Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 434/2015-T
Data da decisão: 2016-07-22  IRC  
Valor do pedido: € 2.249,61
Tema: IRC – Ajudas de custo; dedutibilidade de custos; intempestividade do pedido
Versão em PDF

 

 

Decisão Arbitral

 

 

I – Relatório

 

1. No dia 13 de Julho de 2015, A…, Lda, com o número de pessoa colectiva…, com sede na Rua…, nº…, …, …, …, (…-…), veio, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º, n.º 1 do artigo 6.º e alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 10.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), disciplinado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, requerer a constituição de tribunal arbitral com vista à pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto tributário consubstanciado na liquidação adicional de IRC n.º 2014…, datada de 30/06/2014, referente ao exercício de 2011, no montante de € 2.249,61 (dois mil, duzentos e quarenta e nove euros e sessenta e um cêntimos). Com o Requerimento inicial foram juntos, para além das procurações e comprovativo de pagamento da taxa arbitral, onze documentos.

2. No Pedido de pronúncia arbitral, o Requerente optou por não designar árbitro tendo sido por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, designada como árbitro único a signatária, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.

3. Notificadas as partes e não havendo recusa da referida designação (artigo 11.º, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico), veio o tribunal arbitral a ficar constituído em 22 de Setembro de 2015, de acordo com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, sendo, na mesma data, proferido despacho arbitral de notificação da Administração Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida) nos termos do artigo 17.º do RJAT.

4. A Administração Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida) enviou, em 22 e 23 de Outubro de 2015, o processo administrativo (PA) e a Resposta, e a Requerente apresentou, em 3 de Novembro de 2015, resposta à excepção suscitada pela Requerida.

5. Nos termos do artigo 18.º do RJAT, o tribunal marcou reunião para o dia 16 de Fevereiro de 2016, com vista a inquirição de testemunhas, a que a Requerente faltou embora reiterando a indispensabilidade da inquirição, pelo que, com anuência da outra Parte foi, por despacho de 7 de Março, marcada nova reunião para 31 de Março de 2016 e prorrogado por dois meses o prazo de decisão.

6. Na véspera da reunião de 31 de Março de 2016, a Requerente comunicou a  impossibilidade de comparência de uma das testemunhas por si indicadas, ausente no estrangeiro, propondo novo adiamento. A reunião foi mantida para audição da testemunha (JJ…) apresentada pela Requerida, fixando-se nova data - 19 de Abril de 2016 - para inquirição das testemunhas a apresentar pela Requerente.

7. No dia 19 de Abril de 2016 foram ouvidas duas testemunhas (B…, em substituição da inicialmente indicada, e C…) indicadas pela Requerente, ficando as Partes de apresentar as respectivas alegações escritas no prazo de 15 dias, sucessivamente, o que ocorreu em 5 de Maio e 18 de Maio, respectivamente. Atendendo aos sucessivos adiamentos, o prazo para decisão foi prorrogado novamente por dois meses, e informado que a decisão seria proferida até final do mesmo.  

 

8. O Pedido de Pronúncia

No Pedido inicial, a Requerente sustenta, em síntese (da nossa responsabilidade):

-          Do disposto no n.º 1 do artigo 23.º resulta a dedutibilidade dos custos suportados pela empresa a título de ajudas de custo e da alínea f) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC não resulta qualquer requisito formal adicional relativamente aos documentos que podem ser apresentados pelo sujeito passivo para efeitos de dedutibilidade fiscal dos gastos com ajudas de custo.

-          Os documentos referidos na lei são, independentemente da forma que revistam, suficientes para permitir o controlo das deslocações e a indispensabilidade dos mesmos, não sendo exigível um mapa itinerário que permitisse o controlo dos locais, tempo de permanência efectiva e montante diário atribuído, conforme jurisprudência dos tribunais tributários.

-          Os mapas juntos pela Requerente permitem aferir data, viatura, trajecto e número de quilómetros e as facturas contém menção às ajudas de custo e aos quilómetros, embora os valores apenas se encontrem discriminados no mapa.

-          A Requerida discute apenas a insuficiência da informação contida na documentação e não a veracidade dos documentos nem a indispensabilidade dos encargos, mas a documentação existente permite um juízo, não sendo fundamentada a razão da desconsideração dos custos pela AT.

-          A indispensabilidade deve ter em conta a orientação jurisprudencial e doutrinária que apenas exclui os actos desconformes com o escopo social e o ónus da prova da indispensabilidade, sendo que a AT não ilidiu a presunção de veracidade da contabilidade.

-          Os custos correspondentes ao valor das ajudas de custo com os trabalhadores, no total de € 3.764,95 devem ser considerados indispensáveis para a obtenção do lucro da Requerente.

-          Assim como o valor pago como ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria da sócia D…, no montante de € 10.000,00, já que a Requerente tem que deslocar-se amiúde à sua cliente “E…” para definição de estratégias e adoptar eventuais alterações contratuais, assim como a possíveis clientes, com vista à extensão do negócio, não sendo obstáculo à consideração dos custos que apenas tenham sido contabilizados em 31-12-2011.

-          Também se encontram justificadas, por declaração da empresa “F…”, as deslocações dos sócios da Requerente a essa empresa, em Maio, Outubro e Dezembro, com o objectivo de aferir de potenciais parcerias entre ambas as sociedades.

-          Não tendo a AT fundamentado a razão pela qual não considerou suficiente a documentação existente deve concluir-se que as ajudas de custo revelaram-se indispensáveis para manutenção da fonte produtora e realização de ganhos sujeitos a imposto, já que de acordo com o artigo 342.º do Código Civil, n.º 1 do art. 100.º do CPPT e n.º 1 do art. 74.º da LGT lhe cabia provar que os montantes desembolsados pelos sócios por deslocações não revestem a natureza de ajuda de custo.

-          Devem as correcções efectuadas pela IT ser consideradas ilegais, procedendo-se à respectiva revogação e anulação do IRC liquidado, assim como ao reembolso da Requerente da importância penhorada que foi aplicada no pagamento da dívida exequenda e à condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.

 

9. A Resposta

A Requerida diz, em síntese (da nossa responsabilidade):

Como questão prévia, suscita a excepção de intempestividade do pedido:

-          O objecto dos presentes autos, como resulta do teor do pedido formulado pelo Requerente, são os actos de liquidação e não o acto de indeferimento da reclamação graciosa, que consubstanciam actos diferentes no conteúdo, na forma e nos requisitos legais, sendo intervenções processualmente distintas e diferenciadas.

-          O prazo para a apresentação do pedido de pronúncia arbitral é de 90 dias contados a partir da data limite de pagamento da liquidação ocorrida a 22.09.2014 pelo que o presente pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 13.07.2015, é manifestamente extemporâneo, verificando-se caducidade do direito de acção, excepção dilatória que determina a absolvição da Requerida da instância (alínea h) do n.º 1 do artigo 89.º do CPTA e alínea e) do n.º 1 do 287.º do CPC, aplicável ex vi art.º 2.º do RJAT).

 

Quanto à legalidade da liquidação:

-          Atentos os factos analisados no procedimento inspectivo relativo ao exercício de 2011, verificou-se que quanto aos gastos com ajudas de custo com os trabalhadores, não estão verificados os pressupostos de dedutibilidade fiscal para efeitos fiscais nos termos da alínea f) do n.º 1 do art. 45.º do Código do IRC (…) e quanto aos “gastos com ajudas de custo e com a compensação pela deslocação em viatura própria” da sócia (…) não foi apresentada (…) prova bastante da realização de uma efectiva deslocação por parte dos sócios ao serviço e portanto no interesse da requerida, não tendo por conseguinte demonstrado a necessária relação causal de indispensabilidade de forma a serem enquadráveis no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.

-          Tal situação conduziu ao indeferimento da reclamação graciosa da liquidação porque a Requerente não demonstrou no decurso do procedimento de inspecção que os documentos contabilísticos, consubstanciados nos mapas de itinerários, asseguram o controlo das deslocações em apreço e que os referidos custos se afiguraram indispensáveis para a obtenção do lucro atento o tipo de actividade da Requerente.

-          Os gastos com ajudas de custo referentes aos trabalhadores são documentados apenas por declarações dos mesmos e quanto aos encargos referentes a “ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria” da sócia, verifica-se insuficiência quanto à elaboração dos “mapas itinerários” assim como falta de clareza na imputação das ajudas e movimentos para as contas dos sócios.

-          Com base nos artigos 23.º, 45.º e 88.º, todos do CIRC, na redacção à data dos factos, e atendendo à natureza das despesas suportadas com as ajudas de custo, que são de difícil comprovação (correspondendo, frequentemente, a verdadeiros complementos de salários encapotados pelo que o legislador restringiu a sua aceitação apenas a casos em que fossem imputadas aos clientes) conclui-se que a lei não isenta os sujeitos passivos de imposto de possuir elementos aptos à demonstração de que o preço final indicado ao cliente contempla os valores relativos a despesas com ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador.

-          No caso dos autos, os documentos apresentados pela Requerente não possuem os requisitos exigidos à comprovação de que as quantias pagas a título de ajudas de custo se destinam efectivamente a reembolsar os trabalhadores das despesas realizadas nas deslocações em serviço porque não é efectuada qualquer discriminação sobre o modo como é determinado o montante de ajudas de custo a receber em cada mês (indicando, por exemplo, o montante pago a título de deslocações, estadia e alimentação), sendo que de acordo com o art. 2.º do CIRS, as ajudas de custo que excedam os limites legais estão sujeitas a tributação em IRS.                               

-          Assim, quanto aos referidos encargos relativos aos trabalhadores mencionados, não se encontram verificados os pressupostos de dedutibilidade fiscal para efeitos fiscais, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRC.

-          No que respeita aos gastos com ajudas de custo e com a compensação pela deslocação em viatura própria da sócia da Requerente, D…, não foi apresentada, quer no decurso do procedimento inspectivo quer no direito de audição, prova bastante da realização de uma efectiva deslocação por parte da sócia ao serviço e no interesse da Requerente, pelo que não demonstrou a necessária relação causal de indispensabilidade de forma a serem enquadráveis no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, com a limitação consagrada na alínea f) do n.º 1 do artigo 45.º do mesmo Código.

-          Não só a Requerente não apresentou nenhuma documentação de suporte da realização efectiva das deslocações objecto de ajudas de custo escrituradas, como também não apresentou uma justificação substancial que sustente a atribuição das referidas ajudas de custo e o subsídio de transporte (Kms) assim como a sua conexão objectiva com a actividade da sociedade.

-          Verifica-se a hipótese prevista na lei (para situações em que as ajudas de custo não foram facturadas a clientes, não houve tributação em IRS, nem há mapas de controlo) de não verificação das condições de dedutibilidade previstas no art. 45.º n.º 1 al. f) do CIRC, e não é o facto de a Requerente as ter sujeitado a tributação autónoma que as torna automaticamente dedutíveis.

-          O acto de liquidação impugnado deve ser considerado válido pelo que, ainda que a excepção invocada não seja julgada procedente, a Requerida deve ser absolvida dos pedidos de declaração de ilegalidade da liquidação e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

10. Produção de prova testemunhal e alegações

As testemunhas ouvidas foram, por parte da Requerente, a contabilista da empresa e um gerente bancário amigo dos sócios, e, por parte da AT, um inspector tributário que acompanhou a inspecção.

Na sequência da produção de prova testemunhal, foram apresentadas alegações escritas por ambas as Partes, assim como documentos (12 pela Requerente e 17 pela Requerida).

 

10.1. Alegações da Requerente

A Requerente invoca que a prova testemunhal possibilitou provar que, encontrando-se todos os tractores (um de propriedade própria e seis alugados) em funcionamento, e tendo um único cliente, “E…”, com sede em … Espanha, os sócios da Requerente dirigiam-se aí periodicamente, entre uma a três vezes por mês, para tratar de questões relacionadas com os transitários, sendo que a Requerente efectuava visitas a outros potenciais clientes, nomeadamente à “F…”, com cujos representantes os sócios se reuniram nos meses de Maio, Outubro e Dezembro, para avaliar potenciais parcerias entre ambas as sociedades.

 

Quanto a gastos com colaboradores, realça a declaração de uma das testemunhas no sentido de que era habitual os trabalhadores exercerem funções durante um mês a título experimental. Assim, quanto às despesas com deslocação relativas a G…, considera-as justificadas com os mapas de deslocação em Março e Abril (doc n.º 1 junto com alegações), sendo que o trabalhador assinou contrato de trabalho sem termo certo em 1 de Abril de 2011 (doc. n.º 2 junto com alegações). Tal como as ajudas relativas a H…, trabalhador da Requerente ao abrigo do contrato de trabalho sem termo, datado de 26 de Abril de 2010 (doc. n.º 5 junto com alegações). Esses dois trabalhadores apresentaram documentos de despesas efectuadas e pagas como ajudas de custo (docs. 6, 7 e 8).

 

Quanto às ajudas de custo de I…, diz que se referem ao período experimental encontrando-se documentadas através dos mapas de deslocações referentes aos meses de Setembro e Outubro (doc. n.º 8 junto com alegações), tendo celebrado com a Requerente um contrato de trabalho sem termo datado de 3 de Outubro de 2011 (doc. n.º 9 junto com alegações) e feito despesas em Setembro com portagens e material para o camião (Doc. n.º 10 junto com as alegações).

 

Diz que os mapas de deslocações facultados pelos colaboradores supra referidos, eram em todos os aspectos semelhantes aos apresentados com referência aos restantes colaboradores da Requerente, relativamente aos quais não foram colocadas restrições à sua dedutibilidade. Junta declarações do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. (“IMTT”) com vista a provar que as ajudas de custo pagas aos colaboradores foram incorridas ao serviço da sociedade, e em viaturas da mesma (doc. n.º 12 junto com alegações).

 

Defende que a conclusão da AT no seu Relatório de Inspecção quanto “(…) ausência de requisitos para a consideração dos referidos encargos como gastos para efeitos fiscais” foi respondida com a junção em 29.05.2014, aquando do exercício do direito de audição, de toda a documentação suporte necessária, demonstrando o preenchimento de todos os requisitos para a consideração dos gastos em apreço como dedutíveis para efeitos fiscais.

 

Desvaloriza o testemunho do inspector tributário acusando-o de, na fase administrativa, ter considerado que a audição de testemunhas não tinha qualquer valor acrescentado e de parcialidade na sua intervenção nos autos porque “a presente inspecção foi conduzida com o exclusivo propósito de verificação do cumprimento de requisitos formais (mesmo que não essenciais) e não com o propósito de busca pela verdade material”. Ao contrário, considera os testemunhos das pessoas por si apresentadas, um gerente bancário, com boa relação pessoal com os sócios da Requerente, e da contabilista ao serviço da empresa, espontâneos, sinceros, seguros e decisivos para o esclarecimento do caso, designadamente para “esclarecer a relação laboral com os colaboradores e os critérios necessários para o processamento do pagamento das ajudas de custo”.

 

Assim, considera demonstrado que o valor total de € 3.746,95 suportado com as ajudas de custo dos trabalhadores G…, H… e I… deverá ser aceite para efeitos fiscais por se revelarem indispensáveis para a obtenção do lucro, porquanto, “dedicando-se a Requerente ao transporte rodoviário de mercadorias essencialmente internacional e ao aluguer de veículos de mercadorias sem condutor, os seus trabalhadores tinham que se deslocar amiúde ao cliente, conforme facilmente se compreenderá, para prestar apoio e assistência”.

 

Considera feita prova de que, em 2011, os sócios da Requerente efectuaram 29 viagens (entre 2 a 4 viagens por mês), para realizar reuniões com o Cliente ou com potenciais clientes e vistorias aos camiões, cujos itinerários compreendem deslocações entre as cidades de Vila Real, Bordeaux, Irun, Valladolid, Pamplona, Bayonne e Porto (doc nº 10 junto com a P.I), tendo em conta que existe por cada viagem um mapa de deslocação, num veículo com matrícula …-… -…, propriedade da sócia, D…, onde são indicados as ajudas de custo e os dias do mês em que as viagens ocorreram, bem como os quilómetros percorridos, o local de saída e de chegada e as horas respectivas (doc. n.º 13 junto com alegações).

 

10.2. Alegações da AT

Recordando que o RIT considerara não comprovado o pagamento de ajudas de custo aos trabalhadores quer por não terem sido exibidos, no decurso do procedimento inspectivo, quaisquer mapas através dos quais fosse possível efectuar o controlo das deslocações a que se referem (atestando que foram realizadas deslocações, estadias e alimentação ao serviço do sujeito passivo no estrangeiro) mas apenas declarações assinadas pelos funcionários, sem especificação de datas, horas de saída e chegada, e respectivas localidades, relativamente a todos os locais de origem e destino, bem como o serviço executado e o cálculo dos valores a receber (referem apenas o valor total das ajudas), analisa os documentos agora juntos, fazendo notar que:

- Quanto ao trabalhador G…: as importâncias constantes dos mapas de deslocações referentes aos meses de Março e Abril (docs. 1 e 2) não coincidem com as importâncias referidas nos recibos das ajudas de custo no estrangeiro (declarações), relativos aos meses de Março e Abril; e a importância de ajuda de custo constante no mapa referente ao mês de Março (974,49 €), doc. 1, é divergente da importância do mapa de remunerações do mês de Março (968,35 €); a importância de ajuda de custo constante no mapa referente ao mês de Abril (955,07 €), doc. 2, não coincide com a importância do mapa de remunerações do mês de Abril (524,20 €); o contrato de trabalho só agora exibido, e nunca durante o procedimento inspectivo, foi assinado a 1 de Abril de 2011, apesar de haver ajudas de custo pagas em Março.

- Relativamente ao trabalhador H…: a importância paga ao colaborador (constante de declaração) a título de ajudas de custo estrangeiro, relativas a despesas realizadas em deslocações, estadias e alimentação ao serviço do Sujeito Passivo durante o mês de Abril, não consta do mapa de remunerações; apesar de ao colaborador terem sido pagas importâncias referentes a despesas realizadas em deslocações, estadias e alimentação ao serviço do SP durante o mês de Abril, o contrato de admissão na empresa – não exibido durante o período do procedimento inspectivo, foi assinado apenas em 26 de Abril de 2011, com início a 27 de Abril.

- Quanto ao trabalhador I…: a importância paga a coberto do recibo a título de ajudas de custo estrangeiro, relativas a despesas realizadas em deslocações, estadias e alimentação ao serviço do SP durante todo o mês de Setembro e Outubro, não consta do mapa de remunerações dos meses referidos, já que tal colaborador é funcionário de uma outra empresa e não do sujeito passivo em causa; o contrato de trabalho sem termo assinado pelo colaborador, apenas ora exibido sob o doc. n.º 9, diz respeito à relação laboral com a sociedade J…, Lda, e não com o Requerida.

Refere ainda que os mapas de ajuda de custo (doc. 8): não foram exibidos durante o período do procedimento inspectivo; o período experimental de noventa dias, referido na cláusula 2ª dos contratos de trabalho agora apresentados, é contado a partir da data da sua entrada em vigor; as facturas ora exibidas, alegadamente para comprovar despesas pagas pelo funcionário, não permitem a justificação pretendida.

 

Solicita o desentranhamento dos autos ou desconsideração de documentos para efeitos de prova dos factos alegados. Considera que é de valorar negativamente os documentos relativos a declarações dos gerentes que não foram oportunamente juntos sem que tenha sido apresentada qualquer justificação para o facto de não terem sido anexas ao pedido de pronúncia arbitral. Recorda que quanto aos gastos com ajudas de custo e com a compensação pela deslocação em viatura própria da sócia da Requerente, D…, a IT disse não ter sido apresentada, quer no decorrer do procedimento inspectivo, quer no direito de audição, nenhuma documentação de suporte da realização efectiva das deslocações objecto de ajudas custo escrituradas, nem justificação substancial que sustente a atribuição das referidas ajudas de custo e o subsídio de transporte (Km) e a sua conexão objectiva destas com a actividade da sociedade.

 

Realça ainda: o conhecimento impreciso revelado pelas testemunhas da requerente acerca da localização dos destinos dos sócios nas suas frequentes viagens; as ajudas de custo serem contabilizadas apenas a 31 de Dezembro de 2011, colidindo com natureza intrínseca de compensação das despesas incorridas; apenas existirem recibos de pagamentos à sócia apesar de supostamente ambos os sócios se terem deslocado, assim como o facto de existirem pagamentos directos para a conta do filho dos sócios.

 

11. Objecto do pedido

A questão jurídica fundamental objecto do Pedido de apreciação da legalidade das correcções efectuadas pela Inspecção Tributária, consiste em saber se as importâncias contabilizadas pela Requerente como “ajudas de custo e deslocações em viatura própria”, imputadas, no exercício de 2011, a três pessoas identificadas como trabalhadores da empresa Requerente nos autos, e a uma das sócias desta, podem ou não ser deduzidas como gastos para efeitos de determinação do lucro tributável em IRC no mesmo exercício fiscal, atento o disposto nas normas do CIRC, designadamente os artigos 23.º e 45.º na redacção então vigente.

 

12. Saneamento

O tribunal arbitral colectivo é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não padece de qualquer nulidade.

Há que conhecer previamente da excepção de intempestividade suscitada pela Requerente, o que será feito após fixação da factualidade.

 

II Fundamentação

 

13. Factos provados

Com base nas peças juntas pela Requerente (Pedido de pronúncia arbitral, documentos juntos com o Pedido e com alegações) e pela Requerida (Resposta, Processo administrativo junto aos autos e alegações)[1].

13.1. A Requerente, sociedade por quotas com capital de 125.000,00 euros e apenas dois sócios (marido e mulher), dedica-se ao transporte rodoviário de mercadorias e ao aluguer de veículos de mercadorias sem condutor, afectando a essa actividade um veículo tractor e seis veículos tractores alugados (artigos 11º e 12º do Pedido, RIT, II.3.1.3. e 4.).

13.2. Os serviços internacionais rodoviários em 2011 eram prestados a um único cliente, sediado em Espanha, a sociedade “E…” RIT, II.3.1.2).

13.3. A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva de âmbito geral, desencadeada pela Ordem de Serviço nº OI2014…, relativa ao exercício de 2011, ocorrida entre 28 de Janeiro de 2014 e 15 de Abril de 2014, e teve como alvo o controlo de operações intracomunitárias de IVA, mas veio a concluir que, quanto a esse aspecto, as anomalias detectadas encontravam justificação na alteração da forma jurídica da empresa cliente, não tendo sido cometida qualquer ilegalidade quanto à aplicação da alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º do CIVA (art. 15º do Pedido, art. 21º da Resposta, RIT, II.1.ii) e III, nºs 10 a 12).

13.4. Na análise dos gastos e perdas e respectivos suportes, efectuada durante a acção de inspecção referida no número anterior, a AT veio a considerar que relativamente a encargos com “ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador” os gastos não se encontravam documentados, por cada pagamento efectuado, com uma mapa através do qual seja possível efectuar o controlo das deslocações a que se referem os encargos, mas apenas por declarações dos trabalhadores, num valor total de € 3.746,95, correspondentes a ajudas de custo atribuídas a G… (€ 1.370,92 e € 810,15, referentes a Março e Abril, respectivamente), H… (€ 291,70, no mês de Abril) e I… (€834,78 e € 439,40, referentes a Setembro e Outubro, respectivamente), verificando-se também que não eram funcionários da empresa, G… em Março, H… em Abril e I… em Setembro e Outubro. Foi considerado que os encargos com ajudas de custo no valor de € 3.746,95 «não podem ser dedutíveis como gasto para efeitos de determinação do lucro tributável, face ao disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, na medida em que não estão devidamente documentadas com um “mapa itinerário” através do qual seja possível efectuar o controlo das deslocações a que se referem aqueles encargos, “designadamente os respectivos locais, tempo de permanência, objectivo e montante diário atribuído”», inviabilizava a dedutibilidade como gastos nos termos da alínea f) do n.º 1 do art. 45.º do CIRC (RIT, II.3. 14. i) e 17).

13.5. A acção de inspecção detectou ainda a contabilização na conta …- Remunerações dos Órgãos Sociais (ajudas de custo) gastos com as ajudas de custo e com a compensação pela deslocação em viatura própria da sócia D…, no montante de € 10.000,00, verificando que a importância apenas foi contabilizada em 31-12-2011 e os mapas itinerários, apesar de elaborados periodicamente não identificam os clientes objecto de visita (a Requerente apenas tem um), que o montante de € 10.000,00 foi imputado aos dois sócios – € 4.855,00, a K… e € 5.145,00 a D… e não a esta como invocado (RIT, II.3. 14. ii), 19 a 21).

13.6. Para esclarecer dúvidas sobre indispensabilidade dos encargos referidos nos números anteriores nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, a Requerente, solicitada a comprovar a realização efectiva das deslocações por parte da sócia e apresentar a «documentação de suporte de ajudas de custo no montante de 10.000,00, contabilizados na conta …- remunerações dos órgãos sociais e respectivos meios de pagamento», esclareceu que «a documentação de suporte são os próprios mapas de viagem apresentados oportunamente, sendo que, e de acordo com a lei, foram tributados autonomamente. Quanto ao meio de pagamento, é efectuado através de levantamentos Multibanco ao longo do ano, de acordo com as necessidades dos sócios, os quais podem ser comprovados nos extractos bancários» (RIT, 24)

13.7. O projecto de Relatório concluía que «o sujeito passivo não só não apresentou nenhuma documentação de suporte da realização efectiva das deslocações objecto de ajudas de custo escrituradas como não apresentou uma justificação substancial que sustente a atribuição das referidas ajudas de custo e o subsídio de transporte (km) e a conexão objectiva destas com a actividade da sociedade» (RIT, II.3. 22 a 25).

13.8. Em 12 de Maio de 2014, a Requerente foi notificada do Projecto de Relatório da Inspecção tributária para querendo exercer direito de audição, o que fez em 29 de Maio de 2014. Defendia (n.º 9) que os mapas de itinerários asseguram o controlo das deslocações em causa e juntava duas declarações, ambas datadas de 27 de Maio de 2014, uma da “F…” informando que os sócios se reuniram nos meses de Maio, Outubro, e Dezembro de 2011 naquela sociedade para aferir de eventuais parcerias e outra de “E…”, atestando que os sócios da Requerente se reúnem mensalmente na sede daquela sociedade. Indicava ainda (n.º 18) três testemunhas (L…, M… e N…) com vista a confirmar as deslocações dos sócios ao serviço da empresa (art. 3º do Pedido, Doc. n.º 4 junto com o Pedido).

13.9. Pronunciando-se sobre o exercício do direito de audiência, o Relatório final da Inspecção Tributária veio a concluir, quanto aos gastos com ajudas de custo com trabalhadores, que “os gastos não estão documentados, por cada pagamento efectuado, com um mapa através do qual seja possível efectuar o controlo das deslocações a que se referem aqueles encargos, mas por declarações dos mesmos”; que apenas o trabalhador G… consta de folha de remunerações, mas apenas em Abril (e aí apenas com documentação por mapa do montante de ajudas de custo de € 524,20 e sem documentação do montante de € 810,15) e não em Março, sendo que o abono de ajudas de custo apenas pode ser pago a trabalhadores dependentes e como compensação por deslocações ao serviço da empresa (RIT, IX- 4 a 6).

13.10. Quanto às ajudas de custo e com a compensação pela deslocação da sócia D…, o Relatório final da IT concluiu, designadamente: Quanto à indispensabilidade da despesa invocada (ponto 22 da exposição de audição), que «o facto de o sujeito passivo ter como objecto social “o transporte rodoviário de mercadorias e o aluguer de veículos de mercadorias sem condutor” não constitui, em si mesmo, indicador de que os gastos com ajudas de custo “consubstanciam encargos indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a impostos ou para a manutenção da fonte produtora” porque o facto das ajudas de custo constarem da enumeração do n.º 1 do art. 23.º do CIRC não obsta a que para que os respectivos gastos sejam dedutíveis deva existir uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa; Quanto à forma de pagamento das respectivas ajudas (ponto 21 da audição), e esclarecimento sobre os levantamentos Multibanco e movimentação nas contas dos ócios, considerou que “a alínea f) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC impõe que o registo do gasto com a ajuda de custo ou compensação com a viatura do próprio trabalhador (sócia) se faça por cada pagamento através de suporte em mapa que permite o controlo das deslocações em causa, o que no caso em apreço não acontece de todo como já se referiu e evidenciou anteriormente” (RIT,IX-11).

13.11. O Relatório Final da IT concluiu que “o sujeito passivo não consegue fazer (após notificação para o efeito) a prova de que as alegadas deslocações se efectuaram ao serviço e no interesse do mesmo ou que aquelas foram geradoras de outputs tributáveis” e, embora admitindo a possibilidade de prova testemunhal como meio de prova quanto à indispensabilidade e efectividade da operação e montante do gasto, concluiu que as três testemunhas arroladas para provar as deslocações dos sócios no interesse da empresa não apresentavam, pela sua dependência laboral ou familiar, condições de credibilidade e isenção, pelo que não haviam sido ouvidas.

13.12. Entendendo a final, que, quanto aos gastos com ajudas de custo pagas aos trabalhadores não estavam verificados os pressupostos da dedutibilidade para efeitos fiscais (art. 45.º, n.º 1, alínea f), nomeadamente por inexistência de um mapa de controlo das deslocações e, que, quanto aos gastos com ajudas de custo e compensação pela deslocação e em veículo próprio da sócia, não foi apresentada prova bastante da realização de uma efectiva deslocação por parte dos sócios ao serviço e no interesse da Requerente, e portanto a necessária relação causal de indispensabilidade” (art. 23.º do CIRC), foi confirmado o conteúdo do projecto de RIT, mantendo as correcções meramente aritméticas com apuramento de um lucro tributável de € 13.746,95, dando origem à elaboração de um DC único com correcções em sede de IRC (RIT, IX - 23 e 24).

13.13. O RIT foi notificado à Requerente através de ofício nº…, datado de 18 de Junho de 2014 (art. 27º do Pedido, Doc. n.º 7 junto com o Pedido).

13.14. Na sequência do RIT, foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º 2014…, de 30 de Junho de 2014, e a compensação de 23 de Julho de 2014, sendo apurado um valor a pagar de € 2.249,61 (art. 28º do Pedido, e Doc. n.º 1 junto com o Pedido).

13.15. Em 21 de Janeiro de 2015, a Requerente apresentou reclamação graciosa do acto de liquidação, tendo sido instaurado o respectivo procedimento administrativo no Serviço de Finanças de … sob o n.º …2015… (art. 28º do Pedido, Doc. n.º 2 junto com o Pedido, PA, fls. 26 a 58).

13.16. Com a reclamação eram apresentados 4 documentos (nota liquidação, audição prévia, RIT e comprovativo de penhora do montante em discussão nos autos).

13.17. A reclamação graciosa foi objecto de informação n.º …/2015, de 6 de Março de 2015, no sentido do indeferimento, e, despachada favoravelmente pelo Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de …, notificada à Requerente por ofício nº …/…/2013, para exercício de direito de audição prévia (o que não se verificou), seguindo-se o indeferimento por despacho do Chefe de Finanças, de 7 de Abril de 2015, notificado pelo ofício …/…/2015 da mesma data (art. 30º do Pedido, Doc. n.º 3 junto com o Pedido, PA, fls. 122 a 131).

13.18. O presente Pedido de pronúncia arbitral foi apresentado pela Requerente em 13 de Julho de 2015, juntando onze documentos – designadamente com vista a ilustrar a documentação existente sobre os valores pagos com ajudas de custo (documentos n.ºs 8 e 9) e comprovar os gastos com ajudas de custo da sócia D… (doc. n.º 10) - e pedindo inquirição de duas testemunhas (uma veio a ser apresentada e a outra foi substituída).

13.19. A Requerente entregou com o Pedido registos dos percursos feitos em Agosto de 2011 e de serviços prestados por trabalhador e veículo/tractor, verificando-se a seguinte distribuição de veículos (O…/…; P…/…; Q…/…; R…/…; G…/…; S…/…; T…/… e U…/…) (Doc. n.º 8 e 9).

13.20. A Requerente juntou com o Pedido doze recibos respeitantes a ajudas de custo pagas a D… com indicação em cada documento, respeitante a cada um dos meses do ano de 2011, de serviços descritos da seguinte forma: Janeiro - verificação de viaturas em Espanha, reunião E… em Valladolid; prospecção de clientes; Fevereiro - reunião de fornecedor de pneus em Vallodolid, reunião de clientes em Irun; Março - reunião V… em Bordeaux; Abril - Reunião F… em Bordeaux; Maio - Reunião W…/Bordeaux; Junho - reunião E… em Bordeaux; Julho - reunião X… em Pamplona e Y…no Porto; Agosto - vistoria de camiões em Valladolid; Setembro - Reunião E… em Irun e X… em Pamplona; Outubro - reunião Z… em Irun; Novembro - Vistoria de camiões em Vallodolid, reunião E… em Irun; Dezembro - reunião Bordeaux, em Bordeaux e reunião E… em Irun. É indicado valor diário de ajuda de custo de € 95,10, com valores mensais entre Janeiro e Dezembro de €940,00, €925,00, €750,00, €850,00, €830,00, €780,00, €800,00, €800,00, €815,00, €860,00, €805,00, €845,00, somando tudo € 10.000,00.

13.21. Com as alegações a Requerente apresentou onze documentos: mapa de deslocações de G… com tractor …-… -…, em Março e Abril de 2011 (doc. 1); contrato de trabalho entre A… e G… a iniciar-se em 4 de Abril de 2011 (doc. 2); uma nota datada de 13-04-2011, de pagamento a fazer (forfait 60,00, líquido 50,00) com carimbo de BB… (doc. 3); uma nota, com data de 09-05- 2011, relativa a transferência do AA… de 60 euros para G…, indicando material camião (doc. 4); contrato de trabalho entre A… e H… com início em 27 de Abril (doc. 5); uma nota, com data de 04-04-2011, incluindo a transferência do AA… de € 291,70 euros para H…, indicando tipo de operação “pagamento de ordenados e subsídios”; na mesma nota refere-se uma transferência de 135,00 para T… de “multa horas a mais”, com nota manuscrita indicando J…, Lda; recibo de € 291,70 ajudas de custo assinado, com data de 30 de Abril de 2011, por H…(doc. 7); mapa de deslocações de I… com tractor …-… -…, em Setembro e Outubro de 2011 (doc. 8); contrato de trabalho entre J…, Lda e I…, a iniciar-se em 4 de Outubro de 2011 (doc. 9); factura e recibo de pagamento de A… de 70 euros a uma empresa em Irún; pagamento de uma portagem em Amarante de 6,65 em Amarante no dia 6-9-2011 e um ticket de 12-09-2011 de pagamento de 16,00 (doc. 10); nota, com data de 07-10-2011, relativa a transferência via AA… de 92,65 euros para G…, indicando pneus e portagens (doc. 11); Licenças emitidas por IMTT, em nome de A…, titular do alvará …/2009, para transporte rodoviário internacional de mercadorias por conta de outrem – licença para o veículo com matrícula …-… -…, válida entre 16-04-2010 e 15-04-2014; licença para o veículo …-… -… válida de 20-04-2010 a 15-09-2014; e licença emitida em nome de J… Lda., titular do alvará…, válida de 30 de Dezembro de 2013 a 30 de Dezembro de 2018, para o veículo …-… -… (doc. 12); certidão comprovativa de pagamento em 13-12-2011, do IUC referente ao veículo …-… -…em nome de D… .

13.22. Dos mapas de remunerações constam como funcionários em Março de 2011 CC…, DD…, T…, P…, EE…, FF…, S… e GG…, tendo todos, com excepção de EE… recebido ajudas de custo no estrangeiro e TIR; em Abril de 2011, CC…, DD…, T…, P…, S…, GG…, G… e O…, tendo, todos, auferido ajudas de custo no estrangeiro e ajudas de custo TIR; e em Setembro e Outubro de 2011, DD…, T…, S…, GG…, G…, O…, Q… e HH…, tendo todos, com excepção de GG…, recebido ajudas de custo no estrangeiro e ajudas de custo TIR (Doc. nº juntos pela Requerida em alegações).

13.23. No processo de execução fiscal entretanto instaurado foi utilizada importância penhorada no pagamento da dívida exequenda (doc. n.º 11 junto com o Pedido).

 

14. Factos não provados

Considera-se não provado:

14.1. Que os mapas relativos a deslocações de trabalhadores e sócios juntos apenas com as alegações sejam contemporâneos do exercício fiscal de 2011 objecto de inspecção tributária que está na base das correcções em discussão nos autos.

14.2. O enquadramento jurídico-laboral de G…, H… e I…, indicados como estando ao serviço da Requerente, durante os períodos de Março e até 5 de Abril (G…), Abril, até dia 27 (H…) e Setembro e Outubro (I…).

14.3. A efectiva realização e objectivo das 29 deslocações, constantes de recibos, e invocadas nos autos como efectuadas pela sócia (ou pelos sócios) da Requerente.

 

15. Fundamentação dos factos provados e não provados

A convicção do tribunal baseou-se na análise crítica do conjunto da prova produzida - os documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e com as alegações de ambas as Partes, o Processo administrativo junto pela Requerida, a matéria assente por acordo expresso ou tácito. Os depoimentos das testemunhas foram interpretados tendo em conta as respectivas ligações profissionais e/ou pessoais à Requerente ou aos respectivos sócios.

 

16. Aplicação do direito

16.1. Questão prévia – a excepção de intempestividade do Pedido/caducidade do direito à acção

16.1.1. Argumentos das partes sobre a matéria

A Requerida defende que, por aplicação dos artigos 10.º, n.º 1, do RJAT e 102.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT, a Requerente deveria ter apresentado o Pedido de pronúncia arbitral no prazo de 90 dias contados a partir da data limite de pagamento voluntário da liquidação, em 22 de Setembro de 2014. E, que embora tenha em 21 de Janeiro de 2015 impugnado administrativamente o acto tributário, o objecto dos presentes autos, como resulta do teor do pedido formulado pelo Requerente, são os actos de liquidação e não o acto de indeferimento da reclamação graciosa, que consubstanciam actos diferentes no conteúdo, na forma e nos requisitos legais, sendo intervenções processualmente distintas e diferenciadas. Invoca que sendo o objecto dos presentes autos fixado pelo pedido e causa de pedir, não é irrelevante o modo como o mesmo vem enunciado no pedido de pronúncia arbitral, pelo que o Pedido apresentado em 13 de Julho de 2015, do acto de liquidação, é manifestamente extemporâneo.

No sentido da sua tese cita várias decisões arbitrais proferidas no âmbito do CAAD.

 

A Requerente respondeu à excepção, argumentando que está em discussão nos presentes autos os pressupostos de facto e de direito que estiveram na origem da liquidação de IRC com referência a 2011, a qual se reputa por ilegal e cuja anulação se requer. O acto de liquidação de IRC mencionado é, portanto, o acto primário, o acto de primeiro grau e de objecto imediato, sendo, aliás, sobre a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de tributos que recai a competência dos tribunais arbitrais, conforme resulta explícito da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT. Invoca que a tempestividade do presente pedido retira-se, de forma inequívoca, da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, que delimita os prazos para apresentação dos pedidos de constituição de tribunal arbitral, ao fazer referência expressa ao “(...) prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma (...)” (sublinhado da Requerente),

 

E menciona que este enquadramento jurídico resulta claro do pedido de pronúncia arbitral, maxime dos artigos 1.º a 8.º, em especial o artigo 7.º o qual dispõe que: “(...) nos termos do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o prazo de apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral começa a contar-se da notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma”, onde se incluem naturalmente os despachos de indeferimento.

 

16.1.2. Análise da questão

Efectivamente quer no primeiro artigo do seu Pedido quer na conclusão do mesmo, a Requerente requer a declaração de ilegalidade e a anulação do acto de liquidação adicional de IRC relativo a 2011.

 

Mas decorre do Pedido de constituição do tribunal arbitral, designadamente dos artigos 5º, 6º, 29º e 30º, que a situação que subjaz ao pedido resulta também do indeferimento da reclamação graciosa, sendo aliás entregue pelo Requerente (Docs. 2 e 3 juntos com o Pedido) documentação referente à impugnação administrativa, ilustrando o diálogo mantido nessa fase e a confirmação da posição da Requerida sobre a liquidação do imposto.

 

Tal como defendemos em outros processos (por exemplo, processos n.ºs 165/2015-T e 347/2015-T), cremos que o que se visa com o frequentemente citado entendimento jurisprudencial, pacífico e reiterado, de que a “impugnação judicial que se segue a decisão de reclamação graciosa apresentada contra um acto de liquidação tem por objecto imediato o acto decisório da reclamação e por objecto mediato o acto de liquidação em si, conforme, aliás, se extrai da alínea c) do nº 1 do artigo 97º do CPPT” (por todos, Ac. do STA de 20 de Maio de 2015, in proc. nº 01021/14), visa fundamentalmente defender que “anulado o indeferimento da reclamação por vício procedimental desta, cabe ao tribunal conhecer dos restantes vícios imputados ao acto de liquidação, uma vez que este é competente para conhecer, em tal impugnação, quer do indeferimento da reclamação quer dos vícios imputados à liquidação” (acórdão referido e que cita outros arestos do STA, de 16.06.2004, no proc. n.º 01877/03, de 28.10.2009, no proc. n.º 0595/09, de 18.05.2011, no proc. n.º 0156/11, de 16.11.2011, no proc. n.º 0723/11, de 18.06.2014, no proc. n.º 01942/13).

 

Ou seja, pretende-se que em impugnação judicial a competência do tribunal se estende para além do conhecimento da ilegalidade da liquidação ao conhecimento dos vícios da própria decisão administrativa (de 2º grau) que analisou a legalidade do acto de 1º grau. Mas, ainda que começando por atacar a ilegalidade do acto de 2º grau (ou 3º), última decisão que até pode ter ilegalidades próprias, “o objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise (…).”“(Acórdão do STA 18 de Maio de 2011, proc. n.º 0156/11).

 

Por outro lado, no que respeita aos processos arbitrais, há que ter em conta que “a competência dos tribunais arbitrais se limita à declaração de ilegalidade de actos de liquidação abrangendo apenas os actos de indeferimento de actos de segundo grau (reclamações ou recursos hierárquicos) que conheceram efectivamente da legalidade dos atos de primeiro grau” (Jorge Lopes de Sousa, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, p. 120 a 123)[2].

 

No caso dos presentes autos, a legalidade da liquidação foi apreciada e confirmada por acto administrativo de segundo grau, o Requerente não se conforma e vem apresentar Pedido de apreciação arbitral tendo como objecto uma pretensão definida nos termos do artigo 2.º do RJAT. Invoca a ilegalidade de acto tributário de liquidação, objecto de reapreciação e confirmação em procedimento de impugnação administrativa referido pela Requerente, invocado no Pedido e ilustrado pela documentação junta.

 

Ainda que se admita que a Requerente poderia ter formulado a sua pretensão de forma mais perfeita, uma decisão de caducidade do direito à acção não teria em conta a aplicação dos princípios “pro actione” e in dubio pro favoritate instanciae”, de acordo com o artigo 7.º do CPTA, [3] e da garantia constitucional à tutela judicial efectiva (arts. 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4, da CRP).

 

Assim, considera-se, tendo em conta a data da notificação da decisão final da reclamação graciosa, que o presente Pedido de constituição de Tribunal Arbitral, apresentado em 13 de Julho de 2015, não se mostra intempestivo face ao disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.

 

Analisando agora o Pedido.

 

16.2. A relevância fiscal dos gastos em questão

16.2.1. A factualidade fixada e posição das partes

Da factualidade acima fixada, retenhamos que:

a)      A Requerente dedica-se a actividade de transportes rodoviários internacionais tendo em 2011 um único cliente, a sociedade “E…”, sediada em Espanha e utilizando sete veículos;

b)      Estão em causa, nos autos, os encargos contabilizados nesse exercício, respeitantes a:

-          Ajudas de custo atribuídas a G…, H… e I…, porque a Requerida, além de pôr em causa a qualidade de trabalhadores dependentes da Requerente ao tempo de pagamentos ocorridos, considera estar em falta documentação, designadamente mapas itinerários através do qual fosse possível efectuar o controlo das deslocações a que se referem aqueles encargos, designadamente os respectivos locais, tempo de permanência, objectivo e montante diário atribuído.

-          Ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria da sócia D…, atendendo à não coincidência das datas de elaboração de mapas de ajudas de custo e à contabilização dos encargos apenas no último dia do ano, assim como à falta de indicação de elementos essenciais em mapas itinerários de vários meses, falta de clareza na imputação dos gastos aos dois sócios e relação com movimentos bancários entre contas da sociedade, sócios e seu filho.

c)      A Requerente juntou, em fase de audição sobre o projecto de Relatório da Inspecção Tributária, declarações de duas empresas – da sua cliente “E…”, atestando que os sócios da Requerente se reuniam “mensalmente na sede daquela sociedade, para tratar de assuntos relativos à sua empresa, nomeadamente acertos de facturação e acordos pontuais” e da “F…” informando que os sócios se reuniram nos meses de Maio, Outubro, e Dezembro de 2011 “para possível parceria”.

d)     A Requerente juntou, com as alegações finais nos presentes autos, documentos contendo contratos de trabalho referentes a G…, H… e I… assim como mapas manuscritos pelo primeiro e terceiro trabalhadores, indicando deslocações feitas com veículos ao estrangeiro nos períodos de Março, Abril, Setembro e Outubro de 2011. Quanto ao segundo trabalhador, juntou o doc. n.º 6 de transferência da conta da empresa no AA… com descrição “restos das contas”.

 

16.2.2. Normativos a ter em conta e enquadramento da factualidade

Está em causa a aplicação ao caso concreto do disposto nos artigos 23.º (gastos) e 45.º (encargos não dedutíveis para efeitos fiscais) do CIRC, quando dispõem o seguinte (na redacção em vigor ao tempo dos factos, sublinhados nossos):

·                      «Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança -reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados» (alínea d) do n.º 1 do artigo 23.º).

·                      «Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: As ajudas de custo e os encargos com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não facturados a clientes, escriturados a qualquer título, sempre que a entidade patronal não possua, por cada pagamento efectuado, um mapa através do qual seja possível efectuar o controlo das deslocações a que se referem aqueles encargos, designadamente os respectivos locais, tempo de permanência, objectivo e, no caso de deslocação em viatura própria do trabalhador, identificação da viatura e do respectivo proprietário, bem como o número de quilómetros percorridos, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respectivo beneficiário (alínea f) do n.º 1 do artigo 45.º)».

(sublinhados nossos)

 

As dúvidas colocadas pela Requerida aquando da acção de inspecção tributária, e a que a Requerente teve oportunidade de responder durante o decurso do procedimento e, ainda, no exercício do direito de audição sobre o projecto de RIT, incidiram sobre:

1º.    A inexistência de prova da qualidade de trabalhadores da empresa relativamente a três pessoas no momento em que lhes foram efectuados pagamentos a título de ajudas de custo, num total de € 3.746,95, em alguns meses de 2011;

2º.    A inexistência de comprovação documental exigida na lei quanto a ajudas de custo, relativamente aos pagamentos efectuados às referidas três pessoas e ainda quanto ao pagamento de ajudas de custo à sócia D…, no montante de € 10.000,00, contabilizados em 31/12/2011.

3º.    A inexistência de prova sobre a indispensabilidade das despesas referidas nos pontos anteriores.

 

Relativamente à primeira questão, é nos autos invocada prova testemunhal – declarações da contabilista da empresa – no sentido de que a Requerente no recrutamento de motoristas utiliza a prática de inicialmente os utilizar “à experiência”, o que explicaria a inexistência de contratos. Com as alegações finais escritas veio a Requerente juntar cópia de contratos de trabalho sem termo certo, relativos aos trabalhadores em questão: dois contratos outorgados pela A…, um com G…, a iniciar em 4 de Abril de 2011 e o outro com H…, a iniciar em 27 de Abril de 2011. O terceiro contrato junto foi outorgado pela J…, Lda., com I…, a iniciar em 4 de Outubro de 2011. Em todos esses contratos se prevê um período experimental de 90 dias.

 

A Requerente, invocando as três testemunhas ouvidas (incluindo o inspector tributário interveniente na correcção em causa nos autos) alega que os mapas de deslocações facultados pelos colaboradores cujas ajudas de custo estão em causa nos autos são semelhantes aos mapas elaborados pelos restantes colaboradores e relativamente aos quais não foram levantados problemas de dedutibilidade quanto às respectivas despesas.

 

Quanto à segunda questão, a Requerente tem repetido que em sede de IRC, relativamente aos encargos a deduzir fiscalmente, o contribuinte pode comprovar os encargos através de qualquer meio de prova admissível por lei. Nas alegações finais considera feita prova de que os sócios da Requerente efectuaram, em 2011, 29 viagens (entre 2 a 4 viagens por mês), para realizar reuniões com o Cliente ou com potenciais clientes, e vistorias aos camiões, invocando documentos juntos apenas com o Pedido (doc. n.º 10 junto com a P.I) e o facto de a sócia ter pago IUC referente a 2011.

 

Quanto à terceira questão, a indispensabilidade dos encargos em causa, invoca a sua qualidade de empresa com actividade rodoviária internacional, a necessidade de, mensalmente, acertar questões com o seu único cliente em Espanha assim como de procurar clientes e parcerias, para o que se deslocou três vezes a uma empresa, em França. Perante esta argumentação, a AT concluiu, no Relatório final, que os gastos com ajudas de custo de trabalhadores não cumpriam o disposto no artigo 45.º, n.º 1, alínea f), do CIRC, nomeadamente por inexistência de um mapa de controlo das deslocações e quanto aos gastos com ajudas de custo e compensação pela deslocação e em veículo próprio da sócia, não foi apresentada prova bastante da realização de uma efectiva deslocação por parte dos sócios ao serviço e no interesse da Requerente, e portanto a necessária relação causal de indispensabilidade” (art. 23.º do CIRC).

 

De realçar que não está expressamente colocada nos autos a questão da aplicação do artigo 2.º do CIRS[4] - saber se os montantes pagos a pessoas indicadas como trabalhadores e gerente da empresa constituíram rendimentos sujeitos ou não a IRS na esfera dos que os receberam – mas apenas a questão da relevação dos encargos respectivos como custos na esfera da pessoa colectiva que efectuou os respectivos pagamentos.

 

Contudo, as duas questões estão intimamente relacionadas. Com efeito, a não sujeição de pagamentos feitos a título de ajudas de custo, despesas de deslocação, viagens ou representação, representação justifica-se por não constituírem um rendimento efectivo mas sim um rendimento ou adiantamento relativo a despesas suportadas pelo trabalhador no interesse da entidade patronal, sendo por isso sempre condicionada, exigindo prestação de contas até ao final do respectivo exercício, designadamente através da correspondente documentação comprovativa (al. d) do n.º 3 do art. 2.º do CIRS).

 

O regime fiscal deste tipo de despesas visa “dar guarida a dois interesses conflituantes. Permitir a integral dedutibilidade fiscal daquelas que são instrumento necessário à obtenção de proveitos empresariais e evitar situações de (“dupla”) evasão fiscal”, “dupla” na medida em que tais despesas sejam dedutíveis para efeitos de cálculo do rendimento tributável da entidade que as suportou (por acaso, a entidade patronal) e, sendo dirigidas à satisfação de interesses pessoais, não constituam rendimento tributável na esfera do trabalhador[5].

 

16. 3. A interpretação dos preceitos aplicáveis

Em cada exercício fiscal há que proceder à imputação dos rendimentos e gastos, assim como de outras componentes positivas e negativas do lucro tributável (art. 18.º CIRC). Quanto aos gastos há que ter em conta, nomeadamente, o disposto nos referidos artigos 23.º e 45.º do CIRC [6].

 

A noção de gastos do artigo 23.º (na redacção anterior às alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13/07, o conceito utilizado era “custos”) continha «uma verdadeira cláusula geral: serão aceites como tal, para efeitos fiscais, os constantes da contabilidade, desde que comprovados e indispensáveis[7]. Ou seja, a lei aceita, como ponto de partida, o conceito económico de custo, concretizado segundo as regras da contabilidade. Porém, sujeita a sua relevância fiscal às referidas condições. Por último, por diferentes razões (...) exclui, total ou parcialmente, a aceitação fiscal de determinados custos contabilísticos»[8].

 

Assim, quanto a essas duas condições dir-se-á, seguindo ainda Rui Duarte Morais:

Quanto à comprovação de um custo, os lançamentos contabilísticos apoiam-se em documentos justificativos, em facturas ou documentos equivalentes, e ainda que se possa e deva aceitar documentos “imperfeitos”, o recurso a meios de prova admitidos em direito, o Autor assinala linhas de força evidenciadas pela jurisprudência. De entre essas linhas de força[9], realça-se a última, reconhecendo que, quando a lei exige requisitos formais acrescidos para a prova da existência de um determinado custo, a falta do cumprimento de tais exigências acarreta, normalmente, a sua não-aceitação para efeitos fiscais, e exemplificando, precisamente, com o caso das ajudas de custo e as compensações relativas a deslocações do trabalhador, em viatura própria, ao serviço da entidade patronal (ob. cit. nota 178).

 

Em comentário aos encargos não dedutíveis (art. 45.º, em 2001, art. 42.º, na redacção anterior a 2010), o Autor diz sobre as ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador: «Tais encargos são, em princípio, aceites como custo fiscal. Só que a sua prova está sujeita a requisitos formais especiais, regulados nesta norma. Na falta ou insuficiência de tais documentos, a prova da efectividade desses encargos não poderá ser lograda com recurso a outros meios, pelo que não serão aceites como custos fiscais»[10].

 

Quanto à indispensabilidade de um custo, que Rui Duarte Morais considera porventura o problema mais difícil colocado pelo tema “custos”, o Autor acentua a diferença face à redacção do CCI, que exigia a indispensabilidade e razoabilidade dos custos, para concluir que custos a aceitar como necessários são os que os sujeitos passivos assim considerem na prossecução da actividade económica e no exercício de sua liberdade de escolha, para decidir como gerir as suas empresas. Reconhece, porém, que a lei fiscal recusa alguns encargos suportados, por considerar que certos custos podem ser determinados por motivações não empresariais mas pessoais (dos sócios, administradores, credores, etc.). 

Sobre a interpretação deste conceito de indispensabilidade do custo, a análise da ratio da disposição feita pela doutrina e jurisprudência divide-se, como sintetizado de forma muito clara na decisão arbitral do processo 731/2015-T, entre uma tese ampla e outra restrita[11]: «Quanto à primeira, considera que são indispensáveis os custos que têm ligação com a actividade do contribuinte, isto é, têm de ter uma relação causal e justificada com a actividade desenvolvida pela empresa. Já a segunda observa que apenas são indispensáveis os custos que têm uma relação objectiva com os proveitos»[12].

Quanto ao momento relevante para apreciação da indispensabilidade, será fundamental ter em conta, ainda que a posteriori, as circunstâncias conhecidas no momento da tomada da decisão[13].

 

Quanto ao ónus da prova da demonstração da relação entre o custo e a actividade económica desenvolvida, parece traduzir uma posição correcta face à lei, e equilibrada face aos interesses em presença, a interpretação adoptada no proc. 731/2015-T, citando designadamente o Acórdão do TCAS de 27 de Março de 2012, processo nº 05312/12, onde se concluiu que: «É seguro afirmar não recair sobre o contribuinte o ónus provatório da indispensabilidade dos seus custos. Contudo, se a administração tributária/AT, atuando submetida ao princípio da legalidade, fundamentadamente, despoleta a dúvida sobre a relação justificada de uma determinada despesa com a atividade do sujeito passivo, necessária e logicamente, por se encontrar mais habilitado para o efeito, compete a este uma explicação sobre a “congruência económica” da operação, a qual não se cumpre com a alegação abstrata e conclusiva de que a despesa se insere no interesse societário e/ou da existência de relação justificada com a atividade desenvolvida, exigindo-se, sim, que o contribuinte alegue e comprove factos concretos, sindicáveis, capazes de demonstrar a realidade, veracidade, das atuações empresariais provocantes dos gastos registados, em ordem a que, entre o mais, não resulte inviabilizada a função fiscalizadora da AT». 

 

16.4. Aplicação do direito aos factos

Identificadas as questões de facto e de direito relevantes para a aplicação do direito ao caso objecto do Pedido, pode concluir-se:

 

Quanto à questão da comprovação dos gastos em causa, era necessário, à época dos factos, a existência de registos que possibilitassem o controlo das deslocações a que se referem aqueles encargos “designadamente os respectivos locais, tempo de permanência, objectivo e, no caso de deslocação em viatura própria do trabalhador, identificação da viatura e do respectivo proprietário, bem como o número de quilómetros percorridos, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respectivo beneficiário”.

 

Como ficou provado a Requerente aquando da inspecção tributária, para justificar um total de encargos no valor de € 3.746,95 com deslocações, feitas nos meses de Março, Abril, Setembro e Outubro, apenas facultou declarações assinadas pelos três trabalhadores G…, H… e I…, quanto a importâncias referentes a Março e Abril, Abril, Setembro e Outubro, respectivamente. Nessa altura a Requerida não teve acesso aos contratos de trabalho desses trabalhadores mas apenas aos mapas de remunerações efectuadas pela empresa, tendo concluído que apenas G… aparecia nesses mapas mas só relativamente a Abril e, ainda aí, sem mapa justificativos das deslocações quanto ao montante de € 810,15.[14]

 

De realçar que com o Pedido (art. 47º) foram juntos a título de exemplo mapas relativos ao mês de Agosto (doc. n.º 8) mas esse mês é um período em relação ao qual não se verifica nenhuma das situações que deram origem a correcções já que, como referido, as situações consideradas injustificadas respeitavam aos três trabalhadores que tinham assinado declarações no sentido de terem recebido ajudas de custo sem que constassem das listas de remunerações efectuadas pela empresa nos meses de Março (G…), Abril H…, e Setembro e Outubro (I…), e sem que tivesse sido comprovada a sua qualidade de trabalhadores da Requerente nos mesmos períodos. O trabalhador G… constava das listas de remuneração em Abril mas não havia mapas de itinerário[15].

 

Ora configura-se inexplicável que os mapas relativos a deslocações de trabalhadores juntos aos autos apenas com as alegações não tenham sido apresentados durante a inspecção tributária nem na fase de audição prévia ou, sequer, em processo administrativo de reclamação graciosa ou mesmo aquando da apresentação do pedido de pronúncia arbitral. Essa a razão pela qual o tribunal não adquiriu a convicção de que os mapas, apenas recentemente juntos aos autos (após o tribunal ter insistido em sessão de inquirição de testemunhas se a IT não encontrara documentos idênticos aos preenchidos pelos outros trabalhadores), tenham sido preenchidos ao tempo dos factos não sendo, por isso, susceptíveis de comprovar a realidade descrita.

 

Também quanto aos encargos com as viagens da sócia, a descrição da realidade não apresenta verosimilhança. Para além das questões (até ultrapassáveis se acompanhadas de fundamentação e documentação que o permitissem) de falta de clareza sobre quem fazia as viagens (a sócia, os dois sócios?), da falta de coincidência entre a aparente periodicidade dos mapas de viagens e o pagamento das ajudas no último dia do ano e dos destinatários das transferências, não há dúvida que os mapas apresentados não são suficientemente convincentes até por falta de elementos comprovativos da descrição dos factos que contém.

 

É que o presente tribunal considera inexplicável, também, a inexistência de quaisquer indícios materiais das viagens dos sócios (por exemplo, notas de despesa de alojamento e alimentação, gastos em combustível, prova do conteúdo das reuniões através de actas das sociedades envolvidas, troca de correspondência postal ou electrónica, textos/projectos de acordos). 

 

Quanto às insuficiências apontadas à documentação das ajudas de custo dos sócios da Requerente, esta afirma que as despesas com as respectivas deslocações consubstanciam encargos indispensáveis para a realização dos rendimentos ou manutenção da fonte produtora, invocando que o contribuinte pode recorrer a todos os meios de prova em direito permitidos. E alega que, embora a doutrina defenda que “a falta de documento externo pode ser suprida por outros meios de prova que demonstrem de forma inequívoca a justeza do lançamento” [16], há que ter em conta que no caso dos autos não se trata de gastos relativos a aquisição de bens ou serviços – situação em que a ausência de documento externo justificaria especial exigência na prova que complementaria o documento interno - mas sim de gastos respeitantes a deslocações em viatura própria ao serviço de empresa e ajudas de custo. 

 

No caso dos autos, as deslocações da sócia (ou dos sócios) estão documentadas por recibos com datas mensais, registo no último dia do ano e duas declarações supervenientes com carimbos de duas empresas estrangeiras, sitas em Espanha e França, datadas de 2014 a confirmar, de forma extremamente vaga, existência de reuniões que se terão realizado em 2011. Não se compreende por que razão estes elementos documentais sem nenhum valor formal especial farão por si prova se desacompanhados de elementos que permitam confirmar a respectiva credibilidade.

 

O que se esperava era a produção de provas adequadas, que até poderiam ser internas (actas, relatórios, troca de correspondência, etc.), comprovativas do relacionamento empresarial que justificasse as deslocações registadas, e indícios como documentos dos sócios comprovativos de despesas que fizeram para se deslocar na época em que as deslocações se efectuaram.

 

Mas não foram juntos elementos de prova desse tipo em nenhuma das fases do processo. Mesmo a prova testemunhal (da contabilista ao serviço da empresa e de um gerente bancário com relações pessoais muito estreitas com os sócios) foi vaga – embora com reafirmação do interesse da Requerente em viajar muito para reunir com o cliente em França e eventualmente com outros clientes - e não apresentou elementos convincentes. 

 

Ou seja, não se configura como injustificada a conclusão no RIT de que “o sujeito passivo não só não apresentou nenhuma documentação de suporte da realização efetiva das deslocações objeto de ajudas custo escrituradas, como não apresentou uma justificação substancial que sustente a atribuição das referidas ajudas de custo e o subsídio de transporte (km) e a sua conexão objetiva destas com a atividade da sociedade (…)”,  sendo claramente insuficiente, face à desconfiança surgida e pedido de provas complementares pela AT, responder que “resulta claro que a atividade da Requerente justificava todas estas deslocações, as quais se afiguraram indispensáveis à obtenção do lucro da mesma”.  

 

Por outro lado, e ao contrário da tese da Requerente de que a AT não põe em causa a suficiência da documentação, pretendendo apenas discutir a indispensabilidade da despesas e restringindo indevidamente a liberdade de iniciativa empresarial, há que ter em conta que a suficiência da documentação revela-se fundamental na demonstração da veracidade dos gastos e respectiva indispensabilidade.

 

No presente caso trata-se de avaliar a indispensabilidade dos encargos com deslocações imputadas aos sócios que não se encontram devidamente comprovadas, quer quanto à existência quer quanto às causas. As declarações das duas empresas (uma, E…, a sua única parceira ao tempo e ainda hoje[17], e a outra, F…, indicada como eventual parceira) para além de muitíssimo distanciadas temporalmente das datas invocadas como se tendo realizado, são extremamente vagas e deixam as maiores dúvidas. Como considerar justificadas deslocações mensais a França para discutir acertos de contas e oscilações no preço do combustível? Não há telefones, correio, designadamente electrónico? O mesmo se diga a três reuniões para discutir eventuais parcerias, desacompanhadas de outros contactos escritos, propostas, relatórios, etc. Ou seja, as reuniões declaradas além da reduzida credibilidade quanto a terem sido a efectiva causa de deslocações tão dispendiosas (dada a irracionalidade de tal custo para uma empresa) não deixaram qualquer rasto que as confirme.

 

Considera-se pois inteiramente pertinente a observação da Requerida sobre a insuficiência da argumentação da Requerente baseada apenas na sua qualidade de empresa com actividade rodoviária internacional para justificar deslocações mensais para acertar questões com o seu único cliente em Espanha e três deslocações a França para procurar clientes.[18]

 

É que, tendo sido levantadas pela AT dúvidas fundamentadas sobre a indispensabilidade dos encargos, recaía sobre a Requerente o ónus de explicar a sua “congruência económica”, alegando e comprovando factos concretos, sindicáveis, capazes de demonstrar a realidade, veracidade, das actuações empresariais provocantes dos gastos registados, em ordem a que, entre o mais, não resulte inviabilizada a função fiscalizadora da AT”[19].

 

Na inquirição, as testemunhas apareceram a confirmar a tese de que independentemente de existência de mapas, “se há pagamento é porque houve deslocações”, porque a Requerente cumpre a lei, e não se admite que houvesse pagamentos sem contrapartida. Mas tal tese inverte os dados da questão: não são os pagamentos que, por si, justificam as deslocações, antes há que fazer prova das deslocações para justificar os pagamentos.

 

Assim como não impressiona a invocação pela Requerente de que dado o volume de negócios se justificaria o montante de encargos aqui em discussão. É que não existindo comprovativos adequados, não se trata de aceitar um qualquer “forfait”. Até pode admitir-se que alguns dos três trabalhadores em causa, ou mesmo todos, tenham efectuado realmente serviços que foram economicamente suportados pela Requerente e/ou que contribuíram para os respectivos proveitos e que fiquem por deduzir fiscalmente. O mesmo se diga das viagens feitas pelos sócios.

 

Mas não existe prova cabal disso pelas razões que ficaram expostas.

 

Para a ausência e dificuldades de prova poderá ter contribuído o carácter pessoal da sociedade, composta por apenas dois sócios, marido e mulher, e coexistente no mesmo negócio com outra sociedade, a J… . O aproveitamento comum de recursos pode levar a alguma falta de rigor organizativo e financeiro, até com prejuízo de alguma das sociedades[20].

 

Mas não cabe nem à administração[21] nem ao tribunal, que se limita a aplicar a lei, [22] superar as eventuais deficiências de funcionamento da Requerente.  

 

Assim, e em síntese, conclui-se que:

-          Não foram destruídas pela prova produzida nos presentes autos as dúvidas fundadas da Requerida sobre a qualidade de trabalhadores da Requerente, em 2011, de G… (em Março), H… (em Abril) e I… (Setembro e Outubro), ao tempo em que subscreveram declarações no sentido de ter recebido ajudas de custo já que os contratos de trabalho, mostrados apenas já em fase de alegações nos presentes autos, iniciavam-se em 1 de Abril e 27 de Abril, respectivamente, quanto aos dois primeiros (sem mapa do segundo), e quanto ao terceiro, o contrato junto não se mostra outorgado com a Requerente mas com outra empresa.

-          A (inexplicada) tardia apresentação dos referidos mapas impede também a atribuição de valor probatório no que respeita ao mês de Abril, no que respeita a G… . 

-          Não foi produzida prova da efectiva realização das deslocações alegadamente efectuadas durante todo o ano de 2011 e justificativas dos recibos subscritos pela sócia D… relativamente a ajudas de custo no montante de € 10.000,00 contabilizado em 31/12/2011.

-          A falta de comprovação das despesas referidas configura também uma situação de inexistência de prova sobre a indispensabilidade dessas despesas, levando à respectiva não dedutibilidade como gastos para efeitos de determinação do lucro tributável em IRC no exercício fiscal de 2011, por aplicação conjugada dos artigos 23.º e 45.º do CIRC. 

-          Não se mostra ilegal a liquidação de IRC objecto dos autos, pelo que se mantém o acto na ordem jurídica, não sendo, em consequência, devidos juros indemnizatórios relativamente ao pagamento da respectiva dívida de imposto.

 

Considerado improcedente o Pedido, improcede o pedido de condenação no reembolso de importância paga por conta da dívida, não cabendo ao tribunal arbitral apreciar em concreto a legalidade da determinação da dívida em processo de execução fiscal.

 

17. Decisão

Com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

a)      Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade da liquidação de IRC relativa ao ano de 2011 (n.º 2014…) no montante de € 2.249,61.

b)      Condenar a Requerente em custas.

 

18. Valor do processo

De harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 315.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do artigo 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 2.249,61 (dois mil, duzentos e quarenta e nove euros e sessenta e um cêntimos).

 

19. Custas

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 12º e no n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 612,00 (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerente.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 22 de Julho de 2016.

 

A Árbitro

 

 

(Maria Manuela Roseiro)

 



[1] Na segunda reunião de inquirição de testemunhas (apresentadas pela Requerente, a testemunha da Requerida fora já ouvida na primeira reunião) o tribunal ficara de formular uma pergunta por escrito dirigida à testemunha da AT, inspector tributário interveniente na inspecção. Contudo, essa pergunta não veio a ser apresentada porque o tribunal verificou que a questão, relativa à comparação com os elementos tidos em conta relativamente às ajudas de custo dos outros trabalhadores, havia sido já referida no depoimento oral. A testemunha explicara que, para além das falhas apontadas relativamente aos três trabalhadores e meses em causa nos autos, os mapas dos restantes trabalhadores também “não estavam a 100%” (resposta à dúvida do tribunal sobre dificuldade em articular todo os dados sobre distribuição de serviços, compreendendo o planeamento global das viagens pelos motoristas) mas haviam sido aceites.

[2] Isto é, não poderão ser apreciadas as decisões de indeferimento de reclamações graciosas em si mesmas, designadamente as que não conheceram do mérito do ato de liquidação que é objecto de reclamação, pois o que se permite através da impugnação da decisão da reclamação graciosa é apreciar a legalidade do subjacente acto de liquidação (...) e não a própria decisão de reclamação graciosa que não conheceu do mérito da pretensão do sujeito passivo” (Jorge Lopes de Sousa, ibidem, p. 125). De forma diferente do que acontece no processo judicial tributário em que, decorrendo do artigo 97.º do CPPT a regra da distinção entre impugnação judicial e acção administrativa especial (antes recurso contencioso) conforme o acto administrativo impugnado comporte ou não a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação, tem sido entendido que a disposição especial do n.º 2 do art. 102.º permite depreender que a impugnação judicial é sempre utilizável em caso de indeferimento de reclamação graciosa Jorge Lopes de Sousa, Arbitragem Tributária, p. 124 e CPPT anotado, vol. II, p. 149.

[3] Cf. por exemplo, acórdão arbitral proferido nos processos 282/2013-T.

[4] A lei faz depender a não tributação de pressupostos substantivos do pagamento da ajuda de custo: realização de uma efectiva deslocação por parte do trabalhador ao serviço e portanto no interesse da sua entidade patronal e o pagamento de quantitativo diário que não exceda os limites anualmente fixados para os servidores do Estado (cf. João Ricardo Catarino, Revista Fisco, n.º 97/98, p. 81).

[5] Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, Almedina, 2014, 3ª edição, pp.52/53 e nota 120.

[6] De acordo com a redacção do CIRC vigente em 2011. Após as alterações introduzidas pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, artigos 23.º e 23.º- A.

[7] Na redacção do artigo 23.º após a Reforma de 2014, substituiu-se o conceito de indispensabilidade: são aceites os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

[8] Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, p. 79.

[9] Que enuncia da seguinte forma: a existência de documento justificativo em “boa ordem” cria uma presunção da existência do custo que à administração caberá ilidir; a falta de determinados requisitos formais do documento justificativo não implica, necessariamente, a sua desconsideração enquanto meio de prova; as insuficiências da prova documental (do documento justificativo) e/ou as dúvidas que o negócio subjacente à sua emissão suscitem podem ser esclarecidas através do recurso a outros meios de prova, nomeadamente a testemunhal; o princípio da dedutibilidade dos custos efectivamente suportados pelo sujeito passivo tem que ser temperado com exigências de prevenção e combate da evasão fiscal; nos casos em que a lei exige requisitos formais acrescidos para a prova da existência de um determinado custo, a falta do cumprimento de tais exigências acarretará, normalmente, a sua não-aceitação para efeitos fiscais (cf. ob. cit. p. 80/81, e notas 175 a 178, sublinhado nosso).

[10] De realçar que a exigência de um mapa com os detalhes previstos na alínea f) do n.º 1 do art. 45.º em aplicação nos autos vigora apenas depois da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro. Muita da jurisprudência citada a propósito da comprovação de custos refere-se a situações anteriores a essa alteração legislativa. (exemplos, Acórdão do TCAN de 06/12/2004, rec. 04861/04, Acórdãos do TCAS de 06/02/2009, rec. 3085/09 e de 07/15/2009, rec  02014/07, dizendo-se neste último, “No caso e por referência ao ano de 1999 a redacção do art.º 41.º al. f) do CIRC (Redacção dada pela Lei n.º 87-B/98 de 31/12) era menos exigente do ponto de vista de documentação das ajudas de custo que a lei que lhe sucedeu ( art.º 42.º al. f) do CIRC na redacção (Redacção dada pela Lei n.º 87-B/98 de 31/12)”.Também, Ac. do TCAS de 09/24/2015, rec. 08225/14.    

[11] Como também referido nesta decisão, o legislador com a Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, alterou tal requisito, substituindo a indispensabilidade do gasto pela finalidade económica do mesmo.

[12] Para além das referências feitas a vária jurisprudência judicial e arbitral, seguimos a leitura e comentários de Rita Calçada Pires “Contabilidade de Gastos em IRC - Contextualizar a mais recente jurisprudência do CAAD 2015”, Arbitragem Tributária n.º 4, Janeiro 2016, pp. 12 a 23. A Autora identifica três questões na interpretação do artigo 23.º do CIRC: a ratio do preceito, qual o momento em que se deve proceder à análise e sobre quem recai o ónus de demonstrar a relação entre o custo e a actividade económica desenvolvida.

[13] Rui Duarte Morais, ob. cit. p. 88.

[14] A Requerente invoca nas alegações que “relativamente aos demais colaboradores da empresa, perante a apresentação de mapas de deslocação em tudo semelhantes aos que agora se apresentam (...) como os Documentos 1 e 8, a AT não questionou a (in)suficiência do suporte documental e consequentemente a dedutibilidade dos gastos incorridos. Ao fazê-lo agora, a AT estará manifestamente a adotar uma atitude contraditória”. Cabe aqui realçar que, na inquirição de testemunhas, o senhor inspector interrogado sobre os tipos de mapas utilizados pelos outros trabalhadores (e idênticos aos agora apresentados relativamente a dois dos trabalhadores cujas despesas estão em causa), disse que os outros mapas também não estavam a 100%, mas haviam sido aceites. Contudo, e independentemente da questão de saber quais as insuficiências dos referidos mapas e porque acabaram por ser aceites, o que está em causa nos autos é a apreciação das correcções feitas relativamente a três pessoas com fundamento na falta de comprovação da qualidade de trabalhador da empresa nas datas em que declaravam ter recebido ajudas de custo assim como o valor probatório de mapas apenas agora apresentados.

[15] A Requerida terá incorrido também em confusão ao apontar (nas alegações) contradição nos documentos referentes a “II…” (outro trabalhador da empresa) mas esse erro não interfere na fundamentação da convicção deste tribunal.

[16]«A inexistência de documento externo destinado a comprovar uma operação para a qual ele devia existir afecta necessariamente, e em princípio, o valor probatório da contabilidade e essa falta não pode ser suprida pela apresentação de um documento interno. É que o valor probatório de uma contabilidade assenta essencialmente nos respectivos documentos justificativos e, quanto aos que o devam ser, é a origem externa que lhes confere um carácter que se pode designar por presunção de autenticidade. Um documento de origem interna só pode substituir um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele reflectidos. Assim, a falta de documento externo pode ser suprida por outros meios de prova que demonstrem de forma inequívoca a justeza do lançamento efectuado» Freitas Pereira (in Parecer do CEF n.º 3/92, de 6/1/1992, CTF n.º 365, págs. 343 a 352).

[17] Embora com diferente denominação por ter sido entretanto adquirida por outra empresa (depoimento de uma das testemunhas).

[18] Apesar de a certa altura do procedimento inspectivo ter sido mencionada a questão da falta de indicação de encargos com ajudas de custo nas facturas dos serviços prestados pela Requerente, esta questão em si não teve influência nas correcções e liquidação. O RIT concluiu (ponto 21) que ao contrário do afirmado pela Requerente esta não debitara os encargos aos clientes mas reconheceu que é permitido (Despachos de 07/01/1999 e de 28/06/2004) às empresas associadas da ANTRAM que não evidenciem separadamente nas facturas emitidas aos clientes, o valor das ajudas de custo dos motoristas (não o valor das ajudas de custos dos sócios) mas que isso não as desobriga de demonstrar, através dos elementos que dêem a conhecer o beneficiário, o local da deslocação, a data, o montante diário que lhe foi atribuído e o valor facturado, com menção do serviço a que tais custos vão ser imputados (ofício circular n.º 015272 da DSIRC, de 5/06/2006). Note-se que na decisão proferida no processo arbitral 85/2012-T, invocada pela Requerente, considerou-se: “(…) não foi por falta do mapa que a Administração Tributária efectuou a correcção, mas sim com fundamento apenas na não indicação expressa em cada factura das despesas daqueles tipos nelas englobadas”, o que configura situação diversa da dos autos.

[19] Conforme Acórdão do TCAS acima indicado, proc. n.º 05312/12.

[20] Uma das testemunhas explicitou que as duas empresas são dos mesmos sócios sendo os camiões distribuídos por duas bases, em Irun e Valladolid. A ligação, com possível confusão de dados, entre as empresas transparece em documentos apresentados (p. ex. acima, factos provados, 13.21.)

[21] Recorde-se que surgidas dúvidas sobre as despesas (realização e/ou objectivos) cabia à Requerente desfazê-las. Acrescente-se que, podendo ser útil, a prova testemunhal não se mostra susceptível de superar certas falhas e/ou incongruências documentais. Assim, não se encontra infundamentada a justificação apresentada no procedimento administrativo para recusar audição de três testemunhas arroladas para prova das deslocações dos sócios no interesse da empresa, por existência de dependência laboral ou familiar.

[22] “Os tribunais arbitrais decidem de acordo com o direito constituído, sendo vedado o recurso à equidade” (n.º 2 do artigo 2.º do RJAT).