Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 767/2015-T
Data da decisão: 2016-06-28  IRC  
Valor do pedido: € 21.227,75
Tema: IRC – Tributações Autónomas - PEC
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Decisão Arbitral [1]

 

 

O Árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 7 de Março de 2016, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:

 

1.       RELATÓRIO

 

1.1.    A…, S.A., pessoa colectiva nº…, com sede na Rua …, nº…, no Porto (doravante designada por “Requerente”), apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral singular, no dia 21 de Dezembro de 2015, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.2.    A Requerente pretende que seja:

 

1.2.1.     “(…) declarada a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa (…) e, bem assim, a ilegalidade das autoliquidações de IRC (…) relativas aos exercícios de 2012 e 2013, no que respeita aos montantes de taxas de tributação autónoma em IRC de € 14.213,22 (2012) e € 7.014,53 (2013), respectivamente, com a sua consequente anulação (…) por afastamento indevido das deduções à colecta, atenta a manifesta ilegalidade das liquidações (…), com todas as consequências legais, designadamente o reembolso (…) destas quantias, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados, até integral reembolso (…)” e, subsidiariamente,

1.2.2.     “(…) caso se entenda que o artigo 90º do CIRC não se aplica às tributações autónomas, deverá ser declarada a ilegalidade das liquidações das tributações autónomas (…) por ausência de base legal para a sua efectivação (…), com o consequente reembolso do mesmo montante e o pagamento de juros indemnizatórios (…)”.

 

1.3.    O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 12 de Janeiro de 2016 e notificado à Requerida na mesma data.

 

1.4.    A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em 16 de Fevereiro de 2016, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.5.    Na mesma data foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.6.    Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 7 de Março de 2016, tendo sido proferido despacho arbitral, na mesma data, no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

1.7.    Em 14 de Abril de 2016, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação e concluído que “(…) deve o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências”.

 

1.8.       Nestes termos, por despacho deste Tribunal Arbitral, datado de 20 de Abril de 2016, com o objectivo de garantir o princípio do contraditório e de igualdade das partes (de acordo com o disposto no artigo 16º, alíneas a) e b) do RJAT), foram notificadas ambas as Partes para se pronunciarem, no prazo de 5 dias, sobre a possibilidade de dispensa:

 

1.8.1.           Da realização da referida reunião;

1.8.2.           Da inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente, bem como,

1.8.3.           Da apresentação de alegações.

 

1.9.       A Requerente apresentou requerimento, em 26 de Abril de 2016, no sentido de que “(…) não mantém interesse na inquirição das testemunhas por si arroladas, pelo que prescinde da mesma, (…) não vê (…) interesse na realização da reunião arbitral, mas (…) tem interesse na produção de alegações (…) pela forma escrita”.

 

1.10.   A Requerida não apresentou qualquer requerimento relativo ao teor do despacho arbitral identificado em 1.8., supra.

 

1.11.   Assim, por despacho arbitral, datado de 5 de Maio de 2016, em consonância com os princípios processuais consignados no artigo 16º RJAT, do contraditório [alínea a)] da igualdade das partes [alínea b)], da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar [alínea c)], da cooperação e da boa-fé processual [alínea f)] e da livre condução do processo consignado no artigo 19º e 29º, nº 2 do RJAT, bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis, previsto no artigo 130º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT, decidiu este Tribunal Arbitral o seguinte:

 

1.11.1.       Prescindir da realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT;

1.11.2.       Prescindir da inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente;

1.11.3.       Não prescindir da apresentação de alegações e, em consequência, notificar a Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias, sendo que o prazo para a Requerida começará a contar da data da notificação da junção das alegações da Requerente ou do termo do prazo concedido para o efeito (no caso daquela não apresentar alegações).

1.11.4.       Designar o dia 28 de Junho de 2016 para efeitos de prolação da decisão arbitral;

1.11.5.       Notificar ainda a Requerida para, no prazo de 5 dias, juntar aos autos o processo administrativo que protestou juntar aquando do envio da Resposta.

 

1.12.   A Requerente foi ainda advertida que “até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD” (tendo-o efectuado a 27 de Junho de 2016).

 

1.13.   A Requerida, em 4 de Maio de 2016, junto aos autos o processo administrativo.

 

1.14.   Em 12 de Maio de 2016, a Requerente apresentou as suas alegações escritas, no mesmo sentido do pedido arbitral, tendo orientado as mesmas sobre os sobre os seguintes pontos:

 

1.14.1.       “As tributações autónomas são IRC, logo aplica-se-lhes (…) o artigo 90º. do CIRC, salvo norma de exclusão”;

1.14.2.       “Em especial, a função quer do PEC, quer da tributação autónoma, não se opõe a este resultado da interpretação declarativa”.

1.14.3.       “Alguns raciocínios da douta resposta da AT”;

1.14.4.       “A norma alegadamente interpretativa constante da Lei do Orçamento do Estado para 2016”,[2]

 

E concluindo “(…) como no pedido de constituição de tribunal arbitral”.

 

1.15.  Ainda quanto “ao efeito interpretativo conferido pelo artigo 135.º constante da Lei do Orçamento de Estado para 2016 (…)”, a Requerente cita a (…) jurisprudência exarada no processo arbitral nº 673/2015-T (…)”, no sentido de que “não pode concluir-se que a interpretação autêntica que se faz naquele artigo 88.º, nº 21, por força do artigo 135.º da Lei nº 7-A/2016 de 30 de Março, seja violadora do princípio constitucional da segurança jurídica, no concerne à parte daquela norma que se reporta à indedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à colecta das tributações autónomas”.[3]

 

1.16.   Em 24 de Maio de 2016, a Requerida apresentou as suas alegações escritas no sentido de reiterar a “(…) procedência da argumentação desenvolvida (…) em sede de Resposta”, pelo que entende que “(…) não merecem censura os actos tributários impugnados (…) devendo os mesmos permanecer válidos na ordem jurídica”.

 

2.       CAUSA DE PEDIR

 

A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

Legitimidade e Tempestividade do pedido de Constituição de Tribunal Arbitral

 

2.1.    A Requerente começa por referir que “(…) o tribunal arbitral em matéria tributária tem competência para apreciar pretensões atinentes à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, incluindo de autoliquidação”.

 

2.2.    De seguida, refere a Requerente que:

 

2.2.1.     “Em 30 de Maio de 2013 e em 28 de Maio de 2014 (…) procedeu à apresentação das declarações de IRC Modelo 22 referentes aos exercícios de 2012 e 2013, tendo nesses momentos procedido à autoliquidação de tributações autónomas em IRC desses mesmos anos (…), nos montantes de € 14.213,22 (2012) e € 7.014,53 (2013), respectivamente (…)”;

2.2.2.     “Estas declarações foram posteriormente substituídas (…)” mas “no entanto, não resultaram quaisquer alterações nos montantes apurados de tributações autónomas (…) nem nos montantes a pagar (…) nos exercícios de 2012 e 2013”;

2.2.3.     “Em 22 de Maio de 2015 a requerente apresentou reclamação graciosa contra as referidas autoliquidações respeitantes aos exercícios de 2012 e 2013 (…), não tendo obtido qualquer decisão sobre a mesma no “(…) prazo de quatro meses previsto na lei para o efeito (…) pelo que se presume o seu indeferimento tácito em 22 de Setembro de 2015 (…)”.

 

2.3.    Assim, entende a Requerente que “(…) o prazo para apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral é, nas circunstâncias do caso, de noventa dias contados (…) da presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa”, “prazo que termina em 21 de Dezembro de 2015”, pelo que “atenta a data de apresentação deste pedido de constituição de tribunal arbitral impõe- se a conclusão de que o mesmo é tempestivo, assistindo, inequivocamente, legitimidade processual à ora requerente para deduzi-lo”.

 

Da identificação do acto tributário objecto de pronúncia arbitral

 

2.4.    Neste âmbito, refere a Requerente que “os actos objecto do pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral são o indeferimento (…) da reclamação graciosa (…) identificada e, consequentemente (…), os actos de autoliquidação de IRC (…) relativos aos exercícios de 2012 e 2013, na medida correspondente à não dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma do pagamento especial por conta (PEC) efectuado (…) ou, subsidiariamente, na medida em que é indevida a liquidação de tributação autónoma (…)”.

 

2.5.    Com efeito, “pretende a ora requerente submeter à apreciação do Tribunal Arbitral (i) a legalidade deste indeferimento da reclamação graciosa (…) e, bem assim, (ii) a legalidade (…) das autoliquidações de IRC referentes a estes exercícios de 2012 e 2013 (…), num total de € 21.227,75”.

 

Identificação do Pedido Arbitral

 

2.6.    Nesta matéria, “pretende a ora requerente que seja declarada, quer a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa, quer a ilegalidade parcial dos actos de autoliquidação (…) identificados (…) e que sejam consequentemente anulados (…) no que concerne à parte dos referidos actos de autoliquidação que reflecte a não dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma do pagamento especial por conta efectuado em sede de IRC (…) ou, subsidiariamente, na medida em que reflecte tributação autónoma indevida”.

 

Dos Factos

 

2.7.    “A requerente entregou no dia 30 de Maio de 2013 a declaração de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2012, e em 28 de Maio de 2014 a declaração de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2013, tendo apurado um montante de tributações autónomas em IRC de € 14.213,22 (2012) e de € 7.014,53 (2013), respectivamente (…)”.

 

2.8.    Refere ainda a Requerente que “quer na declaração referente ao exercício de 2012, quer na declaração referente ao exercício de 2013, apurou-se um montante a pagar, que se encontra pago (…)” sendo que “(…) ao imposto resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma em IRC o sistema informático da AT revela anomalias consubstanciadas no assinalar de divergências (“erros”) que impedem que a requerente inscreva o valor relativo às referidas taxas de tributação autónoma em IRC (…) deduzido (…) dos montantes de pagamentos especiais por conta acumulados, o que resultou num excesso de imposto pago por referência aos exercícios fiscais de 2012 e 2013 aqui em causa”.

 

2.9.    Contudo, continua a Requerente, “em sede de pagamentos especiais por conta (PEC) subsiste um montante acumulado por deduzir à colecta do IRC que ascende em 2012 e 2013 a € 117.322,721 e € 107.785,642, respectivamente (…)”.

 

2.10.  Assim, entende a Requerente que “(…) dispõe de PEC’s em montante superior à colecta das tributações autónomas em IRC dos exercícios de 2012 e 2013 (…)” porquanto “o sistema informático da AT, através do qual é autoliquidado o IRC, não permite que os contribuintes deduzam, para efeitos do apuramento do IRC por si devido, ao IRC resultante das tributações autónomas apuradas o pagamento especial por conta (…)”.

 

2.11.  Segundo a Requerente, estranha-se “a recusa pela AT (…) destas deduções de PEC à colecta das tributações autónomas em IRC (…) porquanto recentemente a AT tomou posição sobre este assunto tendo afastado apenas a dedução à colecta das tributações autónomas em IRC dos créditos de imposto por dupla tributação internacional, o que é contraditado agora por esta decisão da reclamação graciosa (ainda que tácita) apresentada (…)”.

 

2.12.  Na verdade, para a Requerente “(…) está em causa a impossibilidade de reflectir nas declarações Modelo 22 a dedução dos pagamentos especiais por conta por referência (…) à colecta resultante das taxas de tributação autónoma em IRC (…) com respeito aos exercícios de 2012 e 2013 (…)”, ou seja, “intencional ou inadvertidamente, a declaração Modelo 22 do IRC e respectiva articulação com a programação do sistema informático da AT impede que se deduza à colecta relacionada com as taxas de tributação autónoma em IRC (…), os pagamentos especiais por conta ainda por deduzir à colecta de IRC (…)”.

 

2.13.  “Assim, a questão que se pretende ver esclarecida é (…)” a de se saber se a Requerente “tem ou não (…) o direito de proceder à dedução, (…) à colecta de IRC produzida pela aplicação das taxas de tributação autónoma, dos referidos pagamentos especiais por conta?

 

2.14.  Segundo a Requerente, “tendo em conta a esmagadora jurisprudência arbitral que hoje qualifica as tributações autónomas como IRC, a requerente absolutamente nada vê na lei que afaste o abate dos pagamentos especiais por conta, também à parte da colecta de IRC produzida pelas tributações autónomas”.

 

Do Direito

 

2.15.  Neste âmbito, sustenta a Requerente que “do mesmo modo que a jurisprudência tem entendido, de modo praticamente unânime, que a colecta de IRC prevista no (em vigor até 2013) artigo 45.º, n.º 1, alínea a), do CIRC, compreende, sem necessidade de qualquer especificação adicional, a colecta das tributações autónomas em IRC, se há-de também entender que a colecta do IRC prevista no mesmo código (…) (artigo 90.º, n.º 1, e n.º 2, alínea c), do CIRC, na redacção em vigor em 2013) abrange também a colecta das tributações autónomas em IRC”, pelo que reitera a Requerente que “(…) a negação da dedução do PEC à colecta em IRC das tributações autónomas viole a alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC (anteriormente a 2010, artigo 83.º; e desde 2014 passou a ser a alínea d) do referido n.º 2 do artigo 90.º do CIRC)”.[4]

 

2.16.  “Donde que, sendo entendido (…) que a tributação autónoma é IRC (…), seja indiferente se a norma (…) se refere ao que se apura em aplicação do artigo 90.º do CIRC (…), como é o caso do SIFIDE, ou directamente ao IRC, como é o caso do PEC”.[5]

 

O que a AT pensa fora dos casos concretos como este

 

2.17.  Nesta matéria, começa a Requerente por referir que “(…) em sede de qualificação das tributações autónomas como IRC, é pública e notória a posição e entendimento da AT (…) de que as tributações autónomas são IRC, para assim aplicar à colecta das tributações autónomas norma aplicável à colecta do IRC (…)”.

 

2.18.  “E quanto à possibilidade de abater os pagamentos especiais por conta, ou crédito fiscal por benefício fiscal (SIFIDE), à colecta das tributações autónomas, pronunciou-se recentemente a Direcção de Serviços do IRC (…) tendo então afastado as deduções à colecta das tributações autónomas apenas no que respeita aos créditos de imposto por dupla tributação internacional (…)”, pelo que entende a Requerente que está legitimada a “(…) dedução dos pagamentos especiais por conta aqui em causa à colecta das tributações autónomas (…)”.

 

A nossa jurisprudência arbitral e a sua conclusão no sentido da natureza de IRC das tributações autónomas

 

2.19.  Prossegue a Requerente referindo que “(…) tem sido sistematicamente decidido pelos tribunais tributários, no caso na modalidade de tribunais arbitrais, que as tributações autónomas são IRC, daí se retirando como consequência que se lhes aplicam normas dirigidas ao IRC como a referente à não consideração da colecta do IRC para o cômputo do lucro tributável em IRC (…)”.[6]

 

2.20.  “Donde a perplexidade da requerente quando assiste à negação pela AT da dedução do PEC à colecta de IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma (IRC, conforme entendimento, em sintonia, da AT e dos tribunais) (…)”.

 

2.21.  De facto, prossegue a Requerente, “a jurisprudência arbitral fundamentou a sua conclusão com a ideia (…)” de que “as tributações autónomas respeitantes (…) são um substituto (ou complemento) da indedutibilidade dos custos em IRC, donde a natureza de IRC da colecta produzida por estas tributações autónomas”.

 

2.22.  “E é com base nesta conclusão, assim fundamentada, que a jurisprudência concluiu que por ser colecta de IRC a colecta produzida por estas tributações autónomas estava, por isso mesmo, sujeita ao regime previsto para a colecta do IRC (…)”.

 

2.23.  Assim, reitera a Requerente que “pela mesmíssima razão, pede (…) que, coerentemente, se conclua que a colecta de IRC constituída por estas tributações autónomas esteja disponível, a par da restante colecta do IRC, na operação das deduções à colecta previstas no artigo 90.º do CIRC, entre as quais se encontra a dedução do PEC”.[7]

 

3.       RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.    A Requerida respondeu sustentando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, tendo invocado os seguintes argumentos:

 

3.2.    Para a Requerida, “para dirimir a questão controvertida no presente processo, importa começar por analisar a natureza jurídica das tributações autónomas e a sua articulação com as regras gerais do imposto em que se integram”.[8]

 

As tributações autónomas em IRC e a sua natureza jurídica

 

3.3.    Segundo a Requerida, “(…) a figura das tributações autónomas tem sido instrumentalizada para a prossecução de objectivos diversos, que abarcam desde o originário propósito de evitar práticas de evasão e de fraude (…) até à finalidade de prevenir o fenómeno designado por lavagem de dividendos (…) ou de onerar, por via fiscal, o pagamento de rendimentos considerados excessivos (…)”.[9]

 

3.4.    Com efeito, para a Requerida, “reconhece-se, assim, que o caracter autónomo destas tributações, decorrente da especial configuração dada aos aspectos material e temporal dos factos geradores, impõe (…) o afastamento ou uma adaptação das regras gerais de aplicação do IRC”, citando as decisões arbitrais nº 769/2014-T e 219/2015-T

 

3.5.    Assim, defende a Requerida que “convém clarificar que a liquidação das tributações autónomas é efectuada (…) aplicando regras diferentes para o cálculo do imposto (…)”, ou seja, “num caso a liquidação opera, mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria colectável apurada de acordo com as regras do capítulo III do Código e (…) no outro caso, são apuradas diversas colectas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma”, “donde resulta que o montante apurado nos termos do alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte do colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime-regra do imposto".

 

Delimitação do imposto ao qual são efectuadas as deduções referidas no artigo 2º, do artigo 90º do Código do IRC

 

3.6.    Na verdade, segundo a Requerida, “na sequência da integração das tributações autónomas no Código do IRC (…) o legislador parece não ter sentido a necessidade de explicitar, de forma abrangente – i.e. em todos os normativos onde se manifestam – as consequências da coexistência de duas formas de imposição dentro do sistema do IRC, limitando-se a acautelar as situações em que a isenção do IRC não se projectava nas tributações autónomas”, ficando “ao cuidado do intérprete e do aplicador da lei a tarefa de (…) para determinados efeitos – nomeadamente das deduções previstas no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC ou do cálculo dos pagamentos por conta –, identificar a parte relevante de colecta do IRC, extraindo dos normativos aplicáveis um sentido útil, literalmente possível, que permita uma solução coerente e conforme com a natureza e funções atribuídas a cada  componente do imposto”.

 

3.7.    Nestes termos, para a Requerida, “quando se trata das deduções previstas no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC (…)” entende que veio “(…) a Requerente defender no Pedido (…)” que a expressão “montante apurado nos termos do número anterior” “deve ser entendida como abrangendo o somatório do montante do IRC, apurado sobre a matéria colectável determinada segundo as regras (…) e as taxas previstas (…) no (…) Código, e o montante das tributações autónomas, calculado com base nas regras previstas mo art.º 88º”.

 

3.8.    Assim, reitera a Requerida que “(…) o resultado desta interpretação implicaria que, na base de cálculo dos pagamentos por conta definida no n.º 1 do art.º 105.º do Código do IRC – e em termos idênticos aos utilizados no n.º 2 do art.º 90.º (…) fossem incluídas as tributações autónomas”.

 

3.9.    Mas como “é entendimento perfilhado pela AT e acolhido pacificamente pela doutrina e pelos contribuintes em geral”, “para a base de cálculo dos pagamentos por conta apenas é considerada o IRC apurado com base na matéria colectável determinada segundo as regras do capítulo III e as taxas do art.º 87.º do respectivo Código”.

 

3.10.  Segundo a Requerida, “(…) faz sentido concluir que a respectiva base de cálculo corresponda ao montante da colecta do IRC resultante da matéria colectável que se identifica com o lucro/rendimento (…) do sujeito passivo” (sublinhado da Requerida).

 

3.11.  Assim sendo, entende a Requerida que “a delimitação do conteúdo da expressão utilizada pelo legislador no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC, montante apurado nos termos do número anterior, e no n.º 1 do art.º 105.º do CIRC, imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º, deve ser feita de forma coerente”, ou seja, “sendo-lhe consequentemente atribuído, em ambos os preceitos, um sentido unívoco”, “o que equivale a dizer que corresponde ao montante do IRC calculado mediante a aplicação das taxas do art.º 87.º à matéria colectável determinada com base no lucro e nas taxas do art.º 87.º do Código”.

 

3.12.  E concluiu a Requerida que, “sendo a única (e consistente) interpretação da expressão montante apurado nos termos do número anterior com a natureza das deduções referidas nas alíneas nas alíneas do n.º 2 do art.º90.º do Código do IRC, relativas a créditos de imposto por dupla tributação internacional jurídica e económica (…), benefícios fiscais (…), pagamento especial por conta (…) e retenções na fonte (…)”, “(…) em face da interconexão que, no plano material, deve ser estabelecida entre as realidades reflectidas por essas deduções e a origem do montante do qual são subtraídas”.[10]

 

O Pagamento Espacial por Conta

 

3.13.Neste âmbito, para a Requerida, pela “(…) simples decorrência das considerações precedentes que conduziram à conclusão de que as deduções referidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 90.º do Código do IRC são efectuadas ao montante (…) entendido como o montante do IRC apurado com base na matéria colectável determinada de acordo com as regras constantes do capítulo III e das taxas do art.º 87.º do mesmo Código (…)”, pelo que entende que “(…) descendo ao caso concreto, é possível estender tal conclusão à dedução relativa aos pagamentos especiais por conta”, bastando para tal:

 

3.13.1.   “(…) invocar o disposto o disposto no n.º 7 (na versão de 2012) do mesmo preceito, segundo o qual das deduções efectuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo”, e que

3.13.2.   “(…) na falta ou insuficiência de colecta, apurada nesses termos, o pagamento especial por conta que não possa ser deduzido naquele período de tributação poderá ser deduzido até ao 4.º período de tributação seguinte (…)”.

 

3.14.  E, segundo a Requerida, “(…) é também possível alcançar a mesma conclusão se se atentar na natureza do pagamento especial por conta (…)”, porquanto, atenta a “(…) natureza jurídica do PEC, revelada pela sua configuração como instrumento ou garantia de pagamento do tributo por conta do qual é exigido, e não como imposição (…), bem como pela função que lhe está associada no combate à evasão e fraude fiscais, liga indissociavelmente este pagamento ao montante do IRC apurado sobre a matéria colectável determinada com base no lucro”.

 

 

3.15.  Nestes termos, entende a Requerida que é “(…) manifestamente destituída de qualquer base a pretensão da ora Requerente de dedução do montante suportado em sede de pagamento especial por conta à colecta produzida pelas tributações autónomas nos anos de 2012 e 2013”.

 

3.16.  Por outro lado, entende também a Requerida que não pode a Requerente “(…) atribuir à AT uma posição num determinado sentido (…) quando, sobre a matéria em causa, não houve qualquer emissão de pronúncia que leve a concluir que foi alterado entendimento expresso no preenchimento da declaração periódica de rendimentos, modelo 22, que (…) afasta por completo a possibilidade de dedução dos pagamentos especiais por conta ao montante das tributações autónomas”.[11]

 

Das anomalias do sistema informático da AT

 

3.17.  Nesta matéria, entende a Requerida que “(…) labora em erro a Requerente (…)” porquanto “não pode o sistema informático permitir ou consagrar o que a lei não dispõe (…)”, pelo que não existindo “qualquer suporte legal, entendimentos administrativo ou mesmo (…) qualquer razão à pretensão da Requerente (…) carece (…) de sentido o entendimento propugnado pela mesma a este respeito”.[12] [13]

 

Da decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 113/2015-T

 

3.18.  Segundo a Requerida, “no seguimento do que vem defendido pela AT sobre esta temática (…)”, tendo em consideração a decisão arbitral proferida “(…) no âmbito do Processo n.º 113/2015- T, a qual versou sobre a (….) dedução do PEC à colecta produzida pelas Tributações Autónomas (…)” será de indeferir a pretensão da Requerente.

 

Do alegado direito a juros indemnizatórios

 

3.19.  Nesta matéria, segundo a Requerida, “mesmo que fosse configurável a procedência do pedido quanto ao pagamento de juros (…) terá forçosamente que improceder o pedido de juros (…)” porquanto entende que “(…) o seu cômputo teria como termo inicial a data em que ocorreu a da decisão que indeferiu a reclamação graciosa e, nunca, o momento indicado pela Requerente no seu pedido”.

 

Da dispensa da prova testemunhal

 

3.20.  Defende a Requerida que “atentos os princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, bem como da livre determinação das diligências de prova necessárias, consagrados no (…) RJAT, deverá a prova testemunhal requerida ser considerada como desnecessária”.

 

Conclusões

 

3.21.Finaliza a Requerida a sua Resposta, defendendo que “(…) deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências”.

 

4.       SANEADOR

 

4.1.    O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.[14]

 

4.2.    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.3.    A cumulação de pedidos aqui efectuada pela Requerente, é legal e válida, nos termos do disposto no artigo 3º, nº 1 do RJAT, dado que a procedência dos pedidos depende, essencialmente, da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

 

4.4.    O Tribunal é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

 

4.5.    Não foram suscitadas quaisquer excepções de que cumpra conhecer.

 

4.6.    Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

5.       MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.    Dos factos provados

 

5.2.    Consideram-se como provados os seguintes factos:

 

5.2.1.     A Requerente é uma pessoa colectiva que, no âmbito do cumprimento das suas obrigações fiscais, em matéria de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), entregou:

 

5.2.1.1.       Em 30 de Maio de 2013, a declaração de IRC modelo 22 respeitante ao exercício de 2012 (nº …-… -…), conforme doc. nº 1 anexado com o pedido e processo administrativo;

5.2.1.2.       Em 28 de Maio de 2014, a declaração de IRC Modelo 22 respeitante ao exercício de 2013 (nº …-… -…), conforme doc. nº 2 anexado com o pedido e processo administrativo.

 

5.2.2.     Nas declarações de rendimentos identificadas no ponto anterior, a Requerente evidenciou a seguinte informação (valores expressos em Euros – EUR), conforme doc. nº 1 e nº 2 anexados com o pedido:

 

ANO

TIPO DE DECLARAÇÃO

DATA DE ENTREGA

RL NEG

PF

RETENÇÕES NA FONTE

TRIBUTAÇÕES AUTONOMAS

IMPOSTO A PAGAR

2012

1ª DECLARAÇÃO

30/05/2013

2.601.926,91

2.558.014,54

3.390,07

14.213,22

10.823,15

2013

1ª DECLARAÇÃO

28-05-2014

1.013.236,94

1.201.687,27

5.844,26

7.014,53

1.170,27

 

 

5.2.3.     Em ambas as declarações de rendimentos a Requerente procedeu à liquidação das Tributações Autónomas, no montante de EUR 14.213,22 (exercício de 2012) e de EUR 7.014,53 (exercício de 2013), conforme doc. nº 1 e nº 2 anexados com o pedido.

 

5.2.4.     O IRC apurado em cada um dos exercícios (2012 e 2013) foi atempadamente pago, conforme doc. nº 9 e processo administrativo.

 

5.2.5.     A 31 de Dezembro de 2012 e a 31 de Dezembro de 2013, o pagamento especial por conta disponível ascendia, respectivamente a EUR 117.322,72 e a EUR 107.785,64, conforme somatório do mapa constante do doc. nº 8 anexado com o pedido e doc. nº 9.[15]

 

5.2.6.     A Requerente entregou declarações de IRC Modelo 22 de substituição, respeitantes aos exercícios de 2012 e 2013, respectivamente, em 25 de Novembro de 2014 (nº …-… -…) e em 20 de Março de 2015 nº …-… -…), conforme doc. nº 3 e nº 4 anexados com o pedido e processo administrativo.

 

5.2.7.     Nas declarações de rendimentos identificadas no ponto anterior, a Requerente evidenciou a seguinte informação (valores expressos em Euros – EUR), conforme doc. nº 3 e nº 4 anexados com o pedido:

 

ANO

TIPO DE DECLARAÇÃO

DATA DE ENTREGA

RL NEG

PF

RETENÇÕES NA FONTE

TRIBUTAÇÕES AUTONOMAS

IMPOSTO JÁ PAGO

2012

DECL. SUBSTITUIÇÃO

25.11.2014

6.288.421,25

2.287.028,09

3.390,07

14.213,22

10.823,15

2013

DECL. SUBSTITUIÇÃO

20-03-2015

6.789.957,90

2.133.991,08

5.843,68

7.014,53

1.170,85

 

 

5.2.8.     Em 22 de Maio de 2015, a Requerente apresentou reclamação graciosa [nº …2015… (1521/2015)] contra as autoliquidações de IRC respeitantes aos exercícios de 2012 e 2013 (conforme doc. nº 5 anexado com o pedido e processo administrativo).

 

5.2.9.     Até 21 de Dezembro de 2015 não houve decisão expressa da reclamação graciosa identificada no ponto anterior [tendo-se presumido o seu indeferimento tácito, decorrido o prazo de quatro meses previsto nos artigos 57º, nº 1 da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 106º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)], conforme Ofício nº…, de 19 de Janeiro de 2016, anexado com o processo administrativo.

 

5.2.10.   De acordo com o mesmo Ofício, à data da apresentação do presente pedido arbitral, a reclamação graciosa encontrava-se em fase do direito de audição prévia, não tendo este direito sido exercido até essa data, relativamente ao teor do projecto da decisão de indeferimento proferido em 10 de Dezembro de 2015 (conforme processo administrativo).

 

5.2.11.   Face ao teor da motivação do pedido de constituição de tribunal arbitral, a Requerida entendeu serem válidos os fundamentos vertidos no projecto de indeferimento da reclamação graciosa (conforme despacho de 15 de Janeiro de 2016, integrante do processo administrativo).

 

5.3.    Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito do pedido.

 

5.4.    Dos factos não provados

 

5.5.    Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

 

6.       FUNDAMENTOS DE DIREITO

 

6.1.    Nos autos, as questões essenciais a decidir são as seguintes:

 

6.1.1.     Saber se são dedutíveis, nos exercícios de 2012 e 2013, às quantias devidas a título de tributações autónomas, as quantias pagas, pela Requerente, a título de pagamentos especiais por conta e,

6.1.2.     Tendo em consideração o pedido subsidiário formulado pela Requerente [de anulação das autoliquidações relativas aos exercícios de 2012 e 2013, na parcela correspondente às tributações autónomas, por ausência de base legal para a sua efectivação (na hipótese de se aceitar que o artigo 90º do Código do IRC não se aplica às tributações autónomas)], aferir da aplicabilidade do mesmo à realidade em análise (tributações autónomas).

 

6.2.    Nesta matéria, segundo a Requerente, “(…) a colecta de IRC prevista no (em vigor até 2013) artigo 45.º, n.º 1, alínea a), do CIRC, compreende (…) a colecta das tributações autónomas em IRC (…), pelo que se deve entender que “(…) a negação da dedução do PEC à colecta em IRC das tributações autónomas viole a alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC (…)” (sublinhado nosso).

 

6.3.    Por outro lado, a Requerida assume a posição que é “(…) manifestamente destituída de qualquer base a pretensão da ora Requerente de dedução do montante suportado em sede de pagamento especial por conta à colecta produzida pelas tributações autónomas nos anos de 2012 e 2013”, porquanto, atenta a “(…) natureza jurídica do PEC, revelada pela sua configuração como instrumento ou garantia de pagamento do tributo por conta do qual é exigido, e não como imposição (…), bem como pela função que lhe está associada no combate à evasão e fraude fiscais, liga indissociavelmente este pagamento ao montante do IRC apurado sobre a matéria colectável determinada com base no lucro” (sublinhado nosso).

 

6.4.    Nestes termos, deverá, preliminarmente, ser analisada a natureza das tributações autónomas, bem como a natureza do pagamento especial por conta.

 

A questão da natureza das tributações autónomas

 

6.5.    Começando por analisar a natureza das tributações autónomas, cite-se para o efeitos a decisão arbitral nº 535/2015-T, de 7 de Abril de 2016 (a qual versou também sobre a mesma temática), nos termos da qual se refere que “as taxas de tributação autónoma incidem sobre determinados encargos suportados por sujeitos passivos de IRC, que pela sua natureza podem apresentar uma conexão mais ambígua na realização dos rendimentos sujeitos a tributação ou na manutenção da fonte produtora”, procurando-se “(…) pelo mecanismo da tributação autónoma, dissuadir alguns excessos na ocorrência deste tipo de encargos” (sublinhado nosso).

 

 

6.6.    Assim, segundo o vertido na mesma decisão arbitral, “ao contrário do que sucede com a filosofia inerente às restantes disposições do Código de IRC não se tributa rendimento mas sim despesas ou gastos”, pretendendo-se “(…) de algum modo penalizar os sujeitos passivos pela realização de alguns tipos de encargos ou despesas, em determinadas condições, ainda que tais sujeitos passivos tenham obtido prejuízo fiscal e, portanto, nesse exercício não pagassem IRC”.[16]

 

6.7.    Na verdade, com este tipo de tributação teve-se em vista, desde a sua génese em 1990 [ano em que encontramos, com a publicação do Decreto-Lei nº 192/90, de 9 de Junho, “(…) a primeira intervenção do legislador no sentido de sujeitar determinadas despesas a tributação autónoma (…)”, porquanto naquele diploma se previa a tributação autónoma, à taxa de 10%, das despesas confidenciais ou não documentadas, efectuadas no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8º e 9º do respetivo Código], por um lado, incentivar os contribuintes a ela sujeitos a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afectem negativamente a receita fiscal e, por outro lado, evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros (sobretudo de dividendos que, assim, apenas ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da empresa), bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionem não apenas em relação ao IRS ou IRC, mas também em relação às correspondentes contribuições para a Segurança Social (quer das entidades patronais, quer dos trabalhadores).[17][18]

 

6.8.    Assim, “contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso (tributações autónomas) tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação” (sublinhado nosso).[19]

 

6.9.    Por outro lado, não só a jurisprudência arbitral tem decidido no sentido de que as tributações autónomas pertencem, por regra, sistematicamente, ao IRC (e não ao IVA, ao IRS, ou a um qualquer outro imposto do sistema fiscal português), mas também os Tribunais superiores têm entendido que “as tributações autónomas, embora formalmente inseridas no Código do IRC, sempre tiveram um tratamento próprio, uma vez que não incidem sobre o rendimento, cuja formação se vai dando ao longo do ano, mas antes sobre certas despesas avulsas que representam factos tributários autónomos sujeitos a taxas diferentes das de IRC (…)”.[20] [21]

 

6.10.  Nestes termos, “pese embora tratar-se de uma forma de tributação prevista no CIRC, nada tem a ver com a tributação do rendimento, mas sim com a tributação de certas despesas, que o legislador entendeu, pelas razões atrás apontadas fazê-lo de forma autónoma” (sublinhado nosso).[22]

 

6.11.  E, neste sentido, também a generalidade da Doutrina não se afasta do entendimento dos tribunais superiores.[23]

 

6.12.  Assim, “não se afigura (…) questionável que o mecanismo de tributação autónoma do conjunto das realidades previstas no artigo 88.º do CIRC vise, primacialmente, acautelar os equilíbrios gerais do próprio sistema fiscal, os equilíbrios específicos do IRC e a receita do próprio imposto”, isto é “vise impedir que através da relevação significativa de encargos como os previstos no artigo 88.º, se não introduzam entorses afetadoras do sistema e a expetativa sobre o que deverá ser a receita normal do imposto” (sublinhado nosso).

 

6.13.  Nestes termos, trata-se assim de “(…) desincentivar a realização/relevação dessas despesas, desde logo porque, pela sua natureza e fins, elas podem ser mais facilmente objeto de desvio para consumos que, na essência, são privados ou correspondem a encargos que não deixam de ter, também, como finalidade específica e última (…)”, o evitar do imposto, “realidades que (…) apresentam alguma medida de censurabilidade já que, não violando diretamente a lei, geram desequilíbrios sensíveis e importantes sobre a ideia geral de justiça, sobre o dever fundamental de contribuir na proporção dos seus haveres, da igualdade, do sacrifício, da proporcionalidade da medida do imposto em face das manifestações possíveis de riqueza, da tributação do rendimento real e da justiça”.

 

6.14.  Assim, “funcionando de um modo diferente do que constitui o escopo essencial do IRC (…), as tributações autónomas (…) constituem uma realidade instrumental, acessória desse imposto, na justa medida em que é em função dele que foram instituídas e são, por isso, passíveis de lhes ser reconhecida uma instrumentalidade ou acessoriedade de fins, radicada na salvaguarda dos fins do próprio imposto onde se manifestam”, pelo que deverá concluir que “as tributações autónomas, que incidem sobre encargos dedutíveis em IRC, integram o regime e são devidas a título deste imposto, não constituindo as despesas com o pagamento daquelas tributações encargos dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável” (sublinhado nosso).[24][25]

 

6.15.  Neste âmbito, admite a generalidade da jurisprudência (nomeadamente naquela que é citada pela Requerente), que o imposto calculado por aplicação das taxas de tributação autónoma previstas no Código do IRC é também ele imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, i.e., o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas inclui as tributações autónomas e, se dúvidas houvesse, a actual redação do artigo 23º-A do Código do IRC desvanecê-las-ia.

 

6.16.  Com efeito, de acordo com a decisão arbitral nº 673/2015-T, de 28 de Abril de 2016, “(…) é hoje pacífico, na sequência de inúmera jurisprudência arbitral e das posições assumidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC, sendo que “(…) para além da unanimidade da jurisprudência, o artigo 23º-A n.º 1, alínea a), do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não deixa hoje margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código”.

 

6.17.  Prosseguindo com o teor daquela decisão, é referido que “(…) a circunstância de uma autoliquidação de IRC, efectuada nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, poder conter vários cálculos parciais com base em várias taxas aplicáveis a determinadas matérias colectáveis, não implica que haja mais que uma liquidação, como resulta dos próprios termos daquela norma ao fazer referência a liquidação, no singular, em todos os casos em que é feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120º e 122º, tendo por base a matéria colectável que delas conste (seja a determinada com base nas regras dos artigos 17º e seguintes seja a determinada com base nas várias situações previstas no artigo 88º)” (sublinhado nosso).[26]

 

Da natureza do pagamento especial por conta

 

6.18.  O pagamento especial por conta (PEC) foi introduzido no Código do IRC pelo Decreto-Lei n° 198/2001, de 3 de Julho, nos termos do qual, o artigo 98 daquele Código veio dispor que “sem prejuízo do disposto na alínea a) do n °1 do artigo 96º, os sujeitos passivos aí mencionados, excepto os abrangidos pelo regime simplificado previsto no artigo 53°, ficam sujeitos a um pagamento especial por contam, a efectuar durante o mês de Março ou, em duas prestações, durante os meses de Março e Outubro do ano a que respeita ou, no caso de adoptarem um período de tributação não coincidente com o não civil, no 3° mês e no 10 ° mês do período de tributação respectivo”.

 

6.19.  Ainda de acordo com o artigo referido no ponto anterior, na sua redacção inicial “o montante do pagamento especial por conta [era] igual à diferença entre o valor correspondente a 1% do respectivo volume de negócios, com o limite mínimo de 100.000$00 (€ 498,80) e máximo de 300.000$00 (€ 1.496,39), e o montante dos pagamentos por conta efectuados no ano anterior”, sendo que para este efeito, “(…) o volume de negócios é determinado com base no valor das vendas e ou dos serviços prestados, realizados até ao final do exercício anterior, podendo ser rectificado no ano seguinte se se verificar que foi distinto do que serviu de base ao respectivo cálculo”.[27]

 

6.20.  Conjugando o acima exposto com o disposto no artigo 96°, nº 1 e 2 do Código do IRC, afigura-se que “(…) o pagamento especial por conta não constitui nenhuma nova forma de apuramento da tributação das empresas, ao lado das já existentes, mas apenas uma forma de antecipação das receitas por conta de uma tributação, a operar no futuro, com base nas regras aplicáveis a cada caso de tributação previsto no mesmo Código, com excepção dos contribuintes abrangidos pelo regime simplificado (…), constituindo tal forma de arrecadação dos tributos mais uma antecipação do seu pagamento, ao lado do também existente pagamento por conta, previsto no artigo 96° do mesmo Código, sendo todas elas formas de pagamento por conta do imposto que a final do período de tributação venha ser devido (…)”.[28]

 

6.21.  Assim, o PEC assume-se como uma entrega antecipada por conta de um facto que está em formação, ou seja, pressupõe um facto tributário de obrigação única por oposição aos factos tributários periódicos, tendo sido criado com o propósito de garantir uma coleta mínima de imposto.

 

6.22.  A incidência do PEC baseia-se no volume de negócios relativos ao período de tributação anterior e os pagamentos que se mostrem devidos deverão ser efectuados durante o período de constituição do facto tributário.[29][30]

 

6.23.  Porém, o PEC podia e pode funcionar como colecta mínima naqueles casos em que uma dada empresa não teve qualquer actividade no exercício anterior (ou o respectivo volume de negócios fosse inferior a 1% ao valor fixado como mínimo), tendo em consideração que o contribuinte é sempre obrigado a fazer esta primeira entrega, pelo montante mínimo, devendo ser este um dos casos em que tais normas devem merecer uma interpretação conforme à Constituição.[31] [32]

 

6.24.  Tal como a tributação autónoma, o PEC funciona como uma presunção de rendimento e como forma de combate à evasão fiscal, obrigando algumas empresas a pagar pelo menos algum imposto, sendo também utilizado como um “mecanismo de anestesia fiscal, fazendo reduzir o período de tempo entre o facto tributário e o pagamento do imposto.[33]

 

6.25. Comparando o regime do PEC com o regime das tributações autónomas, apesar de este ter como fundamento a tributação de um rendimento presumido, difere do regime do PEC, na medida em que o pagamento da tributação autónoma é definitivo e não está sujeito a posteriores acertos.

 

6.26.  Por outro lado, não obstante o regime do PEC apresentar muitas especificidades, entendemos ser importante referir, no âmbito do caso em análise, que o valor suportado poder ser deduzido à coleta, tornando-o muito menos pesado para as empresas do que a tributação autónoma.

 

6.27.  Por último, refira-se ainda que as empresas podem, em certas circunstâncias, obter o reembolso do PEC suportado, se não conseguirem deduzir todo o valor à colecta do IRC de cada um dos exercício em que isso seja legalmente admitido, funcionando assim como uma forma de ilidir a presunção de rendimento que resulta deste instituto.

 

6.28.  Assim, efectuada a análise prévia da natureza das tributações autónomas e do PEC, torna-se necessário agora aferir se é legalmente admitida a dedutibilidade, nos exercícios de 2012 e 2013, às quantias devidas a título de tributações autónomas as quantias entregues a título de pagamentos especiais por conta, conforme questão enunciada no ponto 6.1.1., supra.

 

6.29.  Nestes termos, para a solução do caso sub judice será necessário apurar qual o regime aplicável ao IRC calculado através das taxas de tributação autónoma.

 

6.30.  Na verdade, esta matéria foi já analisada e afirmada nos tribunais de forma clara tendo em conta que a disciplina do imposto calculado através das taxas de tributação autónoma é aquela que rege o IRC em geral, ressalvadas as situações em que a sua aplicação conflitue com a disciplina que seja especificada para as “tributações autónomas”.

 

6.31.  Neste decisão será seguida, de muito perto, a estrutura de argumentação da decisão arbitral nº 673/2015, de 28 de Abril de 2016, com a qual concordamos, pelo que desde já começaremos por analisar a questão da aplicação do artigo 90º do Código do IRC às tributações autónomas.

 

Questão da aplicação do artigo 90º do Código do IRC às tributações autónomas

 

6.32.  O artigo 89º do Código de IRC, na redacção dada pela Lei nº 3-B/2010, de 28 de Abril, estabelece em matéria de competência para a liquidação que esta é efectuada:

 

“a)    Pelo próprio sujeito passivo, nas declarações a que se referem os artigos 120º e 122º” (ou seja, a autoliquidação);

“b)    Pela Direcção-Geral dos Impostos, nos restantes casos”.

 

6.33.  Por outro lado, o artigo 90º, nº 1, alínea a) do Código de IRC (na redacção dada pela mesma Lei nº 3-B/2010), estabelece que “quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120º e 122º, tem por base a matéria colectável que delas conste” (sublinhado nosso).

 

6.34.  Nos termos do disposto no nº 2, do artigo 90º referido no ponto prévio, “ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

 

a)             A correspondente à dupla tributação internacional;

b)             A relativa a benefícios fiscais;

c)             A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106º;

d)            A relativa a retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável” (sublinhado nosso).

 

6.35.  Ainda de acordo com o disposto no mesmo artigo, nos termos do seu nº 4, “ao montante apurado nos termos do nº 1, relativamente às entidades mencionadas no nº 4 do artigo 120º, apenas é de efectuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC”, sendo que nos termos do nº 7, “das deduções efectuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do nº 2 não pode resultar valor negativo” (sublinhado nosso).

 

6.36.  Por último, refira-se que de acordo com o nº 10 do artigo 90º já identificado “a liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas” [identifica-se aqui a liquidação adicional (sublinhado nosso)].

 

6.37.  Ora, se o artigo 90º do Código do IRC se refere às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional (nº 10 daquele artigo), o referido artigo 90º será de aplicar também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, na sequência da apresentação ou não de declarações, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação.

 

6.38.  Assim, as diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o resultante do lucro tributável restringem-se à determinação da matéria tributável e às taxas aplicáveis, que são as previstas nos Capítulos III e IV do CIRC para o IRC que tem por base o lucro tributável e no artigo 88º do Código do IRC para o imposto que tem por base a matéria tributável das tributações autónomas e as respectivas taxas.

 

6.39.  Assim, verifica-se desde logo que os referidos artigos 89º e 90º do Código do IRC, bem como outras normas deste Código, como as relativas as declarações previstas nos artigos 120º e 122º, são aplicáveis às tributações autónomas, porquanto é unitária a autoliquidação que o sujeito passivo ou a Autoridade Tributária e Aduaneira devem efectuar, nos termos dos artigos 89º, alínea a), 90º, nº 1, alíneas a), b) e c), e 120º ou 122º, sendo com base nela que é calculado o IRC global, sejam quais forem as matérias colectáveis relativas a cada um dos tipos de tributação que lhe esteja subjacente.

 

6.40.  Nesta matéria, refira-se que, também defende a Requerida que “(…) a liquidação das tributações autónomas é efectuada (…) aplicando regras diferentes para o cálculo do imposto (…)”, mas entende que do procedimento adoptado “num caso a liquidação opera, mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria colectável (…) e (…) no outro caso, são apuradas diversas colectas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma”, “donde resulta que o montante apurado nos termos do alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º não tem um carácter unitário (…)”, posição contrário ao que acima se entendeu.

 

6.41.  Por outro lado, ainda neste âmbito, refira-se o recente aditamento do nº 21 ao artigo 88º do Código do IRC (aditado pela Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março) o qual, independente de ser ou não uma norma verdadeiramente interpretativa, em nada altera conclusão a que se chegou no ponto 6.39., supra, pois aí se estabelece, no que diz respeito à forma de liquidação das tributações autónomas, que esta “é efectuada nos termos previstos no artigo 89º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores”.

 

6.42.  Ora, se é certo que esta nova norma vem explicitar como é que se calculam os montantes das tributações autónomas (o que já decorria do próprio texto das várias disposições do artigo 88º do Código do IRC) e que a competência cabe ao sujeito passivo ou à Administração Tributária (nos termos do artigo 89º do mesmo Código), é também claro que não se afasta a necessidade de utilizar o procedimento previsto no nº 1 do artigo 90º do Código do IRC, que parece ser inquestionável que abrangerão a possibilidade de liquidar com base em tributações autónomas, se a Autoridade Tributária e Aduaneira dispuser de elementos que comprovem os seus pressupostos.

 

6.43.  Por isso, quer antes, quer depois da entrada em vigor do aditamento decorrente da Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março, o artigo 90º, nº 1, do Código do IRC era, e continua a ser, aplicável à liquidação das tributações autónomas.

 

Questão da dedutibilidade às quantias devidas a título de tributações autónomas das quantias pagas a título de pagamentos especiais por conta

 

6.44.  A Requerida entende que os pagamentos especiais por conta não são dedutíveis à colecta de tributações autónomas porquanto estas não integram a colecta total de IRC.[34]

 

6.45.  Neste âmbito, refere ainda a Requerida, no artigo 39º da Resposta que “(…) o montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte da colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime-regra do imposto”.

 

6.46.  Contudo, esta posição não tem fundamento consistente, nem é indicada pela Requerida qualquer disposição legal que lhe forneça o mínimo de correspondência verbal necessário para admissibilidade de uma interpretação.

 

6.47.  Por outro lado, antes do aditamento do novo nº 21 do artigo 88º do Código do IRC, não existia qualquer disposição legal que estabelecesse a forma de liquidação das tributações autónomas, pelo que, sob pena de inconstitucionalidade por violação do artigo 103º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa - CRP (derivada de falta de previsão legal de procedimento de liquidação), teria de se entender que elas eram liquidadas em conformidade com o preceituado no nº 1 do artigo 90º.

 

6.48.  Nestes termos, antes daquele aditamento, as deduções previstas no nº 2 do artigo 90º do Código do IRC (que têm por alvo o montante apurado nos termos do número anterior), aplicavam-se a esse único montante que de tal apuramento resultava, sempre que não se estivesse perante uma das situações especialmente previstas nos n.ºs 4 e seguintes do mesmo artigo (os quais não têm aplicação no caso em análise nos autos).

 

6.49.  Com efeito, a dedução dos pagamentos especiais por conta a todo o valor apurado nos termos daquele artigo 90º, nº 1, alínea a), resultava também do teor explícito do artigo 93º, nº 1, do Código do IRC (na redacção anterior à Lei nº 2/2014, de 16 de Janeiro), ao estabelecer que “a dedução a que se refere a alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º é efectuada ao montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º do próprio período de tributação a que respeita ou, se insuficiente, até ao quarto período de tributação seguinte, depois de efectuadas as deduções referidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 e com observância do n.º 7, ambos do artigo 90.º[35]

 

6.50.  Assim, o montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120º do Código do IRC inclui os montantes relativos a tributações autónomas, não havendo qualquer outra declaração específica para este efeito (nem antes nem depois da Lei
nº 7-A/2016).[36]

 

6.51.  Assim, em face do preceituado na alínea c) do nº 2 do artigo 90º e no nº 1 do artigo 93º do Código do IRC (até à entrada em vigor da Lei nº 7-A/2016), nada no teor literal daquele código obstava à dedução das quantias dos pagamentos especiais por conta à totalidade colecta de IRC (foi determinada nos termos daquele nº 1 do artigo 90º), inclusivamente a derivada de tributações autónomas, dentro do condicionalismo aí previsto.

 

6.52.  Por outro lado, tendo o pagamento especial por conta a natureza de empréstimo forçado, que cria na esfera jurídica do sujeito passivo um crédito sobre a Administração Tributária, não se afigura irrazoável que ele seja tido em conta em situações em que se gera um crédito desta em relação ao contribuinte.[37]

 

6.53.  Adicionalmente, as tributações autónomas em sede de IRC, em face da crescente amplitude que o legislador lhes tem vindo a atribuir, para serem compagináveis com o princípio constitucional da tributação das empresas incidindo fundamentalmente sobre o seu rendimento real (artigo 104º, nº 2, da CRP), devem ser entendidas como formas indirectas de tributar rendimentos empresariais, através da tributação de certas despesas [conforme ínsito na alínea a), do nº 1, do artigo 23º-A do Código do IRC, na redacção da Lei nº 2/2014, de 16 de Janeiro], ao aludir a “IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros”.

 

6.54.  De qualquer forma, como se refere na decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 59/2014-T, as tributações autónomas em IRC, devem ser consideradas uma forma de tributação de rendimentos empresariais, porquanto “a Exposição de Motivos que consta da Proposta de Lei n.º 46/VIII, que veio dar origem à Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que ampliou enormemente as situações de tributações autónomas, não deixa margem para dúvidas de que se trata de uma amplificação consciente e pretendida (…), por se ter entendido que elas eram necessárias, em suma, para compensar outras distorções resultantes de significativa fraude e evasão fiscais e, assim, aumentar a equidade da repartição da carga fiscal entre cidadãos e empresas”.

 

6.55.  E prossegue-se na decisão arbitral acima referida referindo que “(...) as tributações autónomas incidentes directamente sobre certas despesas, no âmbito de impostos que originariamente incidiam apenas sobre rendimentos, são consideradas entorses do sistema de tributação directa do rendimento que se visava com o IRC, mas um valor que legislativamente se considerou ser mais relevante do que a coerência teórica dos impostos, como é a implementação da justiça fiscal, impôs uma opção por essas formas de tributação, por estarem em consonância com os princípios da equidade, eficiência e simplicidade”. “(...) mas, esta tributação indirecta não deixa de ser efectuada no âmbito do IRC, como resulta da inclusão das tributações autónomas no respectivo Código, que tem como corolário a aplicação das normas gerais próprias deste imposto, que não contendam com a sua especial forma de incidência” (sublinhado nosso).[38]

 

6.56.  De facto, a imposição de qualquer despesa sem contrapartida a uma pessoa colectiva tem como corolário a um potencial decréscimo do seu rendimento, pelo que imposição de uma obrigação tributária unilateral, mesmo calculada com base em despesas realizadas, constitui uma forma de tributar indirectamente o seu rendimento.[39]

 

6.57.  Neste âmbito, o artigo 23º-A do Código do IRC (introduzido pela Lei
nº 2/2014, de 16 de Janeiro, ao dizer que, nomeadamente, “não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação, o IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros”, permite equacionar que, na perspectiva legislativa, o IRC e as tributações autónomas são impostos que incidem directa ou indirectamente sobre os lucros, pois é esse entendimento que pode justificar que se inclua a expressão quaisquer outros impostos, que pressupõe que o IRC e as tributações autónomas também são impostos destes tipos.

 

6.58.  Por isso, sendo as tributações autónomas previstas no CIRC, em última análise, formas de tributar o rendimento empresarial, não se vê que haja necessariamente incompatibilidade entre elas e as regras gerais que preveem a forma de efectuar o pagamento de IRC.

 

6.59.  Por outro lado, se é certo que, à face do regime vigente antes da Lei nº 2/2014, de 16 de Janeiro ter alterado o nº 3 do artigo 93º do Código do IRC, as quantias pagas a título de pagamento especial por conta nem sempre podiam ser deduzidas, também o é que esse regime foi alterado pela Lei acima identificada, sendo o reembolso admitido sem condições que não sejam a de o sujeito passivo o pedir, no prazo previsto.[40]

 

6.60.  Por isso, se por um lado, entendemos que a interpretação que decorre mais linearmente do texto dos artigos 93º, nº 3, e 90º, nº 1, do Código do IRC (na redação anterior à dada pela Lei nº 2/2014) é a da dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à colecta de IRC derivada das tributações autónomas, por outro lado, e numa interpretação mais restritiva, não deixa de ser certo que, em face do regime anterior de reembolso dos pagamentos especiais por conta (que revelava que o pagamento especial por conta tinha ínsita uma presunção de rendimentos não declarados), poder-se-ia aventar no sentido de o PEC que não ser dedutível à colecta das tributações autónomas.[41]

 

6.61.  Para dirimir esta dualidade interpretativa, o novo nº 21 do artigo 88º do Código do IRC (aditado conforme já referido pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março), sintoniza-se com o entendimento arbitral da decisão proferida no âmbito do processo nº 113/2015 (já citado na nota de rodapé referido no ponto anterior), pois vem estabelecer expressamente que ao montante apurado das tributações autónomas não são efectuadas quaisquer deduções.

 

6.62.  Por outro lado, o artigo 135º da mesma Lei nº 7-A/2016, ao atribuir natureza interpretativa àquele novo nº 21º do artigo 88º, do Código do IRC, conjugado com o disposto no artigo 13º do Código Civil (que é a única norma que define o conceito de lei interpretativa), tem ínsita uma intenção legislativa de aplicar o novo regime às situações anteriores em que não haja efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza.[42]

 

6.63.  Assim, em face desta posição, cuja fundamentação é ponderável, à face da legislação vigente em 2012 e 2013, pode aceitar-se a atribuição de natureza interpretativa ao nº 21 do artigo 88º do Código do IRC que se faz no artigo 135º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, à luz dos ensinamentos de Baptista Machado (vertidos na nota de rodapé ao ponto anterior), pois a solução nele prevista de inviabilidade de dedução do pagamento especial por conta ao montante global das tributações autónomas passa nas duas premissas enunciadas pelo referido autor, ou seja:

 

6.63.1.   A solução que resultava do teor literal do artigo 93.º, nº 1, do Código do IRC era controvertida (como evidencia a decisão arbitral nº 113/2015, já referida) e a solução definida pela nova lei situa-se dentro dos quadros da controvérsia;

6.63.2.   O julgador ou o intérprete poderiam chegar a essa solução sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei, já que a interpretação restritiva é admissível, quando há razões para concluir que o alcance do texto legal atraiçoa o pensamento legislativo, ou é necessário optimizar a harmonização de interesses conflituantes que duas normas visam tutelar.

 

6.64.  Por outro lado, e ainda no que diz respeito à dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta, não há neste dado a preocupação de protecção de confiança, pois, os pagamentos especiais estando conexionados com o volume de negócios, não dependem de qualquer específico comportamento que o sujeito passivo fosse levado a adoptar por lhe ser criada a expectativa de obter como contrapartida uma vantagem fiscal.

 

6.65.  Para além do acima exposto, não se entende que o regime que resulta do artigo 88º, nº 21, do Código do IRC encerre qualquer contradição (ao contrário do que defende a Requerente) porquanto, segundo esta nova norma, as disposições do Código do IRC relativas à forma de liquidação de tributações autónomas devem ser interpretadas como aí se prevê e, relativamente a essa parte da liquidação de IRC, não são efectuadas deduções.

 

6.66.  Aliás, foi precisamente com este sentido que foi elaborado o modelo 22 de declaração de IRC e foi aplicando o regime agora explícito no nº 21 do artigo 88ºdo Código do IRC que a Requerente preencheu as declarações que se referem nos autos, sem qualquer contradição perceptível.[43]

 

6.67.  Mas, neste caso, e como defende a Requerente nas suas alegações, um obstáculo à aplicação do regime que resulta do disposto no nº 21 do artigo 88º do Código do IRC (em resultado da natureza interpretativa atribuída pelo artigo 135º da Lei do Orçamento do Estado para 2016), seria apenas a sua eventual inconstitucionalidade, designadamente, tendo em consideração a regra da proibição de impostos com natureza retroactiva, conforme consta do nº 3 do artigo 103º da CRP, nos termos do qual se estabelece que “ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei” (sublinhado nosso).

 

6.68.  Ora, refira-se que, neste âmbito, o Tribunal Constitucional tem adoptado uma interpretação restritiva do alcance desta proibição de impostos que tenham natureza retroactiva, entendendo que “o legislador (…) que introduziu a actual redacção do artigo 103.º, n.º 3, apenas pretendeu consagrar a proibição da retroactividade autêntica (…) da lei fiscal, abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu âmbito aplicativo as situações de retrospectividade ou de retroactividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente”.[44]

 

6.69.  Com efeito, as normas que preveem os pagamentos especiais por conta não eram, em princípio, normas de incidência de IRC, mas sim normas sobre a sua liquidação e pagamento, pelo que, nessa medida, não estarão abrangidas pela proibição constitucional de retroactividade.

 

6.70.  Contudo, antes da redacção dada ao nº 3 do artigo 93º do Código do IRC, pela Lei
nº 2/2014, de 16 de Janeiro, na inviabilidade de dedução dos pagamentos especiais por conta no período a que se reportam e nos períodos subsequentes, aquelas normas podiam acabar por se conduzir criar uma situação de incidência de IRC, autónoma em relação a qualquer outro facto tributário, se não viesse a ser permitido o reembolso nos termos daquele artigo (dependendo do preenchimento de condições).[45]

 

6.71.  No entanto, com a redacção dada ao referido nº 3 do artigo 93º pela Lei acima referida, deixaram de ser exigidas condições, pelo que os pagamentos especiais por conta apenas implicam, por si mesmos, o pagamento definitivo de imposto quando o sujeito passivo não diligenciar no sentido de obter o reembolso, no prazo previsto e, mesmo nesta hipótese, estar-se-á perante um facto tributário complexo de formação sucessiva (que é constituído pelo volume de negócios no ano a que se reportam os pagamentos especiais por conta conjugado com a não viabilidade de dedução nos períodos previstos na lei e o não reembolso nos termos previstos no artigo 93º, nº 3, do Código do IRC).

 

6.72.  Assim, face ao disposto neste regime, a situação jurídica criada com os pagamentos especiais por conta efectuados nos anos de 2012 e 2013 ainda não está estabilizada, o que, desde logo, afasta a violação da proibição de retroactividade das leis fiscais (na perspectiva acima enunciada do Tribunal Constitucional), pois o facto tributário que a lei nova pretende regular não se verificou integralmente nem produziu todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga.

 

6.73.  Na verdade, e conforme se entende na decisão arbitral nº 673/2015 (cujo entendimento tem vindo a ser adoptado ao longo da presente decisão), “um caso em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga e um outro caso em que o facto tributário tenha ocorrido ao abrigo da lei antiga, mas os seus efeitos, designadamente os relativos à liquidação e pagamento, ainda não estejam totalmente esgotados não terão necessariamente o mesmo desvalor constitucional, uma vez que a primeira situação é do ponto de vista da eventual afectação da situação jurídica do contribuinte mais grave que a segunda” (sublinhado nosso).[46]

 

6.74.  Nestes termos, terá de se concluir que a interpretação que se faz no artigo 88º, nº 21, do Código do IRC (na parte em que se reconduz à não dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta nas tributações autónomas), não ofende o princípio da não retroactividade na criação de impostos (entendido como reportando-se apenas à retroactividade autêntica, que se reportada a factos tributários que se completaram e produziram todos os seus efeitos no passado).

 

6.75.  Porém, aquela regra da irretroactividade das normas que criem impostos não esgota as preocupações constitucionais de segurança jurídica, impostas pelo princípio do Estado de direito democrático, como ensina Casalta Nabais (inDireito Fiscal”, 7.ª edição, página 151), ao defender que “o princípio da segurança jurídica, ínsito na ideia do Estado de direito democrático, está longe, porém, de ter sido totalmente absorvido por esse novo preceito constitucional”, sendo certo que “(…) ele deixou de servir de balança na ponderação dos bens jurídicos em presença quando estamos perante um imposto afectado de retroactividade verdadeira ou própria (…)”.

 

6.76.  Mas, segundo autor, “o princípio em causa (…) também serve de critério de ponderação em situações de retroactividade imprópria, inautêntica ou falsa, bem como em situações em que, não se verificando qualquer retroactividade, própria ou imprópria, há que tutelar a confiança dos contribuintes depositada na actuação dos órgãos do Estado”.

 

6.77.  Ora, no específico caso dos pagamentos especiais por conta, não pode concluir-se que não se esteja perante uma lei verdadeiramente interpretativa (pois não havia uma jurisprudência consolidada no sentido da sua dedutibilidade à colecta resultante das tributações autónomas) e, pelo contrário, a solução adoptada no nº 21 do artigo 88º podia ter sido já anteriormente adoptada pelos tribunais, como foi pelo Tribunal Arbitral que proferiu a decisão no processo nº 113/2015-T, de 31 de Dezembro de 2015.

 

6.78.  Assim, não pode concluir-se que a interpretação autêntica que se faz naquele artigo 88º, nº 21 (por força do disposto no artigo 135º da Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março), seja violadora do princípio constitucional da segurança jurídica, no que diz respeito à parte daquela norma que se reporta à não dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à colecta das tributações autónomas.

 

6.79.  Em conclusão, face a todo o acima exposto, entendemos que:

 

6.79.1.   O artigo 90º do Código do IRC refere-se às formas de liquidação do IRC, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas naquele Código, incluindo a liquidação do montante das tributações autónomas, pelo que improcede o pedido subsidiário formulado pela Requerente [de anulação das autoliquidações relativas aos exercícios de 2012 e 2013, na parcela correspondente às tributações autónomas, por ausência de base legal para a sua efectivação] (ponto 6.1.2., supra).

6.79.2.   Improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto à ilegalidade das autoliquidações respeitante aos exercícios de 2012 e 2013, bem como quanto à ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa identificada, sendo negativa a resposta a dar à questão enunciada no ponto 6.1.1, supra.

 

Do reembolso do imposto pago com juros indemnizatórios

 

6.80.  Nestes termos, tendo em consideração a conclusão apresentada no ponto anterior (6.79.), sendo considerado improcedente o pedido de pronúncia arbitral, não haverá lugar ao reembolso do imposto pago nem haverá, em consequência, lugar ao pagamento de juros indemnizatórios sobre esse montante.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.81.  De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.

 

6.82.  Assim, nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

 

6.83.  Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.84.  No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a responsabilidade exclusiva por custas à Requerente, de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2 do RJAT e artigo 4º, nº 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

7.       DECISÃO

 

7.1.    Tendo em consideração a análise efectuada no Capítulo anterior, decidiu este Tribunal Arbitral:

 

7.1.1.     Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, quer no que diz respeito ao pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de IRC, respeitantes aos exercícios de 2012 e 2013, por não dedução dos pagamentos especiais por conta aos montantes das tributações autónomas, quer quanto ao pedido de anulação do acto de indeferimento tácito que recaiu sobre a reclamação graciosa oportunamente interposta, relativamente àquelas liquidações de IRC, quer quanto ao pedido subsidiário e, em consequência, absolver a Requerida de todos esses pedidos;

7.1.2.     Julgar improcedente o pedido de devolução do IRC pago com respeito às liquidações de imposto que se mantêm na ordem jurídica, bem como improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios,
absolvendo-se a Requerida desses pedidos;

7.1.3.     Condenar a Requerente no pagamento das custas do presente processo.

 

*****

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 21.227,75.

 

Custas do processo: Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 1.224,00, a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

*****

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 28 de Junho de 2016

 

O Árbitro,

 

 

Sílvia Oliveira

 



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que diz respeito às transcrições efectuadas.

[2] Neste âmbito, a Requerente aproveitou as alegações para analisar as alterações introduzidas pela Lei do Orçamento do Estado para 2016 (Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março) em matéria das tributações autónomas.

Com efeito, afirma a Requerente que “o Parlamento interveio nesta matéria (…) e reiterou que o artigo 89.º do CIRC se aplicava também à liquidação das tributações autónomas” mas “inexplicavelmente, não reiterou expressamente que o artigo 90.º do CIRC também se aplica à liquidação das tributações autónomas, o que atendendo desde logo ao teor do seu n.º 1 (…) não se entende. Mas não limitou a isso a sua intervenção.

Foi mais longe e (…) optou por afastar a aplicação de parte do disposto no artigo 90.º do CIRC para a colecta do IRC, à colecta da tributação autónoma em IRC”. E não foi ainda por aqui (…) que se ficou o legislador (…)” porquanto “(…) aditou que a sua intervenção legislativa teria carácter interpretativo” (artigo 135º da Lei do OE 2016).

[3] Neste âmbito, cita ainda a Requerida as decisões arbitrais nº 781/2015-T e 784/2015-T, no sentido de reafirmar a improcedência da “(…) pretensão da Requerente”, bem como a decisão arbitral nº 535/2015-T.

[4] A este respeito, cita a Requerente o processo arbitral nº 769/2014-T (Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Prof. Doutor Paulo Nogueira e Dr. Luís Miranda Rocha), a propósito da dedução à colecta do SIFIDE, onde se raciocinou e concluiu que “(…) a questão essencial que é objecto do presente processo é a de saber se os créditos fiscais que, no ano de 2011, foram reconhecidos à Requerente, em sede de SIFIDE, podem ser deduzidos à colecta produzida pelas tributações autónomas que a oneraram nesse exercício fiscal, na parte em que não podem ser deduzidos à restante colecta do IRC”.

(…)

O artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10). Por isso, ele aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária nos termos do artigo 90.º do CIRC, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação. A sua autonomia restringe-se às taxas aplicáveis e à respectiva matéria tributável, mas o apuramento do seu montante é efectuado nos termos do artigo 90º. (…) Por isso, não se vê fundamento legal, designadamente à face da intenção legislativa que é possível detectar, para afastar a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE à colecta das tributações autónomas que resulta directamente da letra do artigo 4.º, n.º 1, do respectivo diploma, conjugado com o artigo 90.º do CIRC”.

Por outro lado, no mesmo sentido, cita a Requerente o acórdão arbitral nº 219/2015-T (Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Prof. Doutor Vasco Valdez e Dra. Maria Isabel Guerreiro).

[5] Neste propósito, cita a Requerente a explicação para o voto de vencido na decisão arbitral nº 697/2014 (da Professora Doutora Leonor Fernandes Ferreira).

[6] Nesta matéria, relembra a Requerente “a identificação das (pelo menos) vinte e quatro decisões arbitrais produzidas até à data em que se concluiu pela natureza de IRC das tributações autónomas: processos n.ºs 187/2013-T, 209/2013-T, 210/2013-T, 246/2013-T, 255/2013-T, 260/2013-T, 282/2013-T, 292/2013-T, 298/13-T, 6/2014-T, 36/2014-T, 37/2014-T, 59/2014-T, 79/2014-T, 80/2014-T, 93/2014-T, 94/2014-T, 163/2014-T, 166/2014-T, 167/2014-T, 211/2014-T, 659/2014-T, 697/2014-T e 769/2014-T”.

[7] Neste âmbito, cita e transcreve a Requerente o teor de “três decisões arbitrais (na impossibilidade de percorrer todas), representativas do que a jurisprudência arbitral realmente vem dizendo acerca da natureza das tributações autónomas, e consequências que daí extrai”: “processo n.º 59/2014-T (Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Prof. Doutor Miguel Patrício e Dr. António Alberto Franco)”, “processo n.º 80/2014-T (Conselheiro Jorge Lino, Dr. António Alberto Franco e Dr. Augusto Vieira” e “processo n.º 187/2013-T (Dr. José Pedro Carvalho, Professor João Ricardo Catarino e Dr. Olívio Mota Amador)”.

[8] Para a Requerida, “a Requerente identifica como objecto do pedido de pronúncia arbitral que formula, quer o acto de indeferimento da reclamação graciosa, quer as liquidações que pretendeu ver revistas por via desse  procedimento, que correspondem às autoliquidações de IRC, relativas aos anos de 2012 e 2013, no montante de € 21.227,75, (a) na medida correspondente à não dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma do pagamento especial por conta efectuado em sede de IRC (PEC), relativo ao exercício de 2012, ou subsidariamente (b) na medida em que não é devida a liquidação de tributação autónoma”, pelo que “ambiciona a Requerente sejam as mesmas declaradas ilegais e, consequentemente, anulados: o acto de indeferimento, requerendo a final, um pedido que visa a sua declaração de ilegalidade e, consequente, a sua anulação (…)”.

[9] Neste âmbito, cita a Requerida o Professor Saldanha Sanches [in Manual de Direito Fiscal, 3ª Edição (2007), Coimbra Editora (pág. 406/7)], bem como o Professor Casalta Nabais [in Direito fiscal, 8ª Edição (2015), Almedina (página 542-3).

[10] Segundo a Requerida, “o traço comum a todas as realidades reflectidas nas deduções referidas no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC reside no facto de respeitarem a rendimentos ou gastos incorporados na matéria colectável determinada com base no lucro do sujeito passivo ou pagamentos antecipados do imposto, sendo, por isso, inteiramente alheios às realidades que integram os factos geradores das tributações autónomas” (sublinhado da Requerida).

[11] Neste âmbito, cita a Requerida a Informação nº 1980/2013, de 14 de Outubro de 2013, da Direcção de Serviços do IRC, anexada aos autos com o pedido (doc. nº 10), bem como a decisão arbitral nº 113/2015-T.

[12] Refere a este propósito que “contrariamente ao que pretende o Requerente, nunca a AT defendeu que as Tributações Autónomas são IRC, mas sim que as mesmas estão imbricadas no IRC”, citando o disposto nas decisões arbitrais nº 79/2014-T e 95/2014-T.

[13] Segundo a Requerida, “importa ainda salientar que os argumentos ora esgrimidos já foram apresentados em sede arbitral, em concreto no Processo n.º 603/2014 – T, Processo n.º 697/2014-T e Processo n.º 113/2015-T, todos decididos a favor da Requerida”, e que, “apesar dos processos n.º 603/2014-T e n.º 697/2014-T (…) terem como objecto o SIFIDE e não o pagamento especial por conta, visavam o mesmo objectivo, i.e., a dedução à colecta da parte do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma, in casu, do SIFIDE”.

[14] Neste âmbito, tendo em conta que no pedido de pronúncia arbitral está incluído o pedido de sindicância do acto de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa apresentada, em 22 de Maio de 2015, contra as liquidações de IRC em crise (2012 e 2013), como forma de poder declarar, em última instância, a ilegalidade das liquidações de IRC objecto do pedido, do acto de indeferimento tácito da referida Reclamação Graciosa, presumido no prazo de quatro meses (artigos 57º, nº 1 da LGT e artigo 106º do CPPT), a Requerente dispunha do prazo de três meses (em vigor desde 1 de Janeiro de 2013) a contar do termo daquele prazo de quatro meses para deduzir impugnação judicial [de acordo com o disposto no artigo 102º, nº 1 alínea e) do CPPT].

Por outro lado, tendo também em consideração o previsto no artigo 10º, nº 1, alínea a) do RJAT [que estabelece que o pedido de constituição de tribunal arbitral deve ser apresentado “no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 102º do CPPT, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma (….) ”], bem como a data da interposição do pedido de pronúncia arbitral (21 de Dezembro de 2015), o pedido é considerado tempestivo.

[15] E descritivo constante do artigo 19º do pedido [a fls 5 (vide ponto 2.9., supra)].

[16] Com efeito, refere-se na citada decisão arbitral que “a incidência de tributação autónoma não se circunscreve às sociedades e demais sujeitos passivos de IRC, com finalidade lucrativa sendo também tal tributação extensiva às associações, fundações, IPSS e outras entidades que não exerçam, a título principal, atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola e ainda a todas as entidades que tenham rendimentos isentos ou não sujeitos a IRC”.

[17] Embora tendo sido sucessivamente alteradas, só mais tarde, através da Lei nº 30-G/2000, de 29 de Dezembro, é que as tributações autónomas, em matéria de IRC, foram incluídas no respectivo Código (artigo 69-A do Código do IRC), sendo que, desde então, o regime das tributações autónomas (já inserido no Código do IRC), tem assistido a um processo de alargamento que culminou na actual existência de vários tipos de tributações autónomas:

i) Tributação autónoma sobre despesas não documentadas;

ii) Tributação autónoma sobre encargos com viaturas;

iii) Tributação autónoma sobre despesas de representação;

iv) Tributação autónoma sobre importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável;

v) Tributação autónoma sobre despesas com ajudas de custo e com compensações pela deslocação de trabalhadores em viatura própria ao serviço da entidade patronal;

vi) Tributação autónoma sobre os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial;

vii) Tributação autónoma sobre gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas não relacionadas com a concretização de objectivos de produtividade previamente definidos na relação contratual, quando se verifique a cessação de funções de gestor, administrador  ou gerente, bem como sobre os gastos relativos à parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daqueles cargos até ao final do contrato, quando se trate de rescisão de um contrato antes do termo;

viii) Tributação autónoma sobre gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes”.

[18] Neste âmbito, cite-se Saldanha Sanches (in “Manual de Direito Fiscal”, 3ª Edição, Coimbra Editora, 2007, pág. 407), que a propósito da tributação autónoma escreveu que “neste tipo de tributação, o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal de despesas que se encontram na zona de interseção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros. Apresenta a norma uma característica semelhante à que vamos encontrar na sanção legal contra custos não documentados, com uma subida da taxa quando a situação do sujeito passivo não corresponde a uma situação  de normalidade fiscal. Se na declaração do sujeito passivo não há lucro, o custo pode ser objeto de uma valoração negativa (…). Com esta previsão, o sistema mostra a sua natureza dual, com uma taxa agravada de tributação autónoma para certas situações especiais que se procura desencorajar (…) quando existem prejuízos. Cria-se, aqui, uma espécie de presunção de que estes custos não têm uma causa empresarial e, por isso, são sujeitos a uma tributação autónoma. Em resumo, o custo é dedutível, mas a tributação autónoma reduz a sua vantagem fiscal, uma vez que, aqui, a base de incidência não é um rendimento líquido, mas, sim, um custo transformado - excepcionalmente – em objeto de tributação”.

[19] Assim, ainda segundo a mesma decisão arbitral (nº 535/2015-T), se “no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (…), já no que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo”.

Neste sentido, também se pronunciou o Tribunal Constitucional (no Acórdão proferido no âmbito do processo nº 617/2012 de 31/01/2013) nos termos do qual se defendeu que “na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto é instantâneo, pois esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesa considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa” (sublinhado nosso).

[20] Neste sentido, e no que diz respeito à jurisprudência arbitral, vide, entre outros, os processos nº 166/2014-T, 246/2013-T, 260/2013-T, 282/2013-T, 6/2014-T e 36/2014-T, 697/2014-T.

[21] Da análise do elenco actual dos encargos passíveis de serem autonomamente tributados, de acordo com o defendido na decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 282/2013-T e citada na decisão arbitral nº 167/2014-T, é possível concluir que “(…) as tributações autónomas incidem quer sobre encargos dedutíveis, quer sobre encargos não dedutíveis e que as tributações autónomas cumprem, no essencial, duas funções: por um lado, evitar a erosão da base tributável em sede de IRC, fazendo incidir  tributação sobre encargos que podem ser deduzidos pelos sujeitos passivos de IRC, mas que, sendo-o, se transformam num agravamento da tributação, pretendendo, portanto, servir como desincentivo à despesa com tais encargos; outros tipos de tributações autónomas visam, pura e simplesmente, penalizar comportamentos presuntivamente evasivos ou fraudulentos dos sujeitos passivos, consubstanciando um mecanismo anti-abusivo”.

[22] Neste âmbito, vide Acórdão do STA de 21/03/2012 (processo nº 830/11) e, no mesmo sentido, Acórdão do STA de 06/07/2011 (processo nº 0281/11), Acórdão do STA de 17/04/2013 (processo nº 166/13), Acórdão do STA de 21/01/2015 (processo nº 04710/14 e Acórdão do TCAS de 16/10/2014 (processo nº 06754/13).

[23] Com efeito, tal como ensina o Professor Rui Morais (inApontamentos ao IRC”, Almedina, 2009, pág. 202-203), “está em causa uma tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas com constituindo factos tributários”, sendo “difícil descortinar a natureza desta forma de tributação e, mais ainda, a razão pela qual aparece prevista nos códigos dos impostos sobre o rendimento”.

Mas, cite-se também Casalta Nabais (inDireito Fiscal”, 6ª Edição, pág. 614) que considera que se “trata de uma tributação sobre a despesa e não sobre o rendimento” e na mesma linha a Professora Ana Paula Dourado (inDireito Fiscal”, Almedina, 2015, pág. 237), para a qual “é consensual que a tributação autónoma atinge a despesa do sujeito passivo-contribuinte e não o seu rendimento”.

[24] Este entendimento foi legal e recentemente clarificado pelo artigo 3º da Lei nº 2/2014, de 16 de Janeiro [que aditou o artigo 23º-A ao Código do IRC (ao mesmo tempo que o seu artigo 13º revogou o artigo 45º do Código do IRC)], nos termos do qual se consideram como encargos não dedutíveis para efeitos fiscais, “(…) mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação (…) o IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros”.

Assim, entende-se que não subsistindo dúvidas quanto ao carácter interpretativo do preceito transcrito, de acordo com as regras de hermenêutica jurídica, na prática, tal norma, vem expressar o que o legislador sempre entendeu e continua a entender, ou seja que os encargos decorrentes com o custo associado às tributações autónomas, não relevam para efeitos de apuramento do lucro tributável” (sublinhado nosso).

[25] Neste âmbito, na decisão arbitral nº 535/2015, de 7 de Abril de 2016, já citada, “tem-se (…) como certo que as tributações autónomas não constituem IRC em sentido estrito mas encontram-se a este (IRC) imbricadas, devendo conter-se nos outros impostos”[de que nos dá conta a parte final da alínea a) do nº 1 do artigo 45º do Código do IRC, na redação em vigor em 2013].

[26]De resto, não são apenas as liquidações previstas no artigo 88º que podem englobar vários cálculos de aplicação de taxas a determinadas matérias colectáveis, pois o mesmo pode suceder nas situações previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 87º”.

[27] Na redacção em vigor nos exercícios de 2012 e 2013 (Lei nº 3-B/2010, de 28/04), “o montante do pagamento especial por conta [era] igual a 1 % do volume de negócios relativo ao período de tributação anterior, com o limite mínimo de (euro) 1.000, e, quando superior, [era] igual a este limite acrescido de 20 % da parte excedente, com o limite máximo de (euro) 70.000” sendo que “ao montante apurado (…)
deduzem-se os pagamentos por conta (…) efetuados no período de tributação anterior
”.

[28] Neste âmbito, vide Acórdão do TCAS, proferido no âmbito do processo nº 02461/08, de 14 de Outubro.

[29] Neste sentido, vide António Lima Guerreiro (inLGT Anotada”, Editora Rei dos Livros, pág. 167).

[30] Apesar de não ser óbvia a sua relação com a capacidade contributiva, o critério do volume de negócios está mais próximo de uma noção de rendimento do que as despesas sujeitas a tributação autónoma.

[31] Neste sentido, vide Saldanha Sanches em artigo publicado na revista Fiscalidade n° 15/2003, nos termos do qual escreve que “em primeiro lugar não é em si mesma inconstitucional a imposição de pagamentos por conta, enquanto antecipações do imposto devido. Simplesmente, a existência de pagamentos por conta, rendimentos legais e colectas mínimas tem que se compatibilizar com o princípio, constitucionalmente consagrado a propósito do imposto sobre o rendimento das empresas, da tributação do lucro real (art.° 104.° n,°2 da CRP), enquanto expressão do principio mais vasto da capacidade contributiva. Se, tendo em conta os corolários do principio do lucro real (…) pode concluir-se que as disposições legais que estabelecem e regulam os pagamentos especiais por conta não são genericamente inconstitucionais (…)”.

[32] O regime do PEC foi objecto de profundas alterações na Lei do Orçamento do Estado para 2003, nos termos da qual, “este pagamento é igual à diferença entre o valor correspondente a l % dos respectivos proveitos ou ganhos do ano anterior, com o limite mínimo de € 1.250 e máximo de € 200.000 e o montante dos pagamentos por conta efectuados no ano anterior. O pagamento especial por conta, diferentemente do que acontece com os pagamentos por conta normais (que segundo o art. 96.° dão lugar ao imediato reembolso caso sejam superiores ao imposto devido), será deduzido, nos termos do art. 87. °, ao montante apurado na declaração periódica de rendimentos do próprio exercício a que respeita ou, se insuficiente, até ao [quarto] exercício seguinte”. Ora este regime, segundo o Professor Casalta Nabais (inDireito Fiscal”, 2ª edição, 3ª reimpressão da edição de 2003, página 263 e seguintes) “torna o pagamento especial por conta num empréstimo forçado ou mesmo num imposto (na medida em que não venha a ser deduzido nos quatro exercícios seguintes) de discutível constitucionalidade”.

Note-se que nessa mesma linha seguiram Leite de Campos, Silva Rodrigues e Lopes de Sousa (inLei Geral Tributária – Comentada e Anotada”, 3ª edição, página 163, em anotação ao artigo 33º da LGT), ao escreverem que “as entregas em causa são qualificadas de pagamento por conta do imposto; sem se indicar o seu regime jurídico, do qual tudo depende. As entregas pecuniárias antecipadas poderão ser entendidas em ter­mos de pagamentos fraccionados do imposto sujeitos às condições resultantes da existência e do montante deste. Contra esta caracterização invocar-se-á, porventura, o princípio da capacidade contributiva. Antes de verificado (completamente) o facto tributário não se sabe sequer se há lugar a imposto. É certo que tais prestações assentam em rendimentos passados que se presume manterem-se. (…) Tais prestações antecipadas poderão ser configuradas como meros financiamentos ao Estado. Cria-se uma conta devedora do Estado que será compensada com o imposto a pagar. Estaríamos, pois, nesta perspectiva perante empréstimos forçados, não se lhes aplicando as normas dos impostos. Na tese aposta, dir-se-á que são prestações antecipadas do imposto devido a final. Assim, aplicar-se-lhes-iam as normas dos impostos” (sublinhado nosso).

[33] Na doutrina, Teresa Gil (inPagamento Especial por Conta”, Revista Fisco, Ano XIV (março 2003), nº 107-108, pág. 11-21), deu fundamentadamente conta das circunstâncias que rodearam a introdução do PEC, designadamente das dificuldades na aplicação do princípio da tributação pelo lucro real, constatadas face à “divergência que existe entre os lucros efetivamente obtidos e aqueles que são declarados pelas empresas e, portanto, objeto de tributação”. De acordo com a posição assumida na decisão arbitral nº 113/2015-T, de 30 de Dezembro, “embora esta autora considere que o PEC é uma medida insuficiente para resolver o problema da evasão fiscal deste tipo, preferindo o estabelecimento de coleta mínima, menciona que o PEC foi afinal o regime possível face aos limites constitucionais”.

[34] Esta posição resulta também do projecto de indeferimento da reclamação graciosa interposta, pela Requerente, conta as liquidações de IRC de 2012 e 2013, conforme informação que consta do processo administrativo junto aos autos pela Requerida.

[35] Com a Lei nº 2/2014, de 16 de Janeiro, a dedução das quantias pagas a título de pagamento especial por conta podem ser deduzidas até ao 6º período de tributação seguinte.

[36] Na verdade, as declarações previstas no artigo 120º do Código do IRC são elaboradas num único modelo oficial (modelo 22), aprovado por despacho do Ministro das Finanças, nos termos dos artigos 117º, n.º 1, alínea b), e nº 2 do Código do IRC.

[37] Neste sentido, vide Casalta Nabais, inDireito Fiscal”, 7.ª edição, página 541, acompanhado pelo Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos de 18-2-2009 (processo nº 0926/08) e de 13-5-2009 (processo nº 0927/08). No mesmo sentido, vide Freitas Pereira, inFiscalidade”, 3ª edição, página 45.

[38] Assim, “se é certo que as tributações autónomas constituem uma forma diferente de fazer incidir impostos sobre as empresas (…), também não deixa de ser certo que a opção legislativa por incluir tais tributações no Código do IRC revela uma intenção de considerar tais tributações como inseridas no IRC, o que se poderá justificar por serem uma forma indirecta, mas, na perspectiva legislativa, equitativa, simples e eficiente, de tributar rendimentos empresariais que escapam ao regime da tributação com directa incidência sobre rendimentos” (sublinhado nosso).

[39] Não se pode esquecer, neste contexto da identificação da natureza de um tributo, que, levando a análise ao limite, como ensinava o Prof. Doutor Saldanha Sanches, “o destinatário do imposto é sempre a pessoa singular - a tributação da sociedade comercial é instrumental e a sua tributação é sempre um pagamento por conta do imposto que mais tarde vai ser suportado pelo titular do capital da sociedade”.

[40] Face ao disposto no nº 3 do artigo 93º do Código do IRC (na redacção resultante da republicação operada pelo Decreto-Lei nº 159/2009, de 13 de Julho), se não houvesse colecta de IRC suficiente para deduzir os pagamentos especiais por conta até ao quarto período de tributação subsequente, o reembolso apenas poderia ocorrer se se verificassem as condições previstas nesse nº 3 do artigo 93º do CIRC (não haver afastamento, em relação ao período de tributação a que diz respeito o pagamento especial por conta a reembolsar, em mais de 10 %, para menos, da média dos rácios de rentabilidade das empresas do sector de actividade em que se inserem, a publicar em portaria do Ministro das Finanças e a situação que deu origem ao reembolso seja considerada justificada por acção de inspecção feita a pedido do sujeito passivo formulado nos 90 dias seguintes ao termo do prazo de apresentação da declaração periódica relativa ao mesmo período de tributação).

[41] Neste sentido, vide decisão arbitral proferido no âmbito do processo nº 113/2015, de 30-12-2015, nos termos da qual se invocam ponderáveis razões, derivadas das finalidades que se pretendeu legislativamente atingir com a criação do pagamento especial por conta, que podiam justificar uma restrição da referência que no artigo 93º, nº 1, do Código do IRC se faz ao “montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120º”, referindo-se que, “como se viu o PEC passou a fazer parte do sistema do IRC cuja liquidação consagrada no artigo 83º foi concebida para apurar o imposto diretamente incidente sobre o rendimento declarado. Quando haja lugar a prejuízo fiscal o sujeito passivo tem ainda assim que suportar o PEC; essa foi aliás a razão da sua introdução. Se determinada empresa tiver sucessivamente prejuízos fiscais, suportará sistematicamente imposto, pois o sistema duvida da sua possibilidade de funcionamento em situação permanentemente deficitária, exigindo-lhe que satisfaça provisoriamente (por conta), determinado valor. Poderá reembolsá-lo se provar que essa situação é comum no seu setor de atividade ou se a AT verificar a regularidade das suas declarações. Este foi o equilíbrio que o CIRC exigiu para manter um sistema baseado nas declarações feitas pelos contribuintes. Já o imposto resultante da tributação autónoma fundamenta-se tão só na perseguição à evasão fiscal por transferência de rendimento e tem o efeito dissuasor e compensatório. Se se permitir a dedução do PEC à coleta resultante da tributação autónoma, gorar-se-ão os propósitos do sistema em que a norma do 83º-2-e CIRC se insere, pois o produto do pagamento especial por conta que deveria manter-se estacionado na titularidade da Fazenda Pública será afetado à extinção da dívida do sujeito passivo resultante das tributações autónomas, aligeirando assim a pretendida pressão para evitar a evasão fiscal declarativa. Existe efetivamente um conflito inconciliável entre a ratio do PEC – o combate à evasão ou a pressão para correção das declarações – e a afetação dos seus créditos à satisfação de outras obrigações que não sejam as que resultam do apuramento do IRC calculado sobre o resultado tributável” (sublinhado nosso).

[42] Neste âmbito, vide os ensinamentos de Baptista Machado, em matéria de leis interpretativas, segundo o qual “a razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. Poderemos consequentemente dizer que são de sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado. Não é preciso que a lei venha consagrar uma das correntes jurisprudenciais anteriores ou uma forte corrente jurisprudencial anterior. Tanto mais que a lei interpretativa surge muitas vezes antes que tais correntes jurisprudenciais se cheguem a formar. Mas, se é este o caso, e se entretanto se formou uma corrente jurisprudencial uniforme que tornou praticamente certo o sentido da norma antiga, então a lei nova que venha consagrar uma interpretação diferente da mesma norma já não pode ser considerada realmente interpretativa (embora o seja porventura por determinação do legislador), mas inovadora. Para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a lei nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora” (negrito e sublinhado nosso).

[43] E sem que houvesse qualquer erro ou anomalia do sistema informático da Requerida, conforme refere a Requerente.

[44] Neste sentido, vide Acórdão TC nº 18/2011, de 12-01-2011, que segue a jurisprudência adoptada no Acórdão TC nº 399/2010.

[45] A anterior redacção é a do Decreto-Lei nº 159/2009, de 13 de Julho, que renumerou e republicou o Código do IRC e em que o artigo 93º corresponde ao anterior artigo 87º.

[46] Vide acórdão do Tribunal Constitucional nº 399/10, de 27-10-2010.