC, que “a tributação autónoma é IRC”, que as referidas tributações são “parte integrante e indissociável da colecta do IRC” pelo que o valor dos PECs que deixou de ser deduzido por insuficiência de colecta de IRC (dito normal) poderia afinal ter sido deduzido até à concorrência do valor das tributações autónomas por si pagas (uma vez que este montante deveria ter sido considerado parte integrante da colecta do IRC), possibilidade não afastada pela interpretação acolhida numa informação da DSIRC, junta aos autos.
e) O facto de o CIRC ter mencionado expressamente as tributações autónomas no artigo 12.º e alínea a) do n.º 1 do art. 23.º-A não significa que não lhes seja aplicável implicitamente o art. 90.º referente a liquidação, caso contrário inexistiria norma que a regulasse. Desde a inclusão no CIRC as tributações autónomas fazem parte deste imposto, o que justifica a sua exclusão no art. 12.º, tendo a redacção em vigor a partir de 2014 do art. 23.º-A procedido apenas a uma clarificação.
f) Assim, no proc. 219/2015, o tribunal arbitral decidiu que o art. 90.º se aplica a todas as formas de apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional. E concluiu que a autonomia das tributações autónomas restringe-se às taxas aplicáveis e à respectiva matéria tributável, mas o apuramento do montante é efectuado nos termos do art. 90.º sendo-lhe aplicáveis as formas de liquidação previstas no capítulo V porque o art. 88.º apenas define a base de incidência e as taxas a aplicar.
g) Assim, as tributações autónomas encontram-se abrangidas pela colecta de IRC para efeitos de dedução dos pagamentos especiais por conta referidos na alínea d) do n.º 2 do art. 90.º do CIRC, e isso sem prejuízo do seu carácter anti-abuso (quer no caso de incidência sobre certas despesas – encargos com viaturas, ajudas de custo e despesas de representação - que o legislador quer desincentivar, quer no caso de despesas que visam penalizar comportamentos presuntivamente evasivos ou fraudulentos, como as despesas não documentadas) porque o Código também noutros casos (ex. normas sobre subcapitalização) não invalida que a colecta daí derivada deixe de ser considerada colecta de IRC.
h) Porque as tributações autónomas são parte integrante do IRC e da sua colecta e os PECs são um adiantamento do IRC nada impede, ao contrário do entendimento da AT no indeferimento do pedido de revisão oficiosa, a dedução dos pagamentos especiais por conta à colecta do IRC (onde se inclui as tributações autónomas), não ficando comprometidos os objectivos de combate à evasão fiscal.
i) Porque pagou prestação tributária superior ao legalmente devido, tem direito a pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º e 100.º da LGT.
j) O n.º 2 do art. 43.º prevê esse direito em caso de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte se este obedeceu a orientações genéricas da AT devidamente publicadas, o que deve entender-se que acontece na medida em que o funcionamento do sistema informático da AT através do qual é submetida a declaração modelo 22, que não admite a dedução dos valores inscritos no campo 356 à parcela da colecta do IRC reflectida nos campos 365 (relativos às tributações autónomas), efectuando tal dedução apenas ao montante apurado no campo 351 (parcela do IRC que incide sobre o rendimento do período).
k) O tribunal é competente para apreciar o Pedido, interposto no prazo de 90 dias contado a partir do indeferimento do pedido de revisão, devendo declarar a ilegalidade da decisão do referido indeferimento do pedido de revisão e a ilegalidade parcial do acto de liquidação de IRC referente a 2011 (n.º 2012…), reembolsando o montante pago e condenando ao pagamento de juros indemnizatórios.
9. A Resposta da Requerida
A Requerida respondeu, em síntese (da nossa responsabilidade):
Existência de excepção – incompetência do tribunal
a) O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado na sequência de indeferimento de pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação de imposto sobre o IRC relativo ao ano de 2011 formulado em 05.03.2015, data em que se mostrava já decorrido o prazo de reclamação graciosa previsto no artigo 131.º do CPPT.
b) Face ao disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º e 2.º, alínea a), ambos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, verifica-se a excepção de incompetência material do presente Tribunal Arbitral para apreciar o pedido, determinando absolvição da Entidade Demandada da Instância [cf. artigos 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT].
Impugnando
c) A figura das tributações autónomas tem sido instrumentalizada para a prossecução de objectivos diversos, que abarcam desde o originário propósito de evitar práticas de evasão e de fraude (através de despesas confidenciais ou não documentadas, pagamentos a entidades localizadas em jurisdições com regimes fiscais privilegiados, substituição da tributação das vantagens acessórias sob a forma de despesas de representação ou de atribuição de viaturas aos trabalhadores e membros dos órgãos sociais, na esfera dos respectivos beneficiários) até à finalidade de prevenir o fenómeno designado por “lavagem de dividendos” (cf. n.º 11 do art.º 88.º CIRC) ou de onerar, por via fiscal, o pagamento de rendimentos considerados excessivos (cf. n.º 13 do mesmo preceito). Reconhece-se, assim, que o caracter autónomo destas tributações, decorrente da especial configuração dada aos aspectos material e temporal dos factos geradores, impõe, em determinados domínios, o afastamento ou uma adaptação das regras gerais de aplicação do IRC.
d) O montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 90.º não tem um carácter unitário - a liquidação das tributações autónomas é efectuada com base nos artigos 89.º e 90.º n.º 1 do Código do IRC mas, aplicando regras diferentes para o cálculo do imposto: num caso a liquidação opera, mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria colectável apurada de acordo com as regras do capítulo III do Código e, no outro caso, são apuradas diversas colectas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma.
e) A interpretação proposta para o n.º 2 do art.º 90.º do CIRC implicaria que, na base de cálculo dos pagamentos por conta, definida no n.º 1 do art.º 105.º do Código do IRC, fossem incluídas as tributações autónomas quando só faz sentido que a respectiva base de cálculo corresponda ao montante da colecta do IRC resultante da matéria colectável que se identifica com o lucro/rendimento do exercício do sujeito passivo.
f) Mas a interpretação da expressão utilizada pelo legislador no referido dispositivo, “montante apurado nos termos do número anterior”, e no n.º 1 do art. 105.º do CIRC, “imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º”, deve ser feita de forma coerente - corresponde ao montante do IRC calculado mediante a aplicação das taxas do art.º 87.º à matéria colectável determinada com base no lucro.
g) Conclui-se que as deduções referidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 90.º do Código do IRC são efectuadas ao “montante apurado nos termos do número anterior”, entendido como o montante do IRC apurado com base na matéria colectável determinada de acordo com as regras constantes do capítulo III e das taxas do art. 87.º do mesmo Código, podendo estender-se tal conclusão à dedução relativa aos pagamentos especiais por conta.
h) Se das deduções efectuadas resultar valor negativo, o pagamento especial por conta poderá ser deduzido até ao 4º período de tributação seguinte.
i) E chega-se à mesma conclusão se se atentar na natureza do pagamento especial por conta (PEC), definido como sendo um adiantamento entregue ao Estado por conta do imposto devido a final, que pode ser efectuado em duas prestações (art. 106.º, n.º 1, CIRC) e cujo cálculo toma como ponto de partida o volume de negócios do sujeito passivo relativo ao período de tributação anterior (n.º 2) porque embora o PEC se distinga, em matéria de regras de cálculo, dos pagamentos por conta (que têm como base de cálculo o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art. 90.º do CIRC, relativo ao período de tributação imediatamente anterior (n.º 5 do art. 105.º CIRC), os dois regimes têm em comum a natureza de pagamento adiantado do IRC.
j) A natureza jurídica do PEC, revelada pela sua configuração como «instrumento ou garantia de pagamento do tributo por conta do qual é exigido, e não como imposição a se», bem como pela função que lhe está associada no combate à evasão e fraude fiscais, liga indissociavelmente este pagamento ao montante do IRC apurado sobre a matéria colectável determinada com base no lucro (capítulo III do Código), pelo que sujeitos passivos do IRC não podem dispor do mesmo, no caso da Requerente deduzindo o montante suportado em sede PEC à colecta produzida pelas tributações autónomas nos anos de 2012 e 2013.
k) E, no Pedido, encontra-se distorcida a posição da AT constante da Informação da DSIRC junta aos autos, que se refere a outras questões, não podendo retirar-se uma posição num determinado sentido sobre a questão em causa nos autos.
l) E quanto ao facto de a declaração Modelo 22 do IRC e respectiva articulação com a programação do sistema informático da AT impedir que se deduza à colecta relacionada com as taxas de tributação autónoma em IRC, inscrita no campo 365 do quadro 10 das declarações Modelo 22 (…), os pagamentos especiais por conta ainda por deduzir à colecta de IRC, a começar pelos mais antigos, acontece que o sistema e as aplicações informáticas da AT deverão ser um mero reflexo dos preceitos legais em vigor em cada momento sendo alteradas apenas na decorrência de alguma alteração legislativa, assunção de posição uniforme (superiormente sancionada) pela AT, ou quando se detecte algum lapso/ erro nas mesmas.
m) Mesmo que o pedido fosse procedente, teria que se considerar, quanto ao pagamento de juros, que o termo inicial do respectivo cômputo não seria o momento indicado pela Requerente no pedido mas a data em que ocorreu a decisão que indeferiu a reclamação graciosa.
n) A questão controvertida fica completamente ultrapassada face ao aditamento do n.º 21 ao artigo 88.º do CIRC, com carácter interpretativo (Lei do OE para 2016) que dispõe: «A liquidação das tributações autónomas em IRC é efectuada nos termos previstos do artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efectuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.», entendimento que era seguido pacificamente pela doutrina e pelos contribuintes em geral.
10. Questões a decidir
A questão principal objecto do Pedido consiste em saber se os valores pagos pela Requerente a título de pagamento especial por conta no âmbito do IRC podem ser deduzidos à colecta produzida pelas taxas de tributação autónoma, também em sede de IRC.
Como questão prévia coloca-se a da competência para apreciar o Pedido, tendo em conta que o mesmo foi apresentado, na sequência de indeferimento de pedido de revisão oficiosa apresentado em 2015, relativamente a acto de autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2011.
11. Saneamento
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
Não se verificam nulidades.
A questão suscitada pela requerida de questão da incompetência material do tribunal será objecto de apreciação prévia após a fixação da factualidade.
Passando a decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
12. Matéria de facto
12. 1. Factos provados
a) A Requerente - A…, S.A. – é a sociedade dominante de um grupo de sociedades abrangidas pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), composto por mais cinco sociedades (Pedido de pronúncia, n.º 5, e documentos n.ºs 2 e 4 juntos com o mesmo).
b) Em 30 de Maio de 2012 a Requerente procedeu à apresentação da declaração de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) Modelo 22 do seu Grupo Fiscal, referente ao exercício de 2011, tendo apurado um prejuízo fiscal de € 1.126.703,59 montante total a pagar de € 49.925,37, correspondente a derrama municipal no montante de € 404,01 e tributação autónoma de € 49.521,36 (Pedido de pronúncia, n.º 6, doc. n.º 1 junto com o mesmo).
c) Em 13 de Junho de 2012 foi emitida a liquidação n.º 2012…, onde, tendo em conta o PEC de €90.253,82, derrama €404,01, tributações autónomas de €40.521,36 e pagamento de autoliquidação de €49.988,29, se apurava um reembolso no montante de €62,92 (Documento “acto de liquidação”, junto com o Pedido).
d) Nos exercícios de 2007 a 2011 a Requerente efectuou pagamentos especiais por conta num total de € 90.253,82 (€25.338,10, em 2007, €22.720,84 em 2009, €21.497,46 em 2010 e €20.697,42 em 2011) (Pedido, n.º 7).
e) Em 5 de Março de 2015, a Requerente apresentou, dirigido ao Director de Finanças de …, um pedido de revisão oficiosa, pedindo reembolso do imposto pago em excesso, no montante de € 49.521,36, correspondente ao pagamento de tributações autónomas e de juros indemnizatórios à taxa legal calculados sobre aquele montante e até efectivo e integral pagamento do mesmo por parte da AT (Pedido, n.º 12 e Doc. n.º 4).
f) A apreciação do pedido de revisão oficiosa referido no número anterior foi efectuada pela DSIRC, no sentido do respectivo indeferimento, através de informação datada de 19 de Junho de 2015 que, após despacho superior, foi notificada para efeito de direito de audição, através do ofício n.º … de 30 de Junho de 2016, recebido pela Requerente a 2 de Julho de 2015 (Doc. n.º 5 junto com o Pedido).
g) A Requerente não exerceu o direito de audição, tendo o projecto de despacho de indeferimento sido convertido em definitivo por decisão superior, com os fundamentos das informações referidas no número anterior, o que foi notificado à Requerida através do ofício n.º…, de 11 de Setembro de 2015 (Documento n.º 5 junto com o Pedido).
h) Na apreciação feita pela Requerida, e referida nas alíneas anteriores, o pedido de revisão oficiosa (apresentado de autoliquidação, referente ao período de tributação de 2011, mediante entrega da declaração modelo 22 de IRC em 30 de Maio de 2012) foi considerado tempestivo, por aplicação do prazo de quatro anos após a liquidação, nos termos da 2ª parte do n.º 1 do art. 78.º da LGT (face a entendimento sancionado pela Directora-Geral de que face à redacção vigente do art. 78.º da LGT, o erro na autoliquidação é, sem excepção, equiparado a erro imputável aos serviços (…), mas foi indeferido, com fundamento em interpretação divergente da sustentada pela Requerente quanto ao disposto no CIRC, nomeadamente nos artigos 23.º-A e 90.º, concluindo-se pela inexistência de erro na autoliquidação.
i) Não existem instruções genéricas sobre a (não) dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta às tributações autónomas.
j) Em 11 de Dezembro de 2015, a Requerente apresentou o presente Pedido de pronúncia sobre a legalidade da liquidação n.º 2012… referente ao IRC de 2011.
12.2. Factos não provados
Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram considerados provados.
12.3. Motivação quanto à matéria de facto
No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas partes em sede de facto e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados pelas Partes, bem como na análise do processo administrativo.
13. Matéria de Direito
13.1. Questão prévia – apreciação sobre a competência do tribunal
Trata-se de saber se assiste razão à Requerida quanto à excepção suscitada, invocando a incompetência material da jurisdição arbitral para apreciar a legalidade de um acto tributário de autoliquidação verificado em 2012, referente a exercício de 2011, de que foi interposto um pedido de revisão oficiosa sem recurso a processo de reclamação graciosa, nos termos do disposto no artigo 131.º do CPPT.
A Requerida recorda o regime legal da arbitragem em matéria tributária (lei de autorização legislativa, RJAT e Portaria vinculativa), defendendo que o legislador optou por “restringir o conhecimento na jurisdição arbitral às pretensões que, sendo relativas à declaração de ilegalidade de actos de liquidação/autoliquidação, tenham sido precedidas da reclamação prevista no artigo 131.º do CPPT”.
Sobre esta questão é possível identificar duas posições, ambas com expressão em processos de arbitragem decididos no âmbito do CAAD, sintetizadas, de acordo com palavras utilizadas pela decisão proferida em 9 de Novembro de 2012, no processo nº 51/2012-T, desta forma:
- Uma posição defende que “ao remeter para os artigos 131.º e 132.º CPPT, a AT pretendeu apenas impedir que o contribuinte ficasse habilitado a reagir directamente, junto da jurisdição arbitral, contra actos de retenção na fonte, entre outros, sem necessidade de exame prévio por parte da AT, abrindo assim a porta à equiparação, para efeitos de impugnabilidade, do procedimento de revisão oficiosa ao procedimento de reclamação graciosa (…)”. Nesta tese, que “traduz uma visão ampla da vinculação da AT à jurisdição arbitral”, “o racional da necessidade de reclamação graciosa prévia não se prende com o regime próprio desta (diverso da revisão oficiosa), mas antes com a oportunidade de a AT se pronunciar sobre a pretensão do contribuinte, evitando assim a submissão aos tribunais de putativos litígios”.
- Posição oposta à primeira defende que “ao remeter para os artigos 131.º e 132.º CPPT, a AT pretendeu efectivamente remeter para a regime aí previsto, portanto exigindo como condição da sua vinculação à pronúncia arbitral em sede de impugnação da ilegalidade de actos de retenção na fonte, entre outros, a precedência de procedimento próprio de reclamação graciosa”.
Ambas as posições se fundamentam em muito lógica argumentação[1].
A primeira tese considera que é “manifesto que o alcance da exigência de reclamação graciosa prévia, necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de actos de autoliquidação, prevista no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, tem como única justificação o facto de relativamente a esse tipo de actos não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto, posição essa que até poderá vir a ser favorável ao contribuinte, evitando a necessidade de recurso à via contenciosa”. E que, “além de não se vislumbrar qualquer outra justificação para a essa exigência, o facto de estar prevista idêntica reclamação graciosa necessária para impugnação contenciosa de actos de retenção na fonte e de pagamento por conta (nos artigos 132.º, n.º 3, e 133.º, n.º 2, do CPPT), que têm de comum com os actos de autoliquidação a circunstância de também não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade dos actos, confirma que é essa a razão de ser daquela reclamação graciosa necessária”. Assim como vê confirmação desta interpretação no disposto no n.º 3 do artigo 131.º do CPPT, ao deixar de exigir a reclamação graciosa necessária quando há uma pronúncia prévia genérica da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto de autoliquidação (orientações genéricas emitidas pela administração tributária).
Assim, opta por fazer uma interpretação extensiva e “concluir que os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011, ao fazerem referência ao artigo 131.º do CPPT relativamente a pedidos de declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, disseram imperfeitamente o que pretendiam, pois, pretendendo impor a apreciação administrativa prévia à impugnação contenciosa de actos de autoliquidação, acabaram por incluir referência ao artigo 131.º que não esgota as possibilidades de apreciação administrativa desses actos”[2].
A segunda posição, sem pôr em causa a equiparação doutrinal, para efeitos de impugnação judicial, do procedimento de revisão oficiosa por iniciativa do contribuinte ao procedimento de reclamação graciosa, entende que da consagração do procedimento arbitral como meio de resolução de litígios fiscais alternativo ao processo de impugnação judicial não decorre automaticamente a extensão da vinculação da AT a todas as situações em que, doutrinaria e/ou jurisprudencialmente, for considerada admissível essa impugnação. E que o artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, portaria publicada conforme o disposto no artigo 4.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, impõe expressamente o citado procedimento administrativo prévio como forma de abrir a via arbitral para apreciação do litígio[3].
Aderindo à primeira tese e respondendo à segunda, pelo menos implicitamente, registe-se a decisão proferida no processo n.º 644/2014-T, onde se contém as seguintes considerações:
«A norma da alínea a) do artigo 2.º da Portaria 112.º-A/2011, de 22 de Março, deverá também ser entendida como explicando-se pela circunstância de, na sua ausência – e face ao teor do artigo 2.º do RJAT – se perfilar como possível a impugnação direta de actos de autoliquidação, sem precedência de pronúncia administrativa prévia. Ou seja: tendo em conta que face ao RJAT não se configurava como necessária qualquer intervenção administrativa prévia à impugnação arbitral de uma autoliquidação, o teor da portaria deve ser interpretado como equiparando – nesta matéria – o processo arbitral tributário ao processo de impugnação judicial e não, como decorreria da posição sustentada pela AT, passar do 80 para o 8, pegando numa impugnabilidade mais ampla do que a possível nos Tribunais Tributários, e transmutando-a numa mais restrita».
E conclui que «razão alguma se vê – e, uma vez mais, nenhum subsídio a AT dá nesse sentido – para que se interprete de forma diferente uma e outra norma, tanto mais que a letra da norma da Portaria 112.º-A/2011, de 22 de Março, acaba por ser menos restritiva que a do CPPT, na medida em que não integra a expressão “obrigatoriamente”, nem se refere a “reclamação graciosa” mas a “via administrativa”. Daí que seja possível uma leitura da própria letra da lei que se contenha no sentido de que apenas está afastado do âmbito da jurisdição arbitral tributária o conhecimento de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa em termos compatíveis com os artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» (sublinhados nossos).
Embora com algumas dúvidas[4], o presente tribunal decide de acordo com a 1ª tese, com a fundamentação complementar supra (processo 644/2014-T), pelo que considera improcedente a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral, invocada pela Requerida, passando à apreciação da questão objecto do Pedido – saber se a sociedade dominante de um grupo de sociedades sujeito ao RETGS, poderia, na declaração de rendimentos de IRC referente a 2011, invocando o disposto no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, deduzir ao montante de tributações autónomas objecto da autoliquidação nesse exercício, importâncias correspondentes a pagamentos especiais por conta (PECs) realizados em anos anteriores e ainda não deduzidos às respectivas colectas de IRC.
13.2. A questão objecto do Pedido
13.2.1. A tributação do rendimento das pessoas colectivas – o CIRC e a tributação do rendimento real
O Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro, pretendeu concretizar a previsão constitucional de que “a tributação das empresas incidirá fundamentalmente sobre o seu rendimento real” (n.º 2 do art. 107.º da redacção original da CRP mantida sem alterações no actual n.º 2 do art. 104.º).
No preâmbulo do Código do IRC, entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1989, explica-se: «Em qualquer caso, procura-se sempre tributar o rendimento real efectivo, que, para o caso das empresas, é mesmo um imperativo constitucional. Com corolário desse princípio, é a declaração do contribuinte, controlada pela administração fiscal, que constitui a base da determinação da matéria colectável” (ponto 9 do preâmbulo)».
Porém, face à dificuldade na determinação da realidade, eram mantidos elementos de correcção como os métodos indiciários[5]. Também se afirmava o papel preponderante da “contabilidade como instrumento de medida e informação da realidade económica constituída pelo lucro” mas não se escondia que as relações entre fiscalidade e contabilidade são um domínio controverso, “passíveis de diferentes modos de conceber essas relações”.[6]
13.2.2. Surgimento e evolução das tributações autónomas
O Orçamento de Estado para 1990, aprovado pela Lei n.º 101/89, de 29 de Dezembro, autorizava o Governo (artigo 25.º, n.ºs 2 a 5) a introduzir diversas alterações no CIRC, entre as quais (n.º 3) “a tributar autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa agravada em 10% e sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC, as despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respectivo Código”.
No uso das autorizações legislativas concedidas, foi aprovado o Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho, que, segundo o respectivo preâmbulo, visava introduzir alguns ajustamentos no Código do IRC, após um ano de vigência deste. Era nítido que várias das medidas pretendiam colmatar dificuldades na tributação do rendimento real, designadamente o artigo 4.º ao estabelecer a tributação autónoma à taxa de 10% de despesas confidenciais ou não documentadas.
Posteriormente, verificaram-se sucessivas alterações ao regime, designadamente:
- O OE para 1995 aumenta da taxa para 25%, ao mesmo tempo que no artigo 41.º do CIRC (n.º 1, alíneas g) e j), e n.º 4) se estabeleciam limites à aceitação como custos fiscais das empresas “de despesas de representação, assim como dos encargos relativos a viaturas ligeiras de passageiros ou mistos”.
- O OE para 1997 eleva a taxa para 30%, sendo de 40% nos casos em que tais despesas sejam efectuadas por sujeitos passivos de IRC, total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola (n.º 2 do art. 4.º)”.
- O OE para 1999 sobe as taxas previstas no artigo 4.º do DL 192/90, a do n.º 1 para 32%, e a do n.º 2, referente a sujeitos passivos de IRC total ou parcialmente isentos, para 60%, e altera os artigos 41.º e 24.º do CIRC.
- O OE para 1999, altera a redacção do Decreto-Lei n.º 192/90, estendendo a tributação a encargos com despesas de representação e encargos com viaturas (n.ºs 3 a 6), assim como a redacção dos artigos 41.º e 24.º do CIRC.
Com as alterações legislativas concretizadas na sequência dos trabalhos da Estrutura de Coordenação da Reforma Fiscal (ECORFI), criada em 2000, as tributações autónomas foram inseridas nos Códigos de Impostos sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e Colectivas,[7] abrangendo, então: despesas confidenciais ou não documentadas; despesas de representação; encargos com viaturas ligeiras de passageiros, barcos de recreio, aeronaves de turismo, motos e motociclos; importâncias pagas a residentes em regimes fiscais favoráveis.
Nos anos seguintes sucedem-se alterações legislativas quanto às tributações autónomas, sendo o respectivo regime mantido no fundamental. Sobre as pessoas colectivas, dispõe o actual artigo 88.º do CIRC, após a Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, que visou “uma reforma do IRC orientada para a competitividade, o crescimento e o emprego”[8].
13.2.3. O Pagamento especial por conta (PEC) – criação e evolução
Ao longo da década de 90 tinham sido apontadas limitações à Reforma Fiscal de 88/89. A Comissão de Desenvolvimento da Reforma Fiscal (1995/96) deu conta de uma situação em que 60% dos contribuintes do IRC não pagavam imposto, sendo 50 empresas responsáveis por 51% da receita, 30% do qual era pago por apenas 3 empresas. Para além de limites quanto à dedutibilidade de custos, designadamente no respeitante a despesas de representação e ajudas de custo, foram propostas medidas estruturais, entre as quais introdução de um imposto mínimo sobre as sociedades com base nos activos brutos das sociedades, dedutível à colecta do imposto em 5 anos e com valores baixos com limiares pré-determinados, ou um imposto fixo, de montante moderado (não superior ao equivalente a 300 contos)[9].
O Pagamento Especial por Conta foi introduzido com o Decreto-Lei n.º 44/98[10], de 3 de Março, que aditou ao Código do IRC os artigos 74.º-A e 83.º-A. O artigo 83.º-A dispunha: “O montante do pagamento especial por conta será igual à diferença entre o valor correspondente a 1% do respectivo volume de negócios, com o limite mínimo de 100 000$ e máximo de 300 000$, e o montante dos pagamentos por conta efectuados no ano anterior”. As quantias de PEC eram apuradas nos termos gerais, fixados no artigo 71.º do CIRC então vigente e eram dedutíveis ao IRC apurado se o imposto a pagar fosse positivo (71.º-6 CIRC/1998). Não havendo IRC a pagar nos termos gerais, o valor do PEC satisfeito podia ser reportado para o exercício seguinte (74.º-A-1) ou reembolsado mais tarde (74.º-A-2).
Na Reforma realizada pelo XIV Governo Constitucional, a Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, alterou a redacção do artigo 74.º-A do CIRC restringindo a possibilidade de reembolso a casos de cessação de actividade, o que terá dado ao PEC uma configuração próxima de colecta mínima[11].
A Lei n.º 32-B/2002, de 30/12 (Lei do OE para 2003), alterou a base de cálculo do PEC, com a percentagem de 1% a ser calculada sobre os proveitos e ganhos do ano anterior, alargou significativamente os limites mínimo e máximo e, em casos de impossibilidade da respectiva dedução até ao 4º exercício seguinte, condicionou o reembolso de PEC pago ao não afastamento da média de rácios de rentabilidade das empresas do sector e a um juízo favorável de uma inspecção tributária, feita a pedido do sujeito passivo, formulado no prazo de 90 dias contados da apresentação da declaração periódica (CIRC, artigo 87.º, 92.º em 2011, com a redacção dada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28/04).
13.2.4. Conclusões quanto à caracterização jurídica de tributações autónomas e PEC – comparação das duas figuras
Resulta dos pontos anteriores que quer as tributações autónomas quer o PEC surgem como instrumentos de combate à fraude e evasão fiscal. Ambas as figuras surgiram, desenvolveram-se e mantiveram-se porque se detecta, designadamente entre as entidades sujeitas a IRC, comportamentos fiscais indiciadores de falta de veracidade na declaração dos rendimentos obtidos, com prejuízo para a receita fiscal e injustiça para os contribuintes cumpridores. Visa-se, também, desincentivar a realização de despesas que embora efectuadas na actividade empresarial são consideradas, quanto à finalidade e vantagens, ambíguas, injustificadas e/ou exageradas.
A forma de tributação através das tributações autónomas “foi justificada pela dificuldade em se distinguir entre o carácter privado e a natureza empresarial de certas despesas, e existirem determinadas formas de rendimento que não eram tributadas na pessoa dos seus beneficiários (ou porque estes não eram conhecidos ou porque o rendimento não era determinável com rigor)”[12].
A evolução legislativa evidencia um grande alargamento da respectiva base de incidência[13].
Como analisado na decisão arbitral proferida no proc. 722/2015-T, concluir-se-á sinteticamente, sobre esta forma de tributação: «(i) as tributações autónomas de IRC ancoradas nos diversos números e alíneas do artigo 88.º do CIRC traduzem situações diversas, às mesmas cabendo também taxas de tributação diferentes; (ii) as tributações autónomas de IRC incidentes sobre determinados encargos de sujeitos passivos de IRC devem ser entendidas como pagamentos independentes da existência ou não de matéria coletável; (iii) interpretadas como pagamentos, associados ao IRC, ou com este pelo menos relacionado podendo entender-se como uma exceção no que respeita ao princípio da tributação das pessoas coletivas de acordo com o lucro real e efetivo apurado (artigo 3.º do CIRC); (iv) nas tributações autónomas, o facto tributário que dá origem à tributação é instantâneo: esgota-se no ato de realização de determinadas despesas que estão sujeitas a tributação (embora o apuramento do montante de imposto resultante das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesas considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário); (v) o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não o transforma num imposto periódico, de formação sucessiva ou de carácter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa; (vi) a tributação autónoma não é equivalente à não dedutibilidade das despesas realizadas pelo sujeito de IRC.»
E ainda citando a mesma Decisão (P. 722/2015-T):
«Reconhecem-se aqui, assim, aquelas caraterísticas que há já alguns anos a doutrina vem apontando às tributações autónomas em causa, como sejam: a) A tributação autónoma só faz sentido porque os custos/gastos relevam como componentes negativas do lucro tributável do IRC. É isso que motiva os sujeitos passivos do IRC a relevar um valor tão elevado quanto possível desses gastos para diminuir a matéria tributável do IRC, a coleta e, consequentemente, o imposto a pagar; b) Pretende-se desincentivar esse tipo de gastos em sujeitos passivos que apresentam resultados negativos mas que, independentemente disso, continuam a evidenciar estruturas de consumo pouco ou nada compagináveis com a saúde financeira das suas empresas; c) Trata-se, em tese mais geral, de modelar o sistema fiscal de modo que este revele um certo equilíbrio tendo em vista uma melhor repartição da carga tributária efetiva entre contribuintes e tipos de rendimento; d) Considera-se desfavoravelmente determinados gastos em que, reconhecidamente, não é fácil determinar a medida exata da componente que corresponde a consumo privado, e relativamente aos quais é conhecida a prática geral de abuso na sua relevação.»[14]
Quanto ao Pagamento Especial por Conta, constituindo um sistema para evitar a evasão fiscal e para garantir o pagamento de imposto por todas as empresas em actividade, apresentava “características mistas de pagamento por conta e de financiamento antecipado, isto por constituir ou um crédito de imposto ou porque o seu reembolso estava legalmente assegurado”[15]. A sua liquidação era efectuada de acordo com as normas expressas no Código do IRC, sendo dedutível à colecta também de acordo com as regras do mesmo Código (artigos 106.º e 93.º na redacção vigente em 2011, resultante da republicação operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho).
Resultava do n.º 3 do artigo 93.º do CIRC, como analisado na Decisão arbitral n.º 673/2015-T: “quando haja lugar a prejuízo fiscal o sujeito passivo tem ainda assim que suportar o PEC; essa foi aliás a razão da sua introdução. Se determinada empresa tiver sucessivamente prejuízos fiscais, suportará sistematicamente imposto, pois o sistema duvida da sua possibilidade de funcionamento em situação permanentemente deficitária, exigindo-lhe que satisfaça provisoriamente (por conta), determinado valor. Poderá reembolsá-lo se provar que essa situação é comum no seu setor de atividade ou se a AT verificar a regularidade das suas declarações. Este foi o equilíbrio que o CIRC exigiu para manter um sistema baseado nas declarações feitas pelos contribuintes”[16].
13.3. A dedutibilidade em sede de IRC
13.3.1. Normas de liquidação do IRC e componentes da tributação
A alínea d) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC prevê que na liquidação do imposto (o artigo 90.º refere-se à liquidação do IRC) seja efectuada a dedução do PEC previsto no art. 106.º.
Enquanto a Requerida entende que deverá ser feita uma interpretação restritiva desta norma, não se aceitando dedução de montantes correspondentes a pagamentos especiais por conta a colectas resultantes de tributações autónomas, sob pena de esvaziamento destas enquanto instrumento fiscal anti-abusivo, a Requerente entende que os «pagamentos especiais por conta, que consubstanciam pagamentos por conta em IRC, são efectivamente IRC. Estando a sua dedução prevista para a colecta do IRC e tendo sido já esclarecido que as tributações autónomas também são IRC e à sua colecta se devem aplicar as mesmas regras previstas para a colecta de IRC (dito normal ou principal), designadamente quanto à liquidação, não havia, portanto, à data dos factos, fundamento legal que obste à dedução dos pagamentos especiais por conta à colecta das tributações autónomas (…)» (ponto V conclusões das alegações).
Parece pertinente ter em conta o percurso seguido na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 673/2015-T: partindo-se do artigo 90.º, n.1, al. a), do CITC - que dispõe que a liquidação de IRC se faz com base na matéria colectável constante das declarações de rendimentos apresentadas pelo sujeito passivo - realça-se que, quanto à «definição da matéria colectável», é o artigo 15.º do CIRC que define o que, para efeitos do mesmo Código, se deve entender por matéria colectável[17] não podendo esta ser interpretada como abrangendo o valor tributável a que se aplicam as taxas de tributação autónoma.
E, verificando a existência de um conjunto enorme de incompatibilidades na aplicação do art. 90.º do CIRC[18], conclui a mencionada Decisão arbitral, que quanto à liquidação das tributações autónomas o legislador optou por regular a respectiva matéria no artigo em que prevê as respectivas situações de incidência, base tributável e taxas (art. 88.º). É que a liquidação consiste na aplicação da taxa de imposto à matéria colectável, e para determinação da colecta, não era necessária qualquer outra disposição legal para se apurar o quantum das tributações autónomas, ficando claramente demonstrado que as tributações autónomas nem podem ser entendidas como sendo integrantes da colecta de IRC, nem lhes é aplicável o artigo 90.º do CIRC.
Disse também o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 617/2012: «Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação».
Como já evidenciado por decisões arbitrais que vimos citando[19], também o acórdão n.º 617/2012 do Tribunal Constitucional realça, relativamente às tributações autónomas, o modo instantâneo como ocorre o facto tributário e a inexistência de carácter periódico, duradouro ou sucessivo na sua formação, caracterizando a operação de liquidação de IRC na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efectuadas na determinação da taxa.
Como se reflecte isso na liquidação final do IRC?
As tributações autónomas não são dedutíveis ao IRC como foi clarificado com o aditamento do artigo 23.º-A, n.º 1, do CIRC, na redacção introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao dizer que «não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável» «o IRC, incluindo as tributações autónomas».
E este entendimento já resultava do artigo 12.º do CIRC que as tributações autónomas se incluem no IRC, especificamente para o efeito de afastamento da dedução ao lucro tributável das quantias despendidas com o seu pagamento[20].
Assim, a conclusão que a Requerente pretende retirar através da construção de um silogismo - PECS são adiantamento de IRC, dedutíveis na sua liquidação/tributações autónomas são IRC/logo, PECs são dedutíveis em tributações autónomas - falha por erro no entendimento correcto das premissas.
É que as tributações autónomas integram-se no IRC mas com especificidade. Como se disse na decisão arbitral 59/2014-T, a Lei n.º 2/2014, o novo artigo 23.º-A, n.º 1, alínea a), do CIRC, ao dispor que «não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros», vem explicitar que, na perspectiva legislativa, o IRC e as tributações autónomas são impostos que incidem directa ou indirectamente sobre os lucros, pois é esse entendimento que pode justificar que se inclua a expressão «quaisquer outros impostos», que pressupõe que o IRC e as tributações autónomas também são impostos destes tipos.
13.3.2. Dedutibilidade do PEC no IRC resultante das taxas de tributação autónoma
Sendo que a figura de Pagamento Especial por Conta, tem o significado também de um adiantamento de imposto devido (esse é claramente a função do “pagamento por conta” previsto desde a redacção inicial do Código de Impostos sobre o rendimento)[21] coloca-se então a questão se o PEC não será de dedutível nas tributações autónomas enquanto importâncias que, embora liquidadas de forma diferente, visam indirectamente os rendimentos das empresas e são consideradas integradas no IRC.
Como também já foi referido em outras decisões arbitrais, quando as tributações autónomas não estavam incluídas no CIRC (período 1990-2000), não era concebível utilizar créditos fiscais potenciais para satisfazer a obrigação de imposto apurado a este título, sob pena de se perverter o intuito da lei. E com a sua introdução (Lei n.º 30-G/2000) não houve alteração de filosofia do IRC. O artigo 69.º-A, não introduziu qualquer alteração significativa no código mas apenas o mecanismo de combate a despesas consideradas indesejadas que já constava de legislação extravagante, ampliou-se ligeiramente o espectro de aplicação mas não se adaptou por qualquer forma o procedimento de liquidação. Ou seja, manteve-se a caracterização do regime que já antes vigorava, continuando a ter que se efectuar a interpretação das normas de modo a prevenir efeitos contrários à ratio legis.
Sobre esta questão fundamental, a decidir nos presentes autos – saber se o crédito resultante do pagamento especial por conta pode ser utilizado para satisfazer a obrigação de imposto que emerge da aplicação das taxas de tributação autónoma aos factos tributários sobre as quais incidem – acabamos concluindo como nas decisões arbitrais proferidas nos processos números 113/2015-T e 722/2015-T: «Como se viu o PEC passou a fazer parte do sistema do IRC cuja liquidação consagrada no artigo 83.º foi concebida para apurar o imposto diretamente incidente sobre o rendimento declarado. Quando haja lugar a prejuízo fiscal o sujeito passivo tem ainda assim que suportar o PEC; essa foi aliás a razão da sua introdução. Se determinada empresa tiver sucessivamente prejuízos fiscais, suportará sistematicamente imposto, pois o sistema duvida da sua possibilidade de funcionamento em situação permanentemente deficitária, exigindo-lhe que satisfaça provisoriamente (por conta), determinado valor. Poderá reembolsá-lo se provar que essa situação é comum no seu setor de atividade ou se a AT verificar a regularidade das suas declarações. Este foi o equilíbrio que o CIRC exigiu para manter um sistema baseado nas declarações feitas pelos contribuintes. Já o imposto resultante da tributação autónoma fundamenta-se tão só na perseguição à evasão fiscal por transferência de rendimento e tem o efeito dissuasor e compensatório. Se se permitir a dedução do PEC à coleta resultante da tributação autónoma, gorar-se-ão os propósitos do sistema em que a norma do 83.º-2-e CIRC se insere, pois o produto do pagamento especial por conta que deveria manter-se “estacionado” na titularidade da Fazenda Pública será afetado à extinção da dívida do sujeito passivo resultante das tributações autónomas, aligeirando assim a pretendida pressão para evitar a evasão fiscal “declarativa”. Existe efetivamente um conflito inconciliável entre a ratio do PEC – o combate à evasão ou a pressão para correção das declarações – e a afetação dos seus créditos à satisfação de outras obrigações que não sejam as que resultam do apuramento do IRC calculado sobre o resultado tributável. Em termos práticos a possibilidade de dedução do PEC às tributações autónomas implicaria que mesmo que determinada empresa estivesse eternamente em situação de prejuízo, nenhum imposto sobre o seu rendimento real teria que suportar, enquanto aplicasse o PEC à satisfação das tributações autónomas. Para mais as próprias tributações autónomas perderiam o seu caráter anti-abuso, passando a confundir-se afinal com o imposto calculado sobre o lucro tributável. Ora não são esses os objetivos do sistema de tributação do rendimento das pessoas coletivas e a melhor interpretação da norma contida no artigo 83.º-2-e CIRC não é essa decididamente aquela que permite deduzir os pagamentos especiais por conta à coleta resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma.»
Atentas estas razões, derivadas das finalidades pretendidas com a criação do pagamento especial por conta, foi considerada justificada uma interpretação restritiva dos artigos 90.º, n.º 1, e 93.º, n.º 3, do CIRC, em especial a referência neste último artigo ao montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º do CIRC.
Porque este tribunal considera correcta a análise efectuada nos processos que vem referenciando, assim como as conclusões sobre a improcedência dos Pedidos nesses processos, idênticos ao que é objecto dos presentes autos, o mesmo resultado se imporá neste processo, considerando-se igualmente que a liquidação impugnada foi efectuada de acordo com a lei.
Acresce que, ainda que se considerasse discutível a posição adoptada, sempre o Pedido soçobraria, visto a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, ter aditado um n.º 21 ao artigo 88.º do CIRC, a que atribuiu natureza interpretativa (art. 135.º da Lei n.º 7-A/2016), onde dispõe expressamente que ao montante apurado das tributações autónomas não são «efectuadas quaisquer deduções».[22]
Na sequência do que vimos decidindo, improcede também a invocada ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa.
Assim como, improcedendo o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações impugnadas e do pedido de revisão, ficam igualmente prejudicados os pedidos feitos pela Requerente de devolução de imposto pago e de respectivos juros indemnizatórios.
14. Decisão
Com a fundamentação exposta, este Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral de declaração de ilegalidade parcial da autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2011, na parte correspondente às tributações autónomas no montante de €49.521,36, assim como de declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento do respectivo pedido de revisão oficiosa.
b) Julgar igualmente improcedente o pedido de reembolso, acrescido de juros indemnizatórios, absolvendo a Requerida de todos os pedidos, e condenando a Requerente no pagamento das custas do processo.
15. Valor do Processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 49.521,36.
16. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Lisboa, 25 de Agosto de 2016
A Árbitro
Maria Manuela Roseiro
[1] Parecendo pois que teria toda a vantagem existir uma clarificação normativa.
[2] Cf. por exemplo, processos 48/2015-T, 117/2013-T, 244/2013-T.
[3] Cf. Decisões arbitrais nos processos nºs 51/2012-T, 236/2013-T, 263/2003-T. Cf. também proc. 236/2013-T, acentuando que a vinculação da AT, constante da citada Portaria, corresponde, primeiro, a uma aceitação voluntária da jurisdição dos tribunais arbitrais e, em segundo lugar, a uma delimitação estrita do âmbito de aplicação da arbitragem dos actos tributários genericamente fixada pelo art. 2.º, n.º 1, do RJAT, traduzindo-se numa renúncia à jurisdição dos Tribunais Tributários – tribunais comuns nesta matéria. Considerando que a vinculação da AT não corresponde a um verdadeiro compromisso arbitral mas a um acto administrativo genérico unilateral, emanado de dois ministérios: Finanças e Justiça, de que resulta para os sujeitos passivos o direito potestativo de recorrerem à via arbitral, conclui que a Portaria de vinculação é uma declaração de vinculação unilateral com carácter restritivo a interpretar nos seus estritos termos, porque introduz, expressamente, uma condição prévia (consistente na reclamação graciosa relativa ao ato tributário sindicado), nos termos das disposições legais especificamente indicadas para acesso à arbitragem arbitrária.
[4] Nos processos 51/2012 e 603/2014, realça-se um aspecto que merece ponderação: «na revisão a apreciação é feita pelo autor do ato, enquanto na reclamação é feita, no seu regime geral, pelo superior hierárquico – e, portanto, com acrescidas garantias por parte da Administração de que a matéria é apreciado devidamente antes de ser submetido ao Tribunal (seja Tribunal Arbitral seja Tribunal Tributário estadual). É certo que, em ambos os casos, há apreciação prévia pela Administração Fiscal, mas os cuidados que esta tem para uma análise mais “severa”, de modo a poder confirmar ou corrigir o que foi decidido, têm maior possibilidade de suceder – aliás, também para o contribuinte (se ele escolheu a revisão, sibi imputat) – na reclamação do que na revisão. Logo não é indiferente e, portanto, também nesta perspectiva, não é aceitável a equivalência para efeitos de cumprimento do pressuposto previsto nos artigos 131.º a 133.º, do CPPT e 2.º-a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.»
[5] “A determinação do lucro tributável por métodos indiciários é consequentemente circunscrita aos casos expressamente enumerados na lei, que são reduzidos ao mínimo possível, apenas se verificando quando tenha lugar em resultado de anomalias e incorrecções da contabilidade, se não for de todo possível efectuar esse cálculo com base nesta (…) enunciam-se os critérios técnicos que a administração fiscal deve, em princípio, seguir para efectuar a determinação do lucro tributável por métodos indiciários, garantindo-se ao contribuinte os adequados meios de defesa, que incluem - o que é um reconhecimento da maior importância - a própria impugnabilidade do quantitativo fixado.” (ponto 9 do preâmbulo do CIRC).
[6] No ponto 10 do preâmbulo concluía-se, relativamente às referidas relações entre contabilidade e fiscalidade: ”Afastadas uma separação absoluta ou uma identificação total, continua a privilegiar-se uma solução marcada pelo realismo e que, no essencial, consiste em fazer reportar, na origem, o lucro tributável ao resultado contabilístico ao qual se introduzem, extra contabilisticamente, as correcções - positivas ou negativas - enunciadas na lei para tomar em consideração os objectivos e condicionalismos próprios da fiscalidade”.
[7] Com a Lei n.º 30-G/2000, de 20 de Dezembro (artigos 75.º-A do CIRS e 69.º-A do CIRC) e depois com o Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho (artigos 73.º do CIRS e 81.º do CIRC).
[8] O artigo 88.º do CIRC da nova redacção incluiu a tributação de despesas não documentadas (50%/70%); encargos com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos (escalões de 10% a 35%, conforme o valor de aquisição); despesas de representação (10%); despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável (35%/55%); ajudas de custo/deslocação em viaturas próprias não facturadas a clientes (5%); lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial abrangendo os rendimentos de capitais, quando as partes sociais não permaneceram na titularidade do SP no ano anterior (23%);encargos com indemnizações por cessão de funções e com bónus e outras remunerações variáveis, quando superiores a determinados valores, a gestores administradores, gerentes (35%). E continua a prever-se um agravamento das taxas de tributação autónoma em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos diversos números do artigo 88.º, relacionados com o exercício de uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não isenta de IRC (n.º 14 do artigo 88.º do CIRC).
[9] Relatório da Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal, 30 de Abril de 1996, Ministério das Finanças, p. 684.
[10] No uso de autorização legislativa concedida pelo OE para 1997 (Lei n.º 52-C/96, de 27/12) para definição de uma tributação mínima a pagar, através de um novo tipo de pagamento por conta, pelas pessoas colectivas sujeitas a IRC e as pessoas singulares sujeitas a categorias B e C do IRS (n.ºs 1 a 7 alínea c) do n.º 1 do art. 32.º). Também em 19 de Junho de 1997, o Conselho de Ministros aprovou uma Resolução sobre as “Bases Gerais da Reforma Fiscal da transição para o Século XXI”, onde, no Ponto 14.º, n.º 2, apontava para o estudo e desenvolvimento de diversas medidas “norteadas pelos princípios conjugados do alargamento da base tributária, da simplificação, com redução de situações de excepção e progressiva diminuição da taxa de tributação” entre as quais se encontrava a “introdução de uma colecta mínima” (alínea e). E a medida foi também incluída no Acordo de Concertação Estratégica (1996/1999) assinado na Comissão Permanente de Concertação Social no Conselho Económico e Social (ponto 2.4 do capítulo VIII, referente à “Reestruturação do Sistema Fiscal”).
[11] Relatório do Grupo para o Estudo da Política Fiscal, em 2009, “Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal”, n.º 209, cf. p. 32 e ss. Nos outros casos apenas era possível a dedução à colecta, até ao quarto exercício seguinte, tonando-se pagamento definitivo depois disso (Teresa Gil, Pagamento Especial por Conta, Revista o Fisco, Março 2003, n.º107/108, pp. 11 a 23).
[12] Cf. Relatório do Grupo para o Estudo da Política Fiscal (2009) acima citado, p. 332. Ver também Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 617/2012: ”Com este tipo de tributação teve-se em vista, por um lado, incentivar os contribuintes a ela sujeitos a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afectem negativamente a receita fiscal e, por outro lado, evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, sobretudo de dividendos que, assim, apenas ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da empresa, bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionem não apenas em relação ao IRS ou IRC, mas também em relação às correspondentes contribuições, tanto das entidades patronais como dos trabalhadores, para a segurança social.”
[13] Como evidenciado na Decisão Arbitral proferida no proc. 59/2014-T, a Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 46/VIII, que deu origem à Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, comprova a amplificação consciente e pretendida das entorses previamente existentes, por se ter entendido que elas eram necessárias para compensar outras distorções resultantes de significativa fraude e evasão fiscais e, assim, aumentar a equidade da repartição da carga fiscal entre cidadãos e empresas. Fala-se de “(…) cumprimento de um pacto de justiça fiscal com os cidadãos, baseado no alargamento da base tributária, na intensificação do combate à fraude e à evasão fiscais e na diminuição do esforço fiscal dos contribuintes cumpridores, no quadro dos princípios gerais da equidade, eficiência e simplicidade que devem enquadrar o sistema tributário.
[14] “Isto é, entendeu-se que o sistema de tributação das empresas exclusivamente com base no lucro tributável gerava situações de iniquidade fiscal que se pretendeu atenuar ou eliminar efectuando um «alargamento da base tributária», através do aditamento à tributação directa, que continua a ser a essência do sistema de tributação das empresas, de situações de tributação indirecta, por via da aplicação do imposto também a certas despesas que se terá entendido serem causas dessa iniquidade, por estarem presumivelmente conexionadas com situações de «evasão e a fraude fiscais» as quais permitem «frequentemente, que aqueles que mais proventos auferem não paguem impostos ou os suportem em termos muito inferiores àquilo que lhes é exigível».” (Decisão arbitral, proc. 50/2014-T).
[15] Relatório do Grupo para o Estudo da Política Fiscal (2009), p. 327.
[16] Nessa decisão acrescentava-se: “Já o imposto resultante da tributação autónoma fundamenta-se tão só na perseguição à evasão fiscal por transferência de rendimento e tem o efeito dissuasor e compensatório.”
[17] «para efeitos deste Código: a) Relativamente às pessoas colectivas e entidades referidas na alínea a) do n.º 1 do art. 3.º, a matéria colectável obtém-se pela dedução ao lucro tributável, determinado nos termos dos artigos 17.º e seguintes, dos montantes correspondentes a: 1) prejuízos fiscais, nos termos do art. 52.º; 2) benefícios fiscais eventualmente existentes que consistam em deduções naquele lucro (…)»,
[18] Mostra, por exemplo, como o n.º 12 do art. 88.º do CIRC exclui a aplicabilidade do n.º 2 do art. 90.º do mesmo Código à liquidação da tributação autónoma quanto ao montante retido na fonte relativamente a tributações autónomas, de acordo com o n.º 11 do mesmo artigo.
[19] Na decisão arbitral proferida no proc. 673/2015-T, considerou-se que o facto das tributações autónomas terem natureza de IRC não significa que se possa aplicar a esta figura todo o bloco legal previsto no Código deste imposto. Às tributações autónomas, não obstante a sua natureza de IRC, apenas são aplicáveis, em face das apontadas especificidades, as normas que no Código do IRC a elas se destinam, e não aquelas que visam regular a tributação do conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano, abarcando matérias como a incidência, a determinação da matéria colectável, taxa, a liquidação e cobrança. Porque, continuando a ter como referência o texto da mesma decisão arbitral, enquanto na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), nas tributações autónomas tributa-se cada despesa efectuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, ou seja, a tributação autónoma é apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar directamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo e, por isso, passível de tributação. Ou seja, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo (realçando aqui a observação de Sérgio Vasques acerca de os impostos sobre o rendimento contemplarem elementos de obrigação única, como as taxas liberatórias do IRS ou as taxas de tributação autónoma do IRC, in Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2011, pág. 293, nota 470).
[20] Cf. Decisão arbitral 59/2014-T. Quanto à não dedutibilidade das tributações autónomas ao IRC disse-se designadamente: “Aliás, o facto de um dos tipos de tributações autónomas depender da existência de prejuízo fiscal, como sucede com «os encargos não dedutíveis nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 42.º suportados pelos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no exercício a que os mesmos respeitam» (n.º 9 do artigo 81.º do CIRC, na redacção do Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho) e «os encargos não dedutíveis nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 45.º suportados pelos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que os mesmos respeitam» (n.º 9 do artigo 88.º do CIRC, na redacção do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho), evidencia a falta de razão da Requerente, pois a existência ou não destas tributações autónomas pressupõe a prévia determinação do lucro tributável desse exercício, com inclusão de todos os proveitos e os encargos dedutíveis. Só depois de ser apurado se há ou não prejuízo fiscal é que se pode saber se haverá lugar à tributação autónoma prevista naqueles n.ºs 9 e por isso, o eventual montante desta não pode ser um elemento para determinar o lucro tributável, não pode ser um gasto dedutível. Aliás, a adopção da tese da Requerente de que as quantias relativas às tributações autónomas são encargos dedutíveis, até poderia conduzir, em última análise, devido ao facto de haver tributações autónomas que dependem da existência de prejuízos fiscais, à conclusão absurda da existência de situações em que o sujeito passivo viesse a ficar prejudicado pelo facto de ter mais encargos dedutíveis! (seguiu-se a apresentação de um exemplo ilustrativo).
Assim, a mesma decisão (proc. 59/2014-T), reconhecendo diferença entre as duas formas de alcançar a tributação em IRC, apesar de concluir que o legislador exprimiu insistentemente a sua intenção de tributar em sede de IRC as despesas efectuadas por pessoas colectivas através de tributação autónoma, considera: “Por outro lado, o elemento racional da interpretação corrobora essas conclusões sugeridas pelo teor literal, já que a finalidade comum visada com a imposição de tais tributações, que é desmotivar a prática de certas despesas, é mais eficazmente atingida sem uma atenuação a que se reconduziria a sua dedutibilidade para efeitos de determinação do lucro tributável.”
[21] Artigos 96.º e 97.º do CIRC, artigos 104.º e 105.º após redacção dada pela Lei n.º159/2009, de 13 de Julho.
[22] Reconhecendo o carácter interpretativo do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC e negando existência de inconstitucionalidade por violação do princípio da segurança jurídica, cf., por exemplo, decisões arbitrais proferidas nos processos 673/2015-T e 784/2015-T.