Decisão Arbitral
Os árbitros Juiz Conselheira Fernanda Maças (árbitro presidente), Dr. João Gonçalves da Silva e Dr. André Festas da Silva (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 06 de Novembro de 2015, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
I.1
1. Em 28 de Setembro de 2015 a contribuinte A… S.A., com sede na…, n.º…, …, Piso…, …-… …, requereu, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do colectivo de três árbitros pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto na al. a), n.º 2 do artigo 6.º do referido diploma.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 06 de Novembro de 2015.
3. A Requerente não procedeu à nomeação dos árbitros, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 3, alínea a) e artigo 6.º, n.º2, al. a) do RJAT, os signatários foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral Colectivo, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.
4. A AT apresentou a sua resposta em 09 de Março de 2016.
5. Por despacho de 16.03.2016 a Requerente foi convidada para responder, num prazo de dez dias, às excepções invocadas pela Requerida.
6. No dia 28 de Março de 2016 a Requerente requereu a prorrogação do prazo por mais dez dias para responder às excepções, o qual foi deferido por despacho datado de 04.04.2016.
7. Por despacho de 27.04.2016, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foi decidido que, caso as partes não prescindissem das alegações, o processo prosseguisse com alegações finais escritas. Finalmente, foi designado o dia 1 de Agosto de 2016 como data limite para a prolação da decisão final.
8. As partes produziram alegações reiterando os argumentos esgrimidos nos articulados anteriores.
9. Pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa e, bem assim, a ilegalidade parcial da autoliquidação de IRC, relativa ao exercício de 2012, corrigindo o resultado fiscal individual da Requerente, para um prejuízo fiscal de €2.527.766,78, alterando, consequentemente, o resultado fiscal agregado de €11.742.853,62 ou, subsidiariamente, corrigindo o resultado fiscal individual da Requerente, para um prejuízo fiscal de €2.384.072,31, alterando, consequentemente, o resultado fiscal agregado de €11.599.159,15.
I.A. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:
1. Com a entrada em vigor da Lei n.° 32-B/2002, de 30 de dezembro, foi introduzido, no ordenamento jurídico-fiscal português, um benefício fiscal destinado às SGPS e às Sociedades de Capital de Risco ("SCR").
2. Incluído no EBF - originalmente no artigo 31.° e posteriormente no artigo 32.° - este regime (entretanto revogado pela Lei n.° 2/2014, de 16 de janeiro) previa a não concorrência, para a formação do lucro tributável, do montante apurado a título de mais e menos-valias realizadas pelas SGPS com alienação de partes de capital, desde que as mesmas fossem "detidas por período não inferior a um ano", entre outros requisitos.
3. Paralelamente, o aludido regime estatuía, do mesmo modo, a não concorrência dos encargos (gastos) financeiros para a formação do lucro tributável, desde que os mesmos fossem suportados pelas referidas sociedades (i.e., SGPS), na sequência de empréstimos contraídos com vista à aquisição de partes de capital.
4. Todavia, este regime mostrava ser de uma operacionalização bastante complexa, já que muitas vezes não era possível apurar que parte dos encargos (gastos) financeiros anualmente suportados pelas SGPS corresponderia à aquisição de partes de capital (nomeadamente, porque os financiamentos contraídos, por regra, tinham mais do que uma aplicação).
5. Neste sentido, e em resultado das incertezas demonstradas pelos contribuintes quanto à aplicabilidade prática do aludido regime (devido às suas especificidades), a AT emitiu a Circular n.° 7/2004, de 30 de março, com o propósito de auxiliar no apuramento do ajustamento a realizar.
6. Note-se, a este respeito, que a ora Requerente procedeu ao acréscimo da totalidade dos encargos (gastos) financeiros suportados.
7. As orientações administrativas, nomeadamente as circulares, vinculam apenas a AT, na medida em que são ordens genéricas de serviço, criadas para racionalizar e simplificar a funcionamento dos serviços tributários.
8. O artigo 32.° do EBF, única norma onde se encontrava plasmado o referido regime, não previa, nem formal nem materialmente, qualquer mecanismo ou formula que permitisse afectar os encargos (gastos) financeiros incorridos com financiamentos contraídos com vista à aquisição de partes de capital às últimas (não possibilitando, assim, que se apurasse quais os encargos fiscalmente aceites e quais os encargos que não concorreriam para a formação do lucro tributável das SGPS), tendo em atenção as múltiplas utilizações do dinheiro recebido na sequência dos empréstimos contraídos.
9. A abordagem vertida na circular da AT baseava-se num método de cálculo proporcional, indireto e presuntivo, que, na opinião da Requerente, distorcia de forma gravosa o enquadramento tributário da contribuinte, ultrapassando, de forma substancial, o âmbito do artigo 32.º do EBF.
10. A lei não estabelece critérios de afetação de recursos financeiros à aquisição de participações sociais e não pode a administração tributária, por via administrativa criar normas de incidência (através do chamado «direito circulatório»), sob pena de se estar perante uma inconstitucionalidade material, uma vez que tais normas devem emanar de Lei (da Assembleia da República) ou Decreto-Lei (do Governo) devidamente autorizado.
11. Não obstante o regime consagrado no artigo 32.°, n.° 2 do EBF não instituir qualquer critério que permitisse distinguir entre encargos financeiros alocados (ou não) à aquisição de partes de capital, entende a ora Requerente que a AT só poderia, no âmbito daquelas que são as suas competências, mover-se no sentido de desenvolver um método que respeitasse a afectação directa e real, porque só esse seria compatível com o princípio da legalidade constitucionalmente consagrado.
12. Para a Requerente, de acordo com o entendimento vertido na Circular n.° 7/2004, de 30 de março, os aludidos encargos deveriam ser acrescidos no exercício em que se materializavam, não obstante a aplicabilidade do regime fiscal daquelas sociedades, estatuído no artigo 32.°, n.° 2 do EBF ser apenas validado a posteriori (i.e., no momento em que se realizava a alienação das respetivas participações sociais).
13. A ora Requerente não pode, de todo, aceitar que o acréscimo dos encargos financeiros previamente mencionados (desde que devidamente apurados e suportados), ocorra antes da transmissão onerosa das partes de capital a que os mesmos respeitam (uma vez que, de acordo com aquela instrução administrativa, era esse a momento em que se deveria aferir a aplicação, ou não, do regime aplicável às SGPS).
14. Nestes moldes, resulta claro, para a Requerente, que o legislador terá pretendido balizar este tratamento fiscal diferenciado num único exercício, desconsiderando simultaneamente, do apuramento do lucro tributável das SGPS, a mais-valia (ou menos-valia) eventualmente realizada com a transmissão onerosa de participações sociais e, bem assim, os encargos (gastos) financeiros suportados com os financiamentos contraídos com vista à aquisição das mesmas.
15. A existir uma eventual correcção ao lucro tributável de uma SGPS, este somente poderia ocorrer no momento em que se realizasse a eventual transmissão onerosa das participações sociais a que aqueles encargos diriam respeito, uma vez que apenas, dessa forma, seria materialmente possível garantir que o objectivo almejado com a introdução do referido benefício (incremento da competitividade das sociedades holding) não era comprometido.
16. Não havendo na Lei, nos termos previamente referidos, uma disposição legal que permitisse a operacionalização do regime fiscal aplicável às SGPS, e, bem assim, estando o método de imputação indireta, constante da Circular n.º 7/2004, de 30 de março, ferido de ilegalidade, a única forma de garantir a aplicabilidade do regime em crise, assentava na tentativa de realizar aquela afetação de forma direta (i.e., demonstrando, de forma explicita, a correspondência entre financiamentos contraídos e partes de capital adquiridas).
17. No âmbito das suas atividades enquanto holding do Grupo B…, a ora Requerente contraiu, ao longo dos anos, financiamentos em larga escala.
18. Isto porque, para além de ser a plataforma preferencial para alavancar o crescimento do Grupo, e, nesse contexto, ter adquirido diversas participações sociais estratégicas, a ora Requerente tinha também outras responsabilidades no âmbito das suas competências, nomeadamente o financiamento das suas subsidiárias.
19. Neste sentido, e não podendo, de outra forma (i.e., através de um método de imputação direta), fazer aquela correspondência, a ora Requerente considera que, por respeito ao princípio da legalidade tributária, os encargos (gastos) financeiros por si acrescidos no passado que deveriam ser parcialmente aceites enquanto gasto, deverão, alternativamente, ser fiscalmente aceites, na sua totalidade, no âmbito do apuramento do lucro tributável (por respeito ao exercício de 2012).
20. Neste sentido, deduzindo a totalidade dos encargos (gastos) financeiros, no montante de Euro 2.139.162,12 (dois milhões, cento e trinta e nove mil, cento e sessenta e dois euros e doze cêntimos), a Requerente apuraria, por respeito ao exercício de 2012, um prejuízo fiscal individual de Euro 2.527.766,78 (dois milhões, quinhentos e vinte e sete mil, setecentos e sessenta e seis euros e setenta e oito cêntimos).
21. Da mesma forma, a soma algébrica dos resultados fiscais do Grupo B…, por respeito ao exercício de 2012, seria corrigida para um prejuízo fiscal agregado de Euro 11.742.853,62 (onze milhões, setecentos e quarenta e dois mil, oitocentos e cinquenta e três euros e sessenta e dois cêntimos), nos termos ilustrados na tabela infra.
I.B Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:
1. O pedido que constitui o pedido principal do pedido de pronúncia arbitral é oposto e contrário ao pedido deduzido na reclamação graciosa (e subsidiariamente nos presentes autos arbitrais);
2. A solicitação da «aplicação do método de cálculo da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março» (e suas consequências no caso concreto) é o oposto da solicitação «da declaração de ilegalidade daquela Circular».
3. O pedido que consubstancia o pedido principal nos presentes autos não foi deduzido, por via de reclamação graciosa, perante a Requerida para que esta sobre ele se pronunciasse e, em conformidade, corrigisse o hipotético erro na autoliquidação
4. Dispõe-se no artigo 2.º, alínea a) da Portaria 112-A/2011 que a vinculação da AT à jurisdição referida tem por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, «com excepção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».
5. A incompetência material do Tribunal para a apreciação do pedido vertido na alínea a) do petitório consubstancia uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT
6. Mais alega a Requerida que o pedido novo formulado na al. a) do petitório foi formulado de forma intempestiva.
7. O artigo 10.º do RJAT estabelece, quanto a actos de liquidação/autoliquidação, que o prazo para apresentar o pedido de pronúncia arbitral é de 90 (noventa) dias, remetendo, quanto ao momento do início de contagem, para aquilo que se mostra preceituado no artigo 102.º, nºs 1 e 2 do CPPT.
8. A data limite de pagamento coincidiria, no máximo, com o dia 31 de maio de 2013.
9. O pedido tendente à constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 2015-10-28.
10. Porquanto, deve o pedido de correcção do resultado fiscal vertido da alínea a) do petitório (pedido principal dos autos) ser declarado improcedente, por intempestivo e, consequentemente, ser a Requerida absolvida da instância – cf. alínea e), do n.º 1, do artigo 278.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
11. A Requerida prossegue alegando que os pedidos formulados pela Requerente extravasam a competência do tribunal (art. 2.º, n.º 1 do RJAT).
12. A incompetência material do Tribunal para a apreciação dos pedidos identificado consubstancia uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
13. Não obstante as excepções deduzidas, a Requerida alega também que a argumentação desenvolvida pela Requerente para sustentar as suas pretensões ancora-se, no essencial, na tese da inaplicabilidade do disposto no n.º 2 do art.º 32.º do EBF, na parte relativa à indedutibilidade dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, quando não seja possível proceder à sua afetação específica, e no entendimento de que a Circular n.º 7/2004, de 30 março, ao preconizar a adopção de um método indireto, não respeita o princípio da legalidade.
14. No entender da Requerida tal pedido é manifestamente ilegal à luz do disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF vigente à data do exercício.
15. Não basta à Requerente meramente alegar que não logrou proceder à afetação direta entre os financiamentos obtidos e as partes de capital adquiridas, para afastar a aplicação do n.º 2 do artigo 32.º do EBF (e, incidentalmente, da Circular n.º 7/2004, de 30 de março);
16. Essa interpretação é legalmente inadmissível, porquanto uma eventual ilegalidade das disposições da Circular n.º 7/2004 nunca poderia constituir fundamento para a violação expressa e assumida do regime do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, traduzida no não acréscimo ao resultado líquido do exercício dos encargos financeiros imputáveis a partes de capital.
17. Sublinha a Requerida que a referência aos “encargos financeiros suportados com a sua [partes de capital] aquisição” contida na redação do n.º 2 do art.º 32.º do EBF, não fornece qualquer indicação explícita de que a norma apenas pretendia atingir os encargos financeiros suportados com a obtenção de financiamento diretamente aplicado na aquisição de partes de capital, pelo que aplicando o brocardo latino ubi lex non distinguir, nec nos distinguere debemus (“onde a lei não distingue, ao intérprete não é dado fazê-lo”), não subsiste qualquer fundamento válido e sólido que apoie a tese de que só são visados os encargos financeiros relativamente aos quais seja possível estabelecer uma afetação direta e específica com a aquisição das partes de capital.
18. Assim, para refutar a validade da aplicação de um método indireto, não é fundamento bastante alegar, em termos abstratos, que conduz a uma repartição presuntiva e proporcional dos gastos financeiros, desconforme com o princípio da legalidade, exigiria, antes, que se demonstrasse a inadequação dos indicadores e da fórmula utilizada para refletir a realidade dos factos em presença, em matéria de afetação de recursos financeiros (de fonte alheia e própria) por classes de ativos e, sobretudo, que a fórmula aplicada não garante a salvaguarda da neutralidade dos proveitos e custos associado às mais-valias excluídas de tributação, ou seja, a ratio legis do n.º 2 do art.º 32.º do EBF.
19. Sempre será de atender ao disposto no artigo 74.º n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT), no que concerne à repartição do ónus da prova entre a Administração Fiscal e o contribuinte, aí se prevendo que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».
20. O que significa que sempre teria a Requerente de demonstrar a validade os concretos valores invocados e peticionados e a impossibilidade da imputação direta dos encargos suportados às partes de capital adquiridas.
21. Para a Requerida é manifesto que a Circular n.º 7/2004, de 30 de março não alterou nem desvirtuou a estatuição legal do n.º 2 do artigo 32.º do EBF.
22. Limitando-se a promover a uniformização da interpretação e da aplicação da norma tributária em causa – artigo 68.º-A da LGT.
23. A dissociação temporal entre a não dedução (imediata) dos encargos financeiros e isenção (futura) de tributação de mais-valias realizadas não implica a violação do princípio da capacidade contributiva (artigo 103.º, n.º 2 da Constituição), enquanto expressão do princípio da igualdade no plano tributário nem daí decorre tratamento discriminatório das SGPS, no confronto com outros contribuintes de IRC detentores de participações de capital, nem ainda é afrontado quer o princípio da tributação do lucro real quer o princípio da proporcionalidade.
24. No caso sub judice a iniciativa da correcção foi do contribuinte, a quem caberia demonstrar o qual o método de afetação que adotou na determinação dos encargos financeiros objeto da correcção e os erros em que eventualmente incorreu.
25. A Requerente não demonstrou a correcção dos valores peticionados, tal como lhe competia por determinação do art. 74.º da LGT.
26. A interpretação do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, como propugnada pela Requerente, não só é manifestamente ilegal, como inconstitucional por privilegiar as SGPS que atuam como holdings mistas.
27. Essa interpretação assegura às holdings mistas assim um “duplo” benefício traduzido na exclusão de tributação das mais-valias relativas às partes de capital e na dedução integral dos encargos financeiros suportados com a sua aquisição, o que configuraria uma discriminação negativa das holdings puras, violadora do princípio da igualdade tributária e do princípio da capacidade contributiva, ínsitos nos artigos 13.º e 103.º e 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
28. Uma eventual ilegalidade das disposições da Circular n.º 7/2004 nunca poderia constituir fundamento para a violação expressa e assumida do regime do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, traduzida no não acréscimo ao resultado líquido do exercício dos encargos financeiros imputáveis a partes de capital, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, ínsito no artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
I.C A Requerente respondeu às excepções da seguinte forma:
1. O pedido formulado na al. a) do petitório pela Requerente não consubstancia qualquer excepção.
2. O pedido resulta das decisões judiciais e arbitrais previamente proferidas.
3. Embora o pedido não tenha sido formulado antes, a Requerida tinha a obrigação legal (art. 58.º da LGT) de realizar todas as diligências necessárias com vista à descoberta da verde material, não estando subordinada à iniciativa da autora, até porque a Requerente havia apresentado uma reclamação graciosa.
4. O pedido estava ínsito na reclamação graciosa e foi peticionado no pedido de pronúncia arbitral.
5. A reclamação graciosa é caracterizada pela dispensa de formalidades essenciais ou pela sua simplicidade (art. 69.º do CPPT).
6. A interpretação e aplicação das normas processuais deve favorecer o acesso ao tribunal ou evitar as situações de denegação de justiça, designadamente por excesso de formalismo, devendo por isso a excepção ser julgada improcedente.
7. A procedência da excepção constitui uma violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva (art. 268.º, n.º 4 da CRP).
8. O meio processual de impugnação (pedido de pronúncia arbitral) é tempestivo, atendendo a que o objecto imediato do presente processo é a (ficção) da decisão de indeferimento (tácito) da reclamação graciosa apresentada por erro na autoliquidação apresentado (acto de segundo grau), constituindo o acto de autoliquidação de IRC de 2012 o seu objecto mediato (actos de primeiro grau).
9. O que está em causa no presente processo arbitral é a apreciação da (i)legalidade do acto tributário de autoliquidação de IRC de 2012, a qual, consequentemente, originará a correcção do resultado fiscal da Requerente.
10. Por força dos princípios do pro actione e do in dubio pro favoritate instanciae, bem como do princípio da tutela jurisdicional efectiva (artigo 268.º, n.º4 da CRP), o tribunal arbitral terá de ser considerado competente.
II. SANEAMENTO
1.1.É invocada a excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral, que cumpre apreciar previamente.
Alega a Requerida que o pedido formulado no pedido de pronúncia arbitral é oposto e contrário ao pedido deduzido na reclamação graciosa previamente apresentada. De acordo com a Requerida, na reclamação graciosa a Requerente solicitou a aplicação da Circular n.º 7/2004 de 30.03 e agora no pedido de pronúncia arbitral solicita a declaração de ilegalidade da referida circular. Advoga a Requerida que, uma vez que estamos perante uma autoliquidação a reclamação graciosa prévia é obrigatória. Sendo os pedidos distintos, a AT não teve a possibilidade de se pronunciar previamente sobre o novo pedido.
A Requerida conclui que não tendo o pedido sido objecto de prévia reclamação o Tribunal Arbitral está impedido de apreciá-lo (art. 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT e art. 2.º, al. a) da Portaria n.º 112-A/2011).
Quid Juris?
A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida, em primeira linha, pelo artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, que estabelece o seguinte:
“1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;”
Em segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é limitada pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1 do RJAT, veio a ser definida pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, que estabelece no art. 2.º o seguinte, no que aqui interessa: “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
(…)”
No caso em apreço o acto sindicado é a autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2012. É manifesto e aceite por todos que a contribuinte apresentou uma reclamação graciosa contra esta autoliquidação. Sucede que, nesta fase arbitral apresenta fundamentos distintos.
O objeto do pedido de pronúncia arbitral é o acto de autoliquidação e não o acto que decidiu a reclamação graciosa. O que está verdadeiramente em causa é a legalidade, ou não, da autoliquidação. Neste sentido, cfr. os Acórdãos do STA de 28.10.2009, proc. n.º 595/09 e de 18/05/2011, proc. n.º 156/11).
Assim, quanto ao objeto da causa não se nos afigura existir qualquer óbice à invocação de fundamentos distintos dos invocados previamente em sede administrativa.
Os arts. 99.º e 131.º do CPPT não impõe qualquer limitação aos fundamentos da impugnação. O legislador não impôs expressamente qualquer limitação quanto aos fundamentos a invocar em sede de impugnação judicial. Antes pelo contrário, é manifesto que o art. 99.º do CPPT admite que seja invocada qualquer ilegalidade.
Mais, de acordo com o art. 70.º, n.º 1 do CPPT a reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial (art. 99.º do CPPT). A norma citada não impõe qualquer limitação à invocação em sede judicial dos fundamentos invocados previamente em sede de reclamação graciosa. Porquanto, nos termos do art. 9.º, n.º 3 do CC devemos entender que o legislador consagrou a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Assim, não existe qualquer limitação legal aos fundamentos a invocar em sede judicial.
O art. 268.º, n.º 4, da CRP garante a tutela jurisdicional de qualquer acto lesivo. A limitação da sindicabilidade dos actos, sem qualquer restrição legal expressa, afigura-se-nos incompatível com esta previsão constitucional. Impor tal limitação em última análise pode levar a uma interpretação de que a fase judicial é apenas uma continuação da fase administrativa. Esta conclusão é incompatível com o princípio constitucional da separação da função administrativa da função jurisdicional (art. 111.º, art. 202.º e art. 266.º todos da C.R.P.).
Importa ainda realçar que são regras fundamentais da reclamação graciosa a simplicidade, a dispensa de formalidades essenciais e a desnecessidade de constituição de advogado (art. 69.º, al. a) e b) do CPPT). Tendo presente estas características, admitir o efeito preclusivo quanto à invocação em sede judicial de fundamentos não invocados em sede de reclamação graciosa constituiria uma limitação inadmissível do acesso ao direito (art. 20.º, n.º 1 da CRP) e aos tribunais e seria contrário as regras da reclamação graciosa.
Nas palavras de PEDRO GONÇALVES “(…) a impugnação administrativa prévia ao recurso contencioso não implica qualquer limitação à invocação de fundamentos (causa de pedir) neste recurso, pelo que o recorrente pode alegar vícios não alegados em sede administrativa e pode deixar de alegar vícios que invocou como causa de pedir naquela sede” (cfr. Relações entre as impugnações administrativas necessárias e o recurso contencioso de anulação de actos administrativos, Almedina, 1996, pág. 84).
Acresce que é indubitável que a contribuinte previamente apresentou uma reclamação graciosa. Os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade (art. 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT) impõem que a Requerida corrija a autoliquidação que eventualmente conduza a uma arrecadação de uma quantia que face à lei não seja devida (Neste sentido, cfr. DIOGO LEITE CAMPOS /BENJAMIM RSILVA RODRIGUES/JORDE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária, Anotada, 4.ª Ed., 2012, pág. 711). No mesmo sentido, cfr. os Acórdãos do STA proferidos em 11.05.005, proc. 319/05, em 12.09/2015, proc. n.º 476/12, em 04.05.2016, proc. n.º 407/15 e o Acórdão do TCAS proferido em 21/05/2015, proc. n.º 7787/14). A AT tem o dever de revogar actos ilegais, com limitações de índole temporal correspondentes ao prazo de revisão do art. 78.º da LGT (Neste sentido, cfr. o Acórdão do STA de 12.07.2006, proc. n.º 402/06).
Assim, contrariamente ao alegado pela Recorrida, ela teve a oportunidade de corrigir uma eventual ilegalidade. Contudo, a Recorrida nada fez, mantendo-se o acto.
Por conseguinte, por exigência dos princípios citados, padecendo o acto tributário de algum vício que tenha sido invocado em sede judicial, deve o mesmo ser apreciado. Constitui jurisprudência firmada pelo STA (proc. n.º 156/11 de 18.05.2011 e proc. n.º 793/15 de 03.06.2015, sendo este do Pleno da Secção do CT) que na impugnação judicial subsequente à decisão da AT que decida uma reclamação graciosa ou um pedido de revisão do acto tributário os órgãos jurisdicionais devem conhecer todas as ilegalidades, mesmo que elas não tenham sido suscitadas na fase administrativa.
Face ao exposto improcede a excepção invocada, julgando-se o tribunal arbitral materialmente competente (art. 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT e art. 2.º, al. a) da Portaria n.º 112-A/2011 de 22.03).
1.2.É também invocada uma excepção de intempestividade do pedido formulado na al. a) do pedido de pronúncia arbitral.
Alega a Requerida que o pedido formulado na al. a) do pedido de pronúncia arbitral não foi formulado aquando da apresentação da reclamação graciosa. Assim entende a Requerida que se trata de um pedido novo, devendo por isso ser apresentado num prazo de 90 dias após a data limite de pagamento voluntário da liquidação (31.05.2013). Tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado em 28.10.2015 conclui a Requerida que foi formulado fora de prazo.
Quid Juris?
Nos termos do art. 10.º, n.º 1, al. a) do RJAT:
1 - O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado:
a) No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico;
No caso sub judice a contribuinte apresentou a declaração de IRC respeitante ao exercício de 2012 no dia 27.05.2013. No dia 30.03.2015 apresentou uma reclamação graciosa (art. 131.º, n.º1, do CPPT). A reclamação graciosa foi indeferida tacitamente no dia 30.07.2015. (art. 57.º, n.º 1 e n.º 5 da LGT). A contribuinte apresentou o pedido de pronúncia arbitral no dia 28.10.2015.
A alegação de intempestividade é o resultado lógico da alegação da incompetência material que atrás foi apreciada e indeferida.
A resposta à excepção da intempestividade tem ínsitos os mesmos argumentos apresentados na apreciação da excepção de incompetência material.
Tanto na reclamação graciosa como no pedido de pronúncia arbitral a Requerente solicitou a “correcção” da autoliquidação. O pedido de correcção é feito em ambos, não sendo um pedido novo. O acto em apreciação é o mesmo. O que está em apreciação agora, tal como previamente em sede de reclamação graciosa, é a autoliquidação.
Contudo, os vícios indicados são diferentes. Em cumprimento do princípio do dispositivo cabe à Requerente indicar a causa de pedir, ou seja, indicar os vícios de que padece o acto (art. 5.º, n.º 1 do CPC ex vi art. 2.º, al. e) do CPPT e art. 108.º, n.º 1 do CPPT) (Neste sentido Cfr. Ac. do STA de 13.03.1996, proc. n.º 010519). A Requerente deve alegar toda a factualidade imprescindível à afirmação da existência do direito invocado, cabendo-lhe também indicar os motivos e as razões de que se serve para sustentar causa de pedir.
A Requerente alega agora, contra o mesmo acto, vícios distintos dos invocados na reclamação graciosa. Contudo, tal como se referiu atrás, não há qualquer limitação legal, nomeadamente nos art. 99.º e 131.º do CPPT, quanto aos fundamentos que podem ser invocados em sede administrativa e depois em sede judicial.
Concluímos que o pedido de correcção da autoliquidação agora apresentado em sede arbitral foi apresentado previamente, aquando da reclamação graciosa, com fundamentos diferentes.
Mesmo estando em causa matéria exclusivamente de direito, que não obriga à utilização da reclamação graciosa prévia (art. 131.º, n.º 3 do CPPT), o contribuinte pode, querendo, reclamar graciosamente no prazo previsto no art. 131.º, n.º 1 do CPPT. Foi precisamente o que a contribuinte fez no caso em apreço. Dentro prazo de dois anos previsto no art. 131.º, n.º 1 do CPPT a contribuinte reclamou graciosamente. Perante o indeferimento tácito ao abrigo do art.102.º, n.º 1, al. d) do CPPT e art. 10.º, n.º 1, al. a) do RJAT, dentro do prazo de noventa dias, a contribuinte apresentou o seu pedido de pronúncia arbitral. Assim, o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado atempadamente.
Neste sentido, ficou consignado, no Acórdão do STA, de 22-05-2013, proc. n.º 0187/13: "Mesmo nos casos em que a lei não obriga à interposição da reclamação graciosa prevista no art. 131.º do CPPT para viabilizar o acesso à via
contenciosa – e que são os casos em que esta foi efectuada em conformidade
com orientações genéricas emitidas pela administração tributária ou a
impugnação se restringe a matéria de direito – o interessado não fica
impedido de a apresentar, isto é, não fica sujeito, caso queira reclamar do
acto, a apresentar a reclamação no prazo geral previsto no art. 70.º do
CPPT (120 dias), podendo deduzi-la nos termos e prazo previstos no n.º 1 do
art. 131.º do CPPT (2 anos)." No mesmo sentido, cfr. Acórdão do TCAS de 11.10.2011, proc. n.º 04513/11, e JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado, Áreas Editora, II Volume, pág. 408.
Destarte, o pedido de pronúncia arbitral foi formulado tempestivamente (art.102.º, n.º 1, al. d) do CPPT e art. 10.º, n.º 1, al. a) do RJAT), julgando-se a excepção de intempestividade improcedente.
1.3.Por fim, é invocada a excepção de incompetência material do tribunal arbitral para a condenação da Requerida à prática de actos de correcção de resultados fiscais.
Alega a Requerida que o tribunal arbitral, nos termos do art. 2.º, n.º 1 do RJAT não tem competência para apreciar os pedidos formulados no pedido de pronúncia arbitral. Conclui a Requerida que esta excepção dilatória deve conduzir à absolvição da instância.
Quid Juris?
O direito à tutela jurisdicional efectiva é um direito fundamental, que deve levar-nos a afastar interpretações meramente ritualistas e formais (art. 20.º, n.º 1 da CRP). A reforma da justiça administrativa condenou expressamente o excesso de formalismo (art. 7.º do CPTA). As normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas.
Igual filosofia é seguida pelo CPC “ (…) que visa, sempre que possível, a prevalência do fundo sobre a forma, bem como a sanação das irregularidades processuais e dos obstáculos ao normal prosseguimento da instância, tendo em vista o máximo aproveitamento dos actos processuais” In Ac. do TRC de 24.02.2015, proc. n.º 1530/12.7 TBPBL.C1
Impõe-se em primeiro lugar analisar o formulário preenchido pela Requerente ao dar entrada do seu pedido de constituição do tribunal arbitral. Este é um requerimento eletrónico disponível no sítio do CAAD. A informatização deste pedido permite-nos identificar sem margem para dúvidas os elementos exigidos no art. 10.º, n.º 2 do RJAT. Um dos elementos é a identificação do acto objeto do pedido e outro elemento é a identificação do pedido de pronúncia arbitral. Nestes, o campo de identificação do acto objeto do pedido e o campo de identificação do pedido de pronúncia arbitral da Requerente foram preenchidos respectivamente com a identificação da autoliquidação de IRC e da declaração de ilegalidade de acto de autoliquidação.
No pedido de constituição do tribunal arbitral não há qualquer dúvida que a Requerente indica como sendo o seu pedido a declaração de ilegalidade da autoliquidação de IRC. Não obstante, o pedido de constituição do tribunal não se confunde com o pedido de pronúncia arbitral, devendo este ser remetido em anexo em documento autónomo ao pedido de constituição do tribunal arbitral (art. 10.º, n.º 2, al. c) do RJAT).
No pedido de pronúncia é efetivamente pedida a correcção do resultado fiscal individual da Requerente. A correcção do resultado fiscal individual da Requerente pressupõe que autoliquidação inerente seja corrigida. É verdade que na praxis corrente, no petitório, costuma-se identificar a autoliquidação que se pretende anular e referir em consequência os actos que deverão ser anulados ou alterados em virtude da anulação da autoliquidação, bem como as demais consequências.
Tendo em conta o articulado apresentado afigura-se-nos de excessivo formalismo concluir que a Requerente no caso em apreço não pede a anulação da autoliquidação. Ao longo de toda a p.i. e no pedido a Requerente indica expressamente a relação material tributária consubstanciada implicitamente na autoliquidação. Veja-se a título de exemplo os arts. 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 32º, 34º a 38º e 45º do pedido de pronúncia arbitral.
Atendendo ao princípio da tutela jurisdicional efetiva (art. 20.º, n.º 1 da CRP) na interpretação das peças processuais deveremos atender à figura do pedido implícito.
A este propósito pode ler-se no Acórdão do STA, proc. n.º 01508/14 de 16.12.2015:
“II - Na interpretação das peças processuais devem observar-se os critérios impostos pelos princípios do moderno processo e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, pelo que o tribunal deve extrair da redacção dada ao pedido na petição inicial o sentido mais favorável aos interesses do peticionante, estabelecendo, ainda que com recurso à figura do pedido implícito, qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica”. No mesmo sentido, cfr. os acórdãos do STA, proc. n.º 01265/13 de 07.01.0216 e proc. n.º 022186 de 27.05.1998.
O pedido de pronúncia arbitral contém um pedido implícito no sentido de anulação da autoliquidação uma vez que questiona a sua legalidade, sendo de interpretar o pedido de correcção do resultado fiscal individual da Requerente como decorrência expectável da anulação da autoliquidação. Em sentido semelhante, mutatis mutandis, cfr. o Acórdão do STA de 26.09.2012, proc. n.º 0678/12
Tal como refere o Juiz Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA: “ (…), sendo o fim essencial do processo de impugnação judicial a eliminação jurídica de um acto em matéria tributária, desde que o impugnante o identifique e indique os vicios que entende que o afectam, poderá entender-se que há um pedido implícito de anulação ou declaração de nulidade ou inexistência daquele acto (cfr. ob. cit., p. 208).
Aliás a própria Requerida reconhece nos arts. 40.º e 82.º da sua resposta que o que está em causa é a apreciação do pedido tendente à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação concretizada na correcção do resultado fiscal.
Nestes termos, este tribunal arbitral entende que o pedido da Requerente consiste na anulação parcial da autoliquidação, na parte relativa ao seu resultado fiscal individual. Pelo que, ao abrigo do art. 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT o tribunal arbitral considera-se materialmente competente julgando improcedente a excepção de incompetência material.
2.Face ao exposto, em conclusão, o Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
3.As partes têm personalidade e capacidade judiciárias.
4.As partes são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
5.O processo é o próprio.
6.Inexistem outras questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.
Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.
III. THEMA DECIDENDUM
A questão central a decidir nos presentes autos gira em torno do sentido e alcance do artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, mais propriamente no que concerne a determinar:
a) Qual o momento em que os encargos financeiros devem ser considerados;
b) Qual a metodologia de determinação do quantum de encargos a considerar
IV. – MATÉRIA DE FACTO
IV.1. Factos provados
Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental, o processo administrativo tributário junto e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:
1. No dia 27.05.2013 a Requerente submeteu, a sua declaração Modelo 22 de IRC respeitante ao exercício de 2012.
2. No dia 29.05.2013 a Requerente submeteu, na qualidade de sociedade dominante, a declaração Modelo 22 de IRC respeitante ao exercício de 2012 do grupo de sociedades.
3. A requerente é a sociedade dominante do Grupo B… composto pelas seguintes sociedades:
4. O Grupo é tributado nos termos do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades.
5. A declaração de IRC, respeitante ao consolidado fiscal, apresentava um prejuízo fiscal agregado no montante de €9.603.691,50, determinando um montante a pagar de €452.638,73.
6. Na declaração de IRC individual da contribuinte, referente a 2012, efetuou-se um acréscimo de encargos financeiros no montante de €2.139.162,12, através da inscrição de tal montante no campo 779, do quadro 07, do Modelo 22.
7. A Requerente apresentou prejuízos fiscais no montante de €388.604,66.
8. Os encargos financeiros suportados pela requerente no exercício de 2012 ascenderam a €2.139.162,12.
9. Parte dos encargos financeiros suportados pela Requerente estão relacionados com a aquisição de partes de capital social.
10. No dia 30.03.2015 a requerente apresentou uma reclamação graciosa contra a autoliquidação individual de IRC, submetida em 27.03.213.
11. A requerida não proferiu qualquer decisão sobre a reclamação graciosa apresentada.
12. A requerente apresentou o seu pedido de pronúncia arbitral junto do CAAD no dia 28.09.2015.
IV.2. Factos dados como não provados
Não existem factos dados como não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.
IV.3. Motivação da matéria de facto
Os factos que constam dos números 1 a 13 são dados como assentes pela análise do processo administrativo, pelos documentos juntos pela Requerente (docs. 1 e 3 a 6 do pedido de constituição do Tribunal Arbitral) e pela posição assumida pelas partes.
V. Aplicação do direito aos factos
Matéria de direito
A questão central a decidir nos presentes autos gira em torno do sentido e alcance do artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, mais propriamente no que concerne a determinar:
a) Qual o momento em que os encargos financeiros devem ser considerados;
b) Qual a metodologia de determinação do quantum de encargos a considerar.
Momento em que os encargos financeiros devem ser desconsiderados
A Requerente alega que é indiscutível “que o entendimento vertido no ponto 6 da Circular é um claro exemplo da ilegalidade da mesma, pois, no seu entendimento, a existir uma eventual correcção ao lucro tributável de uma SGPS (…), esta somente poderia ocorrer no momento em que se realizasse a eventual transmissão onerosa das participações sociais a que aqueles encargos diriam respeito, uma vez que apenas, dessa forma, seria materialmente possível garantir que o objectivo almejado com a introdução do referido benefício (incremento da competitividade das sociedades holdings) não era comprometido”.
A redacção do n.º 2 do artigo 32.º do EBF era a seguinte:
“ 2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.”
Relativamente ao momento de consideração/desconsideração dos encargos financeiro, a Circular n.º 7/2004 prevê no seu número seis que:
“6. Relativamente ao exercício em que deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, os encargos financeiros, dever-se-á proceder, no exercício a que os mesmos disserem respeito, à correção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam suscetíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do art.º 31.º do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias. Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores.”
Para uma tomada de decisão sobre esta matéria, esclarecemos, desde já, que não consideramos que haja um direito “circulatório”, ou seja, não atribuímos às circulares da AT força de lei, admitindo apenas que o seu efeito vinculativo se limita aos funcionários da AT. Será escusado, sequer, referir as doutas opiniões da generalidade dos fiscalistas sobre esta matéria e a extensa jurisprudência sobre esta matéria. Queremos com isto dizer que só deverão ser aceites disposições de uma circular da AT que não contrariem a lei fiscal – no caso vertente, o n.º 2 do então art.º 32.º do EBF associado ao próprio Código do IRC na sua versão aplicável ao caso em análise (2012).
Os principais argumentos de cada uma das partes são os seguintes: a Requerente considera que a desconsideração dos encargos financeiros deveria ficar suspensa até à eventual realização de uma mais-valia com uma participação financeira que não relevasse para efeitos de determinação da matéria coletável de IRC relativo ao ano da efetivação da mais-valia para haver um matching temporal entre “ganho não fiscal/ custo não fiscal”; a Requerida considera que se devia seguir nessa matéria a disposição veiculada pelo n.º 6 da Circular n.º 7/2004, recorrendo também como justificação para esse facto o regime do acréscimo (ou periodização económica).
Para nos pronunciarmos sobre este ponto, começaremos por atender à finalidade do regime especial das mais-valias da venda de participações financeiras por SGPS que vigorava na época. Parece-nos nítido que o regime visava beneficiar esse tipo de sociedades para a maioria dos seus rendimento/ganhos. Não nos esqueçamos que às SGPS estão vedadas uma série de operações (cf. Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, com todas as alterações subsequentes), sendo os seus principais rendimentos/ganhos precisamente os derivados da alienação de partes sociais, às quais se aplicava este regime fiscal mais favorável. Assim sendo, o normal seria a desconsideração das mais-valias, por um lado, e dos encargos financeiros, pelo outro.
Para além disso, o artigo 17.º do CIRC estabelece uma relação de dependência, ainda que parcial, entre o resultado fiscal e o resultado apurado pela contabilidade. O referido preceito tem o seguinte conteúdo:
“Artigo 17.º
Determinação do lucro tributável
1 — O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.
2 — Para efeitos do disposto no número anterior, os excedentes líquidos das cooperativas consideram-se como resultado líquido do período.
3 — De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve:
a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código;
b) Reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes.”
Por seu turno, o n.º 1, do artigo 18.º, do mesmo Código, sob a epígrafe “Periodização do lucro tributável” determina a aplicação do regime da periodização económica no processo de apuramento dos resultados tributáveis, dizendo que “Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.”
Ora, não definindo o CIRC em que consiste tal princípio, ele tem de se importar das normas contabilísticas, estabelecendo, neste plano, a Estrutura Conceptual do SNC, no respetivo § 22 que: “Regime de acréscimo (periodização económica) (parágrafo 22):
22 — A fim de satisfazerem os seus objectivos, as demonstrações financeiras são preparadas de acordo com o regime contabilístico do acréscimo (ou da periodização económica). Através deste regime, os efeitos das transacções e de outros acontecimentos são reconhecidos quando eles ocorram (e não quando caixa ou equivalentes de caixa sejam recebidos ou pagos) sendo registados contabilisticamente e relatados nas demonstrações financeiras dos períodos com os quais se relacionem.”
Deve, ainda, acrescentar-se, que a Norma contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) 10 “Custos de empréstimos obtidos”, dispõe no seu § 1 que (negrito nosso):
“1 — O objectivo desta Norma Contabilística e de Relato Financeiro é o de prescrever o tratamento dos custos de empréstimos obtidos. Esta Norma exige que, de uma forma geral, eles sejam imediatamente considerados como gastos do período, excepto quanto aos custos de empréstimos obtidos que sejam directamente atribuíveis à aquisição, construção ou produção de um activo que se qualifica, caso em que é permitida a sua capitalização.”
Aqui chegados, resulta claro que o regime geral do reconhecimento contabilístico dos encargos financeiros é o de serem considerados gastos ou perdas do período a que respeitam. E, conjugando ao artigos 17.º, 18.º e 23.º do CIRC - este último na parte em que se dispõe: “1 — Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente (…) c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;(…)” deles resultará que, por via de regra, o regime fiscal de tais encargos segue o princípio de imputação temporal segundo o qual serão dedutíveis no momento em que forem reconhecidos como gastos ou perdas contabilísticos.
Este princípio geral de imputação dos encargos financeiros aos exercícios a que respeitam somente poderá ser afastado, caso haja normas fiscais que, em situações concretas, disponham em sentido diverso.
Assim sendo, esta é a questão essencial que importa analisar, com vista a averiguar se a tese da Requerente encontra arrimo em disposições do SNC/CIRC.
Vejamos.
Como atrás se mencionou, a NCRF 10- Custo de empréstimos obtidos estabelece que “de uma forma geral, eles sejam imediatamente considerados como gastos do período, excepto quanto aos custos de empréstimos obtidos que sejam directamente atribuíveis à aquisição, construção ou produção de um activo que se qualifica, caso em que é permitida a sua capitalização.”
Ora, um activo que se qualifica, pode ter, num plano contabilístico, um regime diverso de imputação de encargos financeiros. A resposta para a definição de um activo que se qualifica encontra-se nos §§ 4 e 6 que a seguir se transcrevem:
4 — Os termos que se seguem são usados nesta Norma com os significados especificados:
-Activo que se qualifica: é um activo que leva necessariamente um período substancial de tempo para ficar pronto para o seu uso pretendido ou para venda.
-Custos de empréstimos obtidos: são os custos de juros e outros incorridos por uma entidade relativos aos pedidos de empréstimos de fundos
6 — Exemplos de activos que se qualificam são os inventários que exijam um período substancial de tempo para os pôr numa condição vendável, instalações industriais, instalações de geração de energia e propriedades de investimento. Outros investimentos e inventários que sejam de forma rotineira fabricados ou de qualquer forma produzidos em grandes quantidades numa base repetitiva durante um curto período de tempo não são activos que se qualificam. Os activos que estejam prontos para o seu uso pretendido ou venda quando adquiridos também não são activos que se qualificam.”
O CIRC acolhe expressamente, em certos casos, este regime especial de imputação temporal de encargos financeiros.
Vejamos o artigo 26.º (negrito nosso), cujo conteúdo é o seguinte:
“Artigo 26.º
Inventários
1 — Para efeitos da determinação do lucro tributável, os rendimentos e gastos dos inventários são os que resultam da aplicação de métodos que utilizem:
a) Custos de aquisição ou de produção;
b) Custos padrões apurados de acordo com técnicas contabilísticas adequadas;
c) Preços de venda deduzidos da margem normal de lucro;
d) Preços de venda dos produtos colhidos de activos biológicos no momento da colheita, deduzidos dos custos estimados no ponto de venda, excluindo os de transporte e outros necessários para colocar os produtos no mercado;
e) Valorimetrias especiais para os inventários tidos por básicos ou normais.
2 — No caso de os inventários requererem um período superior a um ano para atingirem a sua condição de uso ou venda, incluem-se no custo de aquisição ou de produção os custos de empréstimos obtidos que lhes sejam directamente atribuíveis de acordo com a normalização contabilística especificamente aplicável.”
Como se observa, ao legislador fiscal não são estranhos regimes de imputação específicos de encargos financeiros. O SNC consagra-os e o CIRC, em certas situações, acolhe-os.
Uma aplicação fiscal de regras contabilísticas especiais relativas à imputação dos chamados “gastos de juros” também se pode verificar no artigo 39.º do CIRC. Aí, permite-se que os designados “gastos de juros” resultantes do reconhecimento de uma provisão pelo seu valor atual ou descontado sejam, em períodos posteriores a esse desconto, considerados gasto fiscais.
Veja-se o artigo 39.º do CIRC (negrito do tribunal), com o seguinte conteúdo:
Artigo 39.º
Provisões fiscalmente dedutíveis
1 — Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes provisões:
a) As que se destinem a fazer face a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso por factos que determinariam a inclusão daqueles entre os gastos do período de tributação;
b) As que se destinem a fazer face a encargos com garantias a clientes previstas em contratos de venda e de prestação de serviços;
c) As provisões técnicas constituídas obrigatoriamente, por força de normas emanadas pelo Instituto de Seguros de Portugal, de carácter genérico e abstracto, pelas empresas de seguros sujeitas à sua supervisão e pelas sucursais em Portugal de empresas seguradoras com sede em outro Estado membro da União Europeia;
d) As constituídas com o objetivo de fazer face aos encargos com a reparação dos danos de caráter ambiental dos locais afetos à exploração, sempre que tal seja obrigatório nos termos da legislação aplicável e após a cessação desta. (Redação da Lei n.º 82-D/2014, de 31/12)
(…)
3 — Quando a provisão for reconhecida pelo valor presente, os gastos resultantes do respectivo desconto ficam igualmente sujeitos a este regime.”
Em suma, verifica-se que o CIRC não é estranho a regimes especiais de imputação de gastos financeiros. Mas estando estes, por definição, fora do regime regra, esses regimes especiais ou particulares têm de estar expressamente previstos. A nosso ver, a Requerente só teria razão caso nas normas fiscais (maxime no artigo 32.º do EBF ou em outra norma com ele relacionada) se determinasse um regime de imputação fiscal dos encargos financeiros diferente do que vigora como regra geral.
Nesse sentido aponta igualmente o artigo 11.º da LGT e do artigo 9.º do Código Civil. O artigo 11.º da LGT dispõe, no seu n.º 1, que “Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.” Por sua vez, o artigo 9.º do Código Civil, dispõe que: “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”, e que “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (cfr. n.ºs 2 e 3 respectivamente).
Em particular, o artigo 9.º do Código Civil, nos números 2 e 3, afasta a interpretação da Requerente, uma vez que a tese por si sufragada não tem na lei qualquer suporte legal. Além do mais, existindo no CIRC regras particulares de imputação de encargos financeiros, tal constitui razão suplementar para que, quanto a este ponto, se negue razão à Requerente.
Por fim, sublinha-se que o princípio de balanceamento entre custos e proveitos fiscais, no que redundaria afinal a tese da Requerente, foi claramente afastado pela doutrina e pela jurisprudência. Neste sentido, ficou consignado, no Processo 0779/12, pelo Supremo Tribunal Administrativo, o seguinte:
“I - No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.
II - Assim, um custo será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos).
III - Sendo o contribuinte uma sociedade que se dedica à construção de edifícios, não pode a AT desconsiderar os custos respeitantes à aquisição de dois prédios com fundamento na falta de demonstração da indispensabilidade, ainda que este negócio se venha a revelar economicamente não rentável em virtude da sua venda por um preço seis vezes inferior àquele por que foram adquiridos ter gerado um prejuízo.”
Na verdade, a jurisprudência vem reiterando, desta forma, que a questão da indispensabilidade que, até 2014, constou do artigo 23.º do CIRC, não implica qualquer nexo de causalidade obrigatório entre gastos e rendimentos. Basta que o gasto se subsuma na atividade ou escopo social do contribuinte e seja incorrido com um propósito de obtenção de rendimento ou de manter a fonte produtora, cumprindo-se, assim, o requisito da dita indispensabilidade.
Em tal contexto, seria absurdo exigir que os gastos das empresas tivessem de estar relacionados com negócios que se revelassem rentáveis. O risco económico faz-se sentir com particular intensidade. Assim, os gastos previamente incorridos não têm, em muitos casos, a esperada contribuição para a lucratividade das entidades que os suportaram. Tal constitui uma inevitabilidade económica, um fator de risco externo, que é incontrolável pela gestão das organizações empresariais.
O STA, no acórdão atrás mencionado, também dilucida a questão do momento a que se deve reportar o juízo sobre a adequação dos gastos.
Partindo do que se disse acerca do risco empresarial, é claro que o momento deve ser aquele em que se decide suportar esses gastos. A informação que serve de base às decisões que induzem gastos empresariais só poderá ser a que está disponível momento em que aquelas se tomam. O que acontece depois está, em grande medida, fora do controlo do decisor, e não pode ser considerado como elemento para aferir da justeza, razoabilidade ou acerto de decisão.
Ora, se na relação entre gastos e rendimentos se deve afastar o nexo de causalidade e de balanceamento temporal, também no caso concreto de que se ocupa este tribunal seria manifestamente inconsistente vir impor esse balanceamento ou equivalência entre gastos e rendimentos. A lei fiscal em lado algum o impõe, e a doutrina e a jurisprudência são consensuais no seu afastamento.
Em conclusão, atento o que vai exposto, não assiste nesta sede razão à Requerente.
No mesmo sentido pronunciou-se o Tribunal Arbitral constituído no âmbito dos Processos n.º 269/2015-T e 679/2015-T.
Metodologia de determinação do quantum dos encargos a considerar
Também sobre esta questão, a lei fiscal aplicável ao caso em análise é o n.º 2 do artigo 32.º do EBF na redação aplicável à data da ocorrência da situação em litígio (2012).
Como consta da argumentação de cada uma das partes, também foi referida a Circular n.º 7/2004, só que desta vez o seu número sete, que transcrevemos:
“7. Quanto ao método a utilizar para efeitos de afetação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afetação direta ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efetuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afetando-se o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição.”
A Requerente não aceita essa metodologia pelos argumentos também já enunciados, de forma sintética, anteriormente.
Vamos construir alguns exemplos para tentar aplicar o que o legislador fiscal visou ao elaborar n.º 2 do art.º 32.º do EBF e que consiste, essencialmente, em desconsiderar os encargos financeiros relacionados financiamentos obtidos para a aquisição de partes de capital por SGPS que venham a beneficiar do regime fiscal favorável que consiste na não tributação das mais-valias aquando da sua venda. Parece-nos legítimo inferir daí que, se não houver encargos relacionados com a aquisição dessas partes de capital, nada haverá a desconsiderar, por inexistente. É o que ditará o mais elementar bom senso – neste caso, ao nível fiscal.
Suponhamos que a SGPS se constitui no final do ano N, com entradas dos acionistas de € 500 mil que foram utilizadas para a aquisição de €500 mil de participações financeiras em sociedades. Em N+1, não adquiriu quaisquer outras participações sociais mas contraiu, no dia 1 de janeiro de N+1, um empréstimo bancário à taxa de juro anual de 5% para financiamento integral de um imóvel para a sua sede, que veio a adquirir no início do ano por €500 mil. Os encargos financeiros suportados com esse empréstimo em N+1 serão de € 25 mil. Questão: qual deve ser, neste ano, o montante dos encargos financeiros a desconsiderar por respeitarem à aquisição de partes de capital noutras sociedades? Não temos qualquer dúvida que o legislador do art.º 32.º do EBF não hesitaria em responder que não deveria ser desconsiderado qualquer valor a esse título pois a aquisição dessas partes de capital tinha sido integralmente realizada com capitais próprios no ano anterior. E, se em vez dos acionistas terem entrado com os € 500 mil em dinheiro, tivessem realizado o capital social em espécie, precisamente através dessas participações financeiras? Quer-nos parecer que a resposta seria a mesma: como não houve qualquer passivo remunerado associado à aquisição dessas partes de capital, também não lhes podem ser imputados quaisquer encargos financeiros.
E qual teria sido a posição da AT se tivesse seguido o disposto no n.º 7 da Circular n.º 7/2004 sendo que, no final de N+1, os únicos ativos da S.G.P.S. fossem as participações financeiras adquiridas no ano anterior por € 500 mil e o imóvel que custou € 500 mil no início de N+1? Para simplificar este exemplo, mas sem lhe retirar coerência, vamos admitir que outros ativos no final de N+1 igualariam o valor das depreciações de N+1 (e, consequentemente, das depreciações acumuladas desse ano). Ora como não existiriam, no final de N+1, empréstimos remunerados às participadas e/ou outros investimentos geradores de juros, 50% dos juros suportados (€ 12,5 mil) seriam desconsiderados nesse ano como custos fiscais.
Para além disso, o mecanismo previsto no ponto 7 da Circular pode originar a imputação às partes sociais de financiamentos de montante superior ao próprio valor de aquisição das partes social em causa. Este resultado está bem patente no exemplo apresentado no ponto 8 da Circular em que o montante dos passivos remunerados imputáveis às partes de capital ascendem a € 26.666,70, não obstante o custo de aquisição das partes de capital ascender apenas a € 20.000,00.
A questão que se coloca é a de saber como é possível à luz dos princípios constitucionais que uma instrução administrativa oriunda do Ministério das Finanças sobreleve de forma tão evidente uma disposição legal (n.º 2 do art.º 32.º do EBF), seja na sua letra, seja no seu espírito. A resposta parece-nos óbvia: não é possível. Tudo em que a Circular n.º 7/2004 contrarie o alcance do referido artigo do EBF não poderá ser aceite como uma “fatalidade”, seja por parte dos contribuintes, seja por parte da própria AT.
Poder-se-á argumentar que os exemplos dados no ponto anterior são muito simples e que a realidade das SGPS é bem mais complexa, o que conduz à “… extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afetação direta ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria…” e que a AT teve que adotar um método indireto que, numa primeira fase do processo de cálculo, compensa os passivos remunerados com empréstimos remunerados concedidos a empresas participadas e/ou outros ativos geradores de juros. Estamos de acordo quanto ao primeiro ponto (o de que a realidade das SGPS é bastante complexa); já quanto à metodologia preconizada pela AT, de modo algum consideramos que seja de admitir a sua adoção “cega” pois é evidente que falha estrondosamente nalguns casos. Aliás, o que inviabiliza a sua eventual aplicação mais generalizada é a expressão “…deverá essa imputação ser efetuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte…”. Se a circular referisse “…poderá…” e acrescentasse algo como “… ou a qualquer outro critério devidamente fundamentado…” e “…desde que seja totalmente inviável fazer uma imputação direta desses encargos financeiros às participações da S.G.P.S. …” não teríamos qualquer problema em aceitar tais disposições pois não feririam o artigo 32.º do EBF.
Com base noutro exemplo, já com um grau maior de complexidade, até podemos sugerir formas de resolução deste problema que reputamos mais adequadas.
Suponhamos que uma sociedade que até ao final de N-1 não era uma S.G.P.S. e cujo ativo era, no final desse ano, de €100 milhões, sendo o passivo remunerado de € 20 milhões, repartindo-se o restante financiamento do ativo por capitais próprios e por passivos não remunerados. No início de N, transformou-se em SGPS, sendo no final deste ano o ativo de €150 milhões, dos quais €30 milhões correspondiam ao valor de aquisição de participações financeiras. No final do ano, o passivo remunerado era de € 40 milhões, sendo a taxa de juro anual de 5% (tendo esse passivo sido contraído logo no dia 1 de janeiro de N). Adotando uma lógica incremental, não nos chocaria como critério de imputação dos encargos financeiros a desconsiderar o acréscimo de dívida remunerada na proporção imputável às participações financeiras (30/50 x 20) multiplicada pela taxa de juro anual. Contas feitas, daria € 0,6 milhões a desconsiderar e €1,4 milhões seriam aceites como gastos fiscais. Caso se aplicasse o método da Circular n.º 7/2004, os encargos financeiros desconsiderados seriam de 30/150 x 2 = € 0,4 milhões.
E se no final do ano N+1 o ativo passasse a €210 milhões, dos quais €30 milhões correspondiam ao valor de aquisição das mesmas participações financeiras, não tendo havido quaisquer novas aquisições desse tipo, e o passivo remunerado aumentasse para € 80 milhões, sendo a taxa de juro anual novamente de 5% (e tendo esse novo passivo sido contraído logo no dia 1 de janeiro de N+1), os juros correspondentes ao acréscimo da dívida remunerada deveriam ser totalmente aceites pois, nitidamente, não eram imputáveis a novas partes de capital. Assim sendo, haveria que desconsiderar os mesmos € 0,6 milhões do ano passado e seriam fiscalmente dedutíveis € 3,4 (5% x €40 milhões, que corresponderiam ao acréscimo de endividamento anual em N+1). Ora se seguíssemos o critério preconizado pela Circular n.º 7/2004, os encargos financeiros desconsiderados seriam de 30/210 x 4 = € 0,57 milhões.
Defendemos, pois, que no caso de não ser possível enveredar por uma afetação direta, um método baseado em ativos e passivos remunerados incrementais seria mais adequado do que o constante da Circular n.º 7/2004. Entenda-se, no entanto, estes exemplos como fonte de reflexão para aferir da adequação generalizada do critério proposto pela AT na referida Circular. E a conclusão é de que não são adequados, sobretudo para situações em que seja evidente que a aquisição das participações sociais foi feita através de capitais próprios.
Este entendimento é corroborado por jurisprudência do TCAN (Processo 00946/09.0BEPRT, 15 de Janeiro de 2015), cujo teor se passa a transcrever por a situação ser transponível para o caso em apreciação:
“Como determina o art. 74º/1 da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Esta é a redação vigente do n.º 1 que também era a redação inicial. O preceito foi alterado pela Lei n.º 55-B/2004 de 30/12 para o seguinte teor: O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, exceto nas situações de não sujeição, em que recai sempre sobre os contribuintes. Porém, a Lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto repôs a redação inicial, que se manteve até ao presente.
Sabendo-se que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, o que é que isso significa? Em que é que essa regra se traduz em termos práticos? Muito simplesmente, como tem sido pacificamente entendido, significa que na «falta de regras especiais, ou seja, salvo presunção legalmente consagrada, é assim, à administração fiscal que cabe demonstrar os pressupostos de facto da sua atuação, designadamente a existência dos factos tributários em que assenta a liquidação do tributo que não tenham sido declarados pelo contribuinte» (António Lima Guerreiro, "LGT Anotada", Rei dos Livros, 2001, pp. 329).
Ou, dito de outro modo, cabe à Administração Tributária o dever de demonstrar os pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável), impendendo, por seu turno, sobre os administrados apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados esses pressupostos. (ac. do TCAN n.º 00624/05.0BEPRT de 12-01-2012, Relator: Catarina Almeida e Sousa)
Esta norma embora integre o conjunto de regras atinentes ao procedimento também se aplica ao processo judicial, não sendo aliás, o seu conteúdo distinto do critério geral da repartição do ónus da prova previsto no art. 342º do Código Civil.
De modo que pretendendo a ATA desconsiderar os custos contabilizados pela recorrida com fundamento na violação do art.º 31º/2 do EBF deveria demonstrar os pressupostos do seu direito à tributação, ou seja, deveria provar que esses custos não eram legalmente dedutíveis quer porque se realizaram menos valias com a transmissão onerosa de partes de capital detidas há menos de um ano, quer porque foram suportados e contabilizados encargos financeiros com a sua aquisição.
Mas em vez dessa prova, a ATA partiu para a desconsideração dos custos contabilizados pela recorrida (sociedade dominante) no montante de € 3.237.838,62 dando por adquirido que esta verba era relativa a encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital e que foram indevidamente considerados como custo fiscal. Com o mesmo fundamento se desconsideraram € 56.081,74 referentes à dominada S... SGPS,SA, o que acarretou correções ao lucro tributável do grupo no montante de € 3.293.920,36 pelo que os resultados fiscais constantes na declaração modelo 22 do grupo passaram de 14.017.394,34 € declarado para 17.311.314,70 corrigido.
A ATA deu por adquirido que um certo montante dos encargos financeiros contabilizados foram suportados com a aquisição de partes de capital, mas nada demonstrou nesse sentido. Não identificou os financiamentos usados para o efeito, nem as partes de capital que teriam sido adquiridas com eles, falhando por completo o cumprimento do seu encargo probatório.
Podemos dizer que a ATA falhou nos pressupostos da tributação e no método quantificador usado.
Falhou nos pressupostos da tributação porque não logrou demonstrar os requisitos factuais legais da sua atuação, como acima se deixou referido. E falhou no método quantificador porque se desvinculou da necessidade de apurar se houve alienação de participações sociais e qual o montante do financiamento usado na sua aquisição.
Mas só perante estes dois requisitos – alienação de participações e respetivo financiamento usado na sua aquisição – poderia a ATA ter desconsiderado os custos de financiamento.
Desconhecendo ambos, a ATA enveredou pela correção e tributação lançando mão de três (pelo menos) presunções: uma, de que foram alienadas participações sociais; outra, que foram contabilizados custos com o financiamento para a aquisição dessas participações e a terceira constituída pelas operações de cálculo: (1) imputou os passivos remunerados da SGPS aos empréstimos remunerados por esta concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros e (2) afetou o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição (3) após obter o valor dos passivos remunerados imputáveis aos restantes ativos não remunerados, apurou de forma proporcional o valor dos passivos remunerados imputáveis às partes de capital.
Com este conjunto de presunções, a ATA concluiu que o contribuinte suportou no exercício, a título de encargos financeiros com a aquisição de participações, a quantia de € 3.237.838,62.
O facto de na sua metodologia ter usado os critérios preconizados na circular n.º 7/2004, de 30 de Março, em especial seus pontos n.ºs 7 e 8 não salva a legalidade da operação, pois os critérios e pressupostos de imputação dos passivos remunerados das SGPS ultrapassam manifestamente o conteúdo do art. 31º/2 do EBF criando presunções e apuramentos proporcionais que o legislador manifestamente não assumiu nem consentiu. Como salienta Júlio Tormenta (in As Sociedades Gestoras de Participações Sociais como Instrumento de Planeamento Fiscal e os Seus Limites, Coimbra Editora, pp. 145) «Uma questão que se levanta a propósito do estabelecido no art. 32.º do EBF nos seus n.º 2 e 3 é saber como apurar ou quais os encargos financeiros diretamente relacionados com aquisição de participações sociais (na sua maioria constituídos pelos juros correntes de serviço da dívida relativos a um mútuo ou outra forma de crédito utilizado pela SGPS para aquisição de participações sociais) daqueles que são usados pela SGPS para no prosseguimento do seu objeto que não tenha a ver com aquisição de participações. A Administração tributária vem defendendo que essa afetação deve realizar-se no respeito pelo “princípio do equilíbrio financeiro” (cf. o Ofício de I de Setembro de 2003 do Diretor-Geral dos Serviços do IRC), o qual aconselha a que se financie um ativo com capitais de maturidade compatível com a vida económica desse ativo e capacidade de geração de meios monetários.
Para a Administração tributária os encargos financeiros deverão ser afetos com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estes concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afetando-se direta e automaticamente o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição.
Em Portugal vigora o princípio da legalidade tendo como corolário segundo a doutrina clássica o princípio da tipicidade fechada sendo a matéria de incidência tributária de reserva relativa de Lei da Assembleia da República. No caso presente a lei não estabelece critérios de afetação de recursos financeiros à aquisição de participações sociais e não pode a administração tributária, por via administrativa criar normas de incidência (através do chamado “direito circulatório”), sob pena de se estar perante uma inconstitucionalidade material, uma vez que tais normas devem emanar de lei (da Assembleia da República) ou Decreto-Lei (do Governo) devidamente autorizado. Os contribuintes não estão obrigados a seguir os procedimentos vertidos na Circular 7/2004 de 30.3.2004 (doravante designada por circular 7/2004) pois aos mesmos apenas estão vinculados os funcionários tributários perante a sua tutela e nada mais. Não podemos concordar com o enunciado na Circular 7/2004 no seu ponto 7 onde se refere “dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afetação direta ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria”: devido ao desenvolvimento e sofisticação dos sistemas de informação de gestão disponíveis no mercado, deveria privilegiar-se o método de afetação direta e só na impossibilidade de utilização do mesmo; é que se avançaria como método alternativo o preconizado na Circular 7/2004».
Se o legislador não instituiu qualquer critério que permita distinguir nos custos financeiros totais das SGPS quais os que se devem à compra de participações sociais e quais os que foram usados para outros fins, a ATA só poderia mover-se no âmbito de um método que respeitasse a afetação direta ou específica, porque só esse seria compatível com o princípio da legalidade e da imparcialidade a que está sujeita (art. 55º LGT) e que resulta da redação do art. 31º/2 EBF ao excluir da formação do lucro tributável os encargos financeiros suportados com a aquisição das participações alienadas. Admitindo porém que não é possível a partir da escrita da empresa saber qual o fim para que foram obtidos os financiamentos, isso poderá colocar em causa o controlo legal por parte da ATA. Mas mesmo que assim seja, não pode ser a ATA a completar a norma através de uma circular que institua um regime de apuramento proporcional, indireto ou presuntivo, criando condições mais gravosas para o contribuinte do que as previstas na lei, desrespeitando o quadro normativo vigente. Com tal interpretação, a circular 7/2004 propõe-se completar a norma do art. 31º/2 EBF criando um modo de cálculo diferente do da imputação direta e específica dos passivos remunerados das SGPS que o legislador não contemplou e que ultrapassa drasticamente a mera interpretação da norma.
Como se refere no ac. deste TCAN n.º 00997/12.8BEPRT de 14-03-2013 (Relator: Pedro Marchão Marques) VIII – Atento o primado da lei sobre as orientações administrativas (princípio da legalidade), as regras estatuídas nas circulares da Administração Tributária, têm que respeitar o quadro normativo legislativo de referência – normas jurídicas primárias –, que lhe é prevalente. E quando aquelas estabelecem um sentido normativo que não tem acolhimento na norma legislativa que pretensamente é interpretada, estão afinal a derrogá-la e a criar norma jurídica inovatória inválida.
Assim, quer por ter falhado o seu encargo probatório, quer por ter ido além do que o art. 31º/2 do EBF exigia, não está em condições de sustentar a legalidade da liquidação impugnada. E nem tão pouco pode desviar para a recorrida o ónus de provar que os encargos financeiros não resultam da aquisição de partes de capital, porque em parte alguma da lei se prevê – para este caso - a inversão do ónus da prova (art. 344º/1 do Código Civil). Acrescente-se ainda que não tendo a ATA colocado em causa a fiabilidade da contabilidade, a declaração fiscal da recorrida beneficia da presunção de veracidade e boa fé nos termos do art. 75.º da LGT, pelo que também por força deste estatuto a ATA estava onerada com a elisão daquela presunção”.
No Douto Acórdão do TCAN (Processo 00946/09.0BEPRT, 15 de Janeiro de 2015), importa sublinhar que “Em Portugal vigora o princípio da legalidade tendo como corolário segundo a doutrina clássica o princípio da tipicidade fechada sendo a matéria de incidência tributária de reserva relativa de Lei da Assembleia da República. No caso presente a lei não estabelece critérios de afetação de recursos financeiros à aquisição de participações sociais e não pode a administração tributária, por via administrativa criar normas de incidência (através do chamado “direito circulatório”), sob pena de se estar perante uma inconstitucionalidade material, uma vez que tais normas devem emanar de lei (da Assembleia da República) ou Decreto-Lei (do Governo) devidamente autorizado.”
Ora, o artigo 32.º do EBF não previa, nem formal nem materialmente, qualquer mecanismo de determinação do montante dos encargos financeiros suportados com financiamentos contraídos para a aquisição de partes de capital, atendendo ao facto de os fundos obtidos com os empréstimos poderem ter diversas utilizações e, por outro lado, a aquisição das partes de capital poder ser financiada com fundos provenientes de diversas origens e não necessariamente de empréstimos obtidos.
Ao contrário do regime atualmente previsto no artigo 67.º do CIRC que prevê detalhadamente o mecanismo de apuramento dos encargos de financiamento, definindo especificamente os encargos financeiros abrangidos e a base de cálculo do limite à dedutibilidade.
Sendo que a Requerente argumenta que “primeiramente, importa salientar que, no âmbito das suas atividades enquanto holding do Grupo B…, a ora Requerente contraiu, ao longo dos anos, financiamentos em larga escala. Isto porque, para além de ser a plataforma preferencial para alavancar o crescimento do Grupo e, nesse contexto, ter adquirido diversas participações sociais estratégicas, a ora Requerente tinha também outras responsabilidades no âmbito das suas competências, nomeadamente o financiamento das suas subsidiárias. Desta forma, os empréstimos por si contratualizados terão servido diversos propósitos, sendo utilizados, nomeadamente, para dar resposta aos desafios que ora Requerente foi encontrando no decurso da sua atividade”.
Para além disso, argumenta que “(…) viu-se impossibilitada, relativamente a este regime, de realizar uma conexão direta, e com o rigor a que o princípio da legalidade tributária obriga, entre os financiamentos especificamente contraídos pela B… para a aquisição de partes de capital e as partes de capital especificamente adquiridas por esta somente com recurso a financiamento alheio”, o que é reiterado nas alegações apresentadas pela Requerente.
Por conseguinte, existe uma lacuna no regime previsto no artigo 32.º do EBF, atendendo a que, não se encontra legalmente previsto, o mecanismo que, à luz daquele preceito, permite apurar o montante dos encargos financeiros não fiscalmente dedutíveis, por respeitarem a financiamentos contraídos para a aquisição de partes sociais.
Deste modo, atento o que ficou exposto, procede o vício de violação de lei alegado pela Requerente, relativamente ao apuramento dos encargos financeiros relevantes no contexto do artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
No mesmo sentido pronunciou-se o Tribunal Arbitral constituído no âmbito dos Processos n.º 269/2015-T e 679/2015-T.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente Pedido e, nesta sequência, anulada a autoliquidação do IRC relativa ao exercício de 2012 efetuada pela Requerente na declaração de rendimentos Modelo 22 daquele exercício relativa ao RETGS, no sentido de considerar um prejuízo fiscal individual da Requerente de € 2.527.766,78 e, por conseguinte, apurar um prejuízo fiscal agregado daquele exercício de € 11.742.853,62.
VI. DECISÃO
Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:
1.Julgar improcedentes as duas excepções de incompetência material do tribunal arbitral, bem como, a excepção de intempestividade de pedido de pronúncia arbitral;
2. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular a sua autoliquidação de IRC, relativa ao exercício de 2102 apresentada pela Requerente.
Fixa-se o valor do processo em €481.311,48 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €7.650,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária a pagar integralmente pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente deferido nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT e artigo 4.º, n.º 4 do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 21 de julho de 2016.
Os Árbitros
Fernanda Maças – Árbitro Presidente
Dr. João Gonçalves da Silva
Dr. André Festas da Silva