Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 757/2015-T
Data da decisão: 2016-07-15  IRC IVA  
Valor do pedido: € 7.424,37
Tema: IRC e IVA – Cumulação de pedidos; ineptidão do pedido
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Decisão Arbitral

 

I – RELATÓRIO

 

1 – A…, SA, com o NIPC[1]…, com sede na…, lote…, …-… –…,  apresentou em 17/12/2015 um pedido de constituição do tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, do n.º 1 do artigo 3.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, todos do RJAT[2], sendo requerida a AT[3], com vista à anulação dos atos tributários de liquidação adicional de IVA[4], referentes aos anos de 2011, 2012 e 2013, no valor global de € 2 317,30, conforme notas de liquidação constantes da petição e que aqui se dão por reproduzidas e ainda da anulação de três atos  de liquidação de acertos de contas de IRC[5], referentes aos anos de 2011, 2012 e 2013, no valor global de € 5 076,37,conforme demonstração de acerto de contas mencionadas na petição e que aqui se dão por reproduzidas e ainda de  uma ato de demonstração de juros compensatórios, referente aos mesmos exercícios, no valor global € 30,70, também conforme nota de liquidação mencionada na petição e que aqui se dá como reproduzida.

2 – Tais liquidações adicionais tiveram por base ação inspetiva da Divisão Operacional do Sul da Direção de serviços Antifraude Aduaneira que por sua vez originou um procedimento de inspeção tributária interna da Direção de Finanças de … que culminou com correções de natureza meramente aritmética em sede de IVA e IRC, conforme liquidações e exercícios já referidos.

3 – O pedido de constituição do tribunal arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmº Senhor Presidente do CAAD[6] e automaticamente notificado à AT em 17/12/2015.

4 – Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, por decisão do Exmº Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado o árbitro singular Arlindo José Francisco, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente estipulado.

5 - O tribunal foi constituído em 16/03/2016 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

6 – Com o seu pedido, visa a requerente, a anulação das liquidações já referidas, por padecerem manifestamente do vício de falta de fundamentação, fundamentação a que AT está legalmente obrigada.

7- Entende que a AT não procedeu, como lhe compete, a uma análise suficiente para o apuramento efetivo da realidade dos factos, ao não verificar a documentação necessária, nomeadamente as contas correntes de clientes da requerente.

8 – Considera ainda que AT não deu cumprimento integral às disposições contidas no artigo 58.º da LGT[7], com vista à descoberta material da verdade, e chegar a uma decisão imparcial.

9 – Na resposta a AT considera que as liquidações impugnadas se deverão manter na ordem jurídica, dado que as correções aritméticas que as fundamentam configuram uma correta aplicação da Lei aos factos.

10 - Começa por invocar a exceção dilatória de cumulação ilegal de pedidos, por considerar não estarem reunidos os pressupostos do n.º 1.º do artigo 3.º do RJAT, pelo que deverá ser julgada procedente a exceção invocada absolvendo-se a requerida da instância quanto à totalidade do pedido, ou subsidiariamente, relativamente ao pedido que não prosseguir para apreciação do tribunal.

11 – Invoca ainda a exceção dilatória de ineptidão do pedido, por considerar faltar a causa de pedir, no que respeita à anulação das liquidações de IRC, dado que no mesmo não se descortina a fonte do direito invocado que no entender da requerente, o direito procede.

 

II - SANEAMENTO

 

O tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Por despacho de 28/04/2016, foi designado o dia 19 de Maio de 2016 para a reunião do tribunal, de harmonia com o artigo 18.º do RJAT, seguida da inquirição das testemunhas arroladas.

Em 04/05/2016, veio a requerida solicitar que fosse admitido o arrolamento de testemunha, o que foi deferido por despacho da mesma data.

Em 16/05/2016, veio a requerida solicitar que o tribunal se pronunciasse sobre as exceções por si invocadas que, em seu entender, seriam impeditivas do prosseguimento dos autos, nomeadamente a realização da inquirição de testemunhas, o pedido foi indeferido por despacho de 17 de Maio de 2016.

O tribunal reuniu em 19 de Maio sem a presença da requerente nem do seu mandatário, informando o CAAD, não haver certeza da sua notificação, pelo que, com a concordância das representantes da requerida foi reagendada a reunião do artigo 18.º do RJAT para o dia 25/05/2016 pelas 10h30, seguida da inquirição das testemunhas.

Em 25/05/2016 ocorreu a reunião do artigo 18.º com a presença das partes e dada a palavra ao representante da requerente para se pronunciar sobre as exceções invocadas pela AT, o mesmo considerou que as mesmas não tinham fundamento dado que quer as liquidações de IVA quer de IRC aqui em causa resultaram da mesma ação inspetiva.

Instado se pretendia corrigir ou a alterar a petição, declarou não pretender fazer qualquer correção ou alteração ao pedido de pronúncia arbitral.

Prescindiu da inquirição das testemunhas B… e C… .

Foram inquiridas a testemunhas D… arrolada pela requerente e E… arrolada pela requerida.

Foi concedido prazo de 15 dias para a produção de alegações à requerente e à requerida com trato sucessivo e por esta ordem, designando-se o dia 15 de Julho para efeito da prolação da decisão final.

 O processo não enferma de nulidades. Foram invocadas pela requerida as exceções já referidas que irão ser apreciadas em primeiro lugar.

 

III- FUNDAMENTAÇÃO

 

1 – As questões a dirimir, com interesse para os autos, são as seguintes:

 

a)                      Se as exceções invocadas pela AT deverão ou não ser declaradas procedentes.

b)                      Em caso negativo se as liquidações postas em crise sofrem de falta de fundamentação e, nesse caso, se deverá declarar a sua anulação, ou, se pelo contrário, se deverão manter na ordem jurídica, por se considerarem suficientemente fundamentadas e adequadas aos factos provados e às normas legais vigentes.

 

2 – Matéria de Facto

 

A matéria de facto relevante e provada com base nos elementos juntos aos autos é a seguinte:

a)                      As liquidações que a requerente pretende ver anuladas, respeitam 20 a liquidações adicionais de IVA dos anos de 2011, 2012 e 2013, 3 atos de liquidação de IRC, respeitantes aos mesmos exercícios e ainda 1 de anulação de juros compensatórios respeitante aos mesmos períodos.

b)                      As mesmas tiveram origem numa ação inspetiva levada a cabo pela Divisão Operacional do Sul da Direção de Serviços Antifraude Aduaneira que comunicou à AT – Direção de Finanças de … que através de ação inspetiva interna efetuou as correções aritméticas em sede de IVA e IRC, conforme liquidações aqui impugnadas.

c)                      Na inspeção aduaneira apurou-se a falta de emissão de faturas ou vendas a dinheiro nas diferentes operações da requerente que, no período de audição prévia, veio a justificar parcialmente, justificativos que foram aceites.

d)                     Na prova testemunhal apresentada apesar de se ter procurado explicar a regularidade dos procedimentos e as dificuldades que todo o processo operativo contém, foi admitido, pela testemunha da requerente, a impossibilidade de apresentar justificativos para a totalidade das operações.

e)                      Na reunião do artigo 18.º do RJAT o mandatário da requerente considerou que as exceções da requerida não tinham fundamento, dado resultarem da mesma ação inspetiva e instado se pretendia corrigir ou alterar a petição inicial, declarou não pretender fazer qualquer correção ou alteração ao pedido de pronúncia arbitral.

f)                       O requerente não produziu alegações e a requerente apresentou-as em 24 de Junho de 2016.

 

3 – Matéria de Direito

 

3.1                   - Apreciação das exceções invocadas pela AT:

                               Cumulação Ilegal de pedidos                            

A AT, em primeira linha suscita a exceção da cumulação ilegal de pedidos, dado entender não estarem reunidos os pressupostos do n.º 1 do artigo 3.º do RJAT, sustentando o seu ponto de vista no facto dos pedidos formulados respeitarem a diferentes atos tributários, isto é, a liquidações de IRC e IVA que não dependem dos mesmos princípios ou regras de direito, apesar de terem resultados da mesma ação inspetiva. Enumerou algumas decisões arbitrais já proferidas neste sentido e do TCA[8] Sul, para concluir que o normativo do RJAT está em linha com o disposto no artigo 104.º do CPPT[9], e que, na situação em apreço, estamos em presença de cumulação ilegal de pedidos.

Por sua vez a requerente entende que não há ilegalidade na cumulação dos pedidos em apreço, dado que resultam da mesma ação inspetiva e como tal não corrigiu nem alterou o pedido de pronúncia como já se viu, apesar de, para isso, ter sido convidado.

Analisando o n.º 1 do artigo 3.º do RJAT, verificamos que a cumulação de pedidos é admitida desde que a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, norma que vem no seguimento do artigo 104.º do CPPT e que exige a verificação simultânea de dois requisitos, a apreciação das mesmas circunstâncias de facto e a aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito. Diga-se que, apesar de podermos estar perante as mesmas circunstâncias de facto ou semelhantes para ambos os pedidos, o certo, é que aos mesmos não são aplicáveis os mesmos princípios ou regras de direito, no caso do IVA, são aplicáveis as normas do CIVA[10] e no caso do IRC as o CIRC[11]. Daí, entende o tribunal, não se verificarem cumulativamente as condições exigidas pelo normativo em análise, e consequentemente não ser admissível a cumulação dos pedidos formulados pela requerente.

Face a este entendimento estamos em presença de exceção dilatória prevista no artigo 89.º, al. g) do CPTA[12] que obsta ao conhecimento do mérito da causa, conforme n.º 2 do artigo 576.º do CPC, normas aplicáveis ex vi n.º 1, alíneas c) e  e), respetivamente, do artigo 29.º do RJAT.

                          

              Ineptidão do pedido relativamente à anulação do IRC

 

Face ao exposto relativamente à cumulação de pedidos dispensa-se o tribunal de se se pronunciar quanto este ponto. 

 

3.2                  – Falta de Fundamentação das liquidações

 

Por força do referido em 3.1 está o tribunal impedido de se pronunciar.

 

IV – DECISÃO

 

Face ao exposto, o tribunal decide o seguinte:

 

a)                      Declarar procedente a exceção dilatória de cumulação de pedidos invocada pela AT, com a sua consequente absolvição da instância, de acordo com o artigo 4.º, n.º 3 do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1 alínea c) do RJAT

b)                      Valor do processo € 7 424,37 de harmonia com as disposições contidas no artigo 299.º, n.º 1, do CPC[13], artigo 97.º-A do CPPT, e artigo 3.º, n.º 2, do RCPAT[14].

c)                      Custas a cargo da requerente, ao abrigo do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, fixando-se o respetivo montante em € 612,00, de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4.º do RCPAT.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 15 de Julho de 2016

 

O árbitro singular,

 

Arlindo Francisco

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos, nos termos do artigo 131º,nº 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º,nº1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo tribunal.



[1] Acrónimo de Número de Identificação de Pessoa Coletiva

[2] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária

[3] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira

[4] Acrónimo de Imposto sobre o Valor Acrescentado

[5] Acrónimo de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas

[6] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa

[7] Acrónimo de Lei Geral Tributária

[8] Acrónimo de Tribunal Central Administrativo.

[9] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário

[10] Acrónimo de Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado

[11] Acrónimo de Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas

[12]Acrónimo de Código de Processo nos Tribunais Administrativos

[13] Acrónimo de Código de Processo Civil

[14]  Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária