Decisão Arbitral [1]
O Árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 13 de Abril de 2016, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:
1. RELATÓRIO
1.1. O A…, contribuinte…, administrado por B…, S.A., Pessoa Coletiva nº
…, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o mesmo número, com o capital social de EUR 3.000.000,00, ambos com sede na Av…, nº…, …, em … (doravante designado por “Requerente”), apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral singular, no dia 28 de Janeiro de 2016, ao abrigo do disposto no artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).
1.2. O Requerente entende que “deve a presente acção arbitral ser julgada procedente, por provada, e revogada a decisão posta em crise, e ser:[2]
a) Declarada a inexistência da liquidação por inexistência de autor da mesma, seu elemento essencial, ou se se entender que a violação de lei ocorrida não conduz à inexistência do acto, a anulação do mesmo, ou sua ineficácia;
b) Se assim não se entender, anular a liquidação com fundamento em violação de lei com base na falta de (i) fundamentação da mesma, e (ii) na inexistência de norma de incidência, quer objectivamente quer temporalmente, ou de existência de isenção subjetiva;
c) Considerar ilegal, e anular a liquidação com base no efetivo fim não habitacional do imóvel em causa;
d) Ou, ainda que assim não se entenda, considerar ilegal a liquidação, e anulá-la, uma vez que a base de incidência do imposto deve ser o valor patrimonial de cada área independente, e não o do somatório das áreas independentes, de onde decorre que, face ao facto dos valores não atingirem individualmente os mínimos tributáveis, não haver lugar a obrigação tributária liquidada;
e) Se assim não se entender, seja declarada a nulidade das notificações de cobrança por omissão do dever de identificação do autor do ato, das competências ao abrigo do qual o mesmo foi praticado, e falta de fundamentação;
f) E por último, caso sejam improcedentes os fundamentos e pedidos anteriores, se ordene a retificação da liquidação para termos consentâneos com o disposto no artigo 49° do EBF”.
1.3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite, pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e automaticamente notificado à Requerida, em 29 de Janeiro de 2016.
1.4. Dado que o Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro, em 29 de Março de 2016, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.
1.5. Na mesma data, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
1.6. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 13 de Abril de 2016, tendo sido proferido despacho arbitral, na mesma data, no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º 1 do RJAT:
1.6.1. Apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional;
1.6.2. Remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.
1.7. Em 13 de Maio de 2016, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação e concluído que:
1.7.1. “(…) os actos tributários em causa (…) não violaram (…) qualquer preceito legal ou constitucional, devendo (…) ser mantidos”;
1.7.2. “Quanto aos demais argumentos apresentados (…) eles encontram-se contraditados na informação que analisou a reclamação graciosa, pelo que (…) para aí (…)” se remete apenas referindo que “(…) quanto à norma de isenção do artigo 49.º do EBF, supostamente aplicável ao requerente, a sua letra ao prever o benefício apenas em sede IMI e de IMT, temos de entender que o legislador expressou correctamente o seu pensamento, sem que se tenha de recorrer a qualquer tipo de interpretação ou de se considerar a existência de uma lacuna da lei”.
1.8. Adicionalmente, “dado que a matéria em litígio, é (…) exclusivamente de direito”, foi também apresentado pela Requerida, na sua Resposta, um pedido de dispensa da “reunião arbitral prevista no artigo 18º do RJAT, assim como da produção de alegações” e “pelas mesmas razões (…) a prova testemunhal apresentada (…) mostra-se inútil, devendo por isso ser rejeitada”.
1.9. Por último, e ainda na Resposta, a Requerida informou que não enviava “(…) o processo administrativo, porque se consideram verdadeiros os documentos juntos pelo requerente e instroem o presente processo de forma cabal”.
1.10. Assim, ambas as Partes foram notificadas do despacho arbitral, datado de 16 de Maio de 2016, tendo o Requerente sido notificado para se pronunciar, no prazo de 5 dias, sobre a possibilidade de dispensa:
1.10.1 Da realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT;
1.10.2 Da inquirição das testemunhas indicadas no pedido;
1.10.3 Da apresentação de alegações.
1.11. O Requerente apresentou requerimento, em 19 de Maio de 2016, no sentido de declarar que “(…) prescinde da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, da apresentação de alegações orais ou escritas, bem como, da inquirição das testemunhas arroladas”.
1.12. Nestes termos, foi decidido pelo Tribunal Arbitral, em despacho datado de 31 de Maio de 2016, em consonância com os princípios processuais consignados no artigo 16.º do RJAT, da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar [alínea c)], da cooperação e da boa-fé processual [alínea f)] e da livre condução do processo consignado no artigo 19.º e 29.º, n.º 2 do RJAT, e tendo ainda em conta o princípio da limitação de actos inúteis previsto no artigo 130.º do Código de Processo Civil (CPC) [aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT]:
1.12.1. Prescindir da realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT;
1.12.2. Prescindir da inquirição de testemunhas;
1.12.3. Prescindir da apresentação de alegações;
1.12.4. Designar o dia 8 de Julho de 2016 para efeitos de prolação da decisão arbitral.
1.13. No mesmo despacho, foi ainda o Requerente advertido que “até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD”, o que veio a efectuar com data de 9 de Junho de 2016.
2. CAUSA DE PEDIR
2.1. O Requerente começa por referir que “(…) tendo sido notificado da decisão proferida pela Direção de Finanças de Lisboa no processo (…) nº …2015… (…) que indeferiu a reclamação graciosa que deduziu do ato de liquidação e respetivas cobranças nºs 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, do imposto de selo referente ao ano de 2014, lançado sobre o imóvel fiscalmente inscrito na matriz predial da freguesia da …, concelho e distrito de Lisboa sob o art. …(lº A a 5°A), e efetuadas ao abrigo do disposto na verba 28 da tabela geral do imposto do selo (…) no montante global de 15.0860,00 euros (…)”, pretende o Requerente com o pedido de pronúncia arbitral “(…) reagir à decisão graciosa por meio de IMPUGNAÇÃO do ato de liquidação em causa (…)”.
2.2. Nestes termos, alega o Requerente que “(…) foi notificado para proceder ao pagamento do Imposto de Selo relativo ao ano de 2014, sobre o imóvel (…) identificado, nos termos constantes das notas de cobrança (…)”, mas “não se conformando com tal liquidação feita a 20.3.2015 (…), e cujo único elemento que sobre ela dispunha era a sua data, pois nada mais a respeito referem as notas de cobrança (…) apresentou a competente reclamação graciosa (…)”.
2.3. Prossegue o Requerente referindo que foi “(…) notificado do projeto de decisão no sentido do indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada e referente ao imposto de selo de 2014, e para, querendo, exercer o direito de audição prévia que lhe assistia (…)”, tendo exercido o mesmo “(…) através de requerimento de 3 de Novembro de 2015 (…) na qual juntou decisão proferida pelo CAAD (…) respeitante exatamente à mesma questão, e ao mesmo imóvel, apenas distinto quanto ao ano do imposto (…)”.
2.4. Não obstante, refere o Requerente que “(…) posteriormente, foi notificado do ofício nº … da Direção de Finanças de … (…) nos termos do qual a reclamação foi indeferida por despacho de 12.12.2015 (…)”.
2.5. O Requerente “(…) não pode (…) conformar-se e concordar com a liquidação de imposto de selo, referente ao ano de 2014, efetuada ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, que aqui se impugna, por entender que a mesma é ilegal, face aos argumentos de fato e de direito (…)” que apresenta.
Dos Factos
2.6. O Requerente é “(…) um fundo de pensões (…)” e é proprietário do imóvel identificado nos autos.
2.7. No âmbito das suas competências, “o serviço de Finanças de … … procedeu às notificações para cobrança dos valores apurados no ato tributário de liquidação de imposto de selo (…)”, tendo sido liquidado imposto “(…) para cada um dos andares do edifício (…) tendo em consideração o seu valor patrimonial global aposto na avaliação oficiosa que a AT realizou em Março de 2013 (…)” (sublinhado e negrito do Requerente).
2.8. Contudo, refere o Requerente que “(…) tais notificações para cobrança do ato de liquidação (…) não foram nunca notificadas (…)” ao Requerente e “(…) não referem (i) quem é o autor do ato (ii) ao abrigo de que competência foi praticado, (iii) qual a sua fundamentação”.
2.9. Assim, entende o Requerente que “não obstante as notificações em causa (…) serem nulas por falta de menção do Autor do ato (…)”, “(…) apresentou no Serviço de Finanças (…) (da localização do imóvel), (…)” um pedido de certidão “(…) do despacho e respectiva fundamentação, que veio a dar origem ao ato de liquidação feito em 20.03.2015 (…)”, dado que pretendia “(…) reagir nos termos legais ao ato insuficientemente notificado (…)”.
2.10. Prossegue o Requerente referindo que “(…) na certidão passada em 06.07.2015, a AT (…) reconhece não ser possível certificar o autor dos atos de liquidação, nem a competência do mesmo” (sublinhado e negrito do Requerente), pelo que, conclui o Requerente que “as notificações em causa são nulas por falta de menção do Autor do ato (…), e o ato de liquidação está assim ferido de ilegalidade por inexistência de A. do mesmo, como atesta a própria Autoridade Tributária, o que se invoca” (sublinhado e negrito do Requerente).
2.11. E reitera o Requerente que sempre “(…) estaria impedido de reagir quanto à sua substância, uma vez que (…)” “(…) não conhece a fundamentação do ato tributário, designadamente da sua liquidação”.
2.12. Neste sentido, invoca o Requerente a falta de elementos das notificações “(…) da liquidação do imposto, feitas através das notas de cobrança (…)” relativas ao ano de 2014, arguindo o vício da nulidade da notificação.
2.13. Por outro lado, alega o Requerente a falta de elementos subjectivos do próprio ato, ou seja, que as notificações não referem a autoria e a competência do autor do ato de liquidação, concluindo que “é imperativo julgar inexistente o ato de liquidação ora impugnado, e procedente a impugnação ora deduzida”.
2.14. Prossegue o Requerente a sua exposição, referindo a falta de fundamentação do ato pelo que conclui que “um sujeito passivo normal não pode entender porque razão está a ser tributado, porquanto não é mencionado o facto que integra as normas de incidência” (sublinhado e negrito do Requerente).
2.15. Desta forma, entende o Requerente que “(…) por padecer da fundamentação necessária, o ato de liquidação notificado (…) através das notas de cobrança, viola designadamente o disposto no artigo 77° da LGT, sendo consequentemente inválido, ineficaz e anulável, o que se requer [que seja] (…) declarado”.
2.16. Por outro lado, alega o Requerente que o imóvel em causa não está abrangido pela incidência do imposto porquanto “(…) a situação jurídica tributária subjectiva e objectiva não é subsumível na norma de incidência fiscal vertida no artigo 4º da Lei 55A/2012” tendo em consideração que “(…) o prédio em causa não tem, nem nunca teve, qualquer afectação habitacional (…)”, referindo que esta qualificação resultou de “(…) uma avaliação oficiosa realizada pela AT em Março de 2013 (…)”, a qual não foi contestada pelo Requerente.
2.17. Com efeito, reitera o Requerente que “é do conhecimento público (…) que o imóvel em causa acolhe, por contrato de arrendamento, Serviços Públicos (…)”, “sendo também público que ali está instalado o Tribunal da Relação de Lisboa (…)”, pelo que entende o Requerente ser um dever da AT “(…) proceder a uma reavaliação oficiosa (…) anulando as liquidações de imposto de selo retroativamente (…)”.
2.18. Para além do já exposto, entende ainda o Requerente que, tendo o imóvel em causa sido dividido pela AT, em Março de 2013, “(…) em andares independentes fisicamente e fiscalmente (…)”, “onde se determinou qual o fim, de cada andar, e qual o seu valor patrimonial”, em nenhuma das fracções com alegado fim habitacional, o “(…) valor patrimonial especificado (…), consideradas individualmente, ultrapassa um milhão de euros”, razão pela qual entende que “(…) a AT não pode sujeitar essas unidades, ou o prédio, no seu todo, constituído em propriedade vertical, a imposto de selo ao abrigo da referida verba, ferindo, deste modo o ato de liquidação que ora se impugna, de ilegalidade”.[3]
2.19. Alega ainda o Requerente que “a liquidação de imposto de selo que agora se impugna viola claramente o princípio da igualdade, previsto constitucionalmente (…)” porquanto entende que “(…) não pode a AT distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal (…) e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal”.
2.20. Assim, entende o Requerente que “a não anulação desta liquidação viola claramente este princípio, uma vez que implica uma tributação desigual (…)” do Requerente, “comparativamente com uma situação em que o prédio se encontre em propriedade horizontal”.
2.21. Por último, dada a natureza do Requerente (fundo de pensões), este alega que, no ano em causa, “(…) beneficia do disposto no artigo 49º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (…)” ou seja, sempre “(…) estaria subjectivamente abrangido pela isenção parcial do imposto de selo em causa (…)”.
2.22. Nestes termos, conclui o Requerente o pedido nos termos descritos no ponto 1.2., supra.
3. RESPOSTA DA REQUERIDA
3.1. A Requerida apresentou Resposta sustentando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e invocando os argumentos que, a seguir, se apresentam.
3.2. Com efeito, admite a Requerida que “vista a posição da posição do requerente não podemos, de todo, aderir a qualquer dos seus argumentos (…)” porquanto:
3.2.1. “A situação do prédio do requerente subsume-se (…), literalmente, na previsão da verba em causa (…)” dado que, segunda a Requerida “é ao valor patrimonial tributário constante da matriz que o texto da lei manda atender para determinar a incidência do imposto do selo da verba 28 da TGIS, assim como ao tipo e à classificação do prédio conforme ele consta da matriz” (negrito da Requerida).
3.2.2. Sendo o imposto liquidado “anualmente, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes a 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita”, “tendo a liquidação do IS por base a matriz, e se esta a 31 de Dezembro de 2012, refere a afectação habitacional do prédio, encontram-se reunidos os pressupostos da tributação da verba 28º do CIS” (negrito e sublinhado da Requerida).
3.3. Neste âmbito, acrescenta a Requerida que “o prédio em causa, para efeitos tributários, se encontra afecto à habitação, pelo que os actos de liquidação do imposto do selo da verba 28.1 da TGIS, não são ilegais porque não violaram a citada norma de incidência”.
3.4. Por outro lado, “quanto ao argumento de que o prédio ao não estar submetido ao regime da propriedade horizontal não pode ser discriminado e penalizado ao nível da tributação em IS”, entende a Requerida que “encontrando-se o prédio (…) em regime de propriedade total, não possui fracções autónomas, às quais a lei fiscal, atribui a qualificação de prédio”, pelo que o Requerente “para efeitos de IMI e também de imposto selo, por força da redacção da referida verba, não é proprietário de 15 fracções autónomas, mas sim de um único prédio” (negrito da Requerida), não sendo permitido, segundo defende a Requerida, ao intérprete equiparar o regime da propriedade total e o regime da propriedade horizontal.
3.5. Assim, segundo a Requerida “encontrando-se o prédio submetido ao regime de propriedade total, mas sendo fisicamente constituído por partes susceptíveis de utilização independente, a lei fiscal atribuiu relevância a esta materialidade, avaliando estas partes individualmente (…) e consequentemente, (…) cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial (…) procedendo-se à liquidação do IMI tendo em conta o valor patrimonial tributário de cada parte”.
3.6. Adicionalmente, entende ainda a Requerida que “o legislador pode, no entanto, submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto, (…) os prédios em regimes de propriedade horizontal e vertical, em especial, beneficiando o instituto juridicamente mais evoluído da propriedade horizontal, sem que essa discriminação deva ser considerada necessariamente arbitrária”, podendo “(…) também ser imposta pela necessidade de impor coerência ao sistema fiscal”.
3.7. Nestes termos, conclui a Requerida no sentido de que “não logra vingar o pedido do requerente de que seja aplicado, por analogia ao seu prédio o regime da propriedade horizontal, considerando-se que cada uma das fracções susceptíveis de utilização independente constitua um prédio, pois isso não seria interpretar as normas do CIMI, e por consequência do CIS, isso seria subverter todo o regime aí instituído, com as violações dos princípios supra referidos”, pelo que “temos (…) de concluir que os actos tributários em causa (…) não violaram (…) qualquer preceito legal ou constitucional, devendo, assim, ser mantidos”.
3.8. Refere ainda a Requerida que “quanto aos demais argumentos apresentados pelo requerente eles encontram-se contraditados na informação que analisou a reclamação graciosa, pelo que dispensamos a sua análise nesta sede, para aí remetendo”, apenas referindo que “quanto à norma de isenção do artigo 49.º do EBF, supostamente aplicável ao requerente, a sua letra ao prever o benefício apenas em sede IMI e de IMT, temos de entender que o legislador expressou correctamente o seu pensamento, sem que se tenha de recorrer a qualquer tipo de interpretação ou de se considerar a existência de uma lacuna da lei”.
3.9. “Dado que a matéria em litígio, é (…) exclusivamente de direito (…)” a Requerida solicitou na sua Resposta a dispensa da realização “(…) da reunião arbitral prevista no artigo 18º do RJAT, assim como da produção de alegações (…)”, tendo em conta que está “(…) a posição das partes ampla e claramente definida” e, pelas mesmas razões, “não havendo factos a apurar (…)”, entende a Requerida que “(…) a prova testemunhal apresentada pelo requerente mostra-se inútil, devendo por isso ser rejeitada”.
3.10. Por último, refere ainda a Requerida na Resposta apresentada que “não se envia o processo administrativo, porque se consideram verdadeiros os documentos juntos pelo requerente e instroem o presente processo de forma cabal”.
4. SANEADOR
4.1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.[4]
4.2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
4.3. A cumulação de pedidos aqui efectuada pelo Requerente, é legal e válida, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 1 do RJAT, dado que a procedência dos pedidos depende, essencialmente, da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.
4.4. O Tribunal é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente.
4.5. Não foram suscitadas quaisquer excepções de que cumpra conhecer.
4.6. Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.
5. MATÉRIA DE FACTO
5.1. Dos factos provados
5.2. Consideram-se como provados os factos documentados pelos seguintes documentos juntos aos autos:
5.2.1. O Requerente é um fundo de pensões, constituído em 30 de Abril de 1999, sem personalidade jurídica, representado pela sociedade gestora identificada no processo, que tem legitimidade e capacidade tributária, nos termos dos artigos 15.º e 16.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária (LGT), conforme doc. n.º 1 anexado com o pedido.
5.2.2. Ao Requerente, enquanto fundo de pensões fechado, é aplicável a legislação em vigor para fundos da mesma natureza, nomeadamente, em matéria de benefícios fiscais.
5.2.3. O Requerente é proprietário do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial nº U-… da freguesia da … (…), sito no …, nº … a …, Rua …, nº … a … e Travessa …, nº … a …, em Lisboa (conforme doc. nº 1 anexado com o pedido).
5.2.4. O referido prédio urbano encontra-se constituído em regime de propriedade vertical (ou total), sendo composto quinze divisões susceptíveis de utilização independente (dez lojas e cinco andares), conforme doc. n.º 1 anexado com o pedido.
5.2.5. O VPT total do referido prédio urbano era, a 31 de Dezembro de 2014, de EUR 1.508.600,00, determinado no âmbito da “Avaliação Geral da Propriedade Urbana” (efectuada em Março de 2013, com efeitos retroactivos a 31 de Dezembro de 2012), sendo que o VPT de cada uma das divisões (ou partes susceptíveis de utilização independente) destinadas à habitação se situa entre EUR 236.020,00 (valor atribuído ao 5º A) e EUR 333.460,00 (valor atribuído ao 1º A), conforme doc. nº 1 a 16 anexados com o pedido.
5.2.6. De acordo com a ficha de avaliação, a afectação do prédio é “Habitacional” para as fracções “1º A”, “2º A”, “3º A”, “4º A” e “5º A” e “Comércio” para as fracções “LJ3”, “LJ6”, “LJ8”, “LJ10”, “LJ12”, “LJ18”, “LJ20”, “LJ22”, “LJ24” e “LJ26” (conforme doc. nº 1 anexado com o pedido).
5.2.7. O Requerente não contestou, em sede própria, o resultado da avaliação, pelo que o VPT acima referido bem como as características do prédio
tornaram-se definitivas, sem prejuízo do procedimento previsto no artigo 130.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), conforme doc. n.º 1 anexado com o pedido.
5.2.8. O Requerente celebrou, em 23 de Dezembro de 2010, com o Estado Português (representado pelo Senhor Presidente do Tribunal …) um novo e único contrato de arrendamento comercial, pelo prazo de cinco anos (com renovação automática por períodos de um ano, desde que não denunciado), e com efeitos desde 1 de Março de 2009, relativo à instalação e funcionamento de serviços públicos no imóvel identificado nos presentes autos, mediante o pagamento mensal de uma renda.[5]
5.2.9. O Requerente foi notificado das notas de cobrança para pagamento da 1ª, 2ª e 3ª prestação de imposto, que a seguir se identificam, relativas às liquidações de Imposto do Selo, datadas de 20 de Março de 2015, referentes ao ano 2014 (cuja data limite de pagamento era, respectivamente “Abril/2015”, “Julho/2015” e “Novembro/2015”), respeitantes ao imóvel acima identificado no ponto 5.2.2., conforme cópias dos documentos de cobrança anexados ao processo (doc. 2 a 16):
Nº DOCUMENTO
|
ANDAR
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VPT
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COLECTA
|
1ª, 2ª E 3ª PRESTAÇÃO
|
DOC. ANEXOS AO PEDIDO
|
2015 …
|
1º A
|
333.460,00
|
3.334,60
|
1.111,54
|
2
|
2015 …
|
1.111,53
|
7
|
2015 …
|
1.111,53
|
12
|
2015 …
|
2º A
|
320.920,00
|
3.209,20
|
1.069,74
|
3
|
2015 …
|
1.069,73
|
8
|
2015 …
|
1.069,73
|
13
|
2015 …
|
3º A
|
320.920,00
|
3.209,20
|
1.069,74
|
4
|
2015 …
|
1.069,73
|
9
|
2015 …
|
1.069,73
|
14
|
2015 …
|
4º A
|
297.280,00
|
2.972,80
|
990,94
|
5
|
2015 …
|
990,93
|
10
|
2015 …
|
990,93
|
15
|
2015 …
|
5º A
|
236.020,00
|
2.360,20
|
786,74
|
6
|
2015 …
|
786,73
|
11
|
2015 …
|
786,73
|
16
|
TOTAL
|
1.508.600,00
|
15.086,00
|
15.086,00
|
|
5.2.10. Para efeitos de determinação da incidência de Imposto do Selo da verba 28 sobre diversas partes autónomas do imóvel (acima identificadas), foi considerado (i) o VPT total do imóvel (EUR 1.508.600,00) e (ii) a afectação habitacional das referidas partes autónomas, sendo que, para efeitos de liquidação do imposto, a Requerida aplicou a taxa de 1% de Imposto do Selo sobre o VPT individual de cada uma das fracções autónomas identificadas no ponto anterior.
5.2.11. O Requerente apresentou, em 6 de Agosto de 2015, reclamação graciosa (nº …2015…) relativa às liquidações de Imposto do Selo, datadas de 20 de Março de 2015, referentes ao ano 2014, requerendo a anulação das daquelas liquidações (conforme doc. nº 1 anexado com o pedido).
5.2.12. O Requerente foi notificado, por carta registada de 19 de Outubro de 2015, do Ofício nº … relativo ao projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa acima identificada (sancionado por despacho do Chefe de Divisão da Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, datado de 16 de Outubro de 2015, no sentido de exercer, querendo, no prazo de quinze dias o respectivo direito de participação na decisão, na modalidade de audição prévia (conforme doc. nº 1 anexado com o pedido).
5.2.13. O Requerente exerceu o referido direito de audição prévia, por escrito, em 3 de Novembro de 2015, tendo nele reiterado os factos alegados na reclamação (nomeadamente o “(…) conhecimento pelo AT do fim do imóvel – contrato de arrendamento ao Estado para instalação do Tribunal …”) e anexado ao processo cópia da decisão arbitral nº 250/2015-T, relativa ao mesmo prédio e imposto (conforme doc. nº 1 anexado com o pedido).
5.2.14. O Requerente foi notificado, por carta registada com AR, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa acima identificada, por despacho de 18 de Dezembro de 2015 (conforme doc. nº 1 anexado com o pedido).
5.3. Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito do pedido.
5.4. Dos factos não provados
5.5. Não foi obtida evidência que valor relativo a cada uma das prestações do Imposto do Selo, respeitantes às liquidações de imposto em crise, incidentes sobre o imóvel acima identificado, tenha sido pago.
5.6. Não se verificaram quaisquer outros factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.
6. FUNDAMENTOS DE DIREITO
6.1. No caso em análise, de modo a aferir a legalidade das liquidações de Imposto do Selo notificadas ao Requerente, por referência ao ano de 2014, será importante dar resposta a uma questão de direito controvertida, subjacente ao Pedido de Pronúncia Arbitral:
6.1.1. A sujeição a Imposto do Selo, nos termos do que dispõe a verba nº 28.1. da TGIS, é determinada pelo VPT que corresponde a cada uma das partes do prédio com afectação habitacional ou se, pelo contrário, é determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia à soma de todos os VPT dos andares (com aquele tipo de afectação), que dele fazem parte?
6.2. Preliminarmente, serão analisados os vícios formais, alegados pelo Requerente no pedido e cuja decisão se mostra pertinente em momento prévio à análise da questão acima enunciada.
Da falta de elementos das notificações (da falta de autor e da falta de fundamentação do acto)
6.3. Neste âmbito, o Requerente alegou (i) a falta de elementos das notificações “(…) da liquidação do imposto, feitas através das notas de cobrança (…)” relativas ao ano de 2014 (arguindo o vício da nulidade da notificação daí decorrente), (ii) a falta de elementos subjectivos do próprio acto, ou seja, que as notificações/comunicações não referem a autoria e a competência do autor do ato de liquidação (concluindo que “é imperativo julgar inexistente o ato de liquidação pra impugnado, e procedente a impugnação ora deduzida”) e (iii) a falta de fundamentação do acto (pelo que conclui que “(…) por padecer da fundamentação necessária, o ato de liquidação notificado (…) através das notas de cobrança, viola designadamente o disposto no artigo 77° da LGT, sendo consequentemente inválido, ineficaz e anulável, o que se requer [que seja] (…) declarado”.
6.4. Nesta matéria, a Requerida na Resposta apresentada veio referir que “quanto aos demais argumentos apresentados pelo requerente eles encontram-se contraditados na informação que analisou a reclamação graciosa, pelo que dispensamos a sua análise nesta sede, para aí remetendo” mas na informação anexada aos autos, nesta matéria, não se encontraram quaisquer comentários da Requerida quanto aos argumentos enunciados no ponto anterior.
6.5. Ora, a doutrina tem indicado como sendo condições de existência de um acto administrativo, a existência de: [6]
a) Sujeito, que é o órgão ou agente administrativo;
b) Objecto, que é o que é o facto tributário;
c) Forma, que é dada pela conduta unilateral da administração;
d) Conteúdo, que abarca a definição de uma situação jurídica concreta no exercício de um poder de autoridade;
e) Publicidade.
6.6. Na situação em análise, os documentos anexados dizem respeito às notas de cobrança dos actos tributários em causa (i. é, as liquidações de Imposto do Selo em crise), nas quais é possível identificar que se tratam de (i) liquidações de Imposto do Selo, (iii) por aplicação da verba 28.1. da TGIS, (iii) referentes ao ano 2014, (iv) mediante a aplicação de uma taxa de 1%, (v) incidente sobre determinado VPT (o de cada uma das fracções, com afectação habitacional, passíveis de utilização independente), (vi) apurando uma determinada colecta e indicando (vii) uma determinada data limite para pagamento voluntário do imposto.[7]
6.7. Assim, entende-se que estão reunidos os requisitos necessários de existência na ordem jurídica pois:
6.7.1. Têm sujeito (foram emanadas por um órgão da administração) e destinatário;
6.7.2. Respeitam a uma conduta unilateral;
6.7.3. Definem uma situação jurídica concreta no exercício de um poder de autoridade e;
6.7.3. Foram dados a conhecer ao destinatário.
6.8. Por outro lado, e com respeito às mesmas liquidações de Imposto do Selo, subjacentes ao pedido, refira-se que estas foram efectuadas nos termos do disposto nos artigos 46.º, n.º 5 e 44.º, n.º 5 do Código do Imposto do Selo (redacção aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10), tendo sido aplicado o previsto nos artigos 119.º e 120.º do Código do IMI, nos termos dos quais os serviços da Administração Tributária devem enviar a cada sujeito passivo de imposto, até ao fim do mês anterior ao do pagamento, o competente documento de cobrança, com discriminação dos prédios, das partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e colecta imputada a cada município da localização dos referidos prédios.
6.9. De acordo com o disposto no n.º 7 do artigo 23.º do Código do Imposto do Selo, “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba nº 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”, nos termos do qual, “o imposto é liquidado (…) com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita” (sublinhado nosso).
6.10. Tendo em consideração que o acto tributário tem de obedecer às condições de existência acima referidas nos pontos 6.3. e 6.4., ainda que operado por forma massiva e sendo produto de um poder legalmente vinculado, estaremos perante actos em massa ou em série (ou seja, perante actos produzidos em grande quantidade), facto que em nada obsta ao carácter singular de cada uma das liquidações em crise porquanto, dado tratar-se de acto administrativo (por referência ao conceito ínsito no artigo 148.º do novo Código do Procedimento Administrativo - CPA), a liquidação é uma decisão que visa produzir efeitos jurídicos “numa situação individual e concreta”.
6.11. Nesse sentido, a individualidade do autor e do destinatário do acto está ligada à identificação nele constante, não obstante os mesmos sejam praticados em série, sendo que a situação a que se reportam os efeitos da decisão administrativa tem de ser uma situação concreta da realidade jurídico-tributária.
6.12. Assim, confrontando com as exigências legais a observar quanto a uma acto administrativo, podemos concluir que os documentos de cobrança constantes dos autos (doc. n.º 2 a 16 anexados com o pedido) preenchem não só os requisitos de fundamentação (previstos no artigo 77.º, n.º 2 da LGT, indicando as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação do facto tributário e a operação de apuramento da matéria tributável e do tributo, bem como também identificam o autor do acto, ou seja, a Autoridade Tributária e Aduaneira, em conformidade com o descrito nos pontos 6.3. e 6.4., supra.
6.13. Em consequência, respeitados todos estes requisitos, independentemente da querela doutrinária sobre o conceito de “acto de massa ou em série”, e sendo certo que legalmente podiam ser utilizados meios informáticos para a prática dos actos tributários impugnados, dúvidas não restam que as liquidações de Imposto do Selo em análise não padecem dos vícios alegados pelo Requerente.
6.14. Tendo concluído pela inexistência dos vícios alegados pelo Requerente, nos termos acima exposto, será importante agora analisar as alterações decorrentes da Lei n.º
55-A/2012, de 29 de Outubro (ou seja, o aditamento à TGIS da verba 28), de modo a dar resposta à questão enunciada no ponto 6.1.1., supra.
6.15. Com efeito, aquele diploma “introduziu um conjunto de alterações nos diplomas codificadores de três impostos – IRS, IRC e Imposto do Selo – assim como na Lei Geral Tributária, entre as quais a norma em análise, todas norteadas à obtenção suplementar de receita fiscal e, em geral, a contrariar o desequilíbrio orçamental”. [8][9]
6.16. Assim, “invocando os princípios da equidade social e justiça fiscal, foi agravada a tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, introduziram-se medidas de reforço de combate à fraude e evasão fiscal, através do reforço do regime aplicável às manifestações de fortuna dos sujeitos passivos e às transferências de e para os paraísos fiscais, a que se somou a introdução, no âmbito do Imposto do Selo, da tributação de situações jurídicas (…), que se entendeu capazes de suportar esforço fiscal acrescidos, distribuindo desse modo mais equitativamente o sacrifício para atingir a consolidação orçamental exigido aos contribuintes” (sublinhado nosso).[10]
Da inconstitucionalidade – da alegada violação dos princípios constitucionais da legalidade, da justiça e da igualdade[11]
6.17. E se dúvidas houvesse quanto à alegada inconstitucionalidade da verba 28 da TGIS, por alegada violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade e da capacidade contributiva, nesta matéria pronunciou-se o Tribunal Constitucional, no âmbito do Acórdão de 11 de Novembro de 2015 (no âmbito do processo n.º 542/14), nos temos do qual decidiu “(…) não julgar inconstitucional a norma da verba 28. e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pelo artigo 4º da Lei nº 55-A/20121, de 29 de outubro, na medida em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00”, “não se verificando a violação de parâmetros de constitucionalidade (…), nem quaisquer outros (…)” (sublinhado nosso).[12][13]
6.18. Com efeito, e no que diz respeito ao princípio da igualdade tributária e capacidade contributiva, afasta aquele Tribunal a “névoa” da inconstitucionalidade, porquanto:
6.18.1. “Como se viu, a alteração legislativa teve como propósito alargar a tributação do património, fazendo-a recair de forma mais intensa sobre a propriedade que, pelo seu valor bastante superior ao (…) da generalidade dos prédios urbanos com afectação habitacional, revela maiores indicadores de riqueza e, como tal, é susceptível de fundar a imposição de contributo acrescido para saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido princípio da equidade social na austeridade” (sublinhado nosso).
6.18.2. Por outro lado, esclarece ainda aquele Acórdão que “o princípio constitucional da igualdade tributária (…) encontra concretização na generalidade e na uniformidade dos impostos. Generalidade quer dizer que todos os cidadãos estão adstritos ao pagamento de impostos (…)” e que “uniformidade quer dizer que a repartição dos impostos pelos cidadãos obedece ao mesmo critério idêntico para todos” (sublinhado nosso).[14]
6.18.3. E tal critério, como sublinha Casalta Nabais, citado naquele Acórdão, encontra-se no princípio da capacidade contributiva, ao implicar “(…) igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)”.[15]
6.19. Ora, “como pressuposto e critério de tributação, o princípio da capacidade contributiva (…) afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários se atenha a revelações de capacidade contributiva, ou seja, erija em objecto e matéria colectável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses do respectivo imposto” (sublinhado nosso).[16] [17]
6.20. Por outro lado, o mesmo Acórdão refere que “o princípio da capacidade contributiva não dispensa o concurso de outros princípios constitucionais”, ou seja, “o princípio do Estado Social, a liberdade de conformação do legislador e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário, indispensáveis também ao cumprimento das finalidades do sistema fiscal”.[18]
6.21. Em suma, “(…) o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas”, seja “na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem excepção”, seja “na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontram em situações iguais e de modo diferente os contribuintes que se encontram em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva”, seja ainda “na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional” (sublinhado nosso).[19]
6.22. Assim, “a incidência do Imposto do Selo (…) remete aqui, no que concerne a elementos essenciais da liquidação do tributo (…) para a regulação constante do Código do IMI (…)”, sendo que “a doutrina atribui-lhe mesmo a condição de taxa adicional de IMI, dirigido a discriminar os prédios de mais elevado valor patrimonial e sujeitá-los a um regime fiscal mais gravoso que os restantes (…) explicando a criação de um novo facto sujeito a Imposto do Selo, para além da heterogeneidade que o reveste este imposto, pela necessidade de aumentar as receitas fiscais do Estado, uma vez que a receita do IMI reverte a favor dos municípios e o Imposto do Selo é uma receita do Estado” (sublinhado nosso).[20]
6.23. Por outro lado, e no que diz respeito ao princípio da proporcionalidade, afasta também aquele Tribunal qualquer inconstitucionalidade porquanto (e cite-se):
6.23.1. “O legislador não visou apenas por este meio o objectivo de reequilíbrio das contas públicas (…) pretendeu (…) alargar a base tributável à riqueza exteriorizada na propriedade de prédios urbanos destinados à habitação de elevado valor e (…) como instrumento de obtenção de mais receita e (…) de alívio do esforço que pudesse vir a incidir sobre outras fontes de receita ou sobre a redução da despesa pública, com vista a cumprir as metas do défice público, não sofre dúvidas que as verbas de Imposto do Selo arrecadadas por via da incidência prevista na verba nº 28, qualquer que seja o seu montante, são aptas e idóneas a realizar as finalidades de repartição ampliada do esforço em período de sacrifícios fiscais e financeiros adicionais que o legislador procurou atingir” (sublinhado nosso).
6.23.2. Assim, “enquanto medida fiscal dirigida a afectar mais intensamente os titulares de direitos reais de gozo sobre prédios urbanos com vocação habitacional e de mais alto valor, não se vislumbram razões para concluir pelo desrespeito das dimensões da necessidade ou da justa medida, contidas no princípio da proporcionalidade” (sublinhado nosso).
6.24. Nestes termos, fica desde já aqui afastada, pelas razões acima expostas, a alegada inconstitucionalidade da verba 28 da TGIS, alegada pelo Requerente, no que diz respeito aos princípios constitucionais supra referidos.
Da incidência do imposto
6.25. Neste âmbito, conforme acima já referido, importa analisar a essência da verba n.º 28 da TGIS (aditada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro).
6.26. Não obstante a Lei n.º 55-A/2012 (em vigor desde 30 de Outubro de 2012) não ter procedido à qualificação dos conceitos que constam da referida verba n.º 28, nomeadamente, do conceito de “prédio com afectação habitacional”, se for observado o disposto no artigo 67.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo (também aditado pela referida Lei n.º 55-A/2012), verifica-se que "às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da TGIS se aplica, subsidiariamente, o Código do IMI”.
6.27. Ora, da leitura do Código do IMI, facilmente é perceptível que o conceito de “prédio com afectação habitacional” remete para o conceito de “prédio urbano”, definido nos termos dos artigos 2.º e 4.º daquele Código.
6.28. Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 2.º, n.º 1 do Código do IMI, “para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial” (sublinhado nosso).
6.29. Ainda de acordo com o n.º 2 e o n.º 3 do mesmo artigo, “os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios”, presumindo-se “o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano”.
6.30. Para efeitos de IMI, “cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio” e, de acordo com o disposto no artigo 4.º do Código daquele imposto “prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos (…)” (sublinhado nosso).
6.31. Entre as várias espécies de “prédios urbanos” referidos no artigo 6.º do Código do IMI, estão expressamente mencionados os “prédios urbanos habitacionais” [n.º 1, alínea a)], acrescentando o n.º 2 do mesmo artigo que estes "são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins".
6.32. Por outro lado, se é certo que o n.º 4 do artigo 2.º do Código do IMI refere que "para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio" também é certo que não há nada na lei que aponte para a discriminação entre prédios em propriedade horizontal e prédio em propriedade vertical no que se refere à sua identificação como “prédios urbanos habitacionais”.
6.33. Assim, daqui pode concluir-se que as partes autónomas de prédios em propriedade vertical, com afectação habitacional, devem ser consideradas como “prédios urbanos habitacionais”.
6.34. Conforme defendido em diversas Decisões Arbitrais, nomeadamente, na que foi proferida no âmbito do Processo n.º 88/2013-T, “na óptica do legislador, não importa o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio mas sim a sua utilização normal, o fim a que se destina”, pelo que, “há assim que concluir que para o legislador é irrelevante que o prédio esteja constituído em propriedade vertical ou em propriedade horizontal, relevando apenas a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização” (sublinhado nosso).
6.35. Com efeito, na interpretação do texto legal, não faz sentido distinguir aquilo que a própria lei não distingue pois distinguir, neste contexto, entre prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios constituídos em propriedade total seria uma "inovação" sem um suporte legal associado.
6.36. Na verdade, nem na verba n.º 28 da TGIS, nem no disposto no Código do IMI, nada indicia uma justificação para essa diferenciação.[21]
6.37. Com efeito, poder-se-á afirmar que é hoje entendimento pacífico que as leis fiscais se interpretam através da determinação do seu verdadeiro sentido, apurado de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr. artigo 9.º do Código Civil e artigo 11.º da LGT).[22]
6.38. Por outro lado, é necessário ter também em consideração que as normas de incidência dos tributos devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação.[23]
6.39. Nestes termos, o critério uniforme que se impõe é o que determina que a incidência do preceituado na norma em causa (verba 28 da TGIS) apenas tenha lugar quando alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente de prédio em propriedade horizontal (ou total), com afectação habitacional, possua um VPT superior a EUR 1.000.000,00 (sublinhado nosso).
6.40. Assim “se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu um critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência da verba 28.1. da TGIS” [24], pelo que fixar como valor de referência para esse objectivo, o VPT global do prédio em causa (como pretende a Requerida), não encontra base na legislação aplicável (sublinhado nosso).[25]
6.41. Por último, importará ainda indagar qual a ratio legis subjacente à regra da verba 28 da TGIS e, em obediência ao disposto no artigo 9.º do Código Civil[26], quais as circunstâncias em que a norma foi elaborada e quais as condições específicas do tempo em que a mesma é aplicada.
6.42. Com efeito, à data da alteração, o legislador pretendeu introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afectação habitacional, tendo considerado, como elemento determinante da capacidade contributiva, os prédios urbanos, com afectação habitacional, de elevado valor (de luxo), ou seja, de valor igual ou superior a EUR 1.000.000,00, sobre os quais passaria a incidir uma taxa especial de Imposto do Selo.
6.43. Na verdade, entendemos ser isso mesmo que se pode concluir da análise da discussão da proposta de Lei n.º 96/XII na Assembleia da República[27], não se vislumbrando a invocação de uma ratio interpretativa distinta da aqui apresentada.[28]
6.44. Com efeito, a fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta pois na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo assim incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhado nosso).
6.45. Ora, se tal lógica parece fazer sentido quando aplicada a uma “habitação” (seja ela uma casa, uma fracção autónoma, uma parte de prédio com utilização independente ou uma unidade autónoma) sempre que a mesma representar, por parte do seu titular, uma capacidade contributiva acima da média (e, nessa medida, susceptível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal), já não faria qualquer sentido se aplicada “unidade a unidade” para, através do somatório dos VPT individuais das mesmas (porque detidas pelo mesmo indivíduo), apurar o tal valor igual ou superior a um milhão de euros (sublinhado nosso).
6.46. Acresce ainda que, admitir a diferenciação de tratamento poderia produzir resultados incompreensíveis e discriminatórios do ponto de vista jurídico, porquanto contrários aos objectivos (de promoção da equidade social e da justiça fiscal) que o legislador defendia ter ao aditar a referida verba n.º 28.
6.47. Assim, a existência de um prédio em propriedade vertical ou horizontal não pode, por si só, ser indiciador de capacidade contributiva, decorrendo da lei que uns e outros devem receber o mesmo tratamento fiscal em obediência aos princípios da justiça, da igualdade fiscal e da verdade material.
6.48. Inversamente, a existência em cada prédio de habitações independentes, em regime de propriedade horizontal ou vertical, pode ser suscetível de desencadear a incidência do novo imposto se o VPT de cada uma das partes ou fracção for igual ou superior ao limite definido pela lei, ou seja, a EUR 1.000.000,00.
6.49. Deste modo, é ilegal (e inconstitucional) considerar que o valor de referência para a liquidação do imposto seja o correspondente ao somatório dos VPT atribuídos a cada parte ou divisão, desde logo porque estaríamos perante uma nítida violação do princípio da igualdade e proporcionalidade em matéria fiscal, porquanto o legislador fiscal não pode tratar situações iguais de forma diferente, em função de estarmos ou não perante um prédio em propriedade horizontal ou em propriedade vertical.
6.50. Ora, se os prédios em análise se encontrassem em regime de propriedade horizontal, era claro que nenhuma das divisões habitacionais que deles fazem parte estaria sujeita à incidência do novo imposto, porquanto nenhum delas ultrapassaria, individualmente considerada, o limite de EUR 1.000.000,00 definido pela lei (vide pontos 5.2.5. e 5.2.9., supra quanto ao VPT de cada um dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente).
6.51. Será por isso mesmo, que o artigo 12.º, n.º 3 do Código do IMI dispõe que “cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual discrimina igualmente o respectivo VPT” para não gerar situações de violação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal (sublinhado nosso).
6.52. Dado que a constituição da propriedade horizontal implica uma mera alteração jurídica do prédio, não impondo sequer uma nova avaliação, será a verdade material a que se impõe como critério determinante da capacidade contributiva e não a mera realidade jurídico-formal do prédio pelo que, em consequência, a discriminação operada pela Requerida traduz-se numa discriminação arbitrária e ilegal.[29]
6.53. E, tendo em conta toda a realidade social e económica muitas vezes subjacente em muitos dos prédios em propriedade vertical, o próprio legislador fiscal no Código do IMI tratou as duas situações (propriedade horizontal e vertical) de forma equitativa, aplicando os mesmos critérios.
6.54. Com efeito, reitere-se que não pode a Requerida distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal e os princípios da legalidade fiscal (artigo 103.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa - CRP), da justiça, da igualdade e da proporcionalidade fiscal, naquele incluídos.
6.55. Analisando a situação sub judice, constata-se que o VPT dos andares (unidades autónomas) com afectação habitacional no imóvel acima descrito varia entre o valor mais baixo de EUR 236.020,00 (5.º andar do imóvel, segundo o doc. n.º 6, 11 e 16 anexados com o pedido) e o valor mais alto de EUR 333.460,00 (1.º andar do imóvel, segundo doc. n.º 2, 7 e 12 anexados com o pedido) pelo que, em qualquer um deles, individualmente considerado, o referido VPT é sempre inferior a EUR 1.000.000,00 (conforme já referido no ponto 6.50., supra).
6.56. Assim, face ao acima exposto, a resposta a dar à questão acima colocada (vide ponto 6.1.1.) será a de que a sujeição a Imposto do Selo, para efeitos da verba 28.º da TGIS, é determinada pelo VPT que corresponde a cada uma das partes do prédio com afectação habitacional e não pelo VPT global do prédio, pelo que será de concluir que sobre os andares com afectação habitacional (do prédio identificado nos autos) não pode incidir o Imposto do Selo a que se refere a verba n.º 28 da TGIS sendo assim ilegais os actos de liquidação objecto do Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pelo Requerente. [30][31]
6.57. Adicionalmente, tendo também em consideração tudo o que acima já foi dito, podemos concluir que a interpretação feita pela Requerida não é conforme à Lei e à Constituição, porquanto viola o princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP) e não contribui para a igualdade entre os cidadãos (artigo 104.º, n.º 3, da CRP) [32].
6.58. Em consequência, fica prejudicada, porque inútil, a análise da questão da aplicabilidade, ao Requerente, da isenção parcial consagrada no artigo 49.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais
6.59. De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.
6.60. Assim, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1 do CPC (ex vi 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.
6.61. Neste âmbito, o n.º 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
6.62. No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a totalidade da responsabilidade por custas à Requerida, de acordo com o disposto no artigo 12.º, n.º 2 do RJAT e artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
7. DECISÃO
7.1. Tendo em consideração a análise efectuada no capítulo anterior, decidiu este Tribunal Arbitral:
7.1.1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo Requerente e condenar a Requerida quanto ao pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo, datadas de 20 de Março de 2015 (respeitantes ao ano de 2014), subjacentes às notas de cobrança identificadas neste processo, anulando-se, em consequência, todos os respectivos actos tributários de liquidação, com as consequências legais daí decorrentes;
7.1.2. Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.
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Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC, artigo 97.º-A, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor do processo em EUR 15.086,00.
Custas do processo: Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 918,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22.º, n.º4 do RJAT.
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Notifique-se.
Lisboa, 8 de Julho de 2016
O Árbitro
Sílvia Oliveira
[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que diz respeito às transcrições efectuadas.
[2] O Requerente refere-se aqui à revogação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa interposta das liquidações de Imposto do Selo do ano de 2014, identificadas no processo.
[3] Neste âmbito, cita o Requerente a decisão arbitral n.º 50/2013-T, de 29 de Outubro de 2013, bem como a decisão arbitral n.º 250/2015-T, de 28 de Outubro de 2015.
[4] Neste âmbito, refira-se que da análise do processo decorre que o pedido de pronúncia arbitral teve expressamente como objecto os actos de liquidação do Imposto de Selo, referente ao ano de 2014, no montante de EUR 15.086,00, com fundamento na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, relativamente ao prédio urbano identificado nos autos, pretendendo o Requerente que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade dessas liquidações. A determinação do objecto do pedido arbitral resulta clara não só do segmento inicial do pedido, mas também da conclusão final, onde de forma expressa formula o pedido de anulação dos actos de liquidação.
Contudo, na parte inicial do pedido, o Requerente refere também que “(…) tendo sido notificado da decisão proferida (…) no processo de reclamação graciosa que deduziu do ato de liquidação e respectivas cobranças (…) do imposto de selo referente ao ano de 2014 (…)”, “vem (…) reagir à decisão graciosa por meio de IMPUGNAÇÃO do ato de liquidação em causa (…)”, não se vislumbrando, em todo o pedido de pronúncia arbitral, para além desta referência inicial, qualquer outra alusão ao pedido de sindicância da ilegalidade do despacho de indeferimento da referida reclamação (há apenas uma referência, no artigo 6.º do pedido, no sentido de relatar factualmente a sequência cronológica dos acontecimentos nos quais se inclui o referido despacho de indeferimento da reclamação graciosa, datado de 18 de Dezembro de 2015), pelo que se entende não haver intenção expressa de proceder à sua impugnação (na verdade, em parte alguma do pedido de pronúncia arbitral, o Requerente formulou, expressamente, qualquer pedido de anulação da referida decisão de indeferimento), pelo que a mesma está à margem do pedido de pronúncia, não relevando a data do despacho para efeitos de contagem do prazo do interposição do pedido de pronúncia arbitral.
Assim sendo, foi analisado o momento do início da contagem do prazo para a dedução do pedido de pronúncia arbitral relativo ao pedido de anulação das liquidações de Imposto do Selo identificadas, tendo em consideração que o disposto no 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT (relativamente a actos de liquidação de imposto), remete (no que concerne ao início da contagem do prazo) para o estabelecido nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT (a contagem do prazo tem início no dia seguinte ao “termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte”). Ora, no caso em análise, temos liquidações de Imposto do Selo a pagar em três prestações (Abril, Julho e Novembro), sendo que este pagamento em prestações não é mais do que uma técnica de arrecadação do imposto e não um pagamento parcial propriamente dito.
Nestes termos, para efeitos de contagem do prazo previsto no artigo 10.º do RJAT, este deverá ser aferido em função do “termo do prazo para pagamento de cada um das prestações tributários legalmente notificadas” e, dado que a lei não compreende a impugnação autónoma de cada uma das prestações de imposto da verba n.º 28 do Imposto do Selo (constante de cada uma das notas de cobrança que respeitam a cada uma das liquidações objecto do pedido), à data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral (28 de Janeiro de 2016) estava ainda em curso o prazo de 90 dias (previsto no artigo 10.º do RJAT), a contar do dia seguinte ao termo do prazo para pagamento da 3ª prestação (30 de Novembro de 2015) de imposto relativo a cada uma das liquidações de Imposto do Selo em crise, pelo que se conclui que o pedido é tempestivo.
[5] De acordo com cópia de uma factura/recibo de renda mensal anexada ao processo com o pedido (doc. n.º 1), fazem parte do valor da renda total, as rendas das fracções “R/C” (2), “1º andar”, “2º andar”, “3º andar”, “4º andar” e “5º andar”, arrendadas ao Tribunal …, mas que constam da avaliação referida no ponto 5.2.5., supra, como tendo “afectação habitacional”, pelos motivos supra descritos.
[6] Neste sentido, vide com as necessárias adaptações, o AC TCAS n.º 01156/06, de 23 de Maio.
[7] De acordo com os factos dados como provados (vide Capítulo 5. desta decisão arbitral).
[8] De acordo com alteração introduzida pelo referido diploma, a verba 28 da TGIS passou a ter a seguinte redacção (negrito nosso):
“28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a EUR 1.000.000,00 – sobre o VPT para efeito de IMI:
28.1 - Por prédio com afectação habitacional - 1%.
28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5%"
[9] Vide Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 590/2015, de 11 de Novembro (Processo nº 542/14) - ponto 9.
[10] Vide nota de rodapé anterior.
[11] Nesta matéria, defende o Requerente que a “liquidação de imposto do selo que agora se impugna viola claramente o princípio da igualdade (…)” porquanto refere que segundo a regra da uniformidade dos impostos, “(…) o que é igual deve ser tributado igualmente, o que é desigual deve ser tributado desigualmente, na medida da desigualdade”, pelo que “(…) não pode a AT distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem como o princípio da legalidade fiscal (…), e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal”.
Neste âmbito, e conforme já referido no ponto 6.4., supra, a Requerida na Resposta apresentada veio referir que “quanto ao demais argumentos apresentados pelo requerente eles encontram-se contraditados na informação que analisou a reclamação graciosa, pelo que dispensamos a sua análise nesta sede, para aí remetendo” sendo que na informação anexada aos autos (doc. nº 1), a Requerida refere que “a liquidação do imposto do selo aqui em causa, conforma-se com os aludidos imperativos constitucionais, e não viola os princípios da legalidade e da igualdade (…) na medida em que os atos praticados pela AT não discriminam os contribuintes nem contrariam a lei”, pelo que “(…) é plenamente cumprido o princípio da tipicidade ou legalidade fiscal (…), no sentido de que quer os factos tributários, quer os efeitos jurídicos estão expressamente previstos na lei, de onde se verifica que o legislador escolheu tributar as situações da vida que manifestam uma certa capacidade económica que se pretende tributar”.
[12] E já se referindo às alterações introduzidas pela Lei n.º 83-C/20123 de 31 de Dezembro.
[13] Com efeito, conclui o Tribunal Constitucional que “(…) a verba 28 da TGIS não enferma de nenhuma inconstitucionalidade, inexistindo qualquer violação dos princípios constitucionais conformadores da lei fiscal, especificamente, dos princípios da igualdade fiscal, da capacidade contributiva e da proporcionalidade (…)”.
[14] Neste sentido, é citado Teixeira Ribeiro, in “Lições de Finanças Públicas”, 5ª Edição, pág. 261.
[15] In “Direito Fiscal”, 7ª Edição, 2012, pág. 155.
[16] Vide Casalta Nabais, obra citada na nota de rodapé anterior, pág. 157.
[17] Neste mesmo sentido, vide AC TC n.º 84/20103, citado no AC TC n.º 590/2015, de 11 de Novembro.
[18] Neste sentido, vide AC TC n.º 84/2003.
[19] Neste sentido, vide AC TC n.º 695/2014.
[20] Vide José Maria Fernando Pires, in “Lições de Imposto sobre o Património”, Coimbra, 3ª Edição, 2015, pág. 504 e pág. 506.
[21] Neste âmbito, atente-se no disposto no artigo 12.º, .nº 3, do Código do IMI, ao referir que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo VPT”.
[22] Neste sentido, vide AC TCAS Processo 07648/14, de 10 de Julho de 2014.
[23] Cfr. AC TCAS Processo 5320/12, de 2 de Outubro de 2012, AC TCAS Processo 7073/13, de 12 de Dezembro de 2013 e AC TCAS 2912/09, de 27 de Março de 2014.
[24] Vide Decisão Arbitral n.º 50/2013-T (CAAD), de 29 de Outubro de 2013.
[25] Que é o Código do IMI, dada a remissão feita pelo citado artigo 67.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo.
[26] Segundo o qual a interpretação da norma jurídica não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, a partir dos textos e dos restantes elementos de interpretação, tendo em conta a unidade do sistema jurídico.
[27] Disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, n.º 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012.
[28] Conforme já referido em diversas Decisões Arbitrais emitidas pelo CAAD (vide Processo n.º 48/2013-T e Processo n.º 50/2013-T).
[29] Uma vez que a lei não impõe a obrigação de constituição do prédio em regime de propriedade horizontal.
[30] Neste sentido, vide nomeadamente, Decisão Arbitral n.º 368/2014-T, de 18 de Dezembro de 2014, emitida pela signatária.
[31] Neste sentido, se pronunciou o Acórdão do STA n.º 01354/15, de 2 de Março de 2016, nos termos do qual “relativamente aos prédios em propriedade vertical, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (…), a sujeição é determinada pela conjugação de dois factores: a afectação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000. Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação”.
No mesmo sentido, vide também Acórdão do STA n.º 047/15, de 9 de Setembro de 2015.
[32] Neste sentido, vide Decisão Arbitral identificada na nota de rodapé nº 30.