Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 4/2016-T
Data da decisão: 2016-07-13  IRC  
Valor do pedido: € 763.872,94
Tema: IRC – RETGS; dedução de encargos financeiros em SGPS (artigo 32.º do EBF); Circular n.º 7/2004; competência do tribunal arbitral
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Decisão Arbitral

 

            Os árbitros Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. João Taborda da Gama e Prof. Doutor Jorge Júlio Landeiro Vaz (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 22-03-2016, acordam no seguinte:

           

            1. Relatório

 

            A… SGPS, S. A., NIPC…, com sede na Rua…, n.º…, …, …-… …, doravante designada por Requerente, veio, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral com vista à anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que apresentou da autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2012.

            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 22-01-2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 07-03-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 22-03-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, suscitando a excepção de incompetência do Tribunal Arbitral e defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 28-04-2016 foi decidido dispensar reunião e que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e foi invocada a excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)    Em 31-12-2012, a ora Requerente era a sociedade dominante de um perímetro de entidades que integravam o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, sendo o grupo composto pelas seguintes sociedades dominadas:

› B…, S.A., com o NIF…;

› C…, S.A., com o NIF…;

› D…, S.A., com o NIF…;

› E…, S.A., com o NIF…;

› F…, S.A., com o NIF…;

› G…SGPS, S.A., com o NIF…;

› H…, SGPS, S.A., com o NIF… .

b)    Em 29-05-2014, a Requerente apresentou uma declaração modelo 22 de substituição individual relativa ao exercício de 2012, identificada com o n.º …-… -…, cuja cópia consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, na qual foi apurado o prejuízo para efeitos fiscais de € 11.934.220,63;

c)    Em 30-05-2014, a Requerente apresentou uma declaração modelo 22 de substituição do grupo de sociedades relativa ao exercício de 2012, identificada com o n.º …-…-…, cuja cópia consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, na qual foi apurado o resultado fiscal negativo de € -1.038.191,70;

d)    Na declaração modelo 22 individual a Requerente, por referência ao exercício de 2012, procedeu ao acréscimo de encargos (gastos) financeiros no montante de € 3.394.990,84 no campo 779 do Quadro 07 (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

e)    O acréscimo referido na alínea anterior foi incluído pela Requerente observando os termos previstos na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março (Documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

f)     Em 27-05-2015, a Requerente apresentou uma reclamação graciosa da autoliquidação na declaração modelo 22 individual identificada com efectuada com o n.º …-… -… (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

g)   Em 09-10-2015, a Requerente foi notificada para se pronunciar do teor do projecto de indeferimento da reclamação graciosa e para exercer o direito de audição, com base num parecer (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido) em que se refere, além do mais, o seguinte:

 Do alegado pela reclamante

Dos fundamentos alegados que se dão aqui por inteiramente reproduzidos, resulta o seguinte:

•Submeteu a declaração Modelo 22, do exercício de 2012, na qualidade de sociedade dominante, visto ser sobre si que recai a responsabilidade pelo pagamento do IRC, sendo as demais entidades do grupo solidariamente responsáveis pelo pagamento do imposto.

• A declaração Modelo 22 de substituição do grupo, foi enviada no dia 30 de maio de 2014, na qual foi apurado um resultado fiscal agregado negativo, no montante de € 1.038.191,70.

•Verificou-se um erro na autoliquidação, no âmbito do apuramento do lucro tributável, que distorceu o resultado fiscal do grupo.

•Na sequência do disposto no n.º 2 do artigo 32º do EBF, procedeu ao acréscimo de encargos (gastos) financeiros no montante de €3.394.990,84.

•Durante os exercícios em que vigorou o regime fiscal aplicável às SGPS, procedeu ao acréscimo, no âmbito do apuramento do seu lucro tributável, dos encargos (gastos) financeiros suportados com os empréstimos contraídos com vista à aquisição de partes de capital, com base numa instrução administrativa contestada no Acórdão do TCAN, de 15 de Janeiro, processo n.º 00946/09.

• Passa de seguida a referir que, desde 2003 desconsiderou para efeitos do apuramento do seu lucro tributável, mais e menos-valias realizadas com a transmissão onerosa de partes de capital, bem como os encargos (gastos) financeiros suportados na sequência de empréstimos contraídos com vista à aquisição das mesmas.

•Passa a enquadrar o valor jurídico das orientações administrativas, nomeadamente as circulares, e que estas vinculam apenas a AT, na medida em que são ordens genéricas de serviço, criadas para racionalizar e simplificar o funcionamento dos serviços tributários.

• Entende que a AT com a referida Circular foi muito além do motivo subjacente à consagração da norma pelo legislador.

 Passa de seguida a fazer considerandos sobre a Circular em causa. Discorda do entendimento vertido na Circular, no que concerne ao custo (gasto) fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como gastos em exercícios anteriores, uma vez que essa premissa colocava em causa, de forma clara, o espírito do legislador subjacente à criação do regime fiscal das SGPS, que assentou, essencialmente, na necessidade de reforçar a competitividade daquelas sociedades.

•Não aceita que o acréscimo dos encargos financeiros, ocorra antes da transmissão onerosa das partes de capital a que os mesmos respeitam. Volta a trazer à colação o ponto 6 da Circular e a sua discordância.

•Acrescenta que não consegue identificar quais os financiamentos por si contraídos, que foram propositadamente utilizados na aquisição de participações sociais, e não consegue descortinar que empréstimos terão tido outra utilização, nomeadamente o financiamento das suas subsidiárias.

•Assim sendo, optou por recorrer, alternativamente, ao método de imputação indireta, resultante da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março.

• É de opinião que os encargos (gastos) financeiros previamente acrescidos, no âmbito do apuramento do seu lucro tributável, no montante de € 3.394.990,84, deverão ser aceites e, consequentemente, proceder-se ao respetivo ajustamento na Declaração individual, Modelo 22 da A… .

•Entende que o seu prejuízo fiscal, que se cifrou em € 11.934.220,63, deverá ser corrigido para € 15.329.211,47.

•Da alteração no seu resultado fiscal individual, terá, naturalmente, um impacto no resultado fiscal consolidado do Grupo I…, alterando a soma algébrica de resultados fiscais apresentados à data, passando de um resultado fiscal negativo agregado no montante de € 1.038.191,70 para um resultado fiscal negativo agregado no montante de €4.433.182,54.

Nestes termos, solicita a correção da declaração individual, modelo 22, bem como a do Grupo I…, tendo em conta a invocada ilegalidade da liquidação.

 

Da apreciação do pedido

A reclamante é a sociedade dominante de um grupo de sociedade que se encontra enquadrado, em sede de IRC, no Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades, adiante RETGS.

Está ínsito no n.º 1 do artigo 70.º do CIRC, que o lucro do grupo é calculado através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.

Este regime permite, que o grupo seja considerado como único sujeito passivo, para efeitos de IRC, possibilitando uma economia desse imposto com a compensação entre os lucros de umas sociedades e os prejuízos de outras.

A Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2003) veio, no seu artigo 38.º, introduzir uma mudança significativa ao regime fiscal aplicável à actividade que constitui o objecto típico das SGPS, por via da alteração que inseriu no artigo 31.º do EBF (actual artigo 32.º).

Esta alteração consubstancia-se em que, quer os rendimentos associados à detenção das partes de capital, como são os dividendos e as mais valias, quer os custos, como os encargos financeiros suportados com os financiamentos obtidos tendo em vista a detenção das partes de capital, não concorrem para o apuramento do lucro tributável. Em síntese, a actividade tipificada no artigo 1.º do Regime das SGPS está, em regra, excluída de tributação.

O n.º 2 do artigo 32.º do EBF, concretiza tal enquadramento e estabelece que "As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, (...) de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades".

Este regime consubstancia-se na atribuição de um benefício que, contudo, foi compensado pela não concorrência, para efeitos de apuramento do lucro tributável, dos encargos financeiros suportados, criando um ambiente de neutralidade entre os rendimentos com determinados activos financeiros e os gastos associados aos passivos necessários à aquisição e manutenção desses activos. Activos esses, que no futuro, geram no seu todo ganhos excluídos de tributação.

Estabelece, assim, o artigo 32.º do EBF a existência de uma ligação entre a aquisição e a detenção de partes de capital ao longo de dado período mínimo, em consonância com o regime jurídico das SGPS, e a relevância fiscal dos encargos financeiros suportados com a sua aquisição.

A desconsideração como custo dos encargos financeiros, para efeitos de determinação do lucro tributável, consagrada no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, consubstancia o corolário do princípio geral da indispensabilidade dos custos segundo o qual a dedução fiscal é condicionada à sua conexão com a obtenção dos proveitos sujeitos a imposto e do qual resulta que "se determinados custos estão relacionados com proveitos não sujeitos a imposto não são fiscalmente dedutíveis", princípio estabelecido no disposto no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.

Quanto ao método a utilizar para a desconsideração como custo dos encargos financeiros relacionados com a aquisição de partes de capital, no sentido de identificar as origens dos capitais aplicados nestas aquisições e, nomeadamente, os capitais alheios relacionados com aquelas aquisições, há que considerar que uma das características da moeda é a da fungibilidade, o que impede a possibilidade de se determinar qual a aplicação específica dos capitais obtidos através de um determinado empréstimo.

Assim, a solução mais adequada consiste em imputar os passivos remunerados das SGPS, em primeiro lugar aos empréstimos remunerados por esta concedidos às empresas participadas e outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente partes de capital, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.

Nesse sentido, a Administração Tributária, interpretando e aplicando a lei, fez divulgar a Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC, onde se sanciona o entendimento a seguir para a determinação dos encargos financeiros cuja dedutibilidade é de excluir no âmbito do artigo. 32.º do EBF.

Esta circular representa um esforço de análise coerente, isenta e objectiva das normas jurídicas que lhe subjazem, de forma a corrigir, o mais rigorosamente possível, o espírito da lei, encadeada com as demais regras jurídicas objectivamente aplicáveis.

Da referida circular resulta apenas uma fórmula de cálculo que permite a afectação dos encargos financeiros, atenta a já referida característica da fungibilidade da moeda, e dada a consequente impossibilidade de se determinar a aplicação específica dos capitais obtidos.

Nada na letra do n.º 2 do artigo 32.º do EBF impede a aplicação desse método de cálculo.

Quanto ao momento em que os encargos financeiros devem ser desconsiderados para efeitos de determinação do lucro tributável há a referir que a desconsideração dos encargos            financeiros deve operar de imediato, não dependendo da alienação das participações de capital e da realização de mais-valias, o que implica não considerar, logo à partida, os custos financeiros incorridos com a aquisição de participações sociais que possam vir a beneficiar da exclusão de tributação estatuída no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, corrigindo-se essa desconsideração inicial se se constatar, a posteriori, que o requisito temporal previsto naquele normativo se não verificou.

De acordo com a Circular 7/2004, de 30 de Março, "(...) dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou especifica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte:

1 - Imputar os passivos remunerados das SGPS aos empréstimos remunerados por estas, concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros:

2 - Afectar o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição;

Essa foi a fórmula utilizada para o apuramento dos encargos financeiros não aceites como custo e que agora se contestam.

O conteúdo da Circular n.º 7/2004, é consentânea com os critérios legais definidos para os factos tributários, de acordo com o prescrito no n.º 1 do artigo 81.º da LGT, pelo que não está aqui em causa qualquer avaliação indirecta da matéria colectável, ao contrário do defendido pela reclamante

Na p.i a reclamante invoca a violação da Constituição e da lei, uma vez que o apuramento do montante dos encargos financeiros não dedutíveis, foi efetuado com base numa Circular, que ao desenvolver o conteúdo de uma norma de incidência tributária, viola o princípio da legalidade tributária.

A AT pode emitir orientações genéricas, dirigidas aos seus serviços, relativas à interpretação e aplicação das normas tributárias, conforme prescreve a alínea b) do n.º 3 do artigo 59.º da LGT.

As orientações genéricas estão consignadas no artigo 55 º do CPPT, 68.º e 68.º- A da LGT, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias.

Está ínsito no n.º 3 do artigo 55.º do CPPT que as orientações genéricas devem constar obrigatoriamente de circulares administrativas e aplicam-se exclusivamente à AT.

A vinculação da AT pelas orientações genéricas que divulga é corolário dos princípios da igualdade e da boa fé, princípios este que devem nortear toda a sua atividade.

A conversão das informações vinculativas ou de outro tipo de entendimento prestado aos contribuintes em circulares administrativas, quando tenha sido colocada questão de direito relevante e esta tenha sido apreciada no mesmo sentido em três pedidos de informação, é um afloramento dos princípios da igualdade e da colaboração da AT com os contribuintes.

A AT está vinculada às orientações genéricas que emite, independentemente da sua forma de comunicação.

A emissão da Circular n.º 7/2004, veio cumprir com o referido desiderato, no que se refere à uniformização da base de cálculo dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais.

O cumprimento do método de cálculo desses encargos trata-se, para além de uma obrigação a que os serviços se mostram obrigados, de uma garantia do cumprimento dos princípios da legalidade e igualdade, na esfera da tributação, pelo que a vinculação dos serviços da AT ao seu conteúdo é inequívoca.

A interpretatio juris constante da Circular n.º 7/2004, está conforme à letra da lei, na medida em que mais não faz do que empreender a descoberta do seu mais preciso significado, em respeito, aliás, pela teoria geral de interpretação da lei e quadro normativo que a conforma, pelo que, julga-se, nessa conformidade, também não violando tal princípio constitucionalmente consagrado.

Conclusão

Destarte, entendemos que a liquidação reclamada está correta, sendo de indeferir a pretensão da reclamante.

 

h)    A Requerente não se pronunciou no exercício do direito de audição;

i)       Por ofício de 30-10-2015, a Requerente foi notificada do despacho de indeferimento da reclamação graciosa (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)

j)      A Requerente acresceu ao resultado líquido do exercício os encargos financeiros imputáveis a partes de capital, segundo o critério de imputação previsto na circular n.º 7/2004, da DSIRC (acordo das Partes, através de afirmação da Requerente aceite pela Autoridade Tributária e Aduaneira no artigo 31.º da Resposta);

k)   Não foi possível à Requerente obter elementos sobre a afectação específica ou directa dos encargos financeiros às participações sociais, sendo essa a razão por que aplicou o método constante da referida circular (acordo das Partes, através de afirmação da Requerente aceite pela Autoridade Tributária e Aduaneira no artigo 32.º da Resposta);

l)    A Requerente não alienou quaisquer participações sociais no exercício de 2012 (artigo 67.º do pedido de pronúncia arbitral cuja correspondência a realidade não é questionada);

m)  Em 05-01-2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo,

 

3. Excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral

 

A Requerente formula o pedido nos seguintes termos:

 

«Nestes termos e no melhor de Direito, com o douto suprimento de V. Exas, deve o presente Pedido de Pronúncia Arbitral ser considerado procedente por provado, determinar-se a anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa em crise e consequentemente reconhecer a dedutibilidade dos encargos (gastos) financeiros acrescidos no âmbito do apuramento do resultado fiscal da Requerente do exercício de 2012, no montante de Euro 3.394.990,84 (três milhões, trezentos e noventa e quatro mil, novecentos e noventa euros e oitenta e quatro cêntimos), e, em consequência, considerar que o resultado fiscal individual da Requerente declarado, de prejuízo fiscal de Euro 11.934.220,63 (onze milhões, novecentos e trinta e quatro mil, duzentos e vinte euros e sessenta e três cêntimos) deve passar para prejuízo fiscal de Euro 15.329.211,47 (quinze milhões, trezentos e vinte e nove mil, duzentos e onze euros e quarenta e sete cêntimos), tudo, com as devidas e legais consequências no âmbito do consolidado fiscal do mesmo exercício que deve passar de um prejuízo fiscal de Euro 1.038.191,70 (um milhão, trinta e oito mil, cento e noventa e um euros e setenta cêntimos) para um resultado fiscal agregado negativo no montante de Euro 4.433.182,54 (quatro milhões, quatrocentos e trinta e três mil, cento e oitenta e dois euros e cinquenta e quatro cêntimos).

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar as pretensões da Requerente porque, «à luz do artigo 2º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), a competência dos tribunais arbitrais compreende, entre outras, a apreciação de pretensões relativas à “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e tendo «o legislador optado por não contemplar (no RJAT) a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária».

A Requerente respondeu nas alegações dizendo o seguinte, em suma:

– o que está em causa no presente processo arbitrai é a apreciação da (i)legalidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada, a qual tem, naturalmente, subjacente a apreciação da (i)legalidade de acto tributário de autoliquidação de IRC de 2012;

– como consequência de tais anulações (decisão de indeferimento e acto tributário de autoliquidação), naturalmente, ocorrerá a correcção do resultado fiscal da Requerente;

– a própria AT admite esta situação, porquanto refere que ''Basicamente e segundo se depreende do pedido de pronúncia arbitral apresentado pela ora requerente, a mesma vem questionar a autoliquidação de IRC de 2012 por ter aplicado no que toca aos encargos financeiros o disposto na circular n.º 7/2004, de 30 de Março;

– haverá, pelo menos, um pedido implícito de anulação da autoliquidação;

– o princípio pro actione aplica-se no processo arbitral;

 

A autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT foi concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, prevendo-se no seu n.º 2 e na alínea a) do n.º 4 a possibilidade de a arbitragem tributária abranger o que no processo judicial tributário é campo de aplicação da acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

No entanto, o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) apenas incluiu no âmbito da arbitragem tributária competências para a apreciação da legalidade de actos dos tipos referidos no seu artigo 2.º, n.º 1, próprias dos processos de impugnação judicial, relativas a impugnação de actos de autoliquidação, de fixação da matéria tributável, de fixação da matéria colectável e de fixação de valores patrimoniais, além de impugnação de actos que apreciem a legalidade de actos destes tipos.

Por isso, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm poderes de cognição limitados aos que os tribunais tributários podem exercer no processo de impugnação judicial (que se tem entendido que abrangem além da declaração de ilegalidade e anulação de actos daqueles tipos, também a condenação ao pagamento de juros indemnizatórios e reembolso das quantias indevidamente pagas que lhes servem de base de cálculo e indemnizações por garantia indevida), mas não se incluem competências as que nos tribunais tributários apenas podem ser exercidas em processos de execução de julgados e em acção para reconhecimento de direito ou interesse legítimo.

Assim, este Tribunal Arbitral não tem competência para se pronunciar sobre os pedidos de «reconhecer a dedutibilidade dos encargos (gastos) financeiros acrescidos no âmbito do apuramento do resultado fiscal da Requerente do exercício de 2012», «considerar que o resultado fiscal individual da Requerente declarado, de prejuízo fiscal de Euro 11.934.220,63 (onze milhões, novecentos e trinta e quatro mil, duzentos e vinte euros e sessenta e três cêntimos) deve passar para prejuízo fiscal de Euro 15.329.211,47» e definir as consequências no âmbito do consolidado fiscal do mesmo exercício a nível de prejuízos.

Por isso, procede a excepção invocada, quanto aos pedidos referidos.

No entanto, a Requerente pede também a «anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa» e depreende-se que pretende que seja declarada a ilegalidade da autoliquidação que efectuou relativamente ao exercício de 2012, pelo que se está perante matérias incluídas nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, à face dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10, n.º 1, alínea a), do RJAT.

Embora os pedidos de declaração de ilegalidade e anulação da autoliquidação não estejam explicitamente formulados, eles estão implícitos no pedido de pronúncia arbitral e a Autoridade Tributária e Aduaneira interpretou-os nestes termos, como se vê pelo artigo 21.º da sua Resposta em que refere que «segundo se depreende do pedido de pronúncia arbitral apresentado pela ora requerente, a mesma vem questionar a autoliquidação de IRC de 2012 por ter aplicado no que toca aos encargos financeiros o disposto na circular nº 7/2004, de 30 de Março a qual consubstancia a interpretação da AT do disposto no art. 32º nº 2 do EBF».

Assim, a competência deste Tribunal Arbitral restringe-se ao conhecimento desta questão da ilegalidade da autoliquidação e da decisão da reclamação graciosa que a não anulou.

 

4. Matéria de direito

 

A Requerente na declaração modelo 22 individual que apresentou, por referência ao exercício de 2012, procedeu ao acréscimo, no âmbito do apuramento do seu lucro tributável, dos encargos (gastos) financeiros no montante de € 3.394.990,84 suportados com os empréstimos contraídos com vista à aquisição de partes de capital (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, campo 779 do Quadro 07).

Na reclamação graciosa que apresentou, a ora Requerente defendeu que esse montante foi determinado nos termos dos pontos 6 e 7 da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, e que aquele acréscimo constitui erro na autoliquidação (artigos 8.º, 10.º e 11.º da reclamação graciosa).

A Autoridade Tributária e Aduaneira indeferiu a reclamação graciosa por entender, em suma, que pode emitir circulares, que a vinculam, tendo emitido a Circular n.º 7/2004, para uniformização da base de cálculo dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais pelas SGPS e que a interpretação que é feita naquela Circular está conforme a lei.

 

4.1. Posições das Partes

 

A Requerente defendeu na reclamação graciosa e no presente processo o seguinte, em suma:

– a ora Requerente procedeu à aplicação da Circular 7/2004, nomeadamente da fórmula de cálculo espelhada no ponto 7 da mesma, passando a desconsiderar (a partir de 2003, inclusive), para efeitos do apuramento do seu lucre tributável, as mais e menos-valias realizadas com a transmissão onerosa de partes de capital, bem como os encargos (gastos) financeiros calculados nos termos da aludida Circular, não obstante não se revelar possível a afectação real e directa dos encargos (gastos) financeiros associados aos empréstimos contraídos a um determinado propósito, nomeadamente a aquisição de partes de capital;

– as orientações administrativas, nomeadamente as circulares, vincularem apenas a AT, na medida em que são ordens genéricas de serviço, criadas para racionalizar e simplificar o funcionamento dos serviços tributários;

– a interpretação da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, nunca foi pacífica, não só pela polémica associada ao tema, mas também pela complexidade técnica resultante do mecanismo desenvolvido pela AT para apurar quais os encargos (gastos) financeiros previamente mencionados;

– o artigo 32.° do EBF, única norma onde se encontrava plasmado o referido regime, não previa, nem formal nem materialmente, qualquer mecanismo ou fórmula que permitisse afectar os encargos (gastos) financeiros suportados ao fim a que se destinavam os financiamentos contraídos (não possibilitando, assim, que se apurasse quais os encargos fiscalmente aceites e quais os encargos que não concorreriam para a formação do lucro tributável das SGPS), tendo em atenção as múltiplas utilizações do dinheiro recebido na sequência dos empréstimos contraídos.

– aquela Circular consubstanciava, numa certa medida, a determinação da AT em dotar o artigo 32.º, n.º 2 do EBF de um método de cálculo, perpetrando uma interpretação que foi muito além do motivo subjacente à consagração daquela norma pelo legislador;

– contudo, não obstante a ora Reclamante louvar o esforço empreendido pela AT, a abordagem ali vertida baseava-se num método de cálculo proporcional, indirecto e presuntivo, que, na opinião da primeira, distorcia de forma gravosa, pelo menos na maioria das vezes, o enquadramento tributário do contribuinte, ultrapassando, de forma substancial, o âmbito do aludido artigo;

– na opinião da ora Reclamante, a AT apenas deverá fazer uso de tais métodos (avaliação indirecta), nos casos expressamente enumerados no artigo 87.º da LGT e apenas como mecanismo subsidiário à avaliação por métodos de afectação real e directos;

– entende a Reclamante que a Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, não poderá ser equiparada à Lei, nem poderá vincular o contribuinte a algo que a própria lei não define;

– não obstante o regime consagrado no artigo 32.º, n.º 2 do EBF não instituir qualquer critério que permitisse distinguir entre encargos financeiros alceados (ou não) à aquisição de partes de capital, entende a ora Reclamante que a AT só poderia, no âmbito daquelas que são as suas competências, mover-se no sentido de desenvolver um método que respeitasse a afectação directa e real, porque só esse seria compatível com o princípio da legalidade constitucionalmente consagrado;

– qualquer acréscimo ao resultado fiscal deverá ser desconsiderado caso tenha por base métodos indirectos e presuntivos, o que se verifica no caso da ora Requerente na medida em que, conforme se explica, não se revela possível efectuar uma afectação real e directa entre os encargos (gastos) financeiros suportados e eventuais participações adquiridas.

– de acordo com o entendimento vertido na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, os aludidos encargos deveriam ser acrescidos no exercício em que se materializavam, não obstante a aplicabilidade do regime fiscal daquelas sociedades, estatuído no artigo 32.º, n.º 2, do EBF, ser apenas validado a posteriori (i.e., no momento em que se realizava a alienação das respectivas participações sociais);

– tal imposição representava um claro obstáculo ao incremento da competitividade das sociedades holding, dado que a não-aceitação da dedutibilidade fiscal daqueles encargos prejudicava, de forma significativa, o enquadramento fiscal das mesmas, ao antecipar um ajustamento fiscal que apenas se demonstraria válido ou inválido em exercícios futuros (designadamente, no momento da transmissão onerosa das aludidas participações sociais), limitando, portanto, de forma substancial, o leque de opções de investimento dos responsáveis por aquelas sociedades;

– para a ora Reclamante, a obrigação legal de proceder ao acréscimo dos aludidos encargos poderá ser aceite como uma opção legítima do legislador, enquanto trade-off pela isenção conferida na tributação das mais-valias realizadas com partes de capital (nos termos do regime fiscal das SGPS), assegurando-se, dessa forma, uma igualdade material no nosso ordenamento jurídico-tributário;

– não pode, de todo, aceitar que o acréscimo dos encargos financeiros previamente mencionados (desde que devidamente apurados e suportados) ocorra antes da transmissão onerosa das partes de capital a que os mesmos respeitam (uma vez que, de acordo com aquela instrução administrativa, era esse o momento em que se deveria aferir a aplicação, ou não, do regime aplicável às SGPS);

– uma SGPS deveria aceitar fiscalmente aqueles encargos no exercício em que os suportou, avaliando o seu eventual acréscimo, para efeitos da determinação do seu lucro tributável, apenas no momento em que ocorresse a transmissão onerosa das participações sociais detidas e desde que verificados os requisitos subjacentes à aplicação daquele regime;

– uma sociedade holding poderia deixar de cumprir os requisitos exigidos à desconsideração das mais e menos-valias, em sede de IRC, (a título de exemplo, caso integrasse, no âmbito de um processo de reestruturação, alguma actividade operacional que colocasse em causa o seu estatuto de SGPS ou ainda, caso o próprio regime fosse revogado), pelo que, até ao momento (leia-se exercício) em que se realizasse uma eventual transmissão onerosa das partes de capital detidas por aquela sociedade, os encargos financeiros incorridos com os financiamentos contraídos com vista à sua aquisição, concorriam, necessariamente, para a formação do lucro tributável da SGPS (até porque, a sociedade holding não poderia prever, com rigor, uma futura alienação das suas participações sociais);

– o próprio regime fiscal aplicável às SGPS estabelecia, como condição sine qua non fará o acréscimo daqueles encargos (ao resultado líquido das sociedades holding), a prévia desconsideração, no âmbito do apuramento do lucro tributável daquelas sociedades, das eventuais mais ou menos-valias realizadas com a transmissão onerosa das partes de capital por si detidas;

– o legislador terá pretendido balizar este tratamento fiscal diferenciado num único exercício, desconsiderando, simultaneamente, do apuramento do lucro tributável das SGPS, a mais-valia (ou menos-valia) eventualmente realizada com a transmissão onerosa de participações sociais e, bem assim, os eventuais encargos (gastos) financeiros suportados com os financiamentos contraídos com vista à aquisição das mesmas, se esse fosse o caso;

– na medida em que não foram alienadas quaisquer participações sociais no exercício de 2012, não deverá existir, também por este motivo, lugar à consideração de qualquer acréscimo, para efeitos de determinação do lucro tributável, mesmo que fosse possível efectuar uma afectação real e directa entre os encargos (gastos) financeiros suportados e a aquisição de partes de capital, não sendo, inclusivamente, possível aferir se houve encargos (gastos) financeiros, de facto, suportados tendo em vista a aquisição de partes de capital;

– não havendo na Lei, nos termos previamente referidos, uma disposição legal que permitisse a operacionalização do regime fiscal aplicável às SGPS, e, bem assim, estando o método de imputação indirecta, constante da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, ferido de ilegalidade, a única forma de garantir a aplicabilidade do regime em crise, assentava na tentativa de realizar aquela afectação de forma directa (i.e., demonstrando, de forma explícita, a correspondência entre financiamentos contraídos e partes de capital adquiridas);

– contudo a diligência para realizar aquela correspondência ter-se-á revelado infrutífera, dada a multiplicidade de aplicações dos financiamentos contraídos pela ora Requerente e, bem assim, o próprio carácter fungível do dinheiro;

– na mesma medida em que a ora Requerente não vislumbra uma forma de identificar quais os financiamentos por si contraídos, que foram propositadamente utilizados na aquisição de participações sociais, esta também não consegue, naturalmente, descortinar que empréstimos terão tido outra utilização, nomeadamente o financiamento das suas subsidiárias;

– na sequência de jurisprudência no sentido da ilegalidade da Circular n.º 7/2004, a Requerente entende que os encargos (gastos) financeiros previamente acrescidos, no âmbito do apuramento do seu lucro tributável, no montante de € 3.394.990,84 por referência ao exercício de 2012, deverão ser aceites e, consequentemente, proceder-se ao respectivo ajustamento na DM 22 individual da A… referente àquele ano;

– outra solução colocará em causa o princípio da igualdade.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, o seguinte:

 

– o método referido no ponto 7. da Circular n.º 7/2004 garante uma uniformidade na tributação aplicável a todas as SGPS’s que não procedam ou não sejam capazes de realizar tal afectação específica;

 – a questão só assume realce quando não seja possível realizar a tal afectação específica ou directa;

– no caso em apreço, como a própria Requerente reconhece, não era possível proceder a uma afectação específica dos encargos em apreço à aquisição das partes de capital em causa;

– não determinando o n.º 2 do artigo 32.º do EBF, qual o método para a alocação dos encargos financeiros, e com vista dar a interpretar e dar cumprimento à lei - cujo escopo pretende penalizar os juros relacionados com a aquisição de partes de capital (e não outros juros de mútuos, que até poderiam ser geradores de proveitos tributáveis, tais como os relacionados com empréstimos concedidos, mas que, na falta da relação da indispensabilidade não seriam fiscalmente dedutíveis -, que visa acautelar a vigência de um regime de neutralidade dos gastos e rendimentos, impõe-se concluir que qualquer método, seja directo seja indirecto, que permita alcançar a finalidade e objectivo da norma tem de ser aceite como bom;

– a seguir-se a tese propugnada pela requerente corria-se o risco de dar relevância fiscal aos encargos financeiros ao mesmo tempo que se isentava as mais-valias que advieram da alienação das participações, o que violaria o princípio da neutralidade fiscal e conduziria a uma solução contra legem;

– a solução preconizada pela requerente violaria o princípio da igualdade por concretizar dois tratamentos diferentes aplicáveis a SGPS’s e dentro de uma medida já excepcional que é a do benefício fiscal que lhes é aplicável face a todos os demais sujeitos passivos de IRC quanto a mais-valias obtidas;

– não é a Circular n.º 7/2004 que cria normas de incidência, mas é a própria lei, interpretada nos termos acima expostos, que afasta a dedutibilidade dos encargos financeiros (incorridos com financiamentos ligados à aquisição das participações sociais alienadas e que realizam, ainda que potencialmente, mais-valias excluídas de tributação), para efeitos de apuramento do lucro tributável do exercício em que são incorridos;

– as circulares são importantes na actividade desenvolvida pela AT, para a adequada prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses dos contribuintes – cfr. art.ºs 266.º da CRP e art.º 55.º da LGT;

– não procedeu a AT à criação de qualquer norma de incidência fiscal, mas procurou esclarecer as emergentes dúvidas sobre o regime fiscal aplicável às SGPS;

– não há ofensa do princípio de que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real;

– não pode ser acolhido, como pretende a requerente, um entendimento da norma que possibilite a consideração dos custos com os encargos financeiros, pese embora a não consideração dos proveitos associados às mais-valias realizadas;

– as SGPS’s não estão em igualdade de circunstâncias com outras realidades societárias, já que a desconsideração dos encargos financeiros é contrabalançada com a aplicabilidade da exclusão da tributação prevista no nº 2 do art. 32º do EBF, pelo que não pode pretender que o princípio da capacidade contributiva e da tributação segundo o rendimento real lhes seja aplicável tal como o é para as restantes pessoas colectivas que não usufruem da mesma isenção;

– não faz sentido falar-se em presunção inilídivel no caso em concreto pois não estamos perante qualquer tipo de presunção que a requerente não pudesse afastar, uma vez que desde que fosse por ela efectuada a afectação específica ou fornecidos os elementos necessários para tanto à AT, tal afectação seria aplicada;

– no âmbito de aplicação/controle de um benefício fiscal não faz, efectivamente, sentido falar-se na aplicação de um método indirecto tal como ele se encontra consagrado nos artigos 85º e segs. da LGT, uma vez que a aplicação de um método indirecto visa a determinação da matéria tributável de qualquer imposto, e, no caso dos encargos financeiros, é óbvio que não está em causa a determinação total da matéria colectável mas apenas e só o cálculo de um determinado custo que se visa expurgar da determinação da matéria colectável tendo em conta o fim da neutralidade entre proveitos e custos visado pelo benefício fiscal;

– a solução adoptada pela circular nº 7/2004, na parte respeitante ao exercício em que deverão ser feitas as correcções fiscais dos encargos financeiros ora em discussão reflecte a preocupação do legislador em não influenciar o lucro tributável do exercício em que são suportados os encargos financeiros com a aquisição de participações susceptíveis de beneficiar do nº 2 do art. 32º do EBF, sem antes conhecer se os mesmos podem ou não concorrer para a formação do lucro tributável da sociedade;

– caso se conclua, “no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo” no exercício fiscal em que foram suportados;

– os encargos que resultem poder concorrer para a formação do lucro tributável serão, no máximo, reconhecidos no período imediatamente seguinte àquele em que foram suportados, e os que não puderem ser reconhecidos nesse período imediatamente posterior não reúnem, simplesmente, os pressupostos para poderem concorrer para a formação do lucro tributável.

 

4.2. Poderes de cognição do Tribunal Arbitral

 

A Requerente suscita nas suas alegações a questão de a Autoridade Tributária e Aduaneira invocar no presente processo uma fundamentação a posteriori no que concerne à falta de elementos que permitam uma afectação específica de algum ou alguns dos empréstimos contraídos.

A fundamentação relevante em situações de autoliquidação em que foi apresentada reclamação graciosa que foi indeferida é que consta da decisão de indeferimento (directamente ou por remissão).

Na verdade, nas situações de autoliquidação seguida de reclamação graciosa em que é proferida uma decisão expressa, o que fica a subsistir na ordem jurídica é a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira perante o contribuinte que é definida pela decisão da reclamação graciosa, na parte em que a legalidade da autoliquidação foi submetida à apreciação da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Consequentemente, a questão que se coloca ao Tribunal é a de saber se deve ser declarada a ilegalidade da autoliquidação ou se ela deve ser mantida na ordem jurídica pelos fundamentos invocados na reclamação graciosa e apenas esses, pois, como é jurisprudência assente, é irrelevante a fundamentação a posteriori.

Na verdade, num contencioso de mera legalidade, tem de se aferir da legalidade do acto impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado.

Assim, não pode o Tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão de indeferimento da reclamação, apreciar se ela deveria ser indeferida por outras razões. ( [1] )

Por isso, é à face da fundamentação da decisão reclamação graciosa que tem de ser apreciada a questão da legalidade ou não da autoliquidação.

Questão diferente desta é a de saber se, no caso de se concluir pela ilegalidade da autoliquidação à face dos fundamentos invocados na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, mas forem detectados outros possíveis fundamentos, que não foram nela invocados, mas possam ser invocados em novo acto viável em sede de execução de julgado, o tribunal deve ou não fixar as consequências substantivas da ilegalidade como se esses novos fundamentos não existissem ou deve abster-se de decidir sobre tal matéria, deixando para a execução do julgado a definição da reconstituição da situação jurídica em causa.

 

4.3. Questão da compatibilidade do ponto 7. da Circular n.º 7/2004 com o artigo 32.º, n.º 2, do EBF

 

O artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) estabelece o seguinte:

As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.

 

A Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC estabelece no seu n.º 7 o seguinte:

Método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais

7. Quanto ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.

 

No n.º 2 do artigo 32.º do EBF estabelece-se que não concorrem para a formação do lucro tributável os «encargos financeiros suportados com a sua aquisição», reportando-se às partes de capital, pelo que tem de se concluir que o seu teor literal indica que tão só os encargos financeiros que estejam conexionados com a aquisição de participações sociais são abrangidos pela indedutibilidade que aí se estabelece.

Para além de ser esta a interpretação que resulta do teor literal, ela é corroborada pela explicação para a sua introdução no EBF que foi dada no Relatório do Orçamento do Estado para 2003 (Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro).

Na verdade, como se refere na Circular n.º 7/2004, o regime desta norma foi introduzido no EBF pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2003, dando nova redacção ao artigo 31.º, cujo regime passou a constar do artigo 32.º depois da renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho.

Na Proposta de Lei n.º 28-IX, que veio a dar origem à Lei do Orçamento para 2003, constava o texto desse artigo 31.º, n.º 2, com redacção idêntica à vigente em 2012 (no artigo 32.º, n.º 2), sendo a única diferença o aditamento da referência aos «ICR» (abreviatura de «investidores de capital de risco»), que é irrelevante para a interpretação da norma.

No referido Relatório do Orçamento do Estado para 2003 ( [2] ), depois de se constatar uma quebra na execução orçamental de 2002 quanto ao IRC ( [3] ) anuncia-se a introdução de várias medidas, tendo em vista o «alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade», entre as quais a da indedutibilidade dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS, que se anuncia nos seguintes termos:

«Estabelece-se a desconsideração da dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável, dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS»;

 

É inequívoco, assim, que se pretendeu que apenas os encargos financeiros directamente associados à aquisição de partes sociais ficassem abrangidos pela indedutibilidade.

Por outro lado, com se vê por esta explicação do alcance desta parte final do n.º 2, trata-se de uma medida legislativa autónoma em relação à parte em que se estabelece que as mais-valias e as menos-valias realizadas não concorrem para a formação do lucro tributável, pois é óbvio que o não concurso de mais-valias para a formação do lucro tributável não alarga a base tributável, antes a diminui e, por isso, não vale aquela razão de ser.

Por aquela referência expressa no Relatório à necessidade de os encargos financeiros estarem directamente associados à aquisição de partes sociais (que também está expressa no texto da norma através da referência aos «encargos financeiros com a sua aquisição»), conclui-se que não bastam, para determinar a indedutibilidade de encargos financeiros, a constatação de que a SGPS é titular de participações sociais e suportou encargos financeiros, sendo necessário demonstrar que há uma relação directa entre certos encargos financeiros e a aquisição de determinadas participações sociais.

É corolário desta interpretação, imposta pelo teor literal do artigo 32.º, n.º 2, que, se determinadas participações não foram adquiridas com passivos geradores de encargos financeiros, elas são irrelevantes para efeito da aplicação daquela norma, na parte que se reporta à indedutibilidade de encargos financeiros.

É também corolário desta interpretação que, relativamente às participações sociais adquiridas com financiamentos geradores de encargos, apenas os encargos derivados dos financiamentos relativos à sua aquisição são indedutíveis.

Não há assim suporte legal para afastar a regra da dedutibilidade de encargos financeiros, que consta da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, em relação a encargos que não estejam directamente associados à aquisição de participações sociais. ( [4] )

Por isso, é claro, à face da letra da parte final do n.º 1 do artigo 32.º e da explicação dada no Relatório do Orçamento para 2003, que a indedutibilidade de encargos apenas se aplica aos que forem directamente derivados de financiamentos utilizados para aquisição de participações sociais.

            Sendo este o regime que está previsto na lei, ele não pode ser alterado por via regulamentar, pois preceitos criados por actos de natureza legislativa não podem ser, com eficácia externa, interpretados, integrados, modificados, suspensos ou revogados por actos de outra natureza (artigo 112.º, n.º 5, da CRP).

Para além disso, a definição dos pressupostos da tributação é matéria sujeita ao princípio da legalidade, desde logo por força do disposto no artigo 103.º, n.º 2, da CRP que estabelece que «os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes».

Este princípio da legalidade é reafirmado e ampliado pela LGT, no seu artigo 8.º.

É, assim, claro que as normas relativas à liquidação de tributos, designadamente, as que definem a incidência e os benefícios fiscais, estão subordinadas ao princípio da legalidade, estando consequentemente afastada a possibilidade de, por via administrativa, serem criadas normas de que resulte uma efectiva oneração para os contribuintes. ( [5] )

O ponto 7 da Circular n.º 7/2004, a ser aplicado pela Administração Tributária, com eficácia externa, de forma a afastar a dedutibilidade de encargos que se comprove não estarem conexionados com a aquisição de participações sociais, consubstanciará uma norma de natureza inovadora sobre a determinação da matéria tributável de IRC, criando situações de indedutibilidade de encargos financeiros não previstas na lei (aquelas em que não haja relação entre encargos desse tipo e a aquisição de participações sociais), pelo que será inválida por violação do princípio da legalidade.

Mas, nada impede que a Autoridade Tributária e Aduaneira emita uma circular de que consta o seu entendimento sobre aplicação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, para ser aplicável nos casos em que não seja viável uma determinação directa dos encargos derivados de financiamento utilizados na aquisição de participações sociais, pois tal possibilidade de emissão de orientações genéricas vinculativas para os seus serviços está prevista no artigo 68.º-A da LGT.

Como resulta do n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT e tem sido pacificamente entendido, as circulares apenas têm eficácia vinculativa para a Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo efeitos externos apenas de natureza informativa para os contribuintes, que podem saber antecipadamente qual o entendimento que será por aquela adoptado.

Nesta linha, pode ver-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 42/2014, de 09-01-2014, proferido no processo n.º 564/12, na esteira de Casalta Nabais, Direito Fiscal, 5.ª edição, página 201, em que se refere:

Trata-se «de regulamentos internos que, por terem como destinatário apenas a administração tributária, só esta lhes deve obediência, sendo, pois, obrigatórios apenas para os órgãos situados hierarquicamente abaixo do órgão autor dos mesmos.

Por isso não são vinculativos nem para os particulares nem para os tribunais. E isto quer sejam regulamentos organizatórios, que definem regras aplicáveis ao funcionamento interno da administração tributária, criando métodos de trabalho ou modos de atuação, quer sejam regulamentos interpretativos, que procedem à interpretação de preceitos legais (ou regulamentares).

É certo que eles densificam, explicitam ou desenvolvem os preceitos legais, definindo previamente o conteúdo dos atos a praticar pela administração tributária aquando da sua aplicação. Mas isso não os converte em padrão de validade dos atos que suportam. Na verdade, a aferição da legalidade dos atos da administração tributária deve ser efetuada através do confronto direto com a correspondente norma legal e não com o regulamento interno, que se interpôs entre a norma e o ato”.

Esses atos, em que avultam as “circulares”, emanam do poder de auto-organização e do poder hierárquico da Administração. Contêm ordens genéricas de serviço e é por isso e só no respetivo âmbito subjetivo (da relação hierárquica) que têm observância assegurada. Incorporam diretrizes de ação futura, transmitidas por escrito a todos os subalternos da autoridade administrativa que as emitiu. São modos de decisão padronizada, assumidos para racionalizar e simplificar o funcionamento dos serviços. Embora indiretamente possam proteger a segurança jurídica dos contribuintes e assegurar igualdade de tratamento mediante aplicação uniforme da lei, não regulam a matéria sobre que versam em confronto com estes, nem constituem regra de decisão para os tribunais.

 

Não sendo ilegal a emissão de circulares que interpretem diplomas legislativos com eficácia interna, a ilegalidade de actos em matéria tributária a apliquem os entendimentos nelas perfilhados não pode derivar da sua aplicação, em si mesma, mas apenas da ilegalidade desse entendimento, à face do regime legal aplicável, previsto no diploma legislativo interpretado.

Isto é, a ilegalidade de actos em matéria tributária que concretizem a aplicação do entendimento adoptado em circulares, apenas pode fundar-se na ilegalidade da aplicação do regime nela previsto a uma determinada situação concreta e não na mera invocação da circular.

E, por isso, pelo facto de existirem decisões jurisprudenciais que, em casos concretos em que foi aplicado método do ponto 7. da Circular 7/2004 e se demonstrou que conduziu a resultados incompatíveis com o artigo 32.º, n.º 2, do EBF, não se pode concluir que são ilegais todos os casos em que foi aplicado esse método. Na verdade, não se pode afirmar a ilegalidade abstracta do método previsto no ponto 7. da referida Circular, se entendido como apenas sendo aplicável subsidiariamente, como método indirecto, nos casos em que não for viável a determinação directa do montante dos encargos conexionados com financiamentos utilizados na aquisição de participações sociais, como permitem os artigos 85.º, n.º 1, e 87.º, n.º 1, alínea b), da LGT (posição que a Autoridade Tributária e Aduaneira afirma no presente processo).

É certo que, se se verificar uma situação em que seja legalmente permitida a impugnação normas em matéria tributária (o que depende da verificação dos pressupostos previstos no artigo 73.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, subsidiariamente aplicável), a ilegalidade de normas contidas em circulares poderá ser apreciada, em termos abstractos, através do processo próprio, pelo órgão jurisdicional competente, que, relativamente a normas tributárias de âmbito nacional são os Tribunais Centrais Administrativos [artigo 38.º, alínea c), do ETAF].

Mas, em sede de fiscalização concreta da legalidade, que é a que podem levar a cabo os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, à face do preceituado no artigo 2.º do RJAT, a ilegalidade dos actos que apliquem o entendimento veiculado através de circular apenas pode derivar da ilegalidade dessa concreta aplicação à face do regime jurídico previsto nos diplomas legislativos que regulam a matéria em causa.

Assim, tem de se apreciar se está demonstrado que é ilegal a aplicação do método previsto no ponto 7. da Circular n.º 7/2004, na situação concreta em que a Requerente o aplicou, ao preencher o campo 779 do Quadro 07 da declaração modelo 22.

 

4.3. Apreciação da incompatibilidade com o artigo 32.º, n.º 2, do EBF do acréscimo de encargos financeiros no montante de € 3.394.990,84 no campo 779 do Quadro 07

 

A Requerente diz que o montante de encargos que inscreveu no campo 779 do Quadro 07 da declaração modelo 22 foi determinado de acordo com a regra do ponto 7. da referida Circular n.º 7/2004, o que deve considerar-se assente, pois a afirmação não é questionada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que até defende que é esse o entendimento a aplicar.

 Porém, no caso em apreço, não ficou demonstrado que esse montante seja superior ao que deveria ser declarado aplicando directamente o critério que resulta do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, pois a própria Requerente reconhece, reiteradamente, que não tem forma de determinar qual é esse montante, dizendo «não se revelar possível a afetação real e direta dos encargos (gastos) financeiros associados aos empréstimos contraídos a um determinado propósito, nomeadamente a aquisição de partes de capital» (artigos 34.º, 52.º e 70.º do pedido de pronúncia arbitral), que a «Requerente não vislumbra uma forma de identificar quais os financiamentos por si contraídos, que foram propositadamente utilizados na aquisição de participações sociais, esta também não consegue, naturalmente, descortinar que empréstimos terão tido outra utilização, nomeadamente o financiamento das suas subsidiárias» (artigo 71.º do pedido de pronúncia arbitral) e que «não foi (nem é) possível, durante o período em que aquele regime esteve em vigor, apurar diretamente que encargos (gastos) financeiros corresponderiam a empréstimos contraídos com vista à aquisição de partes de capital (ou sequer se existiram encargos (gastos) financeiros alocados a esse fim)» (artigo 82.º do pedido de pronúncia arbitral).

Assim, a situação descrita pela Requerente é precisamente de um dos tipos de situações em que a lei prevê a possibilidade de utilização de métodos indirectos para determinação dos valores relevantes para a tributação, designadamente o previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT, em que se permite tal utilização nos casos de «impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto».

A tese da Requerente, que se reconduz a que o artigo 32.º, n.º 2, do EBF deixasse, em absoluto, de ser aplicado quando fosse inviável a determinação directa da afectação dos encargos suportados com financiamentos à aquisição de participações sociais, não é compaginável com o princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, que se visa salvaguardar com a determinação por métodos indirectos dos factos relevantes para a tributação, a título subsidiário, quando não é viável a utilização de métodos directos.

Isto é, a possibilidade de utilização de um método indirecto de determinação dos factos de que depende a tributação apenas é afastada quando não é possível aplicar um método directo, situação que a Requerente afirma verificar-se.

Por isso, o reconhecimento pela Requerente de que era inviável a determinação directa dá suporte à aplicação de um método indirecto, como é o previsto no ponto 7. da Circular n.º 7/2004.

Por outro lado, se é certo que a aplicação pela Autoridade Tributária e Aduaneira de métodos indirectos para quantificação dos «elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto», depende da observância das regras procedimentais previstas nos artigos 90.º e 91.º da LGT, também o é que, no caso em apreço, não foi a Autoridade Tributária e Aduaneira, mas o próprio Sujeito Passivo, que optou por aplicar o método indirecto, pelo que não se coloca a questão da aplicação daquelas regras procedimentais nem da sua hipotética violação.

Assim, como a Requerente afirma que não era nem é possível demonstrar que encargos financeiros estão relacionados com financiamentos respeitantes à aquisição de participações sociais, não se pode concluir que a decisão da reclamação graciosa seja ilegal ao assumir, através do indeferimento, que é correcta a aplicação, a esta situação concreta, do método de previsto no ponto 7. da Circular n.º 7/2004, que a Requerente refere ter utilizado.

Por isso, quanto a este ponto, não se demonstra que ocorra vício na quantificação que a Requerente efectuou nem que seja ilegal a decisão da reclamação graciosa.

 

4.4. Questão do exercício em que deve ser afastada a indedutibilidade dos encargos financeiros previstos no artigo 32.º, n.º 2, do EBF

 

O ponto 6 da Circular n.º 7/2004 tem o seguinte teor

 

Exercício em que deverão ser feitas as correcções fiscais dos encargos financeiros

 

6.Relativamente ao exercício em que deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, os encargos financeiros, dever-se-á proceder, no exercício a que os mesmos disserem respeito, à correcção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam susceptíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do art.º 31º do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias. Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que a interpretação adoptada naquele ponto 6. reflecte «a preocupação do legislador em não influenciar o lucro tributável do exercício em que são suportados os encargos financeiros com a aquisição de participações susceptíveis de beneficiar do nº 2 do art. 32º do EBF, sem antes conhecer se os mesmos podem ou não concorrer para a formação do lucro tributável da sociedade» e que «a solução preconizada pela referida circular acolhe as preocupações do legislador em sede de periodização do lucro tributável, sobretudo quando conjugando com o disposto no art. 23º do CIRC, impedindo o seu reconhecimento no exercício em que, embora suportados, não é ainda possível aferir da sua indispensabilidade para a formação do lucro tributável».

A Requerente defende que a desconsideração dos encargos financeiros para a formação do lucro tributável das SGPS não deve ocorrer antes da transmissão onerosa das partes de capital a que os mesmo respeitam, pelo que «uma SGPS deveria aceitar fiscalmente aqueles encargos no exercício em que os suportou, avaliando o seu eventual acréscimo, para efeitos da determinação do seu lucro tributável, apenas no momento em que ocorresse a transmissão onerosa das participações sociais detidas e desde que verificados os requisitos subjacentes à aplicação daquele regime» (artigo 60.º do pedido de pronúncia arbitral).

Como se referiu já, no Relatório do Orçamento do Estado para 2003 ( [6] ), justifica-se a medida legislativa que veio a ser introduzida no artigo 31.º, n.º 2, do EBF (que corresponde ao artigo 32.º, n.º 2, na redacção do Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho), com uma quebra na execução orçamental de 2002 quanto ao IRC e a previsibilidade de essa tendência se vir a agravar em 2003.

Entre várias medidas para atenuar ou evitar essa quebra de receitas, introduziu-se o regime aqui em apreço relativo à tributação das SGPS, no âmbito da implementação de «alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade».

A parte daquela norma relativa à indedutibilidade dos encargos financeiros é anunciada nestes termos:

«Estabelece-se a desconsideração da dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável, dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS».

 

Esta explicação do alcance desta parte final do n.º 2 sugere que se trata de uma medida legislativa autónoma em relação à que consta da parte em que se estabelece que as mais-valias e as menos-valias realizadas não concorrem para a formação do lucro tributável.

Na verdade, se é certo que a irrelevância das mais-valias para a formação do lucro tributável consubstancia um benefício fiscal e, por isso, pode ver-se na indedutibilidade os encargos financeiros uma compensação ou atenuação desse regime privilegiado de que gozam as SGPS, é óbvio que isso não sucede com o não concurso de menos-valias para a formação do lucro tributável, pois, em vez de constituir um benefício, trata-se de um regime mais penalizador para as SGPS do que o previsto no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, na redacção do DL n.º 159/2009, de 13 de Julho.

Isto é, no caso de serem realizadas menos-valias com a alienação de partes de capital detidas há mais de um ano de que sejam titulares, as SGPS, para além de serem oneradas com a sua irrelevância para a formação do lucro tributável, ainda são penalizadas com a indedutibilidade dos encargos financeiros suportados com a sua aquisição, ao contrário do que sucede com o regime geral de tributação do rendimento das pessoas colectivas, previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, na redacção do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho.

Assim, se a indedutibilidade dos encargos financeiros não pode ser justificada como uma compensação uma atenuação da irrelevância das mais-valias e menos-valias para a formação do lucro tributável, ela será uma medida autónoma à primeira parte da norma, sendo justificada como compensação ou atenuação do regime geral mais favorável de que gozam as SGPS e com a referida necessidade de melhorar as receitas de IRC.

Por outro lado, no referido anúncio da medida que consta do Relatório do Orçamento do Estado para 2003, nem se alude a que a regra da indedutibilidade se reporte apenas aos encargos financeiros relacionados com as partes de capital que venham a ser detidas por mais de um ano, dizendo-se, sem qualquer elemento de alcance restritivo, que se estabelece «a desconsideração da dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável, dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS». Na verdade, a referência à «sua aquisição» que se faz no texto do artigo 32.º, n.º 2, do EBF reporta-se, decerto, às «partes de capital», mas não necessariamente às «detidas por período não inferior a um ano».

Assim, o texto do artigo 32.º, n.º 2, do EBF é compatível com a interpretação que sugere o anúncio da medida de indedutibilidade dos encargos financeiros, que é a completa «desconsideração da dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável, dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS», e não apenas das adquiriras há mais de um ano.

Por outro lado, aplicando-se esta regra da indedutibilidade dos encargos financeiros tanto no caso de existirem mais-valias como de existirem menos-valias derivadas da alienação de partes de capital, ela é aplicável com completa indiferença pelo rendimento positivo ou negativo que da detenção de partes de capital pode advir e independentemente da existência de benefício para as SGPS, pelo que nem se encontra uma justificação aceitável para a indedutibilidade apenas ocorrer quanto aos encargos relacionados com partes de capital que venham a ser detidas por mais de um ano.

De qualquer modo, a interpretar-se a parte final do n.º 2 do artigo 32.º do EBF com o alcance ilimitado que decorre do anúncio da medida, é de concluir que os encargos financeiros suportados pela Requerente com a aquisição de participações seriam sempre irrelevantes para a formação do lucro tributável, pelo que da aplicação do regime do ponto 6. da Circular n.º 7/2004, que limita a indedutibilidade (favorecendo os sujeitos passivos) não poderia resultar consumação de  uma ilegalidade lesiva da Requerente, designadamente a inscrição no campo 779 do Quadro 07 de um valor superior ao que deveria ser inscrito.

De qualquer forma, estando as partes de acordo que quanto à aceitação da interpretação segundo a qual a regra da indedutibilidade dos encargos financeiros está conexionada com a irrelevância das mais-valias e menos-valias e, por isso, os encargos apenas são indedutíveis quando as partes de capital sejam detidas por mais de um ano e exista essa conexão, importa apreciar se é correcta a decisão da reclamação graciosa, ao não reconhecer ilegalidade da autoliquidação.

Se for condição da indedutibilidade dos encargos financeiros a detenção de partes de capital por mais de um ano, antes de decorrer esse período após à aquisição de determinadas participações sociais não se poderá aplicar o regime especial referido no artigo 32.º, n.º 2, do EBF, sendo de aplicar, antes, o regime geral que resulta dos artigos 18.º, n.º 1, e 23.º, n.º 1, alínea c), do CIRC, que é o os encargos concorrerem para a formação do lucro tributável do exercício em que são suportados, sendo, portanto, dedutíveis.

Mas, por outro lado, à face desta interpretação e do princípio da especialização dos exercícios, que se concretiza no artigo 18.º, n.º 1, do CIRC, verificada a condição de detenção das partes de capital por período superior a um ano, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição deverão ser, desde logo, indedutíveis independentemente da alienação dessas partes de capital.

Com efeito, ocorrida a condição da indedutibilidade dos encargos financeiros, que é a detenção das partes de capital por mais de um ano, passa a ser previsível, pelo menos, que os encargos suportados são indedutíveis, independentemente de a alienação das partes de capital vir a proporcionar mais-valias ou menos-valias.

E, como as componentes positivas ou negativas do lucro tributável obtidas ou suportadas em determinado período só podem ser imputadas a período posterior «quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas» (como decorre do n.º 2 do artigo 18.º do CIRC), tem de se concluir, a partir do momento em que é previsível, pelo menos, que os encargos se enquadram na hipótese da norma que prevê a indedutibilidade, eles devem ser imediatamente desconsiderados no exercício em que foram suportados.

Sendo este o regime aplicável, conclui-se também quanto a este ponto que não se pode considerar demonstrada ilegalidade da decisão da reclamação graciosa, ao aplicar o regime do n.º 6 da Circular n.º 7/2004, a situação da Requerente.

Na verdade, a Requerente assegura que «não foi (nem é) possível, durante o período em que aquele regime esteve em vigor, apurar diretamente que encargos (gastos) financeiros corresponderiam a empréstimos contraídos com vista à aquisição de partes de capital (ou sequer se existiram encargos (gastos) financeiros alocados a esse fim)» (artigo 82.º do pedido de pronúncia arbitral).

Sobre o que se passou no ano de 2012, quanto às partes de capital, apenas se apurou que a Requerente não alienou quaisquer participações sociais nesse exercício, como se refere na alínea K) da matéria de facto fixada, mas a desconsideração dos encargos financeiros neste exercício não depende da alienação de partes de capital, mas sim da previsibilidade de uma situação de indedutibilidade dos encargos financeiros, que passa a existir logo que se verifica da detenção das partes de capital por mais de um ano.

A Requerente não diz nem demonstra que não detivesse no ano de 2012 partes de capital detidas há mais de um ano, nem que não tenha suportado encargos financeiros com a sua aquisição, pelo que não se pode concluir que seja ilegal a decisão da reclamação graciosa, ao não considerar ilegal a autoliquidação.

Pelo exposto, improcede o pedido de pronúncia arbitral também quanto a este ponto.

 

5. Decisão

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

A)                Julgar parcialmente procedente a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral, nos termos definidos no ponto 3 deste acórdão;

B)                Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC de 2013, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 763.872,94.

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 11.016,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

 

 Lisboa, 13-07-2016

 

Os Árbitros

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

                                                      

(Jorge Júlio Landeiro Vaz)

 

 

(João Taborda da Gama,

com a seguinte declaração de voto de vencido)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Declaração de voto

 

Votei vencido a decisão quanto ao ponto B), em que se julga improcedente o pedido de pronúncia arbitral e se absolve a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos definidos no ponto 3 do acórdão.

Entendo que o artigo 32.º, n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na redacção vigente ao tempo dos factos, ao exigir um nexo entre os encargos financeiros e a aquisição das partes sociais, naqueles casos em que seja impossível estabelecer esse nexo, não tem a determinabilidade mínima exigida a uma norma jurídica pelos princípios constitucionais da legalidade e da segurança jurídica; ou seja, falta nestes casos ao artigo 32.º, n.º 2 do EBF a determinação normativa que lhe permitiria funcionar como referência de conduta e critério de decisão para o contribuinte, para a administração e para os tribunais.

Esta indeterminação absoluta originária da lei não foi colmatada – se é que poderia sê-lo – pela Administração, nomeadamente através da Circular n.º 7/2004, e em especial do seu ponto n. 7. Com efeito, esta orientação genérica, assumindo a “extrema dificuldade” de se adoptar um método de afectação real, propõe uma fórmula, fórmula essa que, além de inúmeras incongruências, dificilmente superaria o teste da legalidade na medida em que a lei não deu qualquer critério que a produção regulamentar administrativa pudesse, plausivelmente, desenvolver e concretizar.

Havendo um critério plausível e justificável de fazer o matching entre os encargos financeiros e as participações sociais numa situação concreta, e quando esse critério seja comprovável e decorra do espírito do artigo 32.º do EBF e demais normas aplicáveis à tributação das entidades em causa, tal critério deve ser aplicado pelo contribuinte, bem como pelo Fisco nos casos deva proceder ao apuramento ou correcção da matéria colectável.  Contudo, o que fazer nas situações em que assumidamente estejamos perante a impossibilidade de encontrar um critério, como sucede neste caso? Nestas, fica o contribuinte remetido a três opções: deduzir a totalidade dos encargos e esperar não ser inspeccionado (porque se o fosse a Autoridade Tributária teria de aplicar o critério da Circular); aplicar ele próprio o critério da Circular; ou aplicar um outro critério qualquer. As duas últimas hipóteses sempre seriam arbitrárias num caso em que é impossível fazer a afetação real.  O procedimento adoptado pelo contribuinte neste caso, até pela possibilidade de intervenção da Administração em sede de reclamação graciosa, permitiu, em tese, que nessa dialéctica se procurasse a existência de um qualquer critério de afectação plausível alternativo ao da Circular -  resultado que, como é admitido por ambas as partes, não aconteceu. E a impossibilidade de se encontrar um critério alternativo não se deve a qualquer insuficiência da contabilidade do sujeito passivo tendo em conta as normas aplicáveis à sua contabilidade, mas porque a lei criou, para um conjunto de casos, um nexo impossível de provar, um requisito impossível de cumprir, e a Administração substituiu esta impossibilidade por um critério, o constante do ponto 7. da Circular, que é ilegal, contraditório e arbitrário. Nestes casos - e tendo o legislador tido tempo suficiente desde 2004 para densificar a norma do artigo 32.º, n. 2, e a Administração tempo suficiente para encontrar um critério mais adequado por via de circular, e não o tendo feito - mais não resta do que admitir a dedutibilidade dos encargos, que é o regime regra atendendo, entre outros, ao princípio da tributação pelo rendimento real.

Esta posição é a que, de resto, tenho sustentado em pareceres junto de processos judiciais em curso, e que não vejo, por agora, e tendo em conta as características do caso concreto (tratar-se de uma reclamação de auto-liquidação), razão para alterar. Teria por isso julgado procedente o pedido de pronúncia arbitral e condenado a Autoridade Tributária e Aduaneira nos pedidos definidos no ponto 3 do acórdão, independentemente de estarmos perante uma reclamação de auto-liquidação ou liquidação adicional que aplicasse o critério da Circular.

Não posso também acompanhar o presente acórdão nas considerações quanto à natureza das circulares. Com efeito, entendo que as dicotomias, é certo que ainda prevalentes na nossa doutrina e jurisprudência fiscais, de “eficácia interna” por oposição a “eficácia externa”, ou “regulamento interno” por oposição a  “regulamento externo”, não devem ser seguidas no Direito Tributário, e ser ultrapassadas à semelhança do que ocorreu já no Direito Administrativo (para mais detalhes, João Taborda da Gama,  “Tendo surgido dúvidas sobre o valor das circulares e outras orientações genéricas”, Estudos em Memória do Prof. Doutor Saldanha Sanches, III, Coimbra, 2011,  157 ss). Este caso, como tantos outros, ilustra bem as consequências e a insegurança jurídica do convívio no nosso ordenamento jurídico, ao mesmo tempo, de orientações genéricas sobre aspetos centrais da tributação que afetam milhares de contribuintes e da sua tomada em consideração como meros regulamentos com eficácia interna. Acompanho contudo, sem reservas, a consideração incluída neste Acórdão, pouco comum, de que as orientações genéricas podem ser objeto de contencioso de normas, por se tratar de verdadeiras normas jurídicas. De facto, a admissão da sindicabilidade abstracta de orientações genéricas permitiria, se aceite pelos tribunais e usada pelos contribuintes, evitar casos como o presente, expurgando do ordenamento jurídico, assim que possível, circulares desconformes à lei e a Constituição, como é o caso da Circular n.º 7/2004.

 

João Taborda da Gama

 

 

 

 



[1]              Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:

–   de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-4-2001, página 1207;

–   de 19-06-2002, processo n.º 47787, publicado em Apêndice ao Diário da República de  10-2-2004, página 4289;

–   de 09-10-2002, processo n.º 600/02;

–   de 12-03-2003, processo n.º 1661/02.

                               Em sentido idêntico, podem ver-se:

–   MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 479 em que refere que é «irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto», e volume II, 9.ª edição, página 1329, em que escreve que «não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa»;  

–   MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, página 472, onde escreve que «as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade».

[3]              Refere-se no Relatório do Orçamento do Estado para 2003, página 51:

«a execução orçamental de 2002 indicia uma quebra de receita resultante da redução dos resultados apresentados por algumas das maiores empresas em 2001, sendo previsível que esta tendência se venha a agravar para 2002, o que determinará nova quebra na receita de 2003. Esta tendência será agravada pelo impacto da descida da taxa nominal de IRC de 32% para 30% com efeitos a partir de 01/01/2002, que poderá ser parcialmente compensada pelo incremento dos valores do pagamento especial por conta».

[4] À face da referida explicação que constam do Relatório do Orçamento para 2003, é duvidoso, pelo menos, que a indedutibilidade de encargos com financiamentos que se prevê na parte final do artigo 32.º, n.º 1 (anteriormente, o artigo 31.ª), se reporta apenas aos conexionados com participações detidas por mais de um ano (interpretação que faz a Autoridade Tributária e Aduaneira na referida Circular) ou se se refere a todos os encargos financeiros derivados da aquisição de participações sociais, mesmo que as participações sociais não venham a ser detidas por mais de um ano. Na verdade, para além de a letra da lei ser compatível com esta interpretação, é a ela que conduz directamente a explicação dada para a introdução desta medida: «estabelece-se a desconsideração da dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável, dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS», sem se referir qualquer limitação a esta desconsideração.

No entanto, as Partes estão de acordo quanto ao entendimento de que a indedutibilidade de encargos se reporta apenas aos relativos a financiamentos relacionados com a aquisição de participações sociais que venham a ser detidas por mais de um ano (tese que está ínsita na Circular n.º 7/2004).

 

[5]  Neste sentido, defendendo que deve distinguir-se, para efeitos de aplicação do princípio da legalidade, «entre normas que constituem uma efectiva oneração do contribuinte – sujeitas a reserva de lei – e deveres de cooperação de menor monta que daquela podem ser dispensados (tudo resultando do grau de sacrifício que implicarem e da legitimidade da sua exigência em termos de proporcionalidade) e normas organizatórias da cobrança e liquidação, que não faz sentido sujeitar ao princípio da legalidade», pode ver-se SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, páginas 121-122).