Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 770/2015-T
Data da decisão: 2016-06-06  IRS  
Valor do pedido: € 21.570,55
Tema: IRS - Presunções relativas a rendimentos da categoria E; artigo 6º nº 4º do Código do IRS; suprimentos e empréstimo a sócio de sociedade unipessoal; juros indemnizatórios
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Decisão Arbitral

 

Partes

Requerente: A… – … Unipessoal, Lda., NIPC PT …, com sede na … nº …, … – ...

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

I.         RELATÓRIO

 

a)      Em 22-12-2015, a Requerente entregou no CAAD um pedido solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral singular (TAS).

 

O PEDIDO

 

b)      A Requerente pede a anulação das liquidações oficiosas de IRS - retenção na fonte – que constam do documento 2014 …, num total de 21 570,55 euros, com data de 19.12.2014, liquidações nºs 2014 … – 2010 e 2014 … – 2010, respectivamente, quanto às retenções na fonte e quanto aos juros compensatórios, dissentindo de que não pagou ao seu sócio B…, 86 400,00 euros a título de “adiantamento por conta dos lucros”, fundamento legal que sustenta as liquidações.

c)      Peticiona ainda a anulação da decisão que lhe indeferiu a reclamação graciosa que deduziu contra as liquidações atrás referidas.

d)     Uma vez que entende que tais actos estão em desconformidade com a norma contida no nº 4 do artigo 6º do Código do IRS, padecendo do vício de violação de lei, por erro nos seus pressupostos de facto e de direito.

e)      Porquanto, estando na origem da liquidação de IRS a não-aceitação pela AT de que o sócio da Requerente B…, usou 61 402,27 euros de reembolso de suprimentos e 24 997,73 euros de um empréstimo, em seu proveito, para adquirir uma casa, propugna no sentido de que provou, em sede de procedimentos anteriores à liquidação, a origem desses recursos financeiros (suprimentos e empréstimo da sociedade ao sócio), razão pela qual a presunção do nº 4 do artigo 6º do Código do IRS não poderia aqui ser aplicada.

f)       Termina pedindo ainda que seja ordenada a restituição da totalidade do imposto e demais acréscimos que pagou, num total de 21 570,66 euros, acrescendo os juros indemnizatórios.

 

DO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS)

 

g)      O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 04-01-2016.

h)      Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 16-02-2016. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

i)        O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 02-03-2016, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).

j)        Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular com data de 02-03-2016 que aqui se dá por reproduzida.

k)      Logo em 02-03-2016 foi a AT notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17º-1 do RJAT. Respondeu em 05.04.2016 juntando o PA, composto por 1 ficheiro informatizado com 100 laudas.

l)        Uma vez que a Requerida na sua resposta veio prescindir da reunião do artigo 18º do RJAT e bem assim de alegações, pugnando, caso viessem a ser realizadas, pela forma escrita e sucessiva, o TAS por despacho de 09.04.2016 dispensou a realização da reunião de partes e fixou prazo para alegações escritas, sucessivas e facultativas, a menos que a Requerente a isso viesse a obstar.

m)    A Requerente apresentou as suas alegações em 20.04.2016. Em 18.05.2016, face à ausência de contra-alegações da Requerida (que por lapso não lhe tinham sido notificadas) foi a mesma convidada a apresentá-las, querendo, uma vez que a Requerente nas suas alegações aduziu factos novos relevantes para a composição da lide.

n)      A Requerida, em 31.05.2016 apresentou contra-alegações mantendo o já referido na Resposta.

 

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

a)                  Legitimidade, capacidade e representação – As partes gozam de personalidade jurídica, capacidade judiciária, são partes legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

b)      Princípio do contraditório - A Requerida foi notificada nos termos do inciso k) deste Relatório. Todas as peças processuais e todos os documentos juntos ao processo foram disponibilizados à respectiva contraparte no Sistema de Gestão Processual do CAAD. Da sua junção foram sempre notificadas ambas as partes. Foi cumprido especificamente o disposto no artigo 3º nº 3 do CPC ex vi artigo 29º-1-e) do RJAT quanto à matéria factual nova trazida ao processo nas alegações da Requerente.

c)      Excepções dilatórias - O procedimento arbitral não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT. Com efeito, nem a Requerida colocou em causa a tempestividade da apresentação do pedido, uma vez que a notificação da decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa ocorreu por ofício datado de 22.09.2015 e o pedido de pronúncia deu entrada no dia 22.12.2015.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERENTE

 

d)     A Requerente defende que a transferência a crédito, no valor de 86 400,00 euros com a designação “Transferência de A… Lda.”, que realizou em 2010.09.15, para a conta do sujeito passivo C…, cônjuge do contribuinte B…, seu sócio único,

e)      resulta da devolução de suprimentos de anos anteriores no valor de 61 402,27 euros, conforme o extracto das contas de suprimentos desde 2006 até 2010 que juntou e de um empréstimo da sociedade ao sócio no valor de 24 997,73 euros.

f)       Quanto aos suprimentos refere que a conta POC 25511 em nome de B…, em 31.12.2007, apresentava um saldo credor de 23 402,50 euros correspondente ao montante dos suprimentos efectuados por aquele até essa data. Em paralelo, a conta POC 2681011 em nome do mesmo e único sócio, apresentava em 31.12.2007 um saldo credor de 37 999,77 euros “correspondente a pagamentos efectuados por este em nome da sociedade e empréstimos concedidos à mesma, até àquela data”.

g)      Em 2010, já com o SNC em vigor as contas que passaram a corresponder aos códigos 268511 e 27882105 tinham os mesmos saldos de abertura e em 30.09.2010 tiveram os seguintes movimentos:

·         Conta 268 511 – reembolso para sócio – 23 402,50 euros;

·         Conta 27882105 – reembolso para sócio – 37 999,77 euros;

·         Conta 27882105 – empréstimo a sócio – 24 997,73 euros,

concluindo que nesta data foi efectuado o reembolso dos montantes registados a crédito do sócio e que são provenientes de suprimentos e de pagamentos efectuados pelo mesmo em nome da sociedade nos anos anteriores no valor de 61 402,27 euros.

h)      Em 01.10.2010 foi concedido um empréstimo ao sócio, no valor de 24 997,73 euros, suportado num contrato de mútuo celebrado com a sociedade.

i)        Nas alegações acrescenta que no “procedimento de verificação do acréscimo patrimonial do sócio da Requerente e do seu cônjuge por via da aquisição, em 2010, de um imóvel de valor superior a 250 000,00 euros foi aceite pela AT a justificação de que a origem de uma parte dos fundos que permitiram aquela aquisição proveio do reembolso de suprimentos e empréstimos do sócio à sociedade, efectuado em 30.09.2010 no valor de 61 402,27 euros e de um empréstimo da sociedade ao sócio, no valor de 24 997,73 euros, que perfazem o montante de 86 400,00 euros transferido para a conta em nome do cônjuge do sócio e deste”.

j)        Uma vez que a Requerente juntou, aquando da sua audição em sede de procedimento de inspecção, os seguintes documentos:

propugna no sentido de que ficou provada a prévia existência dos suprimentos e dos empréstimos e consequentemente, nos termos do nº 4 do artigo 6º do Código do IRS, esses valores entregues ao único sócio e seu cônjuge não poderiam ser tributados, como o foram, a título de lucros ou adiantamento dos lucros.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

k)      Ao contrário a Requerida entende que a Requerente “não entregou à AT elementos suficientes à comprovação do que alegou e que se mostravam essenciais para a respectiva aferição”, concluindo que “não está evidenciada de forma clara e inequívoca a entrega de suprimentos conforme solicitado na notificação”. Contrapõe:

l)        Quanto ao alegado mútuo, na IES relativa ao exercício de 2010 não se encontra devidamente evidenciado nas contas de balanço o alegado empréstimo ao sócio único. E,

m)    Não resulta, sequer da contabilidade que tenha auferido, até à data, qualquer juro em cumprimento do disposto no clausulado do contrato.

n)      A Requerente não entregou todos os extractos bancários e contas de disponibilidades necessários à análise da existência ou não de suprimentos, respeitantes aos anos da alegada entrada dos suprimentos - 2006 e 2007.

o)      Juntou cópias de extractos bancários de duas contas da D…, mas descontinuados no tempo, relativos a três meses de 2007.

p)      E, relativamente à conta … da D… não são conhecidos o(s) seu(s) titular(es).

q)      A diferença entre o saldo inscrito na IES/Declaração Anual (no montante de €4.223,45) correspondente ao ano de 2007 e o extrato da conta exibida da D… (no montante de € 2.239,68) e a saída em dezembro de 2007 do montante de €8.000,00 da conta de caixa a título de um depósito bancário cuja entrada não está evidenciada no extrato bancário exibido, provam a existência de outras contas bancárias para além daquelas trazidas ao conhecimento da AT.

r)       Não foi demonstrada evidência de que os alegados suprimentos a existirem não terão sido levantados antes da data de 2010.09.15.

s)       A conta de disponibilidades (caixa) no ano de 2007, revela incongruências:

1 - Entrada em caixa do pagamento de todas as faturas emitidas durante o 3.º trimestre de 2007 (no valor de € 57.596,00), sendo que só parte desses recebimentos saíram de caixa a título de depósitos bancários (no valor de €34.070,00);

2 - Depósitos bancários no valor de €8.000,00, com saída de caixa cuja entrada não está evidenciada na conta bancária da sociedade, pelo que é desconhecido também o destino desta verba;

3 - Saída de caixa do montante de €9.322,25 a título de adiantamento devolvido, supostamente a cliente, sem que esteja evidenciado a quem se destinou e/ou a emissão de nota de débito, pelo que o destino dessa verba não foi evidenciada nem justificada;

4 - Saída de caixa no montante de €6.050,00 em Outubro de 2007 destinado a um depósito, sem que esteja evidenciada a entrada de tal verba no extrato da conta bancária disponibilizada.

t)       Não se demonstra que as supra referidas verbas, cujo destino se desconhece, por falta de elementos disponibilizados pela Requerente, não tenham entrado nas suas contas para com esses valores realizar os alegados suprimentos à própria empresa de que eram originários.

u)      Quanto aos suprimentos conclui a Requerida (vide Relatório da Inspecção – folha 9/9): “A empresa, bem como o seu sócio, para justificar a saída de 86 400,00 euros em seu benefício, invoca a retirada de suprimentos no valor de 61 402,27 euros sendo que pretende justificar, apresentando apenas alguns elementos bancários, não exibindo na sua plenitude as suas contas, quer da sociedade quer do sócio único, impedindo dessa forma a Autoridade Tributária da avaliação de que os valores entregues pelo sócio à sociedade tiveram efetivamente em meios próprios deste e que não resultaram da atividade da própria empresa, bem como da comprovação que não foram entretanto levantados antes de 2010”.

v)      Quanto ao empréstimo da sociedade ao sócio (vide Relatório da Inspecção – folha 9/9), reconhecendo que a sua forma não carece de escritura pública: “ … mantêm-se os factos e pressupostos mencionados no ponto III.2 e que constam do Projeto de Relatório”, ou seja, “- no que diz respeito ao empréstimo, configura-se que o contrato de mútuo apresentado não foi convenientemente certificado, não foram reconhecidas as assinaturas pelo que sendo assinado pelo mesmo subscritor em nome dos dois contratantes não ficou comprovada a sua celebração na data referida, 2010.09.01. De acordo com o artigo 1143º do Código Civil “o contrato de mútuo de valor superior a 20 mil euros só é válido se for celebrado por escritura pública”, o que não se verificou no caso em concreto. Na IES relativa ao exercício de 2010 não se encontra devidamente evidenciado nas contas de balanço. A não existência de juros bem como sem qualquer amortização até à data, parece confirmar que não estamos na presença de qualquer empréstimo como a empresa pretende demonstrar, mas tão só uma entrega da sociedade ao sócio único pelo que só pode ser considerada como um adiantamento por conta de lucros à luz do nº 4 do artigo 6º do CIRS”.

w)    A Requerida considera, no entanto, que “… os suprimentos existiram a nível contabilístico” (folhas 5/9 do Relatório de Inspecção).

x)      Termina pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia e pela absolvição da Requerida do pedido.

 

II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

Uma vez que, quer a Resposta da AT ao pedido de pronúncia, quer a decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido reclamação graciosa remetem para a bondade do teor do Relatório da Inspecção Tributária, facilmente se constata que o que aqui está em causa é, em primeiro lugar, apurar se a documentação junta pela Requerente, em sede de reclamação graciosa (e de audição prévia quanto às conclusões do Relatório de Inspecção) é suficiente para comprovar, antes de 30.09.2010 (data de referência do registo do reembolso dos suprimentos e dos empréstimos do sócio único da sociedade) a existência dos alegados suprimentos e dos alegados empréstimos.

 

O que a Requerida questionou, num primeiro momento, perante a Requerente, em sede de procedimento de inspecção tributária (no âmbito do dever de colaboração), foi apenas e só a questão da devolução dos suprimentos no valor de 61 402,27 euros, porquanto, confrontando o teor do primeiro pedido de esclarecimento (ofício … de 24.09.2014) e o teor do segundo pedido de esclarecimento (ofício … de 17.10.2014) só quanto aos suprimentos tinha dúvidas, nada mais tendo suscitado quanto ao empréstimo da sociedade ao sócio único da sociedade.

 

Em bom rigor o que a Requerida perguntou à Requerente, como se retira do teor do ofício … de 24.09.2014 foi apenas “a que título foi efectuada a transferência bancária no montante de 86 400,00 euros”, não exigindo sequer qualquer documentação. A documentação que a Requerente enviou em 08.10.2014, não foi, pelo menos não consta do ofício, solicitada pela Requerida, pelo que não se compreende o que se refere no ofício … de 17.10.2014 “Tendo em consideração a resposta ao nosso ofício … se mostrar insuficiente”.

 

Consigna-se, ainda, que, quer em sede de emissão final da fundamentação do Relatório de Inspecção (a qual é depois adoptada com fundamentação da decisão de indeferimento na reclamação graciosa), quer em sede de resposta neste processo, parece não se ter apreciado, em concreto e especificadamente, os documentos juntos pela Requerente em sede de audição prévia, antes da elaboração do Relatório Final de Inspecção.

 

Por outro lado, haverá ainda que ter em conta dois factos, a saber:

  1. O referido em i) do Relatório desta decisão de que foi aceite pela AT a justificação que a origem de uma parte dos fundos que permitiram aquela aquisição proveio do reembolso de suprimentos e empréstimos do sócio à sociedade, efectuado em 30.09.2010 no valor de 61 402,27 euros e de um empréstimo da sociedade ao sócio, no valor de 24 997,73 euros, que perfazem o montante de 86 400,00 euros transferido para a conta em nome do cônjuge do sócio e deste;
  2. E o referido em w) do Relatório desta decisão de que a Requerida considera, que “os suprimentos existiram a nível contabilístico”.

 

Digamos que a apreciação da conformidade com a lei (neste caso está essencialmente em causa a aplicação da norma contida no nº 4 do artigo 6º do Código do IRS) da decisão que indeferiu a reclamação graciosa, resulta da apreciação que se adoptar, como de resto se nota do teor da decisão impugnada infra reproduzida, sobre a suficiência ou insuficiência da prova documental aduzida pela Requerente nos procedimentos de Inspecção e de Reclamação Graciosa. Consequentemente, a liquidação de IRS deve manter-se ou não na ordem jurídica conforme a apreciação que se venha a adoptar sobre esta temática em concreto.

 

III.      MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA FUNDAMENTAÇÃO

 

Com relevância para a decisão são estes os factos que se consideram provados, indicando-se os documentos respectivos (prova por documentos), como fundamentação.

 

Factos provados

1)                 A Requerente é uma sociedade unipessoal, que exerce “atividades de mediação imobiliária”, tem como único sócio e gerente, o contribuinte B…, a quem, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2014… se realizou, com incidência no exercício de 2010 o procedimento de inspecção interno de âmbito parcial - nºs 5, 6 e 7 da Resposta, Relatório da Inspecção Tributária de 02.12.2014 junto com o pedido de pronúncia e posição global da Requerente no pedido de pronúncia.

2)                 Por ofício …/… de 24.09.2014 a Direcção de Finanças do ... – Serviços de Inspecção Tributária, remeteu à Requerente um pedido de elementos/esclarecimentos – ano de 2010 questionando: “a que título foi efectuada, em 2010.09.15, a transferência bancária no montante de 86 400,00 para conta bancária titulada em nome de C…, uma vez que esta verba não foi considerada na Declaração Anual – Anexo J da A… – … Unipessoal Lda.” – Documento nº 2 junto com o pedido de pronúncia e folhas 2/8 e 3/9 do Relatório de Inspecção que constitui folhas 50 e 50 verso do PA.

3)                 Respondeu a Requerente por email de 08.10.2014 nos seguintes termos: “Esta verba não foi considerada na Declaração Anual – Anexo J, uma vez que não constituiu nenhum rendimento do sócio B…, tendo este apenas recebido o salário” “… esclareço a que título corresponde este montante: - devolução de suprimentos dos anos anteriores no valor de 61 402,27 euros, conforme o extracto de contas de suprimentos desde 2006 até 2010” – empréstimo ao sócio no valor de 24 99,73 euros, conforme extracto em anexo. Junto o respectivo contrato assinado entre a A… e o sócio B…” – Artigo 14º da Resposta, artigo 11º do pedido de pronúncia, documento nº 2 junto com o pedido de pronúncia e folhas 2/8 e 3/9 do Relatório de Inspecção que constitui folhas 50 e 50 verso do PA.

4)                 O extracto referido no número anterior quanto às contas (segundo o SNC) 268 511 e 27882105, em nome do sócio B…, registam os seguintes movimentos em 30.09.2010: a primeira “reembolso para sócio” de 23 402,50 euros, a segunda “reembolso para sócio” de 37 999,77 euros, e “empréstimo para sócio” de 24 997,73 euros. – artigo 8º do pedido de pronúncia, extractos em anexo ao Documento nº 2 junto com o pedido de pronúncia e folhas 3/9 do Relatório de Inspecção que constitui a folha 50 verso do PA.

5)                 Em 01.09.2010 foi celebrado entre a Requerente, como mutuante, representada por B… e B…, como mutuário, um contrato de mútuo, pelo qual a Requerente entrega 24 997,73 euros. – conforme contrato em anexo ao Documento nº 2  junto com o pedido de pronúncia.

6)                 Por ofício …/…, de 17.10.2014 a Direcção de Finanças do ... – Serviços de Inspecção Tributária, remeteu à Requerente um pedido de elementos/esclarecimentos – ano de 2010, referindo o seguinte: “Tendo em consideração a resposta ao nosso ofício … se mostrar insuficiente para o esclarecimento dos factos indicados, solicita-se, em relação à devolução dos suprimentos invocados … a remessa de cópias dos documentos que justifiquem de facto as entradas nas contas da sociedade, mais concretamente cópias dos cheques (após desconto bancário), transferências bancárias e/ou talões de depósitos e outros que evidenciem de forma clara e inequívoca a entrada dos meios financeiros nas contas da empresa a título de suprimentos que referem ser de montante de 61 402, 27 euros, demonstração que não foi efectuada em resposta à notificação anteriormente referida”. “Todos os extratos bancários da A… e das contas de disponibilidades constantes da contabilidade dos anos em que os suprimentos invocados terão dado entrada na sociedade”. – Documento nº 3 em anexo ao pedido de pronúncia, artigo 15º da resposta da Requerida e artigo 12º do pedido de pronúncia.

7)                 Respondeu o Requerente por email de 31.10.2014 apresentando cópias de vários documentos, nomeadamente extractos das contas (segundo a contabilidade) POC 25511 e 2681011 em nome de B…, com os saldos de 23 402,50 euros e 37 999,77 euros, em 30.09.2010 e juntou ainda, quanto ao período de 2006 e 2007, 23 documentos: dois cheques e comprovativos de transferências bancárias de importâncias debitados nas suas contas bancárias da D… (nºs … e …) e creditados na conta da Requerente da CGD (…); comprovativos de transferências da conta de B… através da Banca on line da D… relativas a despesas tituladas por documentos em nome da Requerente, constando todos estes movimentos em registo cronológico nas aludidas contas (segundo a contabilidade) POC 25511 e 2681011 em nome de B… – Artigo 13º do pedido de pronúncia, 6º parágrafo das alegações da Requerente e lauda 3/9 do Relatório de Inspecção.

8)                 Através do ofício …/… de 07.11.2014 a AT remeteu à Requerente o projecto de correcções do relatório de inspecção, conferindo prazo para audição prévia nos termos dos artigos 60º da LGT e RCPIT – Documento 4 junto com o pedido de pronúncia e artigo 14º do pedido de pronúncia.

9)                 A Requerente exerceu o direito de audição prévia por escrito, entregando na Direcção de Finanças em 24.11.2014, entrada 2014…, uma exposição e documentos (A a F), a saber:

Documento nº 4 em anexo ao pedido de pronúncia; lauda 5/9 do Relatório de Inspecção e acordo da Requerida neste processo por falta de tomada de posição em contrário sobre este facto, sendo que os “separadores” a que se alude serão as letras maiúsculas colocadas num documento para valer nos subsequentes.

10)             Por ofício …/…, de 19.12.2014 a Direcção de Finanças do ... – Serviços de Inspecção Tributária, remeteu à Requerente nos termos do artigo 62º do RCPITA a versão final do relatório/conclusões com o seguinte teor (na parte da fundamentação):

“I – Conclusões da ação de inspeção

I.1 – Mapa resumo das correções resultantes da ação de inspeção

Conforme quadro da folha anexa à capa

 

I.2 – Descrição sucinta das conclusões da ação de inspeção

No âmbito da ação de inspeção interna efetuada ao sujeito passivo supra citado, verificámos falta de entrega de imposto exigível (IRS objeto de tributação especial com caráter liberatório) no valor de 18 576,00 euros com referência ao período de 2010, conforme disposto no artigo 5º, nº 2 alínea h) e artigo 71º nº 1 alínea c) ambos do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares CIRS.

 

II – Objetivos, âmbito e extensão da ação de inspeção

Em cumprimento da Ordem de Serviço nº 012014… realizou-se com incidência no exercício de 2010 o procedimento de inspeção interno de âmbito parcial, na sequência de análise acréscimo de património do sujeito passivo B…, com referência ao ano de 2010, por aquisição de imóvel no valor de 485 000,00 euros através da verificação do rendimento declarado ser ou não compatível com o acréscimo do património conforme alínea f) do artigo 87º da LGT.

 

III – Descrição dos factos e fundamentos das correções

III.1 – Enquadramento do sujeito passivo

Após consulta à base de dados do sistema informático da AT – Autoridade Tributária e Aduaneira verificou-se que o sujeito passivo supra citado a exercer “Atividades de mediação imobiliária” CAE 68311, desde 2006.09.01 data do início da actividade, estando enquadrado para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) no regime normal de periodicidade trimestral. Relativamente ao enquadramento em Imposto sobre o Rendimento (IR), encontra-se no regime geral.

Trata-se de uma sociedade unipessoal tendo como único sócio-gerente o contribuinte B… NIF ….

 

III.2 – Descrição dos factos e enquadramento legal

No âmbito da análise à declaração modelo 3 de IRS do exercício de 2010 através da verificação do rendimento declarado ser compatível com o acréscimo do património previsto na alínea f) do artigo 87º da LGT observado por consulta ao IMT pago pelos contribuintes singulares na aquisição de imóveis, foi selecionado o sujeito passivo B… tendo em consideração que no ano fiscal de 2010, adquiriu por escritura notarial o prédio sito na freguesia de …, … sob o artigo …, fração … pelo valor de 485 000,00 euros.

Da análise ao extrato bancário da conta do sujeito passivo C…, comproprietária do imóvel referido e cônjuge do contribuinte B…, verificamos que em 2010.09.15 foi efetuada uma transferência a crédito no valor de 86 400,00 euros com a designação “Transferência De A… Lda.”

De destacar que a transferência do montante referido anteriormente ocorreu em 2010.09.15, a mesma data da emissão do 2º cheque no valor de 180 000,00 euros, utilizado para pagamento antecipado sob forma de sinal relativo à aquisição do prédio referenciado adquirido por B… em conjunto com a esposa C…, para cuja conta foi realizada transferência no montante de 86 400,00 euros e de qual saiu o pagamento da importância de 180 000,00 euros referida anteriormente.

Pelo exposto, tendo em vista a clarificação da colocação à disposição dessa importância pela sociedade objeto de análise, foram solicitados ao sujeito passivo elementos/esclarecimentos relativamente a transferência bancária efetuada pela A… que foi utilizada para pagamento da aquisição do prédio objeto de análise sob a credencial Ol2012…, conforme nosso oficio nº …/… de 2014.09.24.

O sujeito passivo enviou resposta ao pedido anteriormente referido via e-mail em 2014.10.08, esclarecendo que o montante corresponde a:

·         “Devolução de suprimentos de anos anteriores no valor de 61402,27 euros. Conforme o extrato das contas de suprimentos desde 2006 até 2010”,

·         “Empréstimo ao sócio no valor de 24 997,73 euros. Conforme extrato anexo. Junto o respectivo contrato assinado entre A… e o sócio B…”.

Juntou ainda, extratos das contas 25511/12, 2661011/12 e 268511/12 tituladas em nome do sócio B…, bem como cópia de Contrato de Mútuo entre a A… e B….

Da análise aos elementos enviados não ficou demonstrada de forma objetiva e inequívoca os movimentos financeiros alegados pelo sujeito passivo.

Tendo em consideração a resposta se mostrar insuficiente para o esclarecimento dos factos indicados, foi enviado ao sujeito passivo pedido de elementos/esclarecimentos, nosso ofício nº …/… de 2004.10.17, solicitando cópias dos cheques (após desconto bancário), transferências bancárias e/ou talões de depósitos e outros que evidenciem de forma inequívoca e clara a entrada dos meios financeiros nas contas da empresa, bem como todos os extratos bancários da A… e das contas de disponibilidades constantes da contabilidade dos anos em que os referidos suprimentos terão dado entrada na sociedade.

O sujeito enviou resposta via e-mail em 2014.10.31, juntando cópias de extratos bancários de duas contas de D…, mas descontinuados no tempo, relativos a três meses de 2007.

Assim, quanto aos elementos remetidos pelo sujeito passivo verificamos o seguinte:

·         Não está evidenciada de forma clara e inequívoca a entrega de suprimentos conforme solicitado na notificação;

No que diz respeito à definição de suprimentos, de acordo com o nº 1 do artigo 243º do Código das Sociedades Comerciais, “Considera-se contrato de suprimento o contrato pelo qual o sócio empresa à sociedade dinheiro ou coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ou pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o deferimento do vencimento de créditos seus sobre ela, desde que em qualquer dos casos, o crédito fique tendo caráter de permanência”,

·         Dado não terem sido remetidos todos os extratos bancários e contas de disponibilidades solicitados, estritamente necessários à análise de existência ou não de suprimentos, e respeitantes aos anos de entrada dos suprimentos, relativos ao espaço de tempo que decorreu de 2006 a 2007 não foi possível a análise cabal de toda a situação invocada nem aferir de facto que o valor de 61 402,27 euros foi efetivamente levantado a título de suprimentos.

·         Relativamente à conta … da D… não são conhecidos o(s) seu(s) titular(es);

·         No que diz respeito ao empréstimo, configura-se que o contrato de mútuo apresentado não foi convenientemente certificado, não foram reconhecidas as assinaturas pelo que sendo assinado pelo mesmo subscritor em nome dos dois contratantes não ficou comprovada a sua celebração na data referida, 2010.09.01. De acordo com o artigo 1143º do Código Civil “o contrato de mútuo de valor superior a 20 mil euros só é válido se for celebrado por escritura pública”, o que não se verificou no caso em concreto.

·          Na IES relativa ao exercício de 2010 não se encontra devidamente evidenciado nas contas de balanço esse empréstimo ao sócio único. A não existência de juros bem como sem qualquer amortização até à data, parece confirmar que não estamos na presença de qualquer empréstimo como a empresa pretende demonstrar, mas tão só uma entrega da sociedade ao sócio único pelo que só pode ser considerada como um adiantamento por conta de lucros à luz do nº 4 do artigo 6º do CIRS.

·         Tendo em consideração as demonstrações contabilísticas da empresa e a realidade financeira, torna-se estritamente necessário a análise de todos os movimentos financeiros da empresa de 2006 e 2007, demonstrações que o sujeito passivo não enviou a sua totalidade.

·          Além do exposto anteriormente, dos extratos enviados não ficou demonstrado a entrada de movimentos financeiros que justifiquem contrapartidas resultantes dos proveitos efetivamente auferidos pela sociedade.

·         Ficou ainda evidenciado após consulta à base de dados da AT que o sócio B… apresentou para efeitos fiscais como rendimento coletável nos anos em causa os seguintes montantes: 2006 – 0,00; 2007 – 1757,08, 2008 – 2283,36 e 2009 – 9 672,00. Relativamente ao ano de 2010 o contribuinte B… entregou a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS como casado, tendo apresentado rendimentos de categoria A no valor de 21 000,00 euros + rendimentos de categoria B no montante de 52,32 euros.

Tendo em conta que este processo teve origem em ação de inspeção inicialmente dirigida ao único sócio desta sociedade B…, resultante de divergência entre os rendimentos declarados não consentâneos com o património adquirido, também não ficaram justificados os suprimentos invocados, à luz dos rendimentos normalmente declarados pelo sócio da A…, pelo que os factos anteriormente referidos permitem apenas concluir pela não separação das contas bancárias privadas do gerente e da empresa de que é sócio, com referência aos anos de 2006 e 2007, sendo que os suprimentos existiram a nível contabilístico.

Assim, tendo em conta a obrigatoriedade dos movimentos de suprimentos serem realizados através de conta bancária, o sujeito passivo não provou objetiva e inequivocamente que os suprimentos que diz terem sido levantados foram efetivamente emprestados pelo sócio, pelo que não prefigura, por isso, terem sido suprimentos entregues pelo sócio à sociedade.

O artigo 5º do CIRS, à data dos factos, dispunha no seu nº 2, alínea h), que se consideram rendimentos de capitais “os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20º, sendo que art. 6º do citado diploma legal preceitua “os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituras nas sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamentos dos lucros”.

 

III.2 – Correções propostas

Em face ao exposto anteriormente, destaca-se que a sociedade A… Unipessoal, LDA não procedeu à retenção na fonte de IRS de caráter liberatório relativo à colocação à disposição do sócio único de adiantamento por conta de lucros, retenção essa que deveria ter sido efetuada no momento da colocação à disposição da importância em causa, em 2010.09.15 e entregue nos cofres do estado até ao dia 20 do mês seguinte, é até 20 de Outubro de 2010.

Nos termos do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 71º do CIRS a taxa a aplicar à data da ocorrência era de 21,5% (redação dada pela Lei nº 12-A/2010 de 30/06), pelo que se apurou o seguinte imposto em falta: montante sujeito a retenção na fonte 86 400,00 euros, taxa liberatória a aplicar 21,5%, imposto 18 576,00 euros (86 400,00 euros x 21,5%).

 

IV – Infrações verificadas

A falta de entrega de imposto nos cofres do Estado na sequência dos factos descritos configura uma situação prevista e punível nos termos do artigo 114º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho.

 

VI – Direito de Audição – Fundamentação

VI.1 – O sujeito passivo foi notificado através do ofício nº …/…, de 2014.11.07 para querendo, exercer o direito de audição nos termos do artigo 60º da Lei Geral Tributária e artigo 60º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira, sobre o Projeto de Relatório da Inspeção Tributária tendo exercido o direito de audição por escrito, rececionado nesta Direção de Finanças em 2014.11.24, nossa entrada nº 2014….

Da exposição apresentada pela empresa “A… – …, Lda., no âmbito do referido exercício do direito de audição, vem alegar que se encontram comprovados os “… suprimentos registados em contas apropriadas da contabilidade … e mútuo constante do documento escrito e registado na conta do sócio…”

Assim, em face aos elementos remetidos vimos expor o seguinte:

 

VI.2 – Quanto à justificação da entrega de suprimentos pelo único sócio da sociedade em 2006 e 2007, está em causa verificar se esses valores se tratam efetivamente de suprimentos realizados, de acordo com o conceito de definição conforme referido no ponto III.2 e se o foram se estes terão sido ou não já reembolsados pela sociedade antes de 2010, evidência que não foi demonstrada pelo contribuinte.

 

Quanto ao primeiro ponto, conforme já referido anteriormente os rendimentos declarados pelo contribuinte B…, com referência aos anos de 2006 e 2007 e anos imediatamente anteriores, não são suscetíveis de lhe garantirem um mínimo de subsistência, bem como ter permitido a possibilidade de ainda conseguir realizar poupanças, à luz dos rendimentos declarados. Portanto, esses suprimentos só poderão justificar-se com a obtenção de rendimentos não considerados ou declarados o que não estará dissociado dos recursos e rendimentos provenientes da própria empresa, entretanto já constituída e em atividade desde 2008, uma vez que é a única atividade conhecida do contribuinte B…, gerente da sociedade e sócio único, não se lhe conhecendo nem estando declarados rendimentos proventos ou empréstimos de outrem.

Aliás, da análise efetuada à conta bancária pessoal do único sócio, que nos foi disponibilizada, verifica-se a existência de saldos bancários nessa conta, em divergência dos seus rendimentos declarados, a saber:

•                     2002, 2003, 2005 e 2006 – sem rendimentos declarados;

•                     2004 – Com rendimentos coletável de 413,53 euros;

•                     2007 – Com rendimentos coletável de 1 757,08 euros;

Os resultados tributáveis declarados pela sociedade entre 2006 e 2010 geraram prejuízos negativos avultados, no entanto, nos anos em que tal não aconteceu o lucro positivo foi para absorver esses prejuízos declarados nos anos imediatamente anteriores.

Desta forma, não se pode validar o facto de que os suprimentos registados tenham tido origem nos meios financeiros próprios do sócio único da A…, e não outros que não os gerados pela sociedade, pelo menos à luz dos elementos que nos foram trazidos pela empresa, seja quando interpelada, seja durante o exercício do Direito de Audição (DA).

 

Quanto ao segundo ponto, uma vez que não foram disponibilizados outros elementos tal facto também não pode ser considerado válido.

 

Assim, pelos elementos trazidos ao processo, conclui-se o seguinte:

·         Não foi demonstrada evidência de que não terão sido levantados os suprimentos antes da data de 2010.09.15;

·         Não ficou demonstrada a existência de outras contas bancárias da sociedade que supostamente existirão tendo em consideração o seguinte:

a) Diferença entre o saldo inscrito na IES/Declaração Anual (no montante de 4 223,45 euros) correspondente ao ano de 2007 e o extrato de conta exibida da D… (no montante de 2 239,68 euros);

b) Saída em Dezembro de 2007 do montante de 8 000,00 euros da conta de caixa a título de um depósito bancário cuja entrada não está evidenciada no extrato bancário exibido.

 

·         A conta de disponibilidades (caixa) no ano de 2007, evidência várias incongruências, o que não atesta que os suprimentos não foram entretanto recebidos, a saber:

a) Entrada em caixa do pagamento de todas as faturas emitidas durante o 3º trimestre de 2007 (no valor de 57 596,00 euros), sendo que só parte desse recebimentos saíram de caixa a título de depósitos bancários (no valor de 34 070,00 euros);

b) Depósitos bancários no valor de 8 000,00 euros, com saída de caixa cuja entrada não está evidenciada na conta bancária da sociedade, pelo que é desconhecido também o destino desta verba;

c) Saída de caixa do montante de 9 322,25 euros a título de adiantamento devolvido supostamente a cliente sem que esteja evidenciado a quem se destinou e/ou a emissão de nota de crédito pelo que o destino dessa verba não foi evidenciada nem justificada;

d) Saída de caixa no montante de 6 050,00 euros em Outubro de 2007 destinada a um depósito, sem que esteja evidenciada a entrada de tal verba no extrato de conta bancária disponibilizada.

 

Outros factos relevantes que se concluem, mesmo após os novos elementos trazidos pelo sujeito passivo em sede do exercício do DA, quanto aos suprimentos que invoca terem sido levantados;

- A empresa tem um único sócio e apresenta resultados negativos em todos os exercícios entre 2006 e 2008 e quando não o são serviram para absorver os resultados negativos anteriores;

- No mesmo seguimento, o sócio único não apresenta outra atividade ou trabalho remunerado ou conhecido, não tem rendimentos obtidos ou declara valores bastante reduzidos em anos em que a atividade da venda de imóveis estava bastante ativa em termos de número de transações, pelo que eventuais entregas de valores à sociedade só mesmo gerados no âmbito desta, a não ser que a empresa e o seu sócio evidenciem ou demonstrem com outros factos a proveniência desses meios financeiros que pretensamente entraram na sociedade com proveniência nos meios financeiros do sócio, o que não se verificou até à data.

Será de realçar, também, que as contas exibidas pelo sócio da empresa, a título de justificação da entrega dos invocados suprimentos, já vem evidenciada com saldos iniciais cuja origem se desconhece.

 

Pelo exposto anteriormente, temos:

- A empresa, bem como o seu sócio, para justificar a saída de 86 400,00 euros em seu benefício, invoca a retirada de suprimentos no valor de 61 402,27 euros sendo que pretende justificar, apresentando apenas alguns elementos bancários, não exibindo na sua plenitude as suas contas, quer da sociedade quer do sócio único, impedindo dessa forma a Autoridade Tributária da avaliação de que os valores entregues pelo sócio à sociedade tiveram efetivamente em meios próprios deste e que não resultaram da atividade da própria empresa, bem como da comprovação que não foram entretanto levantados antes de 2010.

O sócio da A… – … Unipessoal, Lda., numa primeira fase justifica os meios financeiros para a compra de casa própria como provenientes da sociedade mas para justificar os meios financeiros provenientes da sociedade, para si próprio, refugia-se nos seus próprios meios financeiros.

 

2 – Empréstimo da sociedade

Apesar do contrato de mútuo inferior a 25 000,00 euros não carecer de escritura pública, conforme invoca a sociedade em DA, mantêm-se os factos e pressupostos mencionados no ponto III.2 e que constam do Projeto de Relatório, pelo que, o que vem invocado no referido Direito de Audição nada altera quanto à falta de justificação do empresário entre a sociedade e o seu sócio único.

Assim, pelos factos invocados mantém as correções propostas.”

- conforme folhas 42 a 54 do PA e Documento nº 1 junto com o pedido de pronúncia.

11)             A Requerente foi notificada da liquidação de IRS – nota de apuramento das retenções na fonte - documento 2014 …, num total de 21 570,55 euros, com data de 19.12.2014, liquidações nº 2014 … – 2010 e 2014 … – 2010, com data limite de pagamento até 16-02-2015 – conforme documento nº 5 em anexo ao pedido de pronúncia.

12)             Da liquidação referida no número anterior reclamou graciosamente a Requerente, tendo a mesma sido indeferida por despacho de 21.09.2015 da Chefe de Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa da Direcção de Finanças do ..., reproduzindo-se como fundamentação as conclusões do Relatório de Inspecção aqui expressas em 10) supra, tendo sido notificada a Requerente do indeferimento definitivo por ofício … de 22.09.2015 – Documento nº 6 junto com o pedido de pronúncia.

13)             No âmbito de procedimento (não junto ao processo) de verificação de acréscimo patrimonial do sócio da Requerente e do seu cônjuge, por via da aquisição, em 2010, de um imóvel de valor superior a 250 000,00 euros, foi aceite pela AT a justificação de que a origem de uma parte dos fundos que permitiam aquela aquisição proveio do reembolso de suprimentos e de empréstimos do sócio à sociedade, efectuado em 30.09.2010 no valor de 61 402,27 euros e de um empréstimo da sociedade ao sócio, no valor de 24 997,73 euros e foi ainda comprovada uma doação dos pais do sócio único da Requerente no valor de 95 450,00 euros, resultante da venda de uma fracção autónoma – último parágrafo de folhas 3 e 3º parágrafo de folhas 4 das alegações da Requerente, tendo em conta o acordo implícito da AT ao não tomar posição dissonante sobre a matéria.

14)             Em 22-12-2015, a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia – registo de entrada no SGP do pedido de pronúncia.

 

Factos não provados

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TAS CUMPRE SOLUCIONAR

 

As questões a abordar serão as referidas no ponto II supra.

 

O empréstimo da Requerente ao seu sócio único – inciso 5) da matéria de facto provada

 

Como resulta da matéria de facto constante em 2) e 6) da parte III desta decisão, a AT não solicitou à Requerente outros elementos concretos que corroborassem as circunstâncias em que o contrato de mútuo (inciso 5) da matéria de facto assente) foi celebrado entre a Requerente, representada pelo seu sócio e o seu sócio em nome próprio, no valor de 24 997,73 euros.

 

Como acima se referiu, o que a Requerida questionou perante a Requerente, em sede de procedimento de inspecção tributária (no âmbito do dever de colaboração), foi apenas e só a questão da devolução dos suprimentos no valor de 61 402,27 euros, porquanto, confrontando o teor do primeiro pedido de esclarecimento (ofício … de 24.09.2014) e o teor do segundo pedido de esclarecimento (ofício … de 17.10.2014) só quanto aos suprimentos tinha dúvidas, nada mais tendo suscitado quanto ao empréstimo da sociedade ao sócio único da sociedade.

 

Em bom rigor, percute-se, o que a Requerida perguntou à Requerente, como se retira do teor do teor do ofício … de 24.09.2014 foi apenas “a que título foi efectuada a transferência bancária no montante de 86 400,00 euros”, não exigindo sequer qualquer documentação. No entanto, a Requerente enviou-lhe em 08.10.2014 o teor do contrato de mútuo, sendo que a questão suscitada se referia a “suprimentos”.

 

A AT no Relatório Final da Inspecção Tributária veio referir: “No que diz respeito ao empréstimo, configura-se que o contrato de mútuo apresentado não foi convenientemente certificado, não foram reconhecidas as assinaturas pelo que sendo assinado pelo mesmo subscritor em nome dos dois contratantes não ficou comprovada a sua celebração na data referida, 2010.09.01. De acordo com o artigo 1143º do Código Civil “o contrato de mútuo de valor superior a 20 mil euros só é válido se for celebrado por escritura pública”, o que não se verificou no caso em concreto.

Na IES relativa ao exercício de 2010 não se encontra devidamente evidenciado nas contas de balanço esse empréstimo ao sócio único. A não existência de juros bem como sem qualquer amortização até à data, parece confirmar que não estamos na presença de qualquer empréstimo como a empresa pretende demonstrar, mas tão só uma entrega da sociedade ao sócio único pelo que só pode ser considerada como um adiantamento por conta de lucros à luz do nº 4 do artigo 6º do CIRS”.

 

E por aqui se finam os argumentos para desconsiderar a existência do alegado contrato de mútuo.

 

De facto, sendo o valor em causa inferior a 25 000,00 euros não será exigível escritura pública, mas apenas a assinatura do mutuário (artigo 1143º do CC ex vi artigo 11º-2 da LGT).

 

O facto do contrato ser assinado pela mesma entidade, pessoa física, como mutuário e mutuante, embora em qualidades diferentes, resultará da própria natureza do tipo de sociedade (unipessoal) o que, por si só, não invalidará a sua substância, até porque não foi alegada a sua falsidade. Também o reconhecimento de assinaturas, ainda que fosse elemento que a Requerente deveria ter acautelado para fixar no tempo a contratação, não será, também, por si só, invalidante da relação contratual.

 

“A qualificação jurídica do negócio celebrado pelas partes tem que resultar em primeiro lugar dos próprios termos do negócio celebrado, uma vez que se tratou de um negócio escrito, e em segundo lugar do modo como as partes actuaram relativamente a esse mesmo negócio, tendo em conta as concretas cláusulas por si estipuladas” – acórdão do STA, processo 01426/14 de 17.06.2015, em www.dgsi.pt.

 

Pelas cláusulas do contrato também não parece que se deva concluir pela sua invalidade: estão previstos juros, prazo de amortização e formas de pagamento.

 

Não tendo sido colocada em causa, pelo menos não consta do processo, a regularidade dos registos contabilísticos da Requerente e estando o mútuo representado nas suas contas, referir-se que na IES de 2010 o mesmo não está devidamente evidenciado no balanço, configurar-se-à como um facto cujos efeitos não é possível aqui escrutinar. Poderia até tratar-se de lapso do TOC o que poderia apurar-se no momento próprio, uma vez que não consta do processo que lhe tenham sido pedidos esclarecimentos.

 

Este argumento foi aliás rebatido pela Requerente conforme consta do inciso 3) da matéria assente (parte III desta decisão). Refere-se: “esta verba não foi considerada na Declaração Anual – Anexo J, uma vez que não constituiu nenhum rendimento do sócio B…, tendo este apenas recebido o salário”. E assiste-lhe razão. De facto a obrigação fiscal acessória em causa parece aplicar-se apenas aos rendimentos pagos e retenções na fonte efectuadas.

 

Quanto ao valor cedido pela Requerente ao seu sócio único a título de empréstimo (24 997,73 euros) só pode proceder o pedido de pronúncia, não fazendo sentido, face à prova feita em sede de procedimentos e sobretudo face à ausência de pedidos de elementos complementares à Requerente que atestassem ou não a efectiva contratação (v.g., o acesso ao ficheiro “word” com data da sua criação), considerar-se que se trata de adiantamento por conta dos lucros nos termos do nº 4 do artigo 6º do Código do IRS.

 

Os suprimentos (contas, segundo a contabilidade/ POC 25511 e 2681011 - e segundo o SNC 268 511 e 27882105 - em nome de B…, com os saldos em 30.09.2010 de 23 402,50 euros e de 37 999,77 euros, respectivamente).

 

Teremos que observar que a Requerida a folhas 5/9 do Relatório de Inspecção, no primeiro parágrafo, considera, que “os suprimentos existiram a nível contabilístico”, com referência a 2006 e 2007.

 

Verificamos ainda pelo teor do Relatório da Inspecção (ponto IV – infracções verificadas), que como supra se referiu, constitui a verdadeira fundamentação dos actos impugnados (indeferimento da reclamação graciosa e liquidação de IRS) que não foi aplicada qualquer coima ou aberto qualquer procedimento por violação da norma prescrita no artigo 129º do RGIT (não uso de conta bancária para movimentos) e bem assim das normas prescritas nos artigos 118º, 119º ou 121º do RGIT, pelo que, implicitamente, se deve depreender que não se colocou em causa a regularidade da organização da contabilidade, chamando à colação, inclusive, o respectivo TOC.

 

O referido no segundo parágrafo do Relatório de Inspecção a folhas 5/9: “tendo em conta a obrigatoriedade dos movimentos de suprimentos serem realizados através de conta bancária” não deixou de ser uma mera observação sem consequências subsequentes que aqui há que ponderar.

 

Parece claro que o nº 4 do artigo 6º do Código do IRS, aqui em causa, quando refere “os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades … quando não resultem de mútuos” se refere às “contas correntes” segundo a Contabilidade e não ao uso concreto de movimentações através de uma ou várias contas bancárias.

 

Não podemos, pois, sufragar o que se refere no segundo parágrafo de folhas 5/9 do Relatório de Inspecção de que o facto dos suprimentos não terem entrado na conta bancária da Requerente tem como consequência não se considerar que os montantes em causa não foram emprestados pelo sócio à sociedade.

 

O que faz a diferença entre um contrato de suprimento à sociedade (artigo 243º do CSC) e um contrato de mútuo à sociedade ou desta aos sócios (ambos sendo no fundo e “grosso modo” contratos de empréstimo) tem a ver, quanto à relação contratual que integra o conceito de suprimento, com a estabilidade (superior a um ano) e com o facto de não depender de qualquer forma especial, mormente escrita. Não depende ainda de deliberação dos sócios, saldo disposição contratual em contrário.

 

Na verdade com o que a AT não concorda é com o facto do sócio da Requerente ter pago, como comprovou, vidé inciso 7) da matéria de facto provada (parte III desta decisão), várias despesas tituladas por documentos emitidos em noma da sociedade e depois terem sido lançados esses valores na conta do sócio da Requerente como suprimentos feitos à sociedade. Ou seja, parece que só aceitaria serem suprimentos se se tratasse de numerário que entrasse na conta bancária da Requerente.

 

Neste caso, este de operações em que se confunde um pouco o sócio e a sociedade só parece ser possível, em termos práticos, porque se trata de uma sociedade unipessoal, em que o sócio é único, com a natural e aparente confusão entre a sociedade e o seu único sócio.

 

Mas esta situação em concreto também deve ter-se em conta na apreciação do que é a realidade, a verdade material. Não se trata de uma sociedade com vários quotistas ou accionistas.

 

Tratando-se de uma sociedade unipessoal, estando essas despesas devidamente documentadas, quer ao nível concreto da sua realização (ao nível da regularidade da titulação documental), ou seja, não se colocando em causa que não são despesas facturadas à sociedade, imprescindíveis ao desenvolvimento da sua actividade e estando as mesmas registadas cronologicamente nas correctas contas segundo as regras da contabilidade, não vemos razões para que não possam ou não devam ser consideradas como “suprimentos” do sócio à sociedade. O que interessará aqui é a prevalência do conteúdo sobre a forma, da prevalência da verdade material sobre a verdade formal.

 

Após a audição prévia da Requerente, em sede de procedimento de inspecção, quanto aos suprimentos, coloca-se em causa:

·         não terem sido os meios próprios do sócio a contribuir para os mesmos

·         e se o foram se terão sido já reembolsados pela sociedade antes de 2010.

 

Quanto ao primeiro ponto refere-se que em 2006 e 2007 (e anos anteriores) o sócio da sociedade não tem rendimentos declarados que lhe permitissem provisionar esses suprimentos nem evidenciam lhe garantissem um mínimo de subsistência, concluindo-se que só pode associar-se a rendimentos não declarados, ou seja, recursos da própria empresa.

 

Em primeiro lugar este raciocínio colide com o facto de não ser carreado para o processo qualquer tipo de correcção ao rendimento sujeito a IRC da empresa, uma vez que, numa primeira linha se há rendimentos da empresa que não foram considerados ou declarados pelo sócio (e de que este se apropriou sem passar pela tributação em IRC), a primeira linha de actuação face à eventual fuga e evasão fiscal seria ao nível da tributação da empresa.

 

É certo que se alude a saldos bancários na conta do sócio da Requerente incompatíveis com o seu nível de rendimentos. No entanto, tal como ocorreu no procedimento referido no inciso 13) da parte III desta decisão, podem tais saldos resultar de variadíssimas situações. No caso acima referido verificou-se que ocorreu uma doação de um familiar. Que, certamente só não foi tributada em IS porque se trata de herdeiro legitimário.

 

O que se pretende aqui significar é que, sem uma averiguação ou apuramento concretos (e há procedimentos para o efeito) da proveniência dos saldos das contas bancárias incompatíveis com o nível de rendimentos declarados do sócio da sociedade, não parece dever ser possível afirmar-se com toda a segurança que esses saldos resultam de valores desviados da sociedade e aí não declarados e tributados.

 

E se como se afirma no Relatório de Inspecção os “resultados tributáveis” declarados pela sociedade geraram prejuízos elevados entre 2006 e 2010 e nos anos em que tal não aconteceu o lucro positivo foi para absorver esses prejuízos, seria mister que se agisse imediatamente sobre a regularidade da contabilidade e sobre a potencial fuga e evasão fiscal da própria sociedade, ao nível do IRC.

 

Não nos parece, pelo descrito, que os argumentos aduzidos devam relevar, numa primeira linha, para efeitos de não considerar válidos os suprimentos registados na contabilidade em nome do sócio, mas antes poderiam servir de motivação para agir sobre a regularidade da contabilidade da Requerente e sobre a eventual fuga e evasão fiscal ao nível do IRC da sociedade, uma vez que na apreciação da AT se configura que foram usados meios da sociedade (nela não tributados). Numa segunda linha e como consequência da eventual correcção do lucro tributável da empresa em IRC então sim, poderiam inconsiderar-se os suprimentos feitos à empresa com recursos da mesma, sem sujeição a tributação, com as legais consequências.

 

Quanto ao segundo ponto – mesmo que os suprimentos tenham sido feitos com recursos do sócio, terão sido já reembolsados pela sociedade antes de 2010.

 

A referência de que “não foi demonstrada evidência de que os suprimentos não terão sido levantados antes de 15.09.2015” configura-se não consentânea com as regras sobre o ónus da prova e sendo colocada em alternativa à questão acima referida (que não foram os meios próprios do sócio a contribuir para os suprimentos) parece ser desconforme com a máxima de que, quando se alega ou se aduz um facto, não se propugna, depois, o seu contrário. Admitir-se que os suprimentos possam ter sido levantados antes, pressupõe a admissão de que eles existiram e foram regularmente contratados e escriturados na sociedade.

 

Duvidando-se de que existia mais do que uma conta bancária em nome da sociedade cumpre verificar que o nº 1 do artigo 63ºC da LGT obriga a ter “pelo menos, uma conta bancária”. Ou seja, é conforme a lei que as empresas sujeitas a IRC tenham várias contas bancárias. Os movimentos bancários em tais contas só não são escrutinados pela AT se o não entender.

 

O acesso da AT a informação bancária está hoje facilitado. Não consta do processo que a própria AT tenha suscitado sequer à Requerente a autorização de acesso às contas bancárias (aliás, no caso, tal nem era necessário “ex vi” nº 4 do artigo 63º C da LGT).

 

Através de uma consulta ao anexo J (antigo Modelo 10) – que as entidades bancárias entregam nos termos do nº 12 do artigo 119º do Código do IRS – poderia confrontar-se o contribuinte para comprovar de que contas aqueles rendimentos advinham.

 

O pedido de informação ao TOC poderia servir para obter os esclarecimentos necessários. Poderia ser um meio de recolha de informações que se supõe fidedigna, dadas as obrigações que recaem sobre estes profissionais.

 

Também se nos afigura que as questões relevantes colocadas quanto às incongruências da conta de disponibilidades de caixa do ano de 2007 poderiam e deveriam, em primeira linha, ser esclarecidas pelo técnico oficial de contas.

 

Na verdade, apontam-se incongruências dos registos contabilísticos, mas depois não se confrontou o TOC com esses factos, nem se colocou em causa, em termos concretos, a validade da contabilidade pela razão de não sido aplicada qualquer coima ou aberto procedimento por irregularidades ou viciação da mesma. Pelo menos, disso não há notícia neste processo.

 

O mesmo se pode afirmar quanto à referência de que nas “… contas exibidas pelo sócio da empresa, a título de justificação da entrega dos invocados suprimentos, já vem evidenciada com saldos iniciais cuja origem se desconhece”. Ora, assim sendo, confronte-se o TOC para concretamente esclarecer esse facto.

 

Na mesma linha de pensamento se o sócio da sociedade apresenta “… apenas alguns elementos bancários, não exibindo na sua plenitude as suas contas, quer da sociedade, quer do sócio único”, não fará sentido colocar-se a falta de acesso às contas bancárias da sociedade porque a AT tem acesso sem autorização da mesma. Quanto às contas bancárias do sócio e esposa a AT não evidencia, sequer, em primeiro lugar, que lhes tenha pedido autorização de acesso. A recusa seria um indício a ponderar de que algo se pretendia esconder. Depois, em caso de recusa de acesso, existem os meios legais de acesso a essas contas, por parte da AT.

 

Os extractos de contas contabilísticas juntos ao processo mostram que foram elaborados por “E… – … UNI. Lda”, pressupondo-se que se trata da empresa associada à elaboração dos registos contabilísticos segundo instruções do TOC. Por outro lado, conforme se retira do Relatório da Inspecção verifica-se que a Requerente, em termos de IRC, encontra-se enquadrada no regime geral (e não no regime simplificado).

 

Nos termos acima expostos, também, procede o pedido de pronúncia no que concerne à inconsideração dos suprimentos, uma vez, que face aos concretos elementos trazidos para o processo, ponderando,

  • por um lado, o que se encontra provado por documentos e pelos registos da contabilidade e,
  • por outro lado, as situações aduzidas na fundamentação dos actos impugnados (acto de indeferimento da reclamação graciosa e sequente liquidação de IRS - retenção na fonte),
  • e sobretudo porque não foram promovidas diligências que podiam ter sido promovidas mormente ao nível do acesso às contas bancárias da sociedade e do sócio da sociedade e ao nível dos esclarecimentos de quem elabora em concreto as contas (o TOC),

Afigura-se-nos que, percute-se, com os elementos carreados para o procedimento de inspecção, sobretudo os que constam no inciso 9) da matéria provada, deveria a reclamação graciosa merecer provimento e consequentemente não deveria ter sido levada a efeito a liquidação de IRS também impugnada, uma vez que, na ponderação que aqui propugnamos, não se verificam os pressupostos de aplicação do segmento essencial da norma contida no nº 4 do artigo 6º do Código do IRS, ou seja, verificou-se que existiram suprimentos do sócio à sociedade e um empréstimo da sociedade ao sócio único, factos que integram o segmento contido na citada norma que exclui a sua aplicação.

 

Restituição do imposto pago e demais acréscimos.

 

A Requerente pede na parte final do pedido de pronúncia seja “ordenada a restituição da totalidade do imposto e demais acréscimos pagos … no total de 21 570,56 euros, acrescidos dos juros indemnizatórios”.

 

No entanto, não juntou qualquer prova de que tenha pago o montante em causa. E também não juntou a prova de ter pago os juros compensatórios. A anulação da liquidação implica “à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio”.

 

Nos termos do Artigo 100º da LGT “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão.”

 

Tendo a Requerente pago a dívida de imposto e juros terá direito a reembolso em execução da presente decisão.

 

Juros indemnizatórios

(reproduzimos, quanto a esta matéria, o que se escreveu no acórdão do CAAD – processo nº 673/2015-T – a que aderimos)

 

No que concerne a juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

No caso em apreço, na sequência da ilegalidade do acto liquidação de IRS e juros, há lugar a reembolso do imposto que comprovadamente tenha sido pago e bem assim dos juros compensatórios, por força dos referidos artigos. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado», o que deverá ser determinado em execução de julgado.

 

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

A ilegalidade da decisão da reclamação graciosa é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa. O mesmo ocorre com a liquidação de IRS e com a liquidação dos juros compensatórios.

 

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT desde as datas em que efectuou o pagamento em causa, até reembolso.

 

V. DISPOSITIVO

 

Nos termos e com os fundamentos acima expostos, julga-se procedente o pedido de pronúncia arbitral e em consequência:

  • Anula-se a decisão proferida no âmbito da reclamação graciosa - despacho de 21.09.2015 da Chefe de Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa da Direcção de Finanças do ... -, onde se reproduz como fundamentação as conclusões do Relatório de Inspecção, notificada à Requerente por ofício … de 22.09.2015, por desconformidade com a norma contida no nº 4 do artigo 6º do Código do IRS.
  • Consequentemente anulam-se as liquidações constantes do documento 2014 …, num total de 21 570,55 euros, com data de 19.12.2014, liquidações nº 2014 … – 2010 e 2014 … – 2010, com data limite de pagamento até 16-02-2015, por desconformidade com a norma contida no nº 4 do artigo 6º do Código do IRS.
  • Condena-se a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente das quantias que comprovadamente demonstre ter pago quanto às liquidações anuladas e a pagar-lhe juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento até ao seu reembolso.

 

***

 

Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 21 570,55 euros.

 

Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em Euros 1 224,00, segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 06 de Junho de 2016

 

 

Tribunal Arbitral Singular (TAS),

 

(Augusto Vieira)

 

 

Texto elaborado em computador nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.