Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 49/2016-T
Data da decisão: 2016-07-15  IRS  
Valor do pedido: € 236.723,03
Tema: IRS - Cláusula geral antiabuso; venda de participações sociais; prazo para instauração de procedimento
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Decisão Arbitral

 

            Os árbitros Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. José Nunes Barata e Senhor Dr. Victor Simões (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 08-04-2016, acordam no seguinte:

           

            1. Relatório

 

A…, NIF 189 446 072, e B…, NIF…, com domicílio na Avenida …, Edifício …, n.º…, …, …-……, doravante designados por “Requerentes”, vieram apresentar pedido de pronúncia arbitral nos termos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante apenas designado por RJAT).

            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

Os Requerentes pedem a apreciação da legalidade dos actos tributários de liquidação de IRS n.º 2015…, no valor de € 187.107,50, e de juros compensatórios n.ºs 2015… e 2015…, nos valores de € 48.774,89 e € 840,64, respectivamente.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 12-02-2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 29-03-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 08-04-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 18-05-2016 foi decidido dispensar reunião e que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas excepções nem há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)    A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma acção de inspecção aos Requerentes relativa ao IRS do ano de 2008;

b)    Por despacho de 24-11-2015, proferido pela Senhora Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira foi autorizada a aplicação da cláusula geral antiabuso;

c)    O despacho referido manifesta concordância com a proposta feita no Relatório da Inspecção Tributária, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

I - Conclusões Da Acção Inspectiva

No decurso do presente procedimento de inspecção foram analisados actos e negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos por meios artificiosos e com abuso das formas jurídicas, à redução de impostos que seriam devidos sem a utilização desses meios, que constituem fundamento para proceder à aplicação da norma legal antiabuso prevista no n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária (LGT).

Assim, alicerçados naquela norma da LGT, entendemos estarem reunidas as condições para desconsiderar fiscalmente o acto da transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, sujeitando, em consequência, a tributação, em sede de imposto sobre os Rendimentos das Pessoas Singulares, os ganhos obtidos com a alienação onerosa das partes sociais enquanto quotas.

Em face da aplicação do n.º 2 do artigo 38.º da LGT, resultam da acção inspectiva efectuada a A…, NIF - …e B…, NIF - … as seguintes correcções em matéria tributária:

A - Correcções à colecta de IRS do agregado familiar (A…e B…)

 

II - Objectivos, Âmbito e Extensão Da Acção Inspectiva

11.1 Credencial e período em que decorreu a acção

A acção inspectiva foi efectuada em cumprimento do determinado na Ordem de Serviço n.º OI2015….

11.2. Motivo, Âmbito e Incidência Temporal

Motivo da acção: Foi proposta emissão de ordem de serviço na sequência do ofício da DSIFAE de 2015/07/24, dando conta da sua informação n.º DSIFAE/…/2015 datada de 2015/06/23 relativa à proposta de aplicação da cláusula antiabuso aos actos da transformação da sociedade por quotas C…, S.A., NIPC -…, em sociedade anónima, sujeitando, em consequência da aplicação da norma, à tributação, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) os ganhos obtidos com a alienação onerosa das partes sociais enquanto quotas.

Âmbito da acção: Parcial - IRS

Código de actividade: …- Controlo de esquemas de planeamento fiscal abusivo

Incidência temporal da acção: 2008

II.3. Outras Situações Sujeitos Passivos

A…, NIF - … e B…. NIF -… (adiante designados apenas por A… e B…) casados em regime de comunhão de bens adquiridos com domicílio fiscal na Avenida…, Edifício…, nº … -…, …-…….

Os contribuintes constituem um agregado familiar nos termos do artigo 13.º do Código do Imposto sobre as Pessoas Singulares (CIRS).

Da situação declarativa

Não têm declarações de IRS em falta. Como veremos adiante não procederam à entrega do anexo G da declaração de IRS do ano 2008.

Das dívidas fiscais

Não possuem dívidas em execução fiscal.

III - Dos Factos

No âmbito do Processo-Crime NUIPC …/10…. IFLSB, no qual os factos em análise foram investigados relativamente à eventual prática do crime de fraude fiscal, previsto e punido nos termos do artigo 103.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), pela sociedade C…, S.A., NIPC -…, (doravante designada apenas por C…) foi, em 2014/12/19, proferida decisão de arquivamento do processo de inquérito (Anexo 1).

A C…foi constituída em Maio de 2003, dando início de actividade a 13 de Maio, com a actividade principal de comércio a retalho em supermercados e hipermercados (CAE -…) e tendo ainda como actividades acessórias as classificadas com os códigos CAE … e….

A C… desenvolve a sua actividade através da exploração de uma unidade comercial sob a marca "D…".

No decorrer da investigação supra verificou-se que os sujeitos passivos A…e B…, casados em regime de comunhão de bens adquiridos e accionistas da C…, alienaram em Agosto de 2008 pelo valor total de 2.000.000,00 €, participações sociais que detinham naquela sociedade, não tendo, na declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2008, mencionado aquela alienação pois, juntamente com a mesma, não foi entregue, quer o Anexo G, quer o Anexo G1.

Com efeito, verificou-se que:

Em Maio de 2003, a C…foi constituída sob a forma de sociedade por quotas, com o capital social de 110.000,00€, distribuído da seguinte forma:

• 82.500,00 € - A…, e

• 16.500 € - B…, casados em regime de comunhão de adquiridos, detentores de cerca de 90% do seu capital social.

• 11.000,00€ - E…, S.A. -NIPC- ….

A gerência desta sociedade pertenceu, desde o início a A... . Este permaneceu na gerência da sociedade até 8 de Agosto de 2008, nesta data já como administrador único, uma vez que a sociedade tinha já sido objecto de transformação, como veremos adiante.

Em 30 de Maio de 2008, os sócios da sociedade promovem a alteração da natureza jurídica da C…, através da sua transformação em sociedade anónima, ficando o seu capital dividido em 22.000 acções, de valor nominal unitário de 5,00€: distribuído da seguinte forma:

• 16.500 acções, no total de 82.500,00€ - A…;

• 3.260 acções, no total de 16.300,00€ - B…;

• 2.200 acções, no total de 11.000.00 € - E…, S.A., NIPC -…;

• 20 acções, no total de 100,00€ - G…, NIF -…, filho de A… e de B… (participação resultante da cessão de quota de B…);

• 20 acções, no total de 100,00€ - H…, NIF - … (participação resultante da cessão de quota de B…).

Na mesma data foi nomeado administrador único da sociedade, A….

(Anexo 2 - Contrato de renúncia ao usufruto, divisão, cessão de quotas e transformação da sociedade bem como o novo Pacto Social da mesma).

A 1 de Agosto de 2008 foi celebrado um contrato de transmissão de acções nominativas (Anexo 3) nos termos do qual os primeiros contratantes, A… e B…, transmitem, livres de ónus e encargos, as acções que detêm, correspondentes a 90% do capitai social da sociedade C…, à segunda outorgante, a sociedade I…, Lda. (doravante designada apenas por I…) pelo valor de 2.000.000,00€. Nos termos deste contrato, A…transmite 16.500 acções nominativas e B… transmite 3.260 acções nominativas à sociedade I…, o que perfaz um total de 19.760 acções nominativas, ficando esta última com um total de 19.800 acções uma vez que esta adquire mais 40 acções a terceiros conforme estipulado no ponto dois da cláusula primeira do referido contrato. Deste modo, o capital social da C…, mantém-se com o valor de 110.000€, composto por 22.000 acções pertencentes a:

• I… - 19.800 acções (19.760 referidas supra + 40 acções de G…e H…) que correspondem ao capital de 99.000,00€;

•E…, S.A .- 2.200 acções que correspondem ao capital de 11.000,00€.

A sociedade I…foi constituída em 8 de Julho de 2008, com o objecto social de gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas e com o capital social de 200.000,00€, correspondente à soma de três quotas, sendo uma no valor nominal de 150.000,00€ do sócio J…, outra do valor nominal de 30.000,00€ da sócia K…, e outra no valor nominal de 20.000,00€ da sócia E…, S.A. (cfr. Contrato de sociedade por quotas constante do Anexo 4). De salientar o facto que a I… efectuou a aquisição das referidas acções pelo valor de 2.000.000,00€, montante este 10 vezes maior que o valor do seu capital social.

A 5 de Maio de 2014 foi efectuada, novamente, a transformação da C…em sociedade por quotas, pertencendo uma quota no valor de 99.000,00€ à sociedade I…, Lda. e uma quota no valor de 11.000,00€ à sociedade E…, S.A., competindo a administração da mesma a J…, que também desempenha a função de sócio-gerente da I….

Em termos esquemáticos temos (certidão permanente da C… em Anexo 4):

 

 

Constata-se, então, que a sociedade C… foi constituída, em 2003/05/14, sob a forma de sociedade por quotas e assim se manteve até 2008/06/12, data em que foi transformada em sociedade anónima, tendo em 2014/05/05, sido transformada novamente em sociedade por quotas.

Apesar da mudança de natureza jurídica, o capital da C…manteve-se inalterado assim como a gestão da mesma, A…passou de sócio gerente da sociedade a administrador único, detendo 75% do capital social da sociedade na sua posse.

Não se vislumbra qualquer razão económica para a alteração da forma jurídica da C…, uma vez que o seu capital, em termos de estrutura e montante permaneceu inalterado, a gestão do capital e o poder de tomada de decisão permaneceu, igualmente, na titularidade de A….

Analisada a acta n.º 10 da C… (Anexo 5) referente à Assembleia Geral Extraordinária que ocorreu no dia 2008/05/21, na qual foi discutida e aprovada por unanimidade a transformação da C…em sociedade anónima, bem como analisado o Relatório justificativo desta transformação (Anexo 6) não foi em qualquer destes documentos apresentada qualquer justificação de vontade para a referida transformação, limitando-se a afirmar que se encontravam verificados os requisitos legais previstos no Código das Sociedades Comerciais para que a transformação pudesse ocorrer.

Acresce ainda que, 5 dias após a realização desta Assembleia Geral extraordinária e 4 dias antes da transformação da sociedade, foi elaborado um contrato promessa de transmissão de participações sociais entre A…e B…como promitentes-cedentes e os sócios maioritários da I… como promitentes-compradores, o que evidencia que esta transmissão de acções já tinha sido negociada antes da efectiva transformação da sociedade.

Afigura-se, assim, que a referida transformação da sociedade apenas foi efectuada por razões de natureza fiscal, isto é, excluir da tributação em sede de IRS, na esfera de A…e B…, a mais-valia gerada pela alienação das acções da C…, tendo a mesma sido ocultada à Administração Fiscal através da não entrega do Anexo G1 da declaração de IRS relativo às mais-valias não tributadas, por parte de A…e B….

Desta forma, verifica-se que a transformação da sociedade C…em sociedade anónima, constitui, de forma evidente, acto e negócio que, com abuso de forma jurídica, teve como único objectivo a eliminação de encargos tributários tais como:

• A tributação da mais-valia gerada com a alienação das quotas que A… e B… possuíam na C…, nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS. Logrando dessa forma

A exclusão de tributação, em sede de IRS, das mais-valias geradas com a alienação das participações sociais detidas por A… e B…, que, de acordo com a legislação fiscal à data da alienação daquelas participações sociais (n.º 2, alínea a) do artigo 10º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares), não eram tributadas, uma vez que eram mais-valias provenientes da alienação de acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses - nos termos do n.º 4, alínea b) do artigo 43.º do mesmo diploma legal, a data de aquisição de acções resultantes da transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima é a data de aquisição das quotas que lhe deram origem.

Dispõe o n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária que:

"São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens referidas".

A norma transcrita consagra, no ordenamento jurídico tributário nacional uma verdadeira cláusula geral antiabuso e estatui a ineficácia, perante a Administração Tributária, de actos e negócios jurídicos praticados com evidente abuso de formas jurídicas os quais conduzem, em desfavor da Fazenda Nacional, à eliminação, total ou parcial, ou diferimento temporal do pagamento de impostos que de outro modo seriam devidos.

V - Apreciação Do Caso Concreto

Analisando a norma e seguindo de perto a doutrina, dir-se-á que a sua hipótese encerra quatro pressupostos para que o aplicador, em concreto, possa dela lançar mão, são eles:

- A forma utilizada - elemento meio;

- A vantagem fiscal e a equivalência económicas obtidas - elemento resultado;

- A motivação do S. P. - elemento intelectual;

- A reprovação normativo - sistemática da vantagem obtida - elemento normativo;

Ora, da avaliação de todos os elementos que foram dados a conhecer ao procedimento é possível, em acoplação com os elementos ou condições referidos, identificar

a) Elemento meio:

"...actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico...."

O elemento meio corresponde à via escolhida pelo contribuinte para obter o desejado ganho ou vantagem fiscal, i.e. o(s) acto(s) ou negócio(s) jurídico(s) cuja estrutura se encontra determinada em função de um dado resultado fiscal,

No caso em apreço, como descrito no Capitulo III (Dos Factos) do presente relatório, os contribuintes levaram a cabo uma sucessão preordenada de actos que, em conjunto, vergaram o acto de transmissão das participações sociais da C…à hipótese da norma prevista no n.º 2 do artigo 10.º do CIRS.

Com efeito, para que, em concreto, as mais-valias provenientes da alienação se subsumissem àquela "exclusão" prevista no código do IRS, bastou que o contribuinte transformasse a sociedade por quotas C…em sociedade anónima, acto que, atento o objectivo revelado como último, e que se logrou demonstrar ter sido, também, o primeiro, era dispensável.

Avaliando a sequência dos actos verificados podemos, desde logo, avançar, apontando que nenhum impedimento legal existisse que obstasse à venda de quotas à sociedade I…, SGPS, Lda, porquanto, este tipo de sociedade - SGPS - gere quer quotas quer acções, conforme Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro. No entanto, se se atender exclusivamente à repercussão fiscal do acto de transmissão das participações sociais, com facilidade se percebe que fiscalmente ao contribuinte não é indiferente transmitir quotas ou transmitir acções, especialmente se a antiguidade das acções for superior a 12 meses, o que aconteceu no caso concreto, por forca do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 43.º do CIRS.

Assim, não se vislumbra que outra motivação, que não a fiscal (de preponderante relevância no negócio jurídico em apreço) tenha motivado a opção de transformação, feita pelo contribuinte, de resto, a única que nos surge como susceptível de explicar o enredo de negócios jurídicos que, temporalmente, culminou na transmissão das participações sociais da sociedade (90% do capital sócial) para a I…, SGPS, Lda. Na esteira de uma normal racional idade económica reafirma-se que tendo as sociedades SGPS a faculdade legal de gerir quotas ou acções, poderiam, aquelas participações sociais, ter sido transmitidas na sua qualidade de quotas, sem mais delongas e encargos.

Nesta perspectiva, facilmente se vislumbra que se tivessem optado, A…e B…, pela via dita "normal", teriam alienado participações sociais denominadas de quotas estando, nessa medida, a mais-valia gerada pela transmissão sujeita a tributação, conforme disposto no n.º 1 do artigo 10.º do CIRS. Se tivessem optado pelo negócio normal obteriam o mesmo resultado económico, que obtiveram após o acto de transformação, de resto, só explicável pelo afastamento da tributação que tal manobra permitiu.

b) Elemento resultado

Conforme refere o n.º 2 do artigo 38º da LGT, os actos ou negócios jurídicos "anómalos" deverão ser "essencial ou principalmente dirigidos à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios…."

O elemento resultado consiste na vantagem fiscal conseguida através da actividade do (s) contribuinte (s).

Neste estádio importa lembrar duas normas do CIRS, circunstancialmente fulcrais, à data dos factos, são elas:

i. n.º 2 do artigo 10.º do CIRS, onde se determina: "2 - Excluem-se do disposto no número anterior as mais-valias provenientes de alienação de: a) Acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses:" e

ii. a alínea b) do n.º 4 do artigo 43.º do CIRS, onde se lê: "A data de aquisição das acções resultantes da transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima é a data de aquisição das quotas que lhes deram origem;".

Assim, em virtude da antiguidade das quotas transitar para as acções resultantes da transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima {por acções), alcançaram, os contribuintes, com o enredo acima descrito, a subsunção da transmissão das suas participações sociais à previsão do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS, furtando-se, deste modo, à tributação das mais-valias obtidas com a alienação daqueles valores mobiliários.

A este propósito, sublinha-se que à equivalência do resultado económico obtido - resultado da venda dos valores mobiliários, não corresponde equivalente oneração fiscal, como a seguir se demonstra, porquanto, tal resultado - económico, concretizado pela venda das participações, sempre seria o mesmo, existisse ou não transformação das sociedades por quotas em sociedades anónimas.

1) Resultado com transformação:

A transformação da sociedade, de sociedade por quotas em sociedades anónima, metamorfoseou as partes de capital de quotas para acções. Ora, tal transmutação permitiu a exclusão da tributação das mais-valias obtida com a transmissão das participações sociais, por força do n.º 2 do artigo 10.º do CIRS.

Com efeito, com a transformação da sociedade, de sociedade por quotas em sociedade anónima, lograram, os contribuintes, uma não tributação, de que não lograriam se tivessem optado por transmitir as mesmas participações sociais na veste de quotas.

Assim tendo em conta que A… alienou 16.500 acções da sociedade C…e B… 3,260 acções num total de 19760 acções, a que corresponde uma percentagem da participação alienada de 83,50 % (=16500/19760) para A…e 16,50 % (=3260/19760) para B….

Temos então o seguinte resultado fiscal:

Recorde-se que, se os contribuintes tivessem optado por um procedimento economicamente menos oneroso e, também por isso, de maior racionalidade económico-financeira, teriam alienado participações sociais denominadas de quotas estando, nessa medida, a mais-valia gerada por tal transmissão sujeita a tributação à taxa de 10%, nos termos conjugados do n.º 1 do artigo 10º com o n.º 4 do artigo 72º, ambos do CIRS.

2) Resultado sem transformação:

Se os contribuintes, A…e B…, optassem por não transformar as participações na sociedade (dado ser a transformação dispensável atento o fim, que objectivamente se revelou como último) teriam transmitido, em 1 de Agosto de 2008, participações sociais denominadas - quotas. Tal transmissão - de quotas, estaria sujeita à norma de incidência prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.ºdo CIRS, onde se lê:

• "1- Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: (...)

b) Alienação onerosa de partes sociais (...)" não aproveitando, concomitantemente, do disposto na alínea a) do n.º 2 daquela norma tributária, onde se lê:

"2 - Excluem-se do disposto no número anterior as mais-valias provenientes da alienação de: a) Acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses;".

Se os contribuintes transmitissem as participações sociais sem a prévia transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, obteriam o mesmo resultado económico (a cessão das participações), mas, desta feita, sujeito a tributação.

Termos então o seguinte resultado fiscal;

c) Elemento intelectual

Nos termos do n.º 2 do artigo 38º da Lei Geral Tributária; "...essencial ou principalmente dirigidos..."

Nos termos da norma transcrita, exige-se, que a escolha e forma adoptada pelo contribuinte seja fiscalmente dirigida (tax driven) à obtenção da vantagem fiscal.

No caso em apreço, atento todo o circunstancialismo de facto anteriormente descrito, imediatamente se evidência que a motivação dos contribuintes, para a descrita sucessão de negócios jurídicos (divisão de quota; cessão de quotas e transformação de sociedade), só se compreende se for fiscal. Atente-se, como referido anteriormente, que o resultado económico, concretizado pela venda das participações, sempre seria o mesmo, existisse ou não transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, o que, permite concluir pela dispensabilidade da transformação da sociedade, face ao objectivo que se logrou demonstrar ser último.

Nesta sede, assume especial relevo o contrato promessa de transmissão de participações sociais celebrado em 26 de Maio de 2008 (facto mencionado no ponto B do contrato de transmissão de acções nominativas - Anexo 3) em que os contribuintes expressam, clara e inequivocamente a sua intenção de alienar as suas quotas na sociedade C…, antes da transformação desta em sociedade anónima. O que é revelador e corroborante da intenção, ab initio, dos contribuintes visados neste procedimento de transmitir as participações que detinham C…, à sociedade I… resultando claro que o acto de transformação da sociedade - dispensável, enxertado no processo, foi essencialmente ou principalmente dirigido à vantagem fiscal que proporcionou.

d) Elemento Normativo

Nos termos do n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária:

"...por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas..."

A este elemento subjaz a desconformidade do resultado obtido com a ratio legis, o espírito ou propósito da lei, e com os princípios do Código em causa ou do Sistema Fiscal. Com efeito, o modo de objectivação do conteúdo da normatividade jurídica manifesta-se, no direito, como um sistema, que é coerente.

Em termos exclusivamente estratégico-programáticos - uma estratégia específica orientada por um finalismo e traduzida num programa de governo, a exclusão de tributação das mais-valias provenientes da alienação das acções, detidas por um período superior a 12 meses, teve na génese o objectivo de desenvolvimento do mercado financeiro, estimulando e dinamizando o mercado de capitais, e atrair investimentos, sem contudo, deixar de tributar a mera especulação mobiliária de curto prazo, ou qualquer forma artificiosa de exclusão, como se retira, de resto, do preâmbulo CIRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 42-A/88, de 30 de Dezembro, concretamente dos n.ºs 10 e 12, da sua redacção original.

Atentos os Princípios subjacentes ao ordenamento tributário, designadamente o Princípio da igualdade (com assento constitucional), na vertente igualdade perante os encargos públicos, concretizada na repartição do esforço de forma igual, pelos cidadãos, é legítimo indagar sobre o respeito, devido à liberdade de actuação do Estado, que a actuação do contribuinte revela, porque "a nossa liberdade termina onde começa a liberdade dos outros", Kant. Como tal, a liberdade do contribuinte, para planear a sua vida privada, termina quando começa a liberdade do Estado em criar e cobrar tributos, de resto, liberdade conferida e legitimada pelo próprio contribuinte - Principio do consentimento.

Note-se que, acompanhando Diogo Leite Campos e João Costa Andrade em "Autonomia contratual e direito tributário", a pág. 62, "a liberdade negociai é concebível independentemente do Estado e do Direito, mas construída no interior deste, normativamente", Sobre a autonomia privada defendem, aqueles autores na mesma obra, a pág. 64, que "a autonomia privada pode ser exercida livremente como instrumento do livre desenvolvimento da personalidade. (...) a pessoa é competente (tem legitimidade "natural") para se gerir (autogerir). Gerir-se a si, pessoas e bens mas não aos outros (pessoas e bens). (...) quando se invade a esfera jurídica, os direitos e interesses juridicamente tutelados do outro, está-se perante um fenómeno de "incompetência". (...) os actos em si mesmos podem não ser "ilícitos", mas não podem produzir efeitos na esfera jurídica de outrem".

No caso em apreço os contribuintes transmitiram as participações sociais para sociedade SGPS o que é aceitável e expectável, todavia, já não colhe, daquela mesma racionalidade, a transformação da sociedade, de sociedade por quotas em sociedade anónima, em virtude de tal acto - transformação, se mostrar desnecessário ao objectivo, que a sucessão dos acontecimentos ditou como último, de alienação das participações sociais, uma vez que as sociedades do tipo SGPS podem adquirir e deter acções ou quotas, conforme disposto no n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro.

Considerando que, para atingir aquele fim último - transmissão das participações sociais - o contribuinte não estava obrigado a proceder à transformação da sociedade, podemos concluir então que o acto da transformação, além de dispensável, não corresponde a uma actuação com génese em racionalidade económica, refira-se, corroborando, que a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima acrescenta custos que não eram de todo necessários para que a alienação se efectivasse, designadamente os custos decorrentes da elaboração do relatório (elaborado por revisor oficial de contas) para transformação de sociedades, previsto no artigo 99.º do Código das Sociedades Comerciais, bem como os requisitos legais para a constituição de uma sociedade anónima, que são bem mais exigentes do que os requisitos para constituir uma sociedade por quotas, implicam, desde logo, nomeadamente, no tocante ao montante do capital social exigido, número mínimo de sócios e a obrigatoriedade de possuir órgão de fiscalização (ROC).

A sociedade anónima é assim um tipo de sociedade cuja constituição implica, à priori, uma onerosidade económica e procedimental superior, o que, no caso vertido, faz da transformação realizada pelos contribuintes, além de acto dispensável, um acto ilógico, engenhosamente concebido de molde a obviar ao nascimento de uma obrigação tributária.

Desta perspectiva, prosseguindo uma racional justeza, normativamente fundada, revelam-se as condições para defender a inaceitabilidade fiscal do acto de transformação que, sendo economicamente dispensável, vem, em compressão de princípios constitucionais, ilegitimamente sonegar à tributação do IRS, as mais-valias obtidas com a venda das participações sociais.

VI - Fundamentação Da Aplicação Da Norma Antiabuso

Face a todo o exposto e ambicionando uma prática normativamente racionalizada do direito entende-se estar verificadas as condições para que se possa lançar mão do mecanismo previsto no n.º 2 do artigo 38.º da LGT, acima transcrito.

Com efeito, a subsunção do caso concreto à norma teve por base uma análise crítica e conjugada, segundo juízos de experiência comum e de normalidade social dos factos e elementos recolhidos que, com razoável segurança, patenteiam a natureza abusiva do planeamento fiscal levado a cabo pelos contribuintes.

Assim, resulta claro, que a roupagem (a transformação) dada "à última da hora" configura um acto preconcebido e pré-ordenado, não à obtenção de qualquer vantagem económica resultante, designadamente, do incremento do potencial de negócio assente na nova veste, mas, tão só, à obtenção de uma vantagem fiscal.

Resulta então da presente informação que estão cumpridos os pressupostos procedimentais previstos n.º 3 do artigo 63.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário para aplicação da disposição prevista no n.º 2 do artigo 38º da LGT, concretamente;

 

a) Descrição do negócio jurídico celebrado ou do acto jurídico realizado e dos negócios ou actos de idêntico fim económico, bem como indicação das normas de incidência que se lhes aplicam.

b) A demonstração de que a celebração do negócio jurídico ou a prática do acto jurídico foi essencialmente ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou deferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou acto jurídico com idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais,

VII - Propostas de Correcção

Atendendo à manifesta ocorrência dos pressupostos ínsitos na norma prevista no n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária, propõe-se a seguinte correcção à colecta do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares relativo ao ano de 2008.

Cálculo da mais-valia

Nota - Parte da quota de B… no valor de 200 € foi alienada pelo valor de aquisição de 200 € na mesma data em que foi efectuada a transformação da C…- 2008/05/30, não tendo impacto na colecta que agora se propõe corrigir.

A - Correcções à colecta de IRS do agregado familiar (A… e B…)

 Ano -2008

IX-Direito de Audição

Os sujeitos passivos exerceram, em 2015/10/16, o seu direito de audição (Anexo 7) dentro do prazo estabelecido peia notificação constante do ofício n.º … de 2015/09/21 em cumprimento do estabelecido nos artigos 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e n.º4 do artigo 63.º do Código do Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Tendo em conta e ponderando os elementos suscitados na audição prévia, importa perceber se estes são passíveis de alterar as conclusões do Projecto de Relatório.

Os sujeitos passivos assentam fundamentalmente a fundamentação do direito de audição exercido, nos termos que abaixo se resumem:

Ø  O procedimento de aplicação da norma antiabuso, nos termos do artigo 63.º do CPPT, à data dos factos - ano 2008 - dispunha de um prazo de três anos para a sua instauração.

O fundamento aqui invocado não colhe, uma vez que uma alteração à norma de cariz procedimental é de aplicação imediata, atento o disposto no art.º 12.º, n.º 3 da LGT.

A redacção do n.º 3 do artigo 63.º do CPPT em vigor à data da instauração do procedimento de aplicação da norma antiabuso (redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro) não prevê qualquer limite temporal para instauração do procedimento de aplicação da norma antiabuso.

Não está em causa o direito à liquidação (que como veremos a seguir, ainda subsiste) mas apenas a faculdade de aplicar um procedimento especial a determinado conjunto de actos e negócios jurídicos.

Esse procedimento deve seguir o estatuído à data da sua instauração, correndo o risco de ser ilegal se assim não fosse.

Ø  Os sujeitos passivos começam por invocar a suspensão do processo penal tributário prevista no n.º 1 do artigo 47.º do RGIT para concluir que no caso em apreço "nada autoriza" a suspensão do processo tributário a aguardar decisão do processo-crime, pelo que não foi suspensa a contagem do prazo de caducidade e por isso teria caducado o direito à liquidação de IRS controvertida.

Ignoram os sujeitos passivos que se o direito à liquidação respeitar a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o que é o caso, o prazo de caducidade nos termos do n.º 5 do artigo 45.º da LGT sofre um alargamento até à data de arquivamento do inquérito (não sendo necessário que dele resulte acusação) acrescido de um ano.

No caso em apreço os factos tributários subjacentes à liquidação em causa foram objecto de uma investigação em sede criminal, tendo sido instaurado inquérito criminal fiscal (processo-crime NUIPC …/10-…IFLSB, no qual os factos em análise foram investigados relativamente à eventual prática do crime de fraude fiscal, previsto e punido nos termos do artigo 103.º do Regime Geral das Infracções Tributárias), tendo em 2014/12/19 sido proferida decisão de arquivamento do processo de inquérito) pelo que se encontram reunidos os pressupostos necessários para que a suspensão do prazo de caducidade se opere.

X - Da autorização para a aplicação da disposição antiabuso

Nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 63º do CPPT, e para efeitos da autorização da aplicação da disposição antiabuso, propõe-se o envio do presente relatório, contendo uma proposta de aplicação da cláusula geral antiabuso, prevista no n.º 2 do artigo 38º da LGT e n.º1 do artigo 63.º do CPPT, à Sr.ª Diretora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira.

d)    Em 16-12-2015, pelas 15,20 horas, os Requerentes foram notificados, através de notificação com hora certa, das seguintes liquidações: (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

– Total de acerto de liquidação sem juros - Liquidação 2015…, no montante de € 187.107,50, relativa e IRS do ano de 2008;

– Juros Compensatórios - Liquidação 2015 … no montante de € 48,774,89, relativa ao IRS do ano de 2008;

– Juros Compensatórios, recebimento indevido - Liquidação 2015 … no montante de € 840,64, relativa ao IR do ano de 2008,

e)    Em 29-01-2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo.

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Questão da violação do prazo para instauração de procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT

 

O artigo 63.º do CPPT, na redacção inicial, estabelecia o seguinte, no que aqui interessa:

 

1 - A liquidação dos tributos com base em quaisquer disposições antiabuso nos termos dos códigos e outras leis tributárias depende da abertura para o efeito de procedimento próprio.

2 - Consideram-se disposições antiabuso, para os efeitos do presente Código, quaisquer normas legais que consagrem a ineficácia perante a administração tributária de negócios ou actos jurídicos celebrados ou praticados com manifesto abuso das formas jurídicas de que resulte a eliminação ou redução dos tributos que de outro modo seriam devidos.

3 - O procedimento referido no número anterior pode ser aberto no prazo de três anos após a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições antiabuso.

 

            A Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, alterou o n.º 3, que passou a ter a seguinte redacção:

3 – O procedimento referido no n.º 1 pode ser aberto no prazo de três anos a contar do início do ano civil seguinte ao da realização do negócio jurídico objecto das disposições anti-abuso.

Com a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, deixou de ser feita qualquer referência a prazo para a abertura do procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso.

A Requerente defende, em suma, que, estando em causa, a aplicação da cláusula geral antiabuso a acto de transformação de sociedade ocorrido em 2008, deve ser aplicada a redacção vigente em 2008:

– «inicialmente 3 anos após a verificação do facto»,

– «e, posteriormente, no prazo de 3 anos a contar do início do ano económico subsequente».

– «na "pior" das redacções, no caso em apreço, o procedimento teria de ser aberto até 31/12/2011».

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que com a eliminação, operada pela Lei n.º 64-B/2011, do prazo para abertura do procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso, a sua abertura não está sujeita a qualquer prazo, pelo que ele pode ser aberto, relativamente a factos ocorridos em 2008, depois dos três anos previstos nas referidas redacções do n.º 3 do artigo 63.º do CPPT.

Como se refere no acórdão arbitral de 09-05-2013, proferido no processo n.º 123/2012-T, nas redacções que vigoraram até à entrada em vigor da Lei n.º 64-B/2011, do n.º 3 do artigo 63.º resultava manifestamente para o sujeito passivo a “garantia” de que o procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso não poderia ser aberto decorrido o prazo previsto.

Assim, o decurso do prazo previsto extinguia o direito potestativo de que gozava a Autoridade Tributária e Aduaneira de instaurar o referido procedimento

Delimitando temporalmente o direito potestativo do sujeito activo, o prazo estabelecido no artigo 63.º, n.º 3, do CPPT, naquelas redacções, era um prazo de caducidade: “caducidade ou preclusão é um instituto por via do qual os direitos potestativos se extinguem pelo facto do seu não-exercício prolongado por certo tempo” ([1]); “caducidade, também dita preclusão, é o instituto pelo qual os direitos, que, por força da lei ou de convenção se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante esse prazo” ([2]).

«O sujeito activo tem o direito potestativo – dir-se-á, noutra óptica, que tem um poder-dever – de abrir o procedimento até um certo momento. O prazo de caducidade em análise justifica-se por razões objectivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado relativo ao exercício do direito sujeito ao prazo de caducidade». ([3])

O artigo 12.º, n.º 3, da LGT, ao estabelecer que «as normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes», tem como efeito, relativamente à aplicação da lei no tempo da Lei n.º 64-B/2011, que, relativamente aos direitos de instaurar procedimento para aplicação de cláusula geral antiabuso que ainda não tinham caducado à data da sua entrada em vigor, deixa de se verificar a caducidade, pois a nova lei não prevê prazo para a referida instauração.

Na verdade, quando está a decorrer o prazo de extinção de um direito, está-se perante uma situação jurídica em curso de extinção, que se extingue quando esse prazo se esgotar.

Perante uma sucessão de leis reguladoras de uma situação jurídica em curso de extinção, se essa situação não se extinguiu durante a vigência da lei antiga, a lei competente para determinar o regime da sua extinção (inclusivamente a sua não extinção) é a lei nova.

Mas, para a lei nova a que não seja atribuída eficácia retroactiva poder regular essa situação jurídica é necessário que ela ainda subsista à data da entrada em vigor da lei nova, isto é, que o direito em causa não se tenha já extinto, antes desta entrada em vigor. Se o direito se extinguiu na vigência da lei antiga, a lei nova não lhe pode ser aplicável, sem retroactividade, pois não tem qualquer conexão temporal com a situação já extinta, não se colocando sequer um problema de aplicação da nova lei no tempo, se esta não for retroactiva.

O artigo 297.º do Código Civil, que contém normas especiais para a aplicação no tempo das leis sobre prazos, evidencia o suporte legal para este entendimento, ao condicionar a sua aplicação aos prazos que estiverem em curso, no momento da entrada em vigor da lei nova.

A lei que elimina um prazo constitui, à face deste artigo 297.º, mesmo por interpretação meramente declarativa, uma lei que estabelece «um prazo mais longo», pois a inexistência de um prazo é equiparável a um prazo de duração infinita.

Assim, a nova lei é aplicável aos prazos que estejam em curso, mas apenas a esses, não se aplicando a prazos que já decorreram integralmente.

Por outras palavras, a certeza e a segurança jurídica conferida com a caducidade do direito apenas se constitui se o prazo transcorrer na totalidade sem que o direito potestativo seja exercido, mas, após o seu decurso integral, estar-se-á perante uma situação em que deixa de haver o direito de instaurar o procedimento, não havendo qualquer suporte legal para se entender, sem retroactividade, que ele renasça pelo facto de a nova lei vir eliminar o prazo.

No caso em apreço, a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, não atribui eficácia retroactiva à nova redacção que introduziu no artigo 63.º do CPPT, designadamente a eliminação do prazo para instaurar procedimento de aplicação da cláusula geral antiabuso, pelo que tem de se entender que esta eliminação apenas se verifica para prazos que estivessem em curso à data da sua entrada em vigor, que ocorreu em 01-01-2012 (artigo 215.º daquela Lei). 

Aplicando este regime jurídico ao caso dos autos, constata-se que, como defendem os Requerentes, o direito de instaurar procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso está extinto.

Na verdade, a transformação da sociedade C…de sociedade por quotas em sociedade anónima ocorreu em 30-05-2008, e a alienação das acções ocorreu em Agosto de 2008.

Como resulta do teor expresso do n.º 3 do artigo 63.º do CPPT, nas redacções anteriores à da Lei n.º 64-B/2011, os factos relevantes para a contagem do prazo de três anos eram «a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições antiabuso» (redacção originária) e «o início do ano civil seguinte ao da realização do negócio jurídico objecto das disposições antiabuso» (redacção da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro).

Não há, assim qualquer suporte legal para o entendimento defendido pela Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo de que o momento da apresentação da declaração de IRS é relevante para fixar o início do prazo, pois, neste momento não ocorreu qualquer «negócio jurídico» que seja objecto de aplicação da cláusula geral antiabuso.

No momento da entrada em vigor da Lei n.º 64-A/2008 estava em curso o prazo para instaurar procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso quanto a factos ocorridos em 2008, pelo que a redacção desta Lei é a aplicável, nos termos do artigo 12.º, n.º 3, da LGT.

Mas, com a aplicação desta Lei, o prazo de três anos para instaurar o procedimento iniciou-se em 01-01-2009 («início do ano civil seguinte ao da realização do negócio jurídico objecto das disposições antiabuso»), pelo que terminou em 31-12-2011.

Por isso, em 01-01-2012, quando entrou em vigor a Lei n.º 64-B/2011, já estava extinto o prazo para instaurar o procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso.

Assim, tendo o procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso sido instaurado em 2015, conclui-se que a instauração ocorreu depois de estar extinto o prazo aplicável, pelo que esta foi ilegal, por violação do artigo 63.º, n.º 3, do CPPT, na redacção da Lei n.º 64-A/2008.

Consequentemente, as liquidações impugnadas, que têm como pressuposto o referido procedimento, enfermam do mesmo vício, que justifica a sua anulação [artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo de 2015, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT].

 

3.2. Questões de conhecimento prejudicado

 

Devendo ser anuladas as liquidações impugnadas com fundamento num vício que assegura estável e eficaz tutela dos direitos dos Requerentes, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados.

 

4. Decisão

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

A)                Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

B)                Anular a liquidação de IRS n.º 2015…, no valor de € 187.107,50, e as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2015… e 2015…, nos valores de € 48.774,89 e € 840,64, respectivamente.

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC de 2013, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 236.723,03.

 

6. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

 Lisboa, 15-07-2016

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

(José Nunes Barata)

 

 

 

(Victor Simões)

 

 

 



( [1] ) Cfr. ANDRADE, MANUEL DE, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, p. 463.

( [2] ) Cfr. FERNANDES, CARVALHO, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, p. 699.

( [3] ) Acórdão proferido no processo n.º 123/2012-T. 

 

Os árbitros Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. José Nunes Barata e Senhor Dr. Victor Simões (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 08-04-2016, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A…, NIF 189 446 072, e B…, NIF…, com domicílio na Avenida …, Edifício …, n.º…, …, …-……, doravante designados por “Requerentes”, vieram apresentar pedido de pronúncia arbitral nos termos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante apenas designado por RJAT).

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

Os Requerentes pedem a apreciação da legalidade dos actos tributários de liquidação de IRS n.º 2015…, no valor de € 187.107,50, e de juros compensatórios n.ºs 2015… e 2015…, nos valores de € 48.774,89 e € 840,64, respectivamente.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 12-02-2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 29-03-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 08-04-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 18-05-2016 foi decidido dispensar reunião e que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas excepções nem há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma acção de inspecção aos Requerentes relativa ao IRS do ano de 2008;

  2. Por despacho de 24-11-2015, proferido pela Senhora Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira foi autorizada a aplicação da cláusula geral antiabuso;

  3. O despacho referido manifesta concordância com a proposta feita no Relatório da Inspecção Tributária, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

I - Conclusões Da Acção Inspectiva

No decurso do presente procedimento de inspecção foram analisados actos e negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos por meios artificiosos e com abuso das formas jurídicas, à redução de impostos que seriam devidos sem a utilização desses meios, que constituem fundamento para proceder à aplicação da norma legal antiabuso prevista no n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária (LGT).

Assim, alicerçados naquela norma da LGT, entendemos estarem reunidas as condições para desconsiderar fiscalmente o acto da transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, sujeitando, em consequência, a tributação, em sede de imposto sobre os Rendimentos das Pessoas Singulares, os ganhos obtidos com a alienação onerosa das partes sociais enquanto quotas.

Em face da aplicação do n.º 2 do artigo 38.º da LGT, resultam da acção inspectiva efectuada a A…, NIF - …e B…, NIF - … as seguintes correcções em matéria tributária:

A - Correcções à colecta de IRS do agregado familiar (A…e B…)

 

II - Objectivos, Âmbito e Extensão Da Acção Inspectiva

11.1 Credencial e período em que decorreu a acção

A acção inspectiva foi efectuada em cumprimento do determinado na Ordem de Serviço n.º OI2015….

11.2. Motivo, Âmbito e Incidência Temporal

Motivo da acção: Foi proposta emissão de ordem de serviço na sequência do ofício da DSIFAE de 2015/07/24, dando conta da sua informação n.º DSIFAE/…/2015 datada de 2015/06/23 relativa à proposta de aplicação da cláusula antiabuso aos actos da transformação da sociedade por quotas C…, S.A., NIPC -…, em sociedade anónima, sujeitando, em consequência da aplicação da norma, à tributação, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) os ganhos obtidos com a alienação onerosa das partes sociais enquanto quotas.

Âmbito da acção: Parcial - IRS

Código de actividade: …- Controlo de esquemas de planeamento fiscal abusivo

Incidência temporal da acção: 2008

II.3. Outras Situações Sujeitos Passivos

A…, NIF - … e B…. NIF -… (adiante designados apenas por A… e B…) casados em regime de comunhão de bens adquiridos com domicílio fiscal na Avenida…, Edifício…, nº … -…, …-…….

Os contribuintes constituem um agregado familiar nos termos do artigo 13.º do Código do Imposto sobre as Pessoas Singulares (CIRS).

Da situação declarativa

Não têm declarações de IRS em falta. Como veremos adiante não procederam à entrega do anexo G da declaração de IRS do ano 2008.

Das dívidas fiscais

Não possuem dívidas em execução fiscal.

III - Dos Factos

No âmbito do Processo-Crime NUIPC …/10…. IFLSB, no qual os factos em análise foram investigados relativamente à eventual prática do crime de fraude fiscal, previsto e punido nos termos do artigo 103.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), pela sociedade C…, S.A., NIPC -…, (doravante designada apenas por C…) foi, em 2014/12/19, proferida decisão de arquivamento do processo de inquérito (Anexo 1).

A C…foi constituída em Maio de 2003, dando início de actividade a 13 de Maio, com a actividade principal de comércio a retalho em supermercados e hipermercados (CAE -…) e tendo ainda como actividades acessórias as classificadas com os códigos CAE … e….

A C… desenvolve a sua actividade através da exploração de uma unidade comercial sob a marca "D…".

No decorrer da investigação supra verificou-se que os sujeitos passivos A…e B…, casados em regime de comunhão de bens adquiridos e accionistas da C…, alienaram em Agosto de 2008 pelo valor total de 2.000.000,00 €, participações sociais que detinham naquela sociedade, não tendo, na declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2008, mencionado aquela alienação pois, juntamente com a mesma, não foi entregue, quer o Anexo G, quer o Anexo G1.

Com efeito, verificou-se que:

Em Maio de 2003, a C…foi constituída sob a forma de sociedade por quotas, com o capital social de 110.000,00€, distribuído da seguinte forma:

82.500,00 € - A…, e

16.500 € - B…, casados em regime de comunhão de adquiridos, detentores de cerca de 90% do seu capital social.

11.000,00€ - E…, S.A. -NIPC- ….

A gerência desta sociedade pertenceu, desde o início a A... . Este permaneceu na gerência da sociedade até 8 de Agosto de 2008, nesta data já como administrador único, uma vez que a sociedade tinha já sido objecto de transformação, como veremos adiante.

Em 30 de Maio de 2008, os sócios da sociedade promovem a alteração da natureza jurídica da C…, através da sua transformação em sociedade anónima, ficando o seu capital dividido em 22.000 acções, de valor nominal unitário de 5,00€: distribuído da seguinte forma:

16.500 acções, no total de 82.500,00€ - A…;

3.260 acções, no total de 16.300,00€ - B…;

2.200 acções, no total de 11.000.00 € - E…, S.A., NIPC -…;

20 acções, no total de 100,00€ - G…, NIF -…, filho de A… e de B… (participação resultante da cessão de quota de B…);

20 acções, no total de 100,00€ - H…, NIF - … (participação resultante da cessão de quota de B…).

Na mesma data foi nomeado administrador único da sociedade, A….

(Anexo 2 - Contrato de renúncia ao usufruto, divisão, cessão de quotas e transformação da sociedade bem como o novo Pacto Social da mesma).

A 1 de Agosto de 2008 foi celebrado um contrato de transmissão de acções nominativas (Anexo 3) nos termos do qual os primeiros contratantes, A… e B…, transmitem, livres de ónus e encargos, as acções que detêm, correspondentes a 90% do capitai social da sociedade C…, à segunda outorgante, a sociedade I…, Lda. (doravante designada apenas por I…) pelo valor de 2.000.000,00€. Nos termos deste contrato, A…transmite 16.500 acções nominativas e B… transmite 3.260 acções nominativas à sociedade I…, o que perfaz um total de 19.760 acções nominativas, ficando esta última com um total de 19.800 acções uma vez que esta adquire mais 40 acções a terceiros conforme estipulado no ponto dois da cláusula primeira do referido contrato. Deste modo, o capital social da C…, mantém-se com o valor de 110.000€, composto por 22.000 acções pertencentes a:

I… - 19.800 acções (19.760 referidas supra + 40 acções de G…e H…) que correspondem ao capital de 99.000,00€;

E…, S.A .- 2.200 acções que correspondem ao capital de 11.000,00€.

A sociedade I…foi constituída em 8 de Julho de 2008, com o objecto social de gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas e com o capital social de 200.000,00€, correspondente à soma de três quotas, sendo uma no valor nominal de 150.000,00€ do sócio J…, outra do valor nominal de 30.000,00€ da sócia K…, e outra no valor nominal de 20.000,00€ da sócia E…, S.A. (cfr. Contrato de sociedade por quotas constante do Anexo 4). De salientar o facto que a I… efectuou a aquisição das referidas acções pelo valor de 2.000.000,00€, montante este 10 vezes maior que o valor do seu capital social.

A 5 de Maio de 2014 foi efectuada, novamente, a transformação da C…em sociedade por quotas, pertencendo uma quota no valor de 99.000,00€ à sociedade I…, Lda. e uma quota no valor de 11.000,00€ à sociedade E…, S.A., competindo a administração da mesma a J…, que também desempenha a função de sócio-gerente da I….

Em termos esquemáticos temos (certidão permanente da C… em Anexo 4):

 

 

Constata-se, então, que a sociedade C… foi constituída, em 2003/05/14, sob a forma de sociedade por quotas e assim se manteve até 2008/06/12, data em que foi transformada em sociedade anónima, tendo em 2014/05/05, sido transformada novamente em sociedade por quotas.

Apesar da mudança de natureza jurídica, o capital da C…manteve-se inalterado assim como a gestão da mesma, A…passou de sócio gerente da sociedade a administrador único, detendo 75% do capital social da sociedade na sua posse.

Não se vislumbra qualquer razão económica para a alteração da forma jurídica da C…, uma vez que o seu capital, em termos de estrutura e montante permaneceu inalterado, a gestão do capital e o poder de tomada de decisão permaneceu, igualmente, na titularidade de A….

Analisada a acta n.º 10 da C… (Anexo 5) referente à Assembleia Geral Extraordinária que ocorreu no dia 2008/05/21, na qual foi discutida e aprovada por unanimidade a transformação da C…em sociedade anónima, bem como analisado o Relatório justificativo desta transformação (Anexo 6) não foi em qualquer destes documentos apresentada qualquer justificação de vontade para a referida transformação, limitando-se a afirmar que se encontravam verificados os requisitos legais previstos no Código das Sociedades Comerciais para que a transformação pudesse ocorrer.

Acresce ainda que, 5 dias após a realização desta Assembleia Geral extraordinária e 4 dias antes da transformação da sociedade, foi elaborado um contrato promessa de transmissão de participações sociais entre A…e B…como promitentes-cedentes e os sócios maioritários da I… como promitentes-compradores, o que evidencia que esta transmissão de acções já tinha sido negociada antes da efectiva transformação da sociedade.

Afigura-se, assim, que a referida transformação da sociedade apenas foi efectuada por razões de natureza fiscal, isto é, excluir da tributação em sede de IRS, na esfera de A…e B…, a mais-valia gerada pela alienação das acções da C…, tendo a mesma sido ocultada à Administração Fiscal através da não entrega do Anexo G1 da declaração de IRS relativo às mais-valias não tributadas, por parte de A…e B….

Desta forma, verifica-se que a transformação da sociedade C…em sociedade anónima, constitui, de forma evidente, acto e negócio que, com abuso de forma jurídica, teve como único objectivo a eliminação de encargos tributários tais como:

A tributação da mais-valia gerada com a alienação das quotas que A… e B… possuíam na C…, nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS. Logrando dessa forma

A exclusão de tributação, em sede de IRS, das mais-valias geradas com a alienação das participações sociais detidas por A… e B…, que, de acordo com a legislação fiscal à data da alienação daquelas participações sociais (n.º 2, alínea a) do artigo 10º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares), não eram tributadas, uma vez que eram mais-valias provenientes da alienação de acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses - nos termos do n.º 4, alínea b) do artigo 43.º do mesmo diploma legal, a data de aquisição de acções resultantes da transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima é a data de aquisição das quotas que lhe deram origem.

Dispõe o n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária que:

"São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens referidas".

A norma transcrita consagra, no ordenamento jurídico tributário nacional uma verdadeira cláusula geral antiabuso e estatui a ineficácia, perante a Administração Tributária, de actos e negócios jurídicos praticados com evidente abuso de formas jurídicas os quais conduzem, em desfavor da Fazenda Nacional, à eliminação, total ou parcial, ou diferimento temporal do pagamento de impostos que de outro modo seriam devidos.

V - Apreciação Do Caso Concreto

Analisando a norma e seguindo de perto a doutrina, dir-se-á que a sua hipótese encerra quatro pressupostos para que o aplicador, em concreto, possa dela lançar mão, são eles:

- A forma utilizada - elemento meio;

- A vantagem fiscal e a equivalência económicas obtidas - elemento resultado;

- A motivação do S. P. - elemento intelectual;

- A reprovação normativo - sistemática da vantagem obtida - elemento normativo;

Ora, da avaliação de todos os elementos que foram dados a conhecer ao procedimento é possível, em acoplação com os elementos ou condições referidos, identificar

a) Elemento meio:

"...actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico...."

O elemento meio corresponde à via escolhida pelo contribuinte para obter o desejado ganho ou vantagem fiscal, i.e. o(s) acto(s) ou negócio(s) jurídico(s) cuja estrutura se encontra determinada em função de um dado resultado fiscal,

No caso em apreço, como descrito no Capitulo III (Dos Factos) do presente relatório, os contribuintes levaram a cabo uma sucessão preordenada de actos que, em conjunto, vergaram o acto de transmissão das participações sociais da C…à hipótese da norma prevista no n.º 2 do artigo 10.º do CIRS.

Com efeito, para que, em concreto, as mais-valias provenientes da alienação se subsumissem àquela "exclusão" prevista no código do IRS, bastou que o contribuinte transformasse a sociedade por quotas C…em sociedade anónima, acto que, atento o objectivo revelado como último, e que se logrou demonstrar ter sido, também, o primeiro, era dispensável.

Avaliando a sequência dos actos verificados podemos, desde logo, avançar, apontando que nenhum impedimento legal existisse que obstasse à venda de quotas à sociedade I…, SGPS, Lda, porquanto, este tipo de sociedade - SGPS - gere quer quotas quer acções, conforme Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro. No entanto, se se atender exclusivamente à repercussão fiscal do acto de transmissão das participações sociais, com facilidade se percebe que fiscalmente ao contribuinte não é indiferente transmitir quotas ou transmitir acções, especialmente se a antiguidade das acções for superior a 12 meses, o que aconteceu no caso concreto, por forca do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 43.º do CIRS.

Assim, não se vislumbra que outra motivação, que não a fiscal (de preponderante relevância no negócio jurídico em apreço) tenha motivado a opção de transformação, feita pelo contribuinte, de resto, a única que nos surge como susceptível de explicar o enredo de negócios jurídicos que, temporalmente, culminou na transmissão das participações sociais da sociedade (90% do capital sócial) para a I…, SGPS, Lda. Na esteira de uma normal racional idade económica reafirma-se que tendo as sociedades SGPS a faculdade legal de gerir quotas ou acções, poderiam, aquelas participações sociais, ter sido transmitidas na sua qualidade de quotas, sem mais delongas e encargos.

Nesta perspectiva, facilmente se vislumbra que se tivessem optado, A…e B…, pela via dita "normal", teriam alienado participações sociais denominadas de quotas estando, nessa medida, a mais-valia gerada pela transmissão sujeita a tributação, conforme disposto no n.º 1 do artigo 10.º do CIRS. Se tivessem optado pelo negócio normal obteriam o mesmo resultado económico, que obtiveram após o acto de transformação, de resto, só explicável pelo afastamento da tributação que tal manobra permitiu.

b) Elemento resultado

Conforme refere o n.º 2 do artigo 38º da LGT, os actos ou negócios jurídicos "anómalos" deverão ser "essencial ou principalmente dirigidos à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios…."

O elemento resultado consiste na vantagem fiscal conseguida através da actividade do (s) contribuinte (s).

Neste estádio importa lembrar duas normas do CIRS, circunstancialmente fulcrais, à data dos factos, são elas:

i. n.º 2 do artigo 10.º do CIRS, onde se determina: "2 - Excluem-se do disposto no número anterior as mais-valias provenientes de alienação de: a) Acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses:" e

ii. a alínea b) do n.º 4 do artigo 43.º do CIRS, onde se lê: "A data de aquisição das acções resultantes da transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima é a data de aquisição das quotas que lhes deram origem;".

Assim, em virtude da antiguidade das quotas transitar para as acções resultantes da transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima {por acções), alcançaram, os contribuintes, com o enredo acima descrito, a subsunção da transmissão das suas participações sociais à previsão do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS, furtando-se, deste modo, à tributação das mais-valias obtidas com a alienação daqueles valores mobiliários.

A este propósito, sublinha-se que à equivalência do resultado económico obtido - resultado da venda dos valores mobiliários, não corresponde equivalente oneração fiscal, como a seguir se demonstra, porquanto, tal resultado - económico, concretizado pela venda das participações, sempre seria o mesmo, existisse ou não transformação das sociedades por quotas em sociedades anónimas.

1) Resultado com transformação:

A transformação da sociedade, de sociedade por quotas em sociedades anónima, metamorfoseou as partes de capital de quotas para acções. Ora, tal transmutação permitiu a exclusão da tributação das mais-valias obtida com a transmissão das participações sociais, por força do n.º 2 do artigo 10.º do CIRS.

Com efeito, com a transformação da sociedade, de sociedade por quotas em sociedade anónima, lograram, os contribuintes, uma não tributação, de que não lograriam se tivessem optado por transmitir as mesmas participações sociais na veste de quotas.

Assim tendo em conta que A… alienou 16.500 acções da sociedade C…e B… 3,260 acções num total de 19760 acções, a que corresponde uma percentagem da participação alienada de 83,50 % (=16500/19760) para A…e 16,50 % (=3260/19760) para B….

Temos então o seguinte resultado fiscal:

Recorde-se que, se os contribuintes tivessem optado por um procedimento economicamente menos oneroso e, também por isso, de maior racionalidade económico-financeira, teriam alienado participações sociais denominadas de quotas estando, nessa medida, a mais-valia gerada por tal transmissão sujeita a tributação à taxa de 10%, nos termos conjugados do n.º 1 do artigo 10º com o n.º 4 do artigo 72º, ambos do CIRS.

2) Resultado sem transformação:

Se os contribuintes, A…e B…, optassem por não transformar as participações na sociedade (dado ser a transformação dispensável atento o fim, que objectivamente se revelou como último) teriam transmitido, em 1 de Agosto de 2008, participações sociais denominadas - quotas. Tal transmissão - de quotas, estaria sujeita à norma de incidência prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.ºdo CIRS, onde se lê:

"1- Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: (...)

b) Alienação onerosa de partes sociais (...)" não aproveitando, concomitantemente, do disposto na alínea a) do n.º 2 daquela norma tributária, onde se lê:

"2 - Excluem-se do disposto no número anterior as mais-valias provenientes da alienação de: a) Acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses;".

Se os contribuintes transmitissem as participações sociais sem a prévia transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, obteriam o mesmo resultado económico (a cessão das participações), mas, desta feita, sujeito a tributação.

Termos então o seguinte resultado fiscal;

c) Elemento intelectual

Nos termos do n.º 2 do artigo 38º da Lei Geral Tributária; "...essencial ou principalmente dirigidos..."

Nos termos da norma transcrita, exige-se, que a escolha e forma adoptada pelo contribuinte seja fiscalmente dirigida (tax driven) à obtenção da vantagem fiscal.

No caso em apreço, atento todo o circunstancialismo de facto anteriormente descrito, imediatamente se evidência que a motivação dos contribuintes, para a descrita sucessão de negócios jurídicos (divisão de quota; cessão de quotas e transformação de sociedade), só se compreende se for fiscal. Atente-se, como referido anteriormente, que o resultado económico, concretizado pela venda das participações, sempre seria o mesmo, existisse ou não transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, o que, permite concluir pela dispensabilidade da transformação da sociedade, face ao objectivo que se logrou demonstrar ser último.

Nesta sede, assume especial relevo o contrato promessa de transmissão de participações sociais celebrado em 26 de Maio de 2008 (facto mencionado no ponto B do contrato de transmissão de acções nominativas - Anexo 3) em que os contribuintes expressam, clara e inequivocamente a sua intenção de alienar as suas quotas na sociedade C…, antes da transformação desta em sociedade anónima. O que é revelador e corroborante da intenção, ab initio, dos contribuintes visados neste procedimento de transmitir as participações que detinham C…, à sociedade I… resultando claro que o acto de transformação da sociedade - dispensável, enxertado no processo, foi essencialmente ou principalmente dirigido à vantagem fiscal que proporcionou.

d) Elemento Normativo

Nos termos do n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária:

"...por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas..."

A este elemento subjaz a desconformidade do resultado obtido com a ratio legis, o espírito ou propósito da lei, e com os princípios do Código em causa ou do Sistema Fiscal. Com efeito, o modo de objectivação do conteúdo da normatividade jurídica manifesta-se, no direito, como um sistema, que é coerente.

Em termos exclusivamente estratégico-programáticos - uma estratégia específica orientada por um finalismo e traduzida num programa de governo, a exclusão de tributação das mais-valias provenientes da alienação das acções, detidas por um período superior a 12 meses, teve na génese o objectivo de desenvolvimento do mercado financeiro, estimulando e dinamizando o mercado de capitais, e atrair investimentos, sem contudo, deixar de tributar a mera especulação mobiliária de curto prazo, ou qualquer forma artificiosa de exclusão, como se retira, de resto, do preâmbulo CIRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 42-A/88, de 30 de Dezembro, concretamente dos n.ºs 10 e 12, da sua redacção original.

Atentos os Princípios subjacentes ao ordenamento tributário, designadamente o Princípio da igualdade (com assento constitucional), na vertente igualdade perante os encargos públicos, concretizada na repartição do esforço de forma igual, pelos cidadãos, é legítimo indagar sobre o respeito, devido à liberdade de actuação do Estado, que a actuação do contribuinte revela, porque "a nossa liberdade termina onde começa a liberdade dos outros", Kant. Como tal, a liberdade do contribuinte, para planear a sua vida privada, termina quando começa a liberdade do Estado em criar e cobrar tributos, de resto, liberdade conferida e legitimada pelo próprio contribuinte - Principio do consentimento.

Note-se que, acompanhando Diogo Leite Campos e João Costa Andrade em "Autonomia contratual e direito tributário", a pág. 62, "a liberdade negociai é concebível independentemente do Estado e do Direito, mas construída no interior deste, normativamente", Sobre a autonomia privada defendem, aqueles autores na mesma obra, a pág. 64, que "a autonomia privada pode ser exercida livremente como instrumento do livre desenvolvimento da personalidade. (...) a pessoa é competente (tem legitimidade "natural") para se gerir (autogerir). Gerir-se a si, pessoas e bens mas não aos outros (pessoas e bens). (...) quando se invade a esfera jurídica, os direitos e interesses juridicamente tutelados do outro, está-se perante um fenómeno de "incompetência". (...) os actos em si mesmos podem não ser "ilícitos", mas não podem produzir efeitos na esfera jurídica de outrem".

No caso em apreço os contribuintes transmitiram as participações sociais para sociedade SGPS o que é aceitável e expectável, todavia, já não colhe, daquela mesma racionalidade, a transformação da sociedade, de sociedade por quotas em sociedade anónima, em virtude de tal acto - transformação, se mostrar desnecessário ao objectivo, que a sucessão dos acontecimentos ditou como último, de alienação das participações sociais, uma vez que as sociedades do tipo SGPS podem adquirir e deter acções ou quotas, conforme disposto no n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro.

Considerando que, para atingir aquele fim último - transmissão das participações sociais - o contribuinte não estava obrigado a proceder à transformação da sociedade, podemos concluir então que o acto da transformação, além de dispensável, não corresponde a uma actuação com génese em racionalidade económica, refira-se, corroborando, que a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima acrescenta custos que não eram de todo necessários para que a alienação se efectivasse, designadamente os custos decorrentes da elaboração do relatório (elaborado por revisor oficial de contas) para transformação de sociedades, previsto no artigo 99.º do Código das Sociedades Comerciais, bem como os requisitos legais para a constituição de uma sociedade anónima, que são bem mais exigentes do que os requisitos para constituir uma sociedade por quotas, implicam, desde logo, nomeadamente, no tocante ao montante do capital social exigido, número mínimo de sócios e a obrigatoriedade de possuir órgão de fiscalização (ROC).

A sociedade anónima é assim um tipo de sociedade cuja constituição implica, à priori, uma onerosidade económica e procedimental superior, o que, no caso vertido, faz da transformação realizada pelos contribuintes, além de acto dispensável, um acto ilógico, engenhosamente concebido de molde a obviar ao nascimento de uma obrigação tributária.

Desta perspectiva, prosseguindo uma racional justeza, normativamente fundada, revelam-se as condições para defender a inaceitabilidade fiscal do acto de transformação que, sendo economicamente dispensável, vem, em compressão de princípios constitucionais, ilegitimamente sonegar à tributação do IRS, as mais-valias obtidas com a venda das participações sociais.

VI - Fundamentação Da Aplicação Da Norma Antiabuso

Face a todo o exposto e ambicionando uma prática normativamente racionalizada do direito entende-se estar verificadas as condições para que se possa lançar mão do mecanismo previsto no n.º 2 do artigo 38.º da LGT, acima transcrito.

Com efeito, a subsunção do caso concreto à norma teve por base uma análise crítica e conjugada, segundo juízos de experiência comum e de normalidade social dos factos e elementos recolhidos que, com razoável segurança, patenteiam a natureza abusiva do planeamento fiscal levado a cabo pelos contribuintes.

Assim, resulta claro, que a roupagem (a transformação) dada "à última da hora" configura um acto preconcebido e pré-ordenado, não à obtenção de qualquer vantagem económica resultante, designadamente, do incremento do potencial de negócio assente na nova veste, mas, tão só, à obtenção de uma vantagem fiscal.

Resulta então da presente informação que estão cumpridos os pressupostos procedimentais previstos n.º 3 do artigo 63.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário para aplicação da disposição prevista no n.º 2 do artigo 38º da LGT, concretamente;

 

a) Descrição do negócio jurídico celebrado ou do acto jurídico realizado e dos negócios ou actos de idêntico fim económico, bem como indicação das normas de incidência que se lhes aplicam.

b) A demonstração de que a celebração do negócio jurídico ou a prática do acto jurídico foi essencialmente ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou deferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou acto jurídico com idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais,

VII - Propostas de Correcção

Atendendo à manifesta ocorrência dos pressupostos ínsitos na norma prevista no n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária, propõe-se a seguinte correcção à colecta do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares relativo ao ano de 2008.

Cálculo da mais-valia

Nota - Parte da quota de B… no valor de 200 € foi alienada pelo valor de aquisição de 200 € na mesma data em que foi efectuada a transformação da C…- 2008/05/30, não tendo impacto na colecta que agora se propõe corrigir.

A - Correcções à colecta de IRS do agregado familiar (A… e B…)

Ano -2008

IX-Direito de Audição

Os sujeitos passivos exerceram, em 2015/10/16, o seu direito de audição (Anexo 7) dentro do prazo estabelecido peia notificação constante do ofício n.º … de 2015/09/21 em cumprimento do estabelecido nos artigos 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e n.º4 do artigo 63.º do Código do Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Tendo em conta e ponderando os elementos suscitados na audição prévia, importa perceber se estes são passíveis de alterar as conclusões do Projecto de Relatório.

Os sujeitos passivos assentam fundamentalmente a fundamentação do direito de audição exercido, nos termos que abaixo se resumem:

  • O procedimento de aplicação da norma antiabuso, nos termos do artigo 63.º do CPPT, à data dos factos - ano 2008 - dispunha de um prazo de três anos para a sua instauração.

O fundamento aqui invocado não colhe, uma vez que uma alteração à norma de cariz procedimental é de aplicação imediata, atento o disposto no art.º 12.º, n.º 3 da LGT.

A redacção do n.º 3 do artigo 63.º do CPPT em vigor à data da instauração do procedimento de aplicação da norma antiabuso (redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro) não prevê qualquer limite temporal para instauração do procedimento de aplicação da norma antiabuso.

Não está em causa o direito à liquidação (que como veremos a seguir, ainda subsiste) mas apenas a faculdade de aplicar um procedimento especial a determinado conjunto de actos e negócios jurídicos.

Esse procedimento deve seguir o estatuído à data da sua instauração, correndo o risco de ser ilegal se assim não fosse.

  • Os sujeitos passivos começam por invocar a suspensão do processo penal tributário prevista no n.º 1 do artigo 47.º do RGIT para concluir que no caso em apreço "nada autoriza" a suspensão do processo tributário a aguardar decisão do processo-crime, pelo que não foi suspensa a contagem do prazo de caducidade e por isso teria caducado o direito à liquidação de IRS controvertida.

Ignoram os sujeitos passivos que se o direito à liquidação respeitar a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o que é o caso, o prazo de caducidade nos termos do n.º 5 do artigo 45.º da LGT sofre um alargamento até à data de arquivamento do inquérito (não sendo necessário que dele resulte acusação) acrescido de um ano.

No caso em apreço os factos tributários subjacentes à liquidação em causa foram objecto de uma investigação em sede criminal, tendo sido instaurado inquérito criminal fiscal (processo-crime NUIPC …/10-…IFLSB, no qual os factos em análise foram investigados relativamente à eventual prática do crime de fraude fiscal, previsto e punido nos termos do artigo 103.º do Regime Geral das Infracções Tributárias), tendo em 2014/12/19 sido proferida decisão de arquivamento do processo de inquérito) pelo que se encontram reunidos os pressupostos necessários para que a suspensão do prazo de caducidade se opere.

X - Da autorização para a aplicação da disposição antiabuso

Nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 63º do CPPT, e para efeitos da autorização da aplicação da disposição antiabuso, propõe-se o envio do presente relatório, contendo uma proposta de aplicação da cláusula geral antiabuso, prevista no n.º 2 do artigo 38º da LGT e n.º1 do artigo 63.º do CPPT, à Sr.ª Diretora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira.

  1. Em 16-12-2015, pelas 15,20 horas, os Requerentes foram notificados, através de notificação com hora certa, das seguintes liquidações: (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

Total de acerto de liquidação sem juros - Liquidação 2015…, no montante de € 187.107,50, relativa e IRS do ano de 2008;

Juros Compensatórios - Liquidação 2015 … no montante de € 48,774,89, relativa ao IRS do ano de 2008;

Juros Compensatórios, recebimento indevido - Liquidação 2015 … no montante de € 840,64, relativa ao IR do ano de 2008,

  1. Em 29-01-2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo.

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Questão da violação do prazo para instauração de procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT

 

O artigo 63.º do CPPT, na redacção inicial, estabelecia o seguinte, no que aqui interessa:

 

1 - A liquidação dos tributos com base em quaisquer disposições antiabuso nos termos dos códigos e outras leis tributárias depende da abertura para o efeito de procedimento próprio.

2 - Consideram-se disposições antiabuso, para os efeitos do presente Código, quaisquer normas legais que consagrem a ineficácia perante a administração tributária de negócios ou actos jurídicos celebrados ou praticados com manifesto abuso das formas jurídicas de que resulte a eliminação ou redução dos tributos que de outro modo seriam devidos.

3 - O procedimento referido no número anterior pode ser aberto no prazo de três anos após a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições antiabuso.

 

A Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, alterou o n.º 3, que passou a ter a seguinte redacção:

3 – O procedimento referido no n.º 1 pode ser aberto no prazo de três anos a contar do início do ano civil seguinte ao da realização do negócio jurídico objecto das disposições anti-abuso.

Com a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, deixou de ser feita qualquer referência a prazo para a abertura do procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso.

A Requerente defende, em suma, que, estando em causa, a aplicação da cláusula geral antiabuso a acto de transformação de sociedade ocorrido em 2008, deve ser aplicada a redacção vigente em 2008:

«inicialmente 3 anos após a verificação do facto»,

«e, posteriormente, no prazo de 3 anos a contar do início do ano económico subsequente».

«na "pior" das redacções, no caso em apreço, o procedimento teria de ser aberto até 31/12/2011».

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que com a eliminação, operada pela Lei n.º 64-B/2011, do prazo para abertura do procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso, a sua abertura não está sujeita a qualquer prazo, pelo que ele pode ser aberto, relativamente a factos ocorridos em 2008, depois dos três anos previstos nas referidas redacções do n.º 3 do artigo 63.º do CPPT.

Como se refere no acórdão arbitral de 09-05-2013, proferido no processo n.º 123/2012-T, nas redacções que vigoraram até à entrada em vigor da Lei n.º 64-B/2011, do n.º 3 do artigo 63.º resultava manifestamente para o sujeito passivo a “garantia” de que o procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso não poderia ser aberto decorrido o prazo previsto.

Assim, o decurso do prazo previsto extinguia o direito potestativo de que gozava a Autoridade Tributária e Aduaneira de instaurar o referido procedimento

Delimitando temporalmente o direito potestativo do sujeito activo, o prazo estabelecido no artigo 63.º, n.º 3, do CPPT, naquelas redacções, era um prazo de caducidade: “caducidade ou preclusão é um instituto por via do qual os direitos potestativos se extinguem pelo facto do seu não-exercício prolongado por certo tempo” (1); “caducidade, também dita preclusão, é o instituto pelo qual os direitos, que, por força da lei ou de convenção se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante esse prazo” (2).

«O sujeito activo tem o direito potestativo – dir-se-á, noutra óptica, que tem um poder-dever – de abrir o procedimento até um certo momento. O prazo de caducidade em análise justifica-se por razões objectivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado relativo ao exercício do direito sujeito ao prazo de caducidade». (3)

O artigo 12.º, n.º 3, da LGT, ao estabelecer que «as normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes», tem como efeito, relativamente à aplicação da lei no tempo da Lei n.º 64-B/2011, que, relativamente aos direitos de instaurar procedimento para aplicação de cláusula geral antiabuso que ainda não tinham caducado à data da sua entrada em vigor, deixa de se verificar a caducidade, pois a nova lei não prevê prazo para a referida instauração.

Na verdade, quando está a decorrer o prazo de extinção de um direito, está-se perante uma situação jurídica em curso de extinção, que se extingue quando esse prazo se esgotar.

Perante uma sucessão de leis reguladoras de uma situação jurídica em curso de extinção, se essa situação não se extinguiu durante a vigência da lei antiga, a lei competente para determinar o regime da sua extinção (inclusivamente a sua não extinção) é a lei nova.

Mas, para a lei nova a que não seja atribuída eficácia retroactiva poder regular essa situação jurídica é necessário que ela ainda subsista à data da entrada em vigor da lei nova, isto é, que o direito em causa não se tenha já extinto, antes desta entrada em vigor. Se o direito se extinguiu na vigência da lei antiga, a lei nova não lhe pode ser aplicável, sem retroactividade, pois não tem qualquer conexão temporal com a situação já extinta, não se colocando sequer um problema de aplicação da nova lei no tempo, se esta não for retroactiva.

O artigo 297.º do Código Civil, que contém normas especiais para a aplicação no tempo das leis sobre prazos, evidencia o suporte legal para este entendimento, ao condicionar a sua aplicação aos prazos que estiverem em curso, no momento da entrada em vigor da lei nova.

A lei que elimina um prazo constitui, à face deste artigo 297.º, mesmo por interpretação meramente declarativa, uma lei que estabelece «um prazo mais longo», pois a inexistência de um prazo é equiparável a um prazo de duração infinita.

Assim, a nova lei é aplicável aos prazos que estejam em curso, mas apenas a esses, não se aplicando a prazos que já decorreram integralmente.

Por outras palavras, a certeza e a segurança jurídica conferida com a caducidade do direito apenas se constitui se o prazo transcorrer na totalidade sem que o direito potestativo seja exercido, mas, após o seu decurso integral, estar-se-á perante uma situação em que deixa de haver o direito de instaurar o procedimento, não havendo qualquer suporte legal para se entender, sem retroactividade, que ele renasça pelo facto de a nova lei vir eliminar o prazo.

No caso em apreço, a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, não atribui eficácia retroactiva à nova redacção que introduziu no artigo 63.º do CPPT, designadamente a eliminação do prazo para instaurar procedimento de aplicação da cláusula geral antiabuso, pelo que tem de se entender que esta eliminação apenas se verifica para prazos que estivessem em curso à data da sua entrada em vigor, que ocorreu em 01-01-2012 (artigo 215.º daquela Lei).

Aplicando este regime jurídico ao caso dos autos, constata-se que, como defendem os Requerentes, o direito de instaurar procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso está extinto.

Na verdade, a transformação da sociedade C…de sociedade por quotas em sociedade anónima ocorreu em 30-05-2008, e a alienação das acções ocorreu em Agosto de 2008.

Como resulta do teor expresso do n.º 3 do artigo 63.º do CPPT, nas redacções anteriores à da Lei n.º 64-B/2011, os factos relevantes para a contagem do prazo de três anos eram «a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições antiabuso» (redacção originária) e «o início do ano civil seguinte ao da realização do negócio jurídico objecto das disposições antiabuso» (redacção da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro).

Não há, assim qualquer suporte legal para o entendimento defendido pela Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo de que o momento da apresentação da declaração de IRS é relevante para fixar o início do prazo, pois, neste momento não ocorreu qualquer «negócio jurídico» que seja objecto de aplicação da cláusula geral antiabuso.

No momento da entrada em vigor da Lei n.º 64-A/2008 estava em curso o prazo para instaurar procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso quanto a factos ocorridos em 2008, pelo que a redacção desta Lei é a aplicável, nos termos do artigo 12.º, n.º 3, da LGT.

Mas, com a aplicação desta Lei, o prazo de três anos para instaurar o procedimento iniciou-se em 01-01-2009 («início do ano civil seguinte ao da realização do negócio jurídico objecto das disposições antiabuso»), pelo que terminou em 31-12-2011.

Por isso, em 01-01-2012, quando entrou em vigor a Lei n.º 64-B/2011, já estava extinto o prazo para instaurar o procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso.

Assim, tendo o procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso sido instaurado em 2015, conclui-se que a instauração ocorreu depois de estar extinto o prazo aplicável, pelo que esta foi ilegal, por violação do artigo 63.º, n.º 3, do CPPT, na redacção da Lei n.º 64-A/2008.

Consequentemente, as liquidações impugnadas, que têm como pressuposto o referido procedimento, enfermam do mesmo vício, que justifica a sua anulação [artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo de 2015, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT].

 

3.2. Questões de conhecimento prejudicado

 

Devendo ser anuladas as liquidações impugnadas com fundamento num vício que assegura estável e eficaz tutela dos direitos dos Requerentes, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados.

 

4. Decisão

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

  2. Anular a liquidação de IRS n.º 2015…, no valor de € 187.107,50, e as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2015… e 2015…, nos valores de € 48.774,89 e € 840,64, respectivamente.

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC de 2013, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 236.723,03.

 

6. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 15-07-2016

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

(José Nunes Barata)

 

 

 

(Victor Simões)

 

 

1(  ) Cfr. ANDRADE, MANUEL DE, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, p. 463.

2(  ) Cfr. FERNANDES, CARVALHO, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, p. 699.

3(  ) Acórdão proferido no processo n.º 123/2012-T.