DECISÃO ARBITRAL
REQUERENTE: A… SA
REQUERIDA: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
I. Relatório
A…, SA, pessoa coletiva nº…, com sede na Rua…, nº … –…, sala…, … –… …, doravante designada por Requerente, apresentou em 27/01/2016, um pedido de constituição de tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que estabelece o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), para impugnação dos atos de indeferimento da reclamação graciosa e da subjacente liquidação de imposto de selo.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 28/01/2016 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 12-02-2016.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a ora signatária, em 29-03-2016. Comunicada a aceitação do encargo no prazo aplicável, foram as partes notificadas dessa designação. Estas aceitaram a designação do árbitro indicado, pelo que, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral ficou constituído em 14-04-2016.
Em 15-04-2016 foi proferido despacho arbitral, nos termos do artigo 17.º do RJAT e foi notificada para apresentar a sua Reposta, a qual foi apresentada nos autos em 17-05-2016, que aqui se dá por integralmente reproduzida. Foi junto, também, o respetivo processo administrativo.
Por despacho arbitral proferido na data de 19-05-2016, foram as partes convidadas a se pronunciar sobre a possibilidade de dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT. As partes pronunciaram-se, conforme requerimentos juntos aos autos em 25-05-2016 e 30-05-2016, a favor da dispensa, pelo que, em 14-06-2016 foi proferido despacho arbitral, dispensando a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, no qual se fixou o prazo de 10 dias, igual e sucessivo, para as partes apresentarem, querendo, as suas alegações escritas. No mesmo despacho foi fixada data para prolação da decisão arbitral até 15-07-2016.
As Partes não apresentaram alegações.
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A Requerente deduziu o presente pedido arbitral com vista à declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo (IS) emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, ao abrigo do disposto na verba 28.1 da TGIS, sobre o prédio urbano descrito como terreno para construção sob o artigo U - … da matriz predial urbana da freguesia de…, referente ao ano de 2013, como consta das notas de cobrança com o n.º 2014…, junto aos autos como documento n.º 1 em anexo ao pedido de pronúncia arbitral, no valor global de €12.052,70, com indicação do valor de €4.017,58, correspondente à 1ª prestação, em pagamento durante o mês de abril de 2014.
A Requerente apresentou o presente pedido arbitral após ter sido notificada do indeferimento da reclamação graciosa deduzida para anulação da liquidação de imposto de selo relativa ao prédio descrito e ao ano de 2013.
A Requerente entende, em suma, à luz da versão do IS em vigor no ano de 2013 (LOE para 2012), a consideração do terreno para construção como "prédios com afectação habitacional", para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS é ilegal, por violação do disposto nos artigos 6.º, 41.º e 45.º do Código do IMI. Pelo que requer a declaração de ilegalidade dos atos de indeferimento da reclamação graciosa e da liquidação de IS impugnada, por erro na qualificação jurídica dos factos e na interpretação da lei.
A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) respondeu, pugnando pela legalidade dos atos impugnados, alegando que os atos foram praticados em conformidade com as instruções superiores do Serviço de Finanças (DSIMT de 13-12-2012), por se entender que no caso concreto há lugar a incidência de IS, verba 28 e 28.1 da TGIS, defendendo que o pedido arbitral deverá ser julgado improcedente.
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O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), estão devidamente representadas e o processo não enferma de nulidades.
II. Matéria de facto
1. Factos que se consideram provados
a) A sociedade Requerente, A…, SA, é proprietária do prédio urbano com o artigo matricial urbano nº…, da Freguesia de … - …, o qual consiste num terreno para construção, com viabilidade de construção reconhecida para afetação habitacional, com o valor patrimonial tributário de € 1.205.270,00.
b) A Requerente foi notificada, em março de 2014, da liquidação de imposto do selo, efetuada ao abrigo da verba 28.1. da Tabela Geral do Imposto do Selo, correspondente à nota de cobrança junta em anexo ao pedido arbitral com o nº 2014…, na quantia global de €12.052,70, referente ao ano de 2013;
c) Na mesma data e pelo mesmo documento de cobrança, foi ainda notificada para o pagamento da 1ª prestação, a pagar durante o mês de abril de 2014, no montante de €4.017,58;
d) A Requerente apresentou Reclamação Graciosa em 27-07-2014, com vista à anulação da liquidação constante da nota de cobrança supra identificada, a qual foi indeferida;
e) Em 17-11-2015 a Requerente foi notificada, por Ofício nº … / … – …, do indeferimento da Reclamação Graciosa;
f) Em 27-01-2016, a Requerente apresentou o presente pedido de constituição do tribunal arbitral.
2. Factos que se consideram não provados
Não há factos relevantes para decisão que não se tenham provado.
3. Fundamentação da matéria de facto provada
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos aos autos pela Requerente e do que consta no PA junto pela AT, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram questionadas.
III. Matéria de direito
A questão objeto do presente pedido arbitral é a de saber se um terreno para construção, com viabilidade construtiva aprovada para afetação a "Habitação”, se insere no âmbito de incidência do n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), na sua redação inicial introduzida pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de outubro.
Estamos, deste modo, perante um caso concreto cuja decisão tem de ser equacionada e ponderada á luz da versão da lei então em vigor, a qual veio posteriormente a ser alterada pela Lei do Orçamento de Estado (LOE) para 2014.
Vejamos pois, se assiste razão à Requerente.
1. Regime da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro
A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, efetuou várias alterações ao Código do Imposto do Selo e aditou à TGIS a verba 28, com a seguinte redação:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1 %;
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5 %. “
Nas disposições transitórias que constam do artigo 6.º daquela Lei n.º 55-A/2012, estabeleceram-se as seguintes regras atinentes à liquidação do imposto previsto naquela verba:
“1 – Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral:
a) O facto tributário verifica-se no dia 31 de Outubro de 2012;
b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;
c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;
d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efectuada até ao final do mês de Novembro de 2012;
e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de Dezembro de 2012;
f) As taxas aplicáveis são as seguintes:
i) Prédios com afectação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;
ii) Prédios com afectação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;
iii) Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5 %.
2 – Em 2013, a liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efectuar nesse ano.
3 – A não entrega, total ou parcial, no prazo indicado, das quantias liquidadas a título de imposto do selo constitui infracção tributária, punida nos termos da lei.”
Utilizou-se na referida verba 28.1 e nas subalíneas i) e ii) da alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, um conceito que não é utilizado em qualquer outra legislação tributária, nestes precisos termos, que é o de “prédio com afectação habitacional”.
Designadamente no CIMI, que em várias normas do Código do Imposto do Selo introduzidas por aquela Lei é indicado como diploma de aplicação subsidiária relativamente ao tributo previstos na referida verba n.º 28 [artigos 2.º, n.º 4, 3.º, n.º 3, alínea u), 5.º, alínea u), 23.º, n.º 7, e 46.º e 67.º do CIS], não é utilizado um conceito com aquela designação.
A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (LOE 2014), alterou aquela verba n.º 28.1, dando-lhe a seguinte redação:
“28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1 % “
Já se vê que, entre a primeira versão de 2012 e a introduzida em 2014 há uma diferença substancial, uma vez que na primeira versão o legislador deixou deliberadamente fora da previsão da lei os terrenos para construção, vindo a introduzir este tipo de prédio na norma de incidência, em 2014. Esta é uma conclusão que se extrai direta e objetivamente da letra de lei, a qual não deixa margem para dúvida quanto aos propósitos do legislador, plasmados na supra citada Lei 55-A/2012.
Ainda assim, vejamos o que se conclui da análise dos conceitos de referência para tratamento do caso concreto.
2. Conceitos de prédios utilizados no CIMI
No IMI, enumeram-se as espécies de prédios nos seus artigos 3.º a 6.º nos seguintes termos:
“Artigo 2.º
Conceito de prédio
1 – Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2 – Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.
3 – Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.
4 – Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.”
“Artigo 3.º
Prédios rústicos
1 – São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:
a) Estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);
b) Não tendo a afectação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.
2 – São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afectação.
3 – São ainda prédios rústicos:
a) Os edifícios e construções directamente afectos à produção de rendimentos agrícolas, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores;
b) As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º
4 – Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.”
“Artigo 4.º
Prédios urbanos
Prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.
Artigo 5.º
Prédios mistos
1 – Sempre que um prédio tenha partes rústica e urbana é classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal.
2 – Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio é havido como misto.
Artigo 6.º
Espécies de prédios urbanos
1 – Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
2 – Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
3 – Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos. (Redacção da Lei n.º 64-A/08, de 31-12)
4 – Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.”
Posto isto, há que proceder à correta interpretação do normativo legal contido na verba 28.1 da TGIS, à luz dos supra citados normativos legais e dos princípios que orientam a tarefa interpretativa da norma jurídica.
3. Normas sobre interpretação das leis
O artigo 11.º da Lei Geral Tributária estabelece as regras essenciais da interpretação das leis tributárias nos seguintes termos:
“Artigo 11.º
Interpretação
1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.
2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.
3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.
4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.”
Os princípios gerais da interpretação das leis, para que remete o n.º 1 do artigo 11.º da LGT, são estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil, que estabelece o seguinte:
“Artigo 9.º
Interpretação da lei
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
4. Conceito de «prédio com afectação habitacional»
Como se vê pelas normas do CIMI transcritas, não é utilizado na classificação dos prédios o conceito de «prédio com afectação habitacional». Também não se encontra este conceito, com esta terminologia, em qualquer outro diploma.
O ponto de partida da interpretação daquela expressão é, naturalmente, o texto da lei, sendo com base nele que há que reconstituir o «pensamento legislativo», como impõe o n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT.
O conceito mais próximo do teor literal desta expressão utilizada é manifestamente o de «prédios habitacionais», definido no n.º 2 do artigo 6.º do CIMI como abrangendo «os edifícios ou construções» licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais.
A entender-se que a expressão «prédio com afectação habitacional» coincide com o de «prédio habitacional», é manifesto que as liquidações enfermarão de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, porquanto o prédio relativamente ao qual foi liquidado o Imposto do Selo ao abrigo da referida verba n.º 28.1 é um terreno para construção, sem qualquer edifício ou construção, os quais são exigidos por aquele n.º 2 do artigo 6.º para se preencher aquele conceito de «prédios habitacionais».
Por isso, a adotar-se a interpretação de que «prédio com afectação habitacional» significa «prédio habitacional», as liquidações cuja declaração de ilegalidade é pedida são ilegais.
No entanto, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba n.º 28.1 da TGIS com a que se extrai do n.º 2 do artigo 6.º do CIMI aponta no sentido de não se ter pretendido utilizar o mesmo conceito. Afigura-se, pois, tratar-se de conceitos distintos, como bem se refere no Acórdão Arbitral proferido no processo nº 559/2014 –T, que se transcreve:
“A palavra «afectação», neste contexto de utilização de um prédio, tem o significado de «acção de destinar alguma coisa a determinado uso». ( [1])
«Quando, como é de regra, as normas (fórmulas legislativas) comportam mais que um significado, então a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio a ou sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis. É que, de entre os sentidos possíveis, uns corresponderão ao significado mais natural e directo das expressões usadas, ao passo que outros só caberão no quadro verbal da norma de uma maneira forçada, contrafeita. Ora, na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento». ( [2] )
A relevância do texto da lei é especialmente acentuada em matéria de interpretação de normas de incidência do Imposto do Selo, que se reconduzem a uma amálgama, sob uma denominação comum, de um conjunto incongruente de tributos de naturezas completamente distintas (sobre o rendimento, sobre a despesa, sobre o património, sobre atos, etc.), que não deixa margem apreciável para aplicação do critério interpretativo primordial, que é a unidade do sistema jurídico, que reclama a sua coerência global.
A reconhecida falta de coerência do Imposto do Selo é particularmente exuberante no caso desta verba n.º 28.1, apressadamente incluída à margem do Orçamento Geral do Estado, por um legislador fiscal sem orientação fiscal global percetível, que vai implementando sucessivamente normas de agravamento fiscal à medida dos constrangimentos impostos pelas dificuldades da execução orçamental, das imposições dos credores institucionais internacionais (representados pela «troika») e da fiscalização do Tribunal Constitucional.
Na verdade, embora na “Exposição de Motivos” da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª ([3]), em que se baseou a Lei n.º 55-A/2012, se faça referência à louvável preocupação do Governo de “reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento” e ao seu empenho «em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho”, é manifesto, por um lado, que essas razões de equidade, decerto existentes, não começaram a valer em meados de 2012, já existindo no início do ano, quando entrou em vigor o Orçamento Geral do Estado e, por outro lado, que o alcance da verba n.º 28.1, ao tributar acrescidamente os prédios com afetação habitacional e não também os prédios que a não têm, deixa entrever que as preocupações de equidade social e a proclamada intenção de repartição dos sacrifícios por todos atinge muito mais alguns do que propriamente todos.
Neste contexto, não existindo elementos interpretativos seguros que permitam detetar coerência legislativa na solução adotada na referida verba n.º 28.1 ou o acerto ou desacerto da solução adotada (relevante para efeitos interpretativos à face do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), o teor do texto legal tem de ser o elemento primacial da interpretação, em conformidade com a presunção, imposta pelo mesmo n.º 3 do artigo 9.º, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
À face daqueles significados das palavras «afectação» e «afectar», que são «dar destino» ou «aplicar», a fórmula utilizada naquela verba n.º 28.1 da TGIS, abrange, manifestamente, os prédios que a que já foi dado destino para habitação, os prédios que já estão aplicados a fins habitacionais, pelo que importa indagar se abrangerá também os prédios que, apesar de não estarem ainda aplicados a fins habitacionais, estão a estes destinados.”
A questão relevante para a decisão dos presentes autos é, pois, a de saber se podemos entender que um prédio está afetado a fim habitacional, designadamente quando lhe é fixado esse destino num alvará de loteamento ou ato de licenciamento ou semelhante, ou apenas quando a efetiva atribuição desse destino é concretizada.
Ora, o confronto da verba n.º 28.1 da TGIS com n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, que define o conceito de prédios habitacionais, aponta no sentido de ser necessária uma afetação efetiva, já que um edifício ou construção licenciado para habitação ou, mesmo sem licença, mas que tenha como destino normal a habitação, é, à face do n.º 2 daquele artigo 6.º um prédio habitacional, pois nele se dá tal classificação aos «edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins».
Por isso, no pressuposto de que o legislador da Lei n.º 55-A/2012 soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (como impõe o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil que se presuma), se pretendesse reportar-se a esses prédios já licenciados para habitação ou que tenham a habitação como destino normal, decerto teria utilizado o conceito de «prédios habitacionais», que expressaria perfeita e claramente o seu pensamento, à face da definição dada por aquele n.º 2 do artigo 6.º do CIMI.
Consequentemente, deve presumir-se que o uso de uma expressão diferente tem em vista uma realidade distinta, pelo que, «prédio com afetação habitacional», não poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um «prédio habitacional»), tendo de ser um prédio que tenha já efetiva afetação a esse fim.
Por fim, o texto da lei ao adotar a fórmula «prédio com afectação habitacional», em vez de «prédios urbanos de afectação habitacional», que aparece na referida «Exposição de Motivos», aponta fortemente no sentido de que se exige, à luz da versão aplicável ao ano de 2012, que a afetação habitacional já esteja concretizada, pois só assim o prédio estará com essa afetação.
No caso em apreço, está-se perante um mero terreno para construção, ou seja, algo que naturalmente não poderá ter, de todo, afetação habitacional porquanto não existe nenhum edifício ou construção nele implantado.
Por outro lado, a intenção legislativa de não estender o âmbito de incidência a terrenos construção, foi expressamente referida pelo Governo em 2012, ao apresentar no Plenário da Assembleia da República a Proposta de Lei 96-XII ao dizer, pela voz do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais:
«Em primeiro lugar, o Governo propõe a criação de uma taxa especial para tributar prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8%, em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional, o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e em 2013».
A referência expressa a «casas» como alvo da incidência do novo tributo não deixa margem para dúvidas sobre a intenção legislativa, além do que não se encontra na discussão da referida proposta de Lei qualquer referência a «terrenos para construção».
Quanto à alegação que a ATA extrai do disposto no artigo 45.º do CIMI, não tem qualquer relação com a classificação de prédios apenas indicando os fatores a ponderar na avaliação de terrenos para construção.
Por fim, há que ter em conta que a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (LOE 2014), ao contrário do que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira, não visou esclarecer o elemento lógico subjacente à redação inicial da verba n.º 28.1, antes veio confirmar, indiretamente, a interpretação de que ela não abrangia os terrenos para construção. Se na redação original daquela verba n.º 28.1, ao falar de «prédio com afectação habitacional», o legislador já pretendesse abranger os edifícios e construções que constituíam «prédios habitacionais» (nos termos do artigo 6.º, n.º 2, do CIMI), e os terrenos para construção para que estivesse autorizada ou prevista habitação, seria natural que se atribuísse à nova redação natureza interpretativa, o que não sucedeu. Isto é tanto assim quanto, como se sabe, a mesma Lei n.º 83-C/2013, tomou essa posição noutras disposições [artigo 177.º, n.º 7, relativamente às alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 17.º-A do Código do IRS, e artigo 185.º, n.º 1, relativamente ao artigo 3.º-A do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado].
Por último, é usual nas leis orçamentais, quando se pretende que as novas redações se apliquem às situações potencialmente abrangidas pelas anteriores redações, atribuir-lhe natureza interpretativa. Logo, se o legislador não o fez nesta matéria foi porque entendeu que não o devia fazer, não cabendo ao tribunal ir além do que a lei lhe permite.
Por isso, o facto de não se ter atribuída natureza interpretativa à nova redação aponta no sentido de que se ter pretendido alterar o âmbito de incidência da referida verba n.º 28.1 da TGIS e não mantê-lo, esclarecendo-o.
Por todo exposto, o indeferimento da reclamação graciosa e a liquidação impugnada enfermam de vício de erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado em violação da verba n.º 28.1 da TGIS, que justifica a sua anulação (artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo). ( [4] )
IV - Decisão
Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Anular o ato de indeferimento da reclamação graciosa e a liquidação de Imposto do Selo subjacente, referente ao ano de 2013, com a consequente devolução das quantias que eventualmente tenham sido pagas pela Requerente, nos termos legalmente previstos.
c) Condenar a Requerida no pagamento das custas arbitrais.
Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €12.052,70.
Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €918,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 15 de julho de 2016
A Juiz Árbitro,
(Maria do Rosário Anjos)
([1]) Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, I volume, página 102.
([2]) BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, página 182.
( [4] ) Neste sentido tem vindo a decidir o Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se pelos acórdãos de 09-04-2014, proferidos nos processos n.ºs 01870/13 e 048/14, e de 23-04-2014, proferidos nos processos n.ºs 0271/14, 0270/14 e 0272/14, disponíveis em http://www.dgsi.pt .