Decisão Arbitral
Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Francisco José Nicolau Domingos e Dr. Manuel Alberto Soares, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 02-03-2016, acordam no seguinte:
1. Relatório
A… – …, S.A., NIPC …, com sede na Rua … …, …-… Lisboa, doravante designada por “A…” ou “Requerente”, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (doravante RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
A Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa que apresentou das autoliquidações de IRC relativas aos exercícios de 2012 e 2013, no que respeita aos montantes de taxas de tributação autónoma em IRC de € 58.505,98 (2012) e de € 26.508,36 (2013), respectivamente, com a sua consequente anulação nestas partes por afastamento indevido das deduções à colecta.
A Requerente pede ainda o reembolso daquelas quantias, acrescido de juros indemnizatórios. Subsidiariamente, caso se entenda que o artigo 90.º do CIRC não se aplica às tributações autónomas, a Requerente pede que seja declarada a ilegalidade das liquidações das tributações autónomas (e serem consequentemente anuladas) por ausência de base legal para a sua efectivação, com o consequente reembolso dos referidos montantes e o pagamento de juros indemnizatórios.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 04-01-2016.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 16-02-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 02-03-2016.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 11-04-2016, decidiu-se dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações.
As partes apresentaram alegações.
O Tribunal é competente, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente entregou no dia 28-05-2013 a sua declaração de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2012, e em 30-05-2014 a sua declaração de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2013, tendo nesses momentos procedido à autoliquidação de tributações autónomas em IRC desses mesmos anos de 2012 e 2013, nos montantes de € 58.505,98 (2012) e de € 26.508,36 (2013) (Documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
b) No final de 2012 e no final de 2013, a Requerente dispunha de pagamentos especiais por conta por deduzir à colecta de IRC (documentos n.ºs 6 e juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
c) O sistema informático da AT, através do qual é autoliquidado o IRC, não permite que os contribuintes deduzam, para efeitos do apuramento do IRC por si devido, ao imposto resultante das tributações autónomas apuradas, os montantes de pagamentos especiais por conta;
d) A Requerente apresentou reclamação graciosa contra as referidas autoliquidações respeitantes aos exercícios de 2012 e de 2013 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
e) Em 28-09-2015, a Requerente foi notificada do despacho de 22-09-2015 proferido pela Senhora Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, que indeferiu a referida reclamação graciosa (Documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
f) A referida decisão da reclamação graciosa manifesta concordância com a informação cuja cópia consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
4 - Vem a reclamante solicitar a dedução às tributações autónomas do pagamento especial por conta, por considerar que a DSIRC admite a possibilidade de dedução tendo em consideração o seu entendimento quanto à natureza das tributações autónomas ou a título subsidiário a anulação das tributações autónomas por não terem enquadramento na norma de liquidação do IRC (art. 90.º do CIRC).
5 - É entendimento dos Serviços, que as tributações autónomas revestem a mesma natureza do IRC, dado que é a qualidade de sujeito passivo deste imposto e em consequência, as actividades desenvolvidas sujeitas ao regime legal do IRC, que são pressupostos da sujeição a tributações autónomas
As tributações autónomas tributam despesas e não rendimentos. São impostos que penalizam determinados encargos incorridos pela empresa, pelo que apuram-se de forma independente do apuramento da colecta do IRC A própria designação evidencia a autonomia que as mesmas possuem em relação ao IRC
As tributações autónomas visam combater a fraude e evasão fiscal que tais despesas ocasionam não apenas em relação ao IRC ou IRS, mas também em relação às correspondentes contribuições tanto das entidades patronais como dos trabalhadores, evitar que através destas despesas as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros sobretudo dividendos que não sejam assim tributados e incentivar os contribuintes a ela sujeitos a reduzirem tanto quanto possível as despesas, cuja indispensabilidade seja de difícil verificação e que concorrem negativamente para a formação do lucro tributável e como tal afectam negativamente a receita fiscal.
6 - A norma das tributações autónomas inserida no Código do IRC (art. 88° do ClRC) é uma imposição fiscal
7 - O pagamento especial por conta é um pagamento antecipado de imposto, um pagamento por conta do imposto que será devido a final, cuja liquidação ou autoliquidação só será concretizada no final do período de tributação a que tais pagamentos respeitam.
Estabelece o artigo 93º do CIRC que a dedução do valor pago é efectuada ao montante apurado na declaração a que se refere 120° do próprio período de tributação a que respeita ou, se insuficiente, até ao quarto período de tributação seguinte, depois de efectuadas as deduções referidas nas alíneas a) e b) do n ° 2 e com observância do n ° 7, ambos do art. 90.º
Da parte que não possa ter sido deduzida, pode o sujeito passivo solicitar o reembolso nos termos dos n.ºs 2 e 3 do mesmo normativo (art. 93º).
A alínea a) do n.° 1 do art.° 90º do CIRC estabelece que a liquidação ao IRC tem por base a matéria colectável determinada nas declarações de rendimento e a alínea c) do n.º 2 estatui sobre a dedução dos benefícios fiscais ao montante apurado na liquidação de IRC, bem como o lugar que lhe compete na ordem de dedução.
Nos n°s 1 e 2 do art.º 90° do CIRC não há qualquer referência a tributações autónomas
8 - Do exposto, parece-nos que seria contrário ao espírito do sistema, permitir que por força das deduções a que se refere o n.º 2 do art. 90° do CIRC, fosse retirado às tributações autónomas esse carácter abusivo que presidiu à sua implantação no sistema do IRC.
g) Em 23-12-2015, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, não havendo controvérsia sobre eles.
No que concerne à alínea c) dos factos provados, relativa ao sistema informático, a Autoridade Tributária e Aduaneira não questiona o que é afirmado pela Requerente nos artigos 21.º a 24.º do pedido de pronúncia arbitral, antes defende que esse é o funcionamento adequado (artigos 88.º e seguintes da resposta).
3. Matéria de direito
A Requerente defende que tem direito a deduzir os valores pagos a título de pagamento especial por conta à colecta de IRC produzida por tributações autónomas nos exercícios de 2012 e de 2013.
O sistema informático da AT, através do qual é autoliquidado o IRC, não permite que os contribuintes deduzam, para efeitos do apuramento do IRC por si devido, ao imposto resultante das tributações autónomas apuradas os montantes de pagamentos especiais por conta.
A Requerente apresentou reclamação graciosa das autoliquidações efectuadas com base nas declarações modelo 22 relativas aos anos de 2012 e de 2013, defendendo, em suma, que poderiam ser deduzidas aos montantes devidos a título de tributações autónomas as quantias pagas por referência aos pagamentos especiais por conta.
A Autoridade Tributária e Aduaneira indeferiu a reclamação graciosa.
A questão que é objecto do presente processo é, em primeira linha, a de saber se são dedutíveis às quantias devidas a título de tributações autónomas as quantias pagas por referência aos pagamentos especiais por conta.
A Requerente formula um pedido subsidiário para a hipótese de se aceitar este entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, pedindo que seja anulada a autoliquidação dos períodos de tributação de 2012 e de 2013, na parcela correspondente às tributações autónomas, pelo facto de as mesmas terem sido liquidadas e cobradas sem base legal para o efeito.
Começar-se-á por apreciar esta questão da aplicação do artigo 90.º do CIRC à liquidação de tributações autónomas, pois da sua solução depende a apreciação da questão da dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à colecta daquelas tributações autónomas.
3.1. Questão da aplicação do artigo 90.º do CIRC às tributações autónomas
Os artigos 89.º e 90.º do CIRC estabelecem o seguinte, na redacção dada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril:
Artigo 89.º
Competência para a liquidação
A liquidação do IRC é efectuada:
a) Pelo próprio sujeito passivo, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º;
b) Pela Direcção-Geral dos Impostos, nos restantes casos.
Artigo 90.º
Procedimento e forma de liquidação
1 - A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:
a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria colectável que delas conste;
b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada;
c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.
2 – Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:
a) A correspondente à dupla tributação internacional;
b) A relativa a benefícios fiscais;
c) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;
d) A relativa a retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.
3 – (Revogado pela da Lei n.º 3-B/10)
4 – Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efectuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.
5 – As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respectivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria colectável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.
6 – Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efectuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.
7 – Das deduções efectuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.
8 – Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efectuadas nos termos dos n.ºs 2 a 4.
9 – Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efectuadas anualmente liquidações com base na matéria colectável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria colectável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.
10 – A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.
Como se referiu, na decisão da reclamação graciosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que «o art. 90.º do CIRC não se aplica às tributações autónomas», «existindo uma forte incompatibilidade entre aquela figura e este artigo».
Porém, no presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira reconhece que é errada esta interpretação, ao dizer nos artigos 38.º e 39.º da sua Resposta:
38.º
Convém clarificar que a liquidação das tributações autónomas é efectuada com base nos artigos 89.º e 90.º n.º 1 do Código do IRC mas, aplicando regras diferentes para o cálculo do imposto:
(1) num caso a liquidação opera, mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria colectável apurada de acordo com as regras do capítulo III do Código e
(2) no outro caso, são apuradas diversas colectas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma.
39.º
Donde resulta que o montante apurado nos termos do alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte do colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime-regra do imposto.
Sendo assim, conclui-se que não há sequer controvérsia entre as Partes quanto à aplicação do artigo 90.º do CIRC à liquidação das tributações autónomas, limitando-se a divergência quanto à forma de proceder à liquidação, pois a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que são apuradas diversas colectas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma e as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte do colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, entendendo que ela não se verifica em relação à colecta do IRC que resulta das tributações autónomas.
De qualquer forma, os referidos artigos 89.º e 90.º do CIRC, bem como outras normas deste Código, como as relativas às declarações previstas nos artigos 120.º e 122.º, são aplicáveis às tributações autónomas.
Desde logo, é hoje pacífico, na sequência de inúmera jurisprudência arbitral e das posições assumidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC. De resto, para além da unanimidade da jurisprudência, o artigo 23.º-A, n.º 1, alínea a), do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não deixa hoje margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código.
Ora, o artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10).
Por isso, aquele artigo 90.º aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, na sequência da apresentação ou não de declarações, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação.
Assim, as diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o resultante do lucro tributável restringem-se à determinação da matéria tributável e às taxas aplicáveis, que são as previstas nos Capítulos III e IV do CIRC para o IRC que tem por base o lucro tributável e no artigo 88.º do CIRC para o IRC que tem por base a matéria tributável das tributações autónomas e as respectivas taxas.
Mas, as formas de liquidação que se prevêem no Capítulo V do mesmo Código são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC.
No entanto, a circunstância de uma autoliquidação de IRC, efectuada nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, poder conter vários cálculos parciais com base em várias taxas aplicáveis a determinadas matérias colectáveis, não implica que haja mais do que uma liquidação, como resulta dos próprios termos daquela norma ao fazer referência a «liquidação», no singular, em todos os casos em que é «feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º», tendo «por base a matéria colectável que delas conste» (seja a determinada com base nas regras dos artigos 17.º e seguintes, seja a determinada com base nas várias situações previstas no artigo 88.º).
Aliás, não são apenas as liquidações previstas no artigo 88.º que podem englobar vários cálculos de aplicação de taxas a determinadas matérias colectáveis, pois o mesmo pode suceder nas situações previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 87.º. ( [1] )
De qualquer forma, sejam quais forem os cálculos a fazer, é unitária autoliquidação que o sujeito passivo ou a Autoridade Tributária e Aduaneira devem efectuar nos termos dos artigos 89.º, alínea a), 90.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e 120.º ou 122.º, e é com base nela que é calculado o IRC global, sejam quais forem as matérias colectáveis relativas a cada um dos tipos de tributação que lhe esteja subjacente.
Aliás, como bem refere a Requerente ao formular o seu pedido subsidiário, se este artigo 90.º não fosse aplicável à liquidação das tributações autónomas previstas no CIRC, teríamos de concluir que não haveria qualquer norma que previsse a sua liquidação, o que se reconduziria a ilegalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a liquidação de impostos se faça «nos termos da lei».
Refira-se ainda a nova norma do n.º 21 aditada ao artigo 88.º do CIRC pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, independente de ser ou não verdadeiramente interpretativa, em nada altera esta conclusão, pois aí se estabelece, no que concerne à forma de liquidação das tributações autónomas, que ela «é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores».
Com efeito, se é certo que esta nova norma vem explicitar como é que se calculam os montantes das tributações autónomas (o que já decorria do próprio texto das várias disposições do artigo 88.º) e que a competência cabe ao sujeito passivo ou à Administração Tributária, nos termos do artigo 89.º, é também claro que não se afasta a necessidade de utilizar o procedimento previsto no n.º 1 do artigo 90.º, designadamente nos casos previstos na sua alínea c) em que a liquidação cabe à Administração Tributária e Aduaneira, com «base nos elementos de que a administração fiscal disponha», que parece ser inquestionável que abrangerão a possibilidade de liquidar com base em tributações autónomas, se a Autoridade Tributária e Aduaneira dispuser de elementos que comprovem os seus pressupostos.
Por isso, quer antes, quer depois da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, o artigo 90.º, n.º 1, do CIRC é aplicável à liquidação de tributações autónomas.
3.2. Questão da dedutibilidade às quantias devidas a título de tributações autónomas das quantias pagas a título de pagamentos especiais por conta
Como já ficou referido, no presente processo a Autoridade Tributária e Aduaneira reconheceu que «a liquidação das tributações autónomas é efectuada com base nos artigos 89.º e 90.º n.º 1 do Código do IRC mas, aplicando regras diferentes para o cálculo do imposto», sendo «apuradas diversas colectas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma» (artigo 38.º da Resposta).
Disse ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira, no artigo 39.º da Resposta que «o montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte da colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime-regra do imposto».
Esta posição não tem fundamento consistente, nem é indicada pela Autoridade Tributária e Aduaneira qualquer disposição legal que lhe forneça o mínimo de correspondência verbal necessário para admissibilidade de uma interpretação.
Designadamente, o artigo 105.º, n.º 1, do CIRC, ao dizer que «os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º relativamente ao período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efectuar esses pagamentos, líquido da dedução a que se refere a alínea d) do n.º 2 do mesmo artigo», reporta-se à globalidade do imposto liquidado nos termos daquele n.º 1 do artigo 90.º, que, como reconheceu a Autoridade Tributária e Aduaneira no citado artigo 38.º da sua Resposta, se aplica também à liquidação das tributações autónomas.
Por outro lado, como já se referiu, antes do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, não existia qualquer disposição legal que estabelecesse a forma de liquidação das tributações autónomas, pelo que, sob pena de inconstitucionalidade por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, derivada de falta de previsão legal de procedimento de liquidação, teria de se entender que elas eram liquidadas em conformidade com o preceituado no n.º 1 do artigo 90.º.
Assim, antes da Lei n.º 7-A/2016, as deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, que têm por alvo o «montante apurado nos termos do número anterior», aplicavam-se a esse único montante que de tal apuramento resultava, sempre que não se estivesse perante uma das situações especialmente previstas nos n.ºs 4 e seguintes do mesmo artigo, que não têm aplicação no caso dos autos.
A dedução dos pagamentos especiais por conta a todo o valor apurado nos termos daquele artigo 90.º, n.º 1, alínea a), resultava também do teor explícito do artigo 93.º, n.º 1, do CIRC, na redacção anterior à Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao estabelecer que «a dedução a que se refere a alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º é efectuada ao montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º do próprio período de tributação a que respeita ou, se insuficiente, até ao quarto período de tributação seguinte, depois de efectuadas as deduções referidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 e com observância do n.º 7, ambos do artigo 90.º». ( [2] )
O montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º inclui as quantias relativas a tributações autónomas, não havendo qualquer outra declaração específica para este efeito, nem antes nem depois da Lei n.º 7-A/2016.
Na verdade, as declarações previstas no artigo 120.º do CIRC são elaboradas num único modelo oficial aprovado por despacho do Ministro das Finanças, nos termos dos artigos 117.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do CIRC.
Assim, em face do preceituado na alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º e no n.º 1 do artigo 93.º do CIRC, até à Lei n.º 7-A/2016, nada no teor literal do CIRC obstava à dedução das quantias dos pagamentos especiais por conta à totalidade colecta de IRC que foi determinada nos termos daquele n.º 1 do artigo 90.º, inclusivamente a derivada de tributações autónomas, dentro do condicionalismo aí previsto.
Por outro lado, tendo o pagamento especial por conta a natureza de empréstimo forçado ([3]), que cria na esfera jurídica do sujeito passivo um crédito sobre a Administração Tributária, não se afigura irrazoável que ele seja tido em conta em situações em que se gera um crédito desta em relação ao contribuinte.
Ainda por outro lado, as tributações autónomas em sede de IRC, em face da crescente amplitude o legislador lhes tem vindo a atribuir, para serem compagináveis com o princípio constitucional da tributação das empresas incidindo fundamentalmente sobre o seu rendimento real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP), devem ser entendidas como formas indirectas de tributar rendimentos empresariais, através da tributação de certas despesas, como está ínsito na alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao aludir a «IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros».
De qualquer forma, como se refere no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 59/2014-T, as tributações autónomas em IRC, devem ser consideradas uma forma de tributação de rendimentos empresariais:
«A Exposição de Motivos que consta da Proposta de Lei n.º 46/VIII, que veio dar origem à Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que ampliou enormemente as situações de tributações autónomas, não deixa margem para dúvidas de que se trata de uma amplificação consciente e pretendida das entorses previamente existentes, por se ter entendido que elas eram necessárias, em suma, para compensar outras distorções resultantes de significativa fraude e evasão fiscais e, assim, aumentar a equidade da repartição da carga fiscal entre cidadãos e empresas».
(...)
«as tributações autónomas incidentes directamente sobre certas despesas, no âmbito de impostos que originariamente incidiam apenas sobre rendimentos, são consideradas entorses do sistema de tributação directa do rendimento que se visava com o IRC, mas um valor que legislativamente se considerou ser mais relevante do que a coerência teórica dos impostos, como é a implementação da justiça fiscal, impôs uma opção por essas formas de tributação, por estarem em consonância com os princípios da equidade, eficiência e simplicidade.
(...)
Mas, esta tributação indirecta não deixa de ser efectuada no âmbito do IRC, como resulta da inclusão das tributações autónomas no respectivo Código, que tem como corolário a aplicação das normas gerais próprias deste imposto, que não contendam com a sua especial forma de incidência.
Assim, se é certo que as tributações autónomas constituem uma forma diferente de fazer incidir impostos sobre as empresas, que poderia constar de regulamentação autónoma ou ser arrumada no Código do Imposto do Selo, também não deixa de ser certo que a opção legislativa por incluir tais tributações no CIRC revela uma intenção de considerar tais tributações como inseridas no IRC, o que se poderá justificar por serem uma forma indirecta, mas, na perspectiva legislativa, equitativa, simples e eficiente, de tributar rendimentos empresariais que escapam ao regime da tributação com directa incidência sobre rendimentos».
Aliás, é um facto que a imposição de qualquer despesa sem contrapartida a uma pessoa colectiva tem como corolário um potencial decréscimo do seu rendimento, pelo que a imposição de uma obrigação tributária unilateral, mesmo calculada com base em despesas realizadas, constitui uma forma de tributar indirectamente o seu rendimento. ( [4] )
O novo artigo 23.º-A do CIRC, introduzido pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao dizer que «não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros», deixa entrever que, na perspectiva legislativa, o IRC e as tributações autónomas são impostos que incidem directa ou indirectamente sobre os lucros, pois é esse entendimento que pode justificar que se inclua a expressão «quaisquer outros impostos», que pressupõe que o IRC e as tributações autónomas também são impostos destes tipos.
Por isso, sendo as tributações autónomas previstas no CIRC, em última análise, formas de tributar o rendimento empresarial, não se vê que haja necessariamente incompatibilidade entre elas e as regras gerais que prevêem a forma de efectuar o pagamento de IRC.
Por outro lado, se é certo que, à face do regime vigente antes da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro ter alterado o n.º 3 do artigo 93.º do CIRC, as quantias pagas a título de pagamento especial por conta nem sempre podiam ser deduzidas ( [5] ), também o é que esse regime foi alterado por aquela Lei, sendo o reembolso admitido sem condições que não sejam a de o sujeito passivo o pedir, no prazo previsto.
Por isso, a interpretação que decorre mais linearmente do texto dos artigos 93.º, n.º 3, e 90.º, n.º 1, do CIRC, anteriores à Lei n.º 2/2014 é a da dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à colecta de IRC derivada das tributações autónomas.
Mas também não deixa de ser certo que, em face do regime anterior de reembolso dos pagamentos especiais por conta, que revelava que o pagamento especial por conta tinha ínsita uma presunção de rendimentos não declarados, poder-se-ia aventar uma interpretação restritiva, relativamente ao pagamento especial por conta, no sentido de que não ser dedutível à colecta das tributações autónomas, como se entendeu na decisão arbitral de 30-12-2015, proferida no processo do CAAD n.º 113/2015-T, que invoca ponderáveis razões, derivadas das finalidades que se pretendeu legislativamente atingir com a criação do pagamento especial por conta, que podiam justificar uma restrição da referência que no artigo 93.º, n.º 1, do CIRC se faz ao «montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º»:
Como se viu o PEC passou a fazer parte do sistema do IRC cuja liquidação consagrada no artigo 83º foi concebida para apurar o imposto diretamente incidente sobre o rendimento declarado. Quando haja lugar a prejuízo fiscal o sujeito passivo tem ainda assim que suportar o PEC; essa foi aliás a razão da sua introdução. Se determinada empresa tiver sucessivamente prejuízos fiscais, suportará sistematicamente imposto, pois o sistema duvida da sua possibilidade de funcionamento em situação permanentemente deficitária, exigindo-lhe que satisfaça provisoriamente (por conta), determinado valor. Poderá reembolsá-lo se provar que essa situação é comum no seu setor de atividade ou se a AT verificar a regularidade das suas declarações. Este foi o equilíbrio que o CIRC exigiu para manter um sistema baseado nas declarações feitas pelos contribuintes.
Já o imposto resultante da tributação autónoma fundamenta-se tão só na perseguição à evasão fiscal por transferência de rendimento e tem o efeito dissuasor e compensatório.
Se se permitir a dedução do PEC à coleta resultante da tributação autónoma, gorar-se-ão os propósitos do sistema em que a norma do 83º-2-e CIRC se insere, pois o produto do pagamento especial por conta que deveria manter-se “estacionado” na titularidade da Fazenda Pública será afetado à extinção da dívida do sujeito passivo resultante das tributações autónomas, aligeirando assim a pretendida pressão para evitar a evasão fiscal “declarativa”. Existe efetivamente um conflito inconciliável entre a ratio do PEC – o combate à evasão ou a pressão para correção das declarações – e a afetação dos seus créditos à satisfação de outras obrigações que não sejam as que resultam do apuramento do IRC calculado sobre o resultado tributável.
O novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, sintoniza-se com este entendimento arbitral, pois vem estabelecer expressamente que ao montante apurado das tributações autónomas não são «efectuadas quaisquer deduções».
Por outro lado, o artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, ao atribuir natureza «interpretativa» àquele novo n.º 21.º do artigo 88.º, conjugado com o artigo 13.º do Código Civil (que é a única norma que define o conceito de lei interpretativa), tem ínsita uma intenção legislativa de aplicar o novo regime às situações anteriores em que não haja «efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza».
BAPTISTA MACHADO ensina sobre as leis interpretativas:
Ora a razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. Poderemos consequentemente dizer que são de sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado. Não é preciso que a lei venha consagrar uma das correntes jurisprudenciais anteriores ou uma forte corrente jurisprudencial anterior. Tanto mais que a lei interpretativa surge muitas vezes antes que tais correntes jurisprudenciais se cheguem a formar. Mas, se é este o caso, e se entretanto se formou uma corrente jurisprudencial uniforme que tornou praticamente certo o sentido da norma antiga, então a lei nova que venha consagrar uma interpretação diferente da mesma norma já não pode ser considerada realmente interpretativa (embora o seja porventura por determinação do legislador), mas inovadora.
Para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a lei nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora.
Em face desta posição, cuja fundamentação é ponderável, à face da legislação vigente em 2012 e em 2013, pode aceitar-se a atribuição de natureza interpretativa ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC que se faz no artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, à luz dos ensinamentos de BAPTISTA MACHADO, pois a solução nele prevista de inviabilidade de dedução do pagamento especial por conta ao montante global das tributações autónomas passa o teste enunciado por este Autor:
– a solução que resultava do teor literal do artigo 93.º, n.º 1, do CIRC era controvertida, como evidencia aquela decisão arbitral e a solução definida pela nova lei situa-se dentro dos quadros da controvérsia;
– o julgador ou o intérprete poderiam chegar a essa solução sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei, já que a interpretação restritiva é admissível quando há razões para concluir que o alcance do texto legal atraiçoa o pensamento legislativo ou é necessário optimizar a harmonização de interesses conflituantes que duas normas visam tutelar.
Por outro lado, ao contrário do que sucede com os benefícios fiscais que dependem da realização de investimentos, não há, no que concerne a dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta, preocupação de protecção de confiança, pois, os pagamentos especiais estão conexionados com o volume de negócios, não dependendo de qualquer específico comportamento que o sujeito passivo fosse levado a adoptar por lhe ser criada a expectativa de obter como contrapartida uma vantagem fiscal.
Para além disso, não se vê que o regime que resulta do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC encerre qualquer contradição: segundo esta nova norma, as normas do CIRC relativas à forma de liquidação de tributações autónomas devem ser interpretadas como aí se prevê e relativamente a essa parte da liquidação de IRC não são efectuadas deduções.
Aliás, foi precisamente com este sentido que foi elaborado o modelo 22 de declaração de IRC e foi aplicando o regime agora explícito no n.º 21 do artigo 88.º que a Requerente preencheu as declarações que se referem nos autos, sem qualquer contradição perceptível.
Mas, sendo assim, como defende a Requerente, o obstáculo à aplicação do regime que resulta deste n.º 21 do artigo 88.º será apenas a sua eventual inconstitucionalidade, designadamente à face da regra da proibição de impostos com natureza retroactiva que consta do n.º 3 do artigo 103.º da CRP, que estabelece que «ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei».
O Tribunal Constitucional tem adoptado uma interpretação restritiva do alcance desta proibição de impostos que tenham natureza retroactiva, entendendo que o «legislador da revisão constitucional de 1997, que introduziu a actual redacção do artigo 103.º, n.º 3, apenas pretendeu consagrar a proibição da retroactividade autêntica, ou própria, da lei fiscal, abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu âmbito aplicativo as situações de retrospectividade ou de retroactividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente» (acórdãos n.º 18/2011, de 12-01-2011, que segue jurisprudência adoptada no acórdão n.º 399/2010).
As normas que prevêem os pagamentos especiais por conta não eram, em princípio, normas de incidência de IRC, mas sim sobre a sua liquidação e pagamento, pelo que, nessa medida, não estarão abrangidas pela proibição constitucional de retroactividade. Mas, antes da redacção dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao n.º 3 do artigo 93.º ( [6] ), na inviabilidade de dedução dos pagamentos especiais por conta no período a que se reportam e nos períodos subsequentes, aquelas normas podiam acabar por criar uma situação de incidência de IRC, autónoma em relação a qualquer outro facto tributário, se não viesse a ser permitido o reembolso nos termos do n.º 3 do artigo 93.º do CIRC, que dependia do preenchimento de condições.
No entanto, com a redacção dada ao referido n.º 3 do artigo 93.º pela Lei n.º 2/2014, deixaram de ser exigidas essas condições para o reembolso, pelo que os pagamentos especiais por conta apenas implicam, por si mesmos, o pagamento definitivo de imposto quando o sujeito passivo não diligenciar no sentido de obter o reembolso, no prazo previsto.
E, mesmo nesta hipótese, estar-se-á perante um facto tributário complexo de formação sucessiva, que é constituído pelo volume de negócios no ano a que se reportam os pagamentos especiais por conta conjugado com a inviabilidade de dedução nos períodos previstos na lei e o não reembolso nos termos previstos no artigo 93.º, n.º 3, do CIRC.
À face deste regime, a situação jurídica criada com os pagamentos especiais por conta efectuados nos anos de 2012 e de 2013 ainda não está estabilizada, o que, desde logo, afasta a violação da proibição de retroactividade das leis fiscais, na visão do Tribunal Constitucional, pois o facto tributário que a lei nova pretende regular não se verificou integralmente nem produziu todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga: «um caso em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga e um outro caso em que o facto tributário tenha ocorrido ao abrigo da lei antiga, mas os seus efeitos, designadamente os relativos à liquidação e pagamento, ainda não estejam totalmente esgotados não terão necessariamente o mesmo desvalor constitucional, uma vez que a primeira situação é do ponto de vista da eventual afectação da situação jurídica do contribuinte mais grave que a segunda» (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 399/10, de 27-10-2010).
Assim, terá de se concluir que a interpretação autêntica que se faz no artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, na parte em que se reconduz à não dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta nas tributações autónomas, não ofende o princípio da não retroactividade na criação de impostos, entendido como reportando-se apenas à retroactividade autêntica, reportada a factos tributários que se completaram e produziram todos os seus efeitos no passado.
Porém, aquela regra da irretroactividade das normas que criem impostos não esgota as preocupações constitucionais de segurança jurídica, impostas pelo princípio do Estado de direito democrático, como ensina CASALTA NABAIS:
«O princípio da segurança jurídica, ínsito na ideia do Estado de direito democrático, está longe, porém, de ter sido totalmente absorvido por esse novo preceito constitucional. É certo que ele deixou de servir de balança na ponderação dos bens jurídicos em presença quando estamos perante um imposto afectado de retroactividade verdadeira ou própria. Quando tal acontecer, a solução está agora ditada, urbi et orbi, na Constituição, não podendo o órgãos seus aplicadores, sem violação dela, proceder a uma ponderação casuística.
Mas o princípio em causa tem inequivocamente um lastro bem maior. É que ele também serve de critério de ponderação em situações de retroactividade imprópria, inautêntica ou falsa, bem como em situações em que, não se verificando qualquer retroactividade, própria ou imprópria, há que tutelar a confiança dos contribuintes depositada na actuação dos órgãos do Estado». ( [7] )
No entanto, no específico caso dos pagamentos especiais por conta, não pode concluir-se que não se esteja perante uma lei verdadeiramente interpretativa, pois não havia uma jurisprudência consolidada no sentido da sua dedutibilidade à colecta resultante das tributações autónomas e, pelo contrário, a solução perfilhada no n.º 21 do artigo 88.º, já anteriormente podia ser adoptada pelos tribunais, como foi pelo Tribunal Arbitral que proferiu a decisão no processo do CAAD n.º 113/2015-T.
Assim, não pode concluir-se que a interpretação autêntica que se faz naquele artigo 88.º, n.º 21, por força do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, seja violadora do princípio constitucional da segurança jurídica, no que concerne à parte daquela norma que se reporta à indedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à colecta das tributações autónomas.
Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral.
4. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios
A Requerente pede o reembolso das quantias pagas, acrescidas de juros indemnizatórios à taxa legal, contados, até integral reembolso.
O reembolso das quantias e o direito a juros indemnizatórios dependem da procedência do pedido de declaração de ilegalidade das autoliquidações.
Por isso, improcedendo este pedido, improcedem necessariamente os de reembolso e juros indemnizatórios.
5. Decisão
Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:
– julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
– absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 85.014,34.
7. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Lisboa, 04-05-2016
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Francisco José Nicolau Domingos)
(Manuel Alberto Soares)
[1] O n.º 6 do artigo 87.º do CIRC foi revogado pela Lei n.º 55/2013, de 8 de Agosto, o que não tem relevância para este efeito de demonstrar que fora do âmbito das tributações autónomas havia e há cálculos parciais de IRC com base em taxas especiais aplicáveis a determinadas matérias colectáveis.
[2] Com a Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, a dedução das quantias pagas a título de pagamento especial por conta podem ser deduzidas até ao 6.º período de tributação seguinte.
[3] Neste sentido, pode ver-se CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 541, acompanhado pelo Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos de 18-2-2009, processo n.º 0926/08, e de 13-5-2009, processo n.º 0927/08.
No mesmo sentido, FREITAS PEREIRA, Fiscalidade, 3.ª edição, página 45.
[4] Não se pode esquecer, neste contexto da identificação da natureza de um tributo, que, levando a análise ao limite, como ensinava o saudoso Prof. Doutor SALDANHA SANCHES, «o destinatário do imposto é sempre a pessoa singular - a tributação da sociedade comercial é instrumental e a sua tributação é sempre um pagamento por conta do imposto que mais tarde vai ser suportado pelo titular do capital da sociedade».
[5] À face do n.º 3 do artigo 93.º do CIRC, na redacção resultante da republicação operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, se não houvesse colecta de IRC suficiente para deduzir os pagamentos especiais por conta até ao quarto período de tributação subsequente, o reembolso apenas poderia ocorrer se se verificassem as condições previstas nesse n.º 3 do artigo 93.º do CIRC (não haver afastamento, em relação ao período de tributação a que diz respeito o pagamento especial por conta a reembolsar, em mais de 10 %, para menos, da média dos rácios de rentabilidade das empresas do sector de actividade em que se inserem, a publicar em portaria do Ministro das Finanças e a situação que deu origem ao reembolso seja considerada justificada por acção de inspecção feita a pedido do sujeito passivo formulado nos 90 dias seguintes ao termo do prazo de apresentação da declaração periódica relativa ao mesmo período de tributação).
[6] A anterior redacção é a do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, que renumerou e republicou o CIRC e em que o artigo 93.º corresponde ao anterior artigo 87.º.
[7] Direito Fiscal, 7.ª edição, página 151.