Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 726/2015-T
Data da decisão: 2016-06-30  IRC  
Valor do pedido: € 623.961,59
Tema: IRC - competência material do Tribunal Arbitral; fundamentação do ato; perdas por imparidade; desvalorizações excecionais; equiparação das desvalorizações resultantes da reavaliação legal com as situações de amortização excessiva; aplicação retroativa do artigo 35, n.º 4 do CIRC
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Decisão Arbitral

 

Os Árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (designado por acordo dos outros Árbitros), Dr. José Alberto Pinheiro Pinto e Professora Doutora Ana Maria Rodrigues, designados, respectivamente, pela Requerente e pela Requerida, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 16-02-2016, acordam no seguinte:

 

1.      Relatório

 

A… – …, SGPS, S.A., pessoa colectiva n.º …, com sede na …, n.º …, …, doravante designada por “A… SGPS” ou “Requerente”, sociedade dominante de grupo (o Grupo B…) sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto nos artigos 69.º e seguintes do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), que inclui a C… – …, S.A., pessoa colectiva n.º … (doravante designada por “C… S.A.”), veio, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade parcial do indeferimento da reclamação graciosa e a ilegalidade parcial da autoliquidação de IRC (e derrama municipal consequente), incluindo derrama estadual, do grupo fiscal B… relativa ao exercício de 2011, no que respeita ao montante de € 623.961,59, com a sua consequente anulação nesta parte.

A Requerente pede ainda o reembolso da quantia referida, acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal, contados a partir de 01-09-2012.

É requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Requerente procedeu à designação de árbitro, Dr. José Alberto Pinheiro Pinto, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT.

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6 e do n.º 3 do artigo 11.º do RJAT e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13º do mesmo diploma, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como Árbitra a Prof.ª Doutora Ana Maria Rodrigues.

Os árbitros designados designaram o terceiro árbitro, Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa, nos termos do artigo 11.º, n.º 4 do RJAT.

Os signatários designados para integrar o presente Tribunal Arbitral colectivo aceitaram as designações, nos termos legalmente previstos.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 01-02-2016.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo ficou constituído em 16-02-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta, defendendo-se por excepção e por impugnação.

Por despacho de 18-03-2016, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é questionada a sua competência material para apreciar o pedido de reembolso formulado pela Requerente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas mais excepções.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)                  A Requerente A… -…, SGPS, SA, NIPC …, é a sociedade dominante do grupo económico em que se encontra inserida e está sujeita a IRC com enquadramento no regime especial de tributação dos grupos de sociedades;

b)                 Em 31-05-2012, a Requerente entregou a declaração modelo 22 de IRC, relativa ao exercício de 2011 e ao Grupo integrado pela sociedade C… – …, S.A. (C…) (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

c)                  Uma das sociedades que integrava o grupo em 2010 é a C… – …, S.A., NIPC …, (doravante designada como "C…, SA" que, relativamente ao exercício de 2011, apurou um lucro tributável individual de € 55.324.581,63 (declaração modelo 22 da C…, SA, anexa à reclamação graciosa que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);

d)                 A C…, SA, na declaração modelo 22 relativa ao exercício de 2011, fez vários ajustamentos fiscais ao lucro contabilístico, designadamente o acréscimo, no campo 720 do quadro 07, do valor de €6.363.477,39, respeitante a 40% do aumento das depreciações de activos objecto de reavaliações (declaração modelo 22 da C…, SA, anexa à reclamação graciosa que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);

e)                  O montante indicado no referido campo 720 reflecte uma parcela das depreciações praticadas relativamente a activos reavaliados ao abrigo da Lei nº 36/91, de 27 de Julho (reflectidos no mapa fiscal de modelo oficial 33.12E junto à reclamação graciosa como documento n.º 3), e do Decreto-Lei nº 264/92, de 24 de Novembro (reflectidos no mapa fiscal de modelo oficial 33.15, junto à reclamação graciosa como documento n.º 4) (documento n.º 24 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, declaração modelo 22 da C…, SA, anexa à reclamação graciosa e artigos 6.º e 7.º da Resposta);

f)                  A Requerente entendeu que aquele montante indicado no campo 720 não reflecte, na íntegra, o impacto fiscal associado às reavaliações efectuadas ao abrigo de diplomas legais, em particular ao abrigo da Lei n.º 36/91, de 27 de Julho, e, na qualidade de sociedade dominante do grupo de sociedades sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades do qual a C…, SA faz parte integrante, submeteu à Administração Tributária, em 26-05-2014 uma reclamação graciosa, mediante a qual pretendeu, além do mais, efectuar um ajustamento ao lucro tributável da C…, em seu favor, no montante de € 2.154.563,48, nos termos no n.º 4 do artigo 35.º do Código do IRC, então vigente (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e processo administrativo);

g)                 Por ofício de 15-07-2015, a Requerente foi notificada para exercer o direito de audição sobre o projecto de decisão da reclamação graciosa, baseado na Informação n.º …-…/2015, cuja cópia consta do documento n.º 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

§ IV.I. Da matéria coletável

§ IV.I.I. Ajustamentos ao lucro tributável

§ IV.I.I.I. Dos argumentos da Reclamante

11. A Reclamante é a sociedade dominante de um grupo de sociedades em que se encontra inserida, sendo tributada nos termos previstos no regime especial de tributação dos grupos de sociedades, nos termos do art. 69.º e sgs. do CIRC;

12. Em 31 de maio de 2012, no cumprimento das suas obrigações declarativas em sede de IRC, entregou a Dec. Mod. 22 IRC, relativa ao exercício de 2011.

13. Inserida no perímetro do grupo, encontra-se a sociedade C… – …, SA. (C…).

14. Em 2011, a C… apurou individualmente um lucro tributável no valor de € 55.324.581,63, tendo nesse exercício efectuado diversos ajustamentos fiscais ao lucro contabilístico, entre os quais se destaca o acréscimo, no campo 720 do quadro 07, do montante de € 6.363.477,39, referente a 40% do aumento das depreciações dos activos objecto de reavaliações feitas ao abrigo de diplomas legais.

15. Aquele montante reflecte uma parcela das depreciações praticadas relativamente a activos reavaliados ao abrigo da Lei n.º 36/91, de 27 de Julho e do Decreto-Lei n.º 264/92, de 24 de Novembro.

16. Tendo concluído que aquela importância não reflecte, na íntegra, o impacto fiscal associado às reavaliações efectuadas ao abrigo de diplomas legais, em particular ao abrigo da Lei n.º 36/91, de 27 de Julho, a Reclamante pretende efectuar:

• um ajustamento ao lucro tributável da C…, a favor do Estado, no montantes de € 8.288,51, reflectindo assim a totalidade da depreciação excessiva que resulta directamente de modelo oficial 33.12 e 33.15;

• um ajustamento ao lucro tributável da C…, em seu favor, no montante de € 2.154.563, 48, nos termos do n.º4 do artigo 35.º do CIRC e;

• um ajustamento ao lucro tributável da C…, em seu favor, no montante de € 4.136.754,37, decorrente da transição para o novo normativo fiscal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho.

17. Em consequência destes ajustamentos, a Reclamante pretende igualmente corrigir o montante acrescido pela C… no campo 720 do quadro 07, efectuando uma correcção a favor do Estado no montante de € 861.825,39, passando assim o valor a ajustar naquele campo a ascender a € 7.233.591,29.

18. Segundo a Reclamante, estes ajustamentos terão um impacto negativo no lucro tributável da C… no montante de € 5.421.203,95, que passará a ascender a € 49.903.377,68, o qual deverá reflectir-se numa correcção do mesmo montante no lucro tributável apurado peio grupo, o qual passará assim a ascender a € 160.482.132,30.

A – Ajustamento ao lucro tributável da C…, a favor do Estado, no montante de € 8.288,51

19. A C… acresceu no campo 720 do Q07 da DEC. MOD. 22 IRC, relativa ao exercício de 2011, o montante de € 6.363.477,39.

20. Este montante visa reflectir as depreciações que foram praticadas sobre activos reavaliados ao abrigo da Lei n.º 36/91, de 27 de julho e do Decreto-lei n.º 264/92, de 24 de Novembro e que não são consideradas fiscalmente dedutíveis nos termos da al. a) do n.º2 do art. 15 do D. Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro.

21. Tendo por referência os montantes reflectidos nos mapas de modelo oficial 33.12E e 33.15, a Reclamante concluiu que o valor das depreciações excessivas relativas a activos reavaliados ao abrigo da Lei n.º 36/91 perfaz o montante €6.159.120,11, correspondendo o valor das depreciações excessivas dos activos reavaliados ao abrigo do Dec-Lei n.º 264/92, ao montante de € 212,645,79.

22. Nesta medida, o valor que deveria ter sido considerado pela C… no campo 720 do Q07 ascende a €6.371.765,90 (€6.159.120,11 + €212.645,79), e não a €6.363.477,39, devendo ser efectuado um ajustamento a favor do Estado no montante de € 8.288,51.

B – Restantes Ajustamentos: B1 – Ajustamento nos termos do artigo 35.º, n.º 4 do CIRC; B2 -Ajustamento de transição nos termos do n.º5 do Decreto-lei 159/2009, de 13 de Julho

23. «O processo de reprivatização do Grupo D… teve início em 1994 com a cisão da anterior E… em diversas entidades, entre as quais uma que viria a dar origem ao actual grupo B…».

24. «[A referida] cisão foi efectuada nos termos previstos no Decreto-lei …/94, de … de …, no âmbito do qual ficou determinado que o capital da então C…–…, SA, seria realizado através da contribuição dos activos afectos à actividade que passaria a ser por si exercida».

25. «O valor dos activos transferidos (para a então C… – …, SA.] havia sido, no âmbito do processo de reprivatização do Grupo D…, sujeito a avaliação efectuada por entidades independentes, escolhidas de entre as previamente qualificadas pelo Ministério das Finanças para o efeito e sujeita à aprovação do Ministro das Finanças».

26. «Em 2007, já fora do grupo D…, foi efectuado novo destaque dos activos detidos pela sociedade resultante da aludida cisão [(C… –…, SA)], os quais serviram para a realização do capital social da actual C…, conforme resultou da Resolução do Conselho de Ministros n.º …/2006».

27. «A transferência dos activos em questão, da E… para a [C… – …, SA (sociedade que veio dar lugar à ora Reclamante)], e desta para a C…, foi sempre efectuada sem qualquer alteração no valor contabilístico e fiscal daqueles activos, sendo o seu valor aquele que resultou da avaliação feita na esfera da E… por entidades independentes, no âmbito do processo de reprivatização daquela entidade».

28. A referida avaliação a que esses activos foram sujeitos ainda na esfera da E…, entre as reavaliações para menos (negativas) e reavaliações para mais (positivas), determinou uma variação patrimonial líquida positiva no montante de 31.666.263.000$00.

29. Essa variação patrimonial líquida positiva não foi considerada fiscalmente relevante no apuramento do lucro tributável da E… no exercício de 1994.

30. Da mesma forma, a variação patrimonial negativa não foi considerada fiscalmente relevante no apuramento do lucro tributável da E… no exercício de 1994.

31. «Não tendo aquelas reavaliações (positivas e negativas) sido consideradas fiscalmente relevantes na esfera da E…, e tendo em consideração que uma parte dos activos que sofreram as mesmas foram (...) transferidos para a reclamante, importa avaliar qual o enquadramento fiscal que subjaz a esta realidade (...)».

32. «Se relativamente às reavaliações positivos o regime fiscal é claro, o mesmo não se verifica, pelo menos de forma imediata, relativamente às reavaliações negativas».

33. «Com efeito, não existe na legislação fiscal portuguesa uma referência expressa ao enquadramento fiscal do eventual decréscimo de depreciações em resultado de reavaliações efectuadas ao abrigo de legislação fiscal (...)».

34. «A reclamante considera que a reavaliação dos activos no âmbito do processo de reprivatização do Grupo D…, que resultou numa redução do seu valor escriturado, traduz uma perda por imparidade, a qual não foi considerada fiscalmente relevante no momento em que foi reconhecida na esfera da E… (...)».

35. A situação da C… não se enquadrava no n.º2 do artigo 10.º do Decreto-Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro, em vigor à data em que a reavaliação foi promovida (1994), pelo que a mesma não poderia ter sido considerada fiscalmente relevante no momento em que foi reconhecida.

36. «Atento o exposto, nos termos do n.º 4 do artigo 35.º do Código do IRC, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 14 de Setembro, aquela perda por imparidade, reconhecida no exercício de 1994, poderá ser aceite fiscalmente, em partes iguais, durante o período de vida útil restante dos activos que a originaram».

37. «Nestes termos, a Reclamante considera que deverão ser efectuadas duas correcções para efeitos do apuramento do lucro tributável da C… e que visam reflectir, para efeitos fiscais, o montante das depreciações que deixaram de ser praticadas em resultado daquela reavaliação negativa».

38. «O primeiro destes ajustamentos visa reflectir fiscalmente o montante das depreciações que seriam aceites no exercício de 2011, nos termos do n.º4 do artigo 35.º do Código do IRC, caso não tivesse sida reconhecida aquela perda por imparidade», ascendendo à importância de €2.154.563,48».

39. «O segundo ajustamento visa o reconhecimento fiscal dos montantes que não puderam ser recuperados até 2009 (inclusive), pelo facto de o regime fiscal em vigor até àquela data não permitir a recuperação, para efeitos fiscais, da perda por imparidade reconhecida em exercícios anteriores».

40. «Assim, e na medida em que a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º159/2009, de 13 de Julho, determinou uma alteração do regime fiscal aplicável à situação em apreço, a reclamante considera que poderá recuperar, a título de ajustamento de transição, a parcela de depreciações que teria considerada fiscalmente relevante em exercícios anteriores se o novo regime fiscal lhes tivesse sido aplicável».

41. «Apesar de não se ter verificado, no caso concreto, qualquer variação patrimonial na esfera da C… aquando da transição para o novo normativo contabilístico, é certo que o enquadramento fiscal associado a esta realidade se alterou (...) e à semelhança do que sucedeu relativamente a outras realidades, a alteração do enquadramento fiscal associado a esta realidade deverá ter associado um ajustamento fiscal que permita reconhecer, em partes iguais durante um período de 5 anos (de 2010 a 2015), a perda por imparidade que teria sido aceite até ao exercido de 2009, caso fosse aplicável o novo regime fiscal atribuído a esta realidade».

42. «Quanto ao valor total a reconhecer pela C… a este título entre 2010 e 2015, o mesmo ascende a € 34.472.953,09».

43. «Este montante corresponde ao valor das depreciações de exercícios anteriores que teriam sido praticadas sobre o valor de aquisição (€ 157.041.867,92) deduzida das depreciações de exercícios anteriores sobre o valor reavaliado (€113.598.626,86) e da parcela daquela diferença que já foi aceite para efeitos fiscais até 31 de Dezembro de 1993 (€8.970.287,97)».

44. «Este montante corresponde igualmente, de um modo geral, ao valor da perda por imparidade que poderia ter sido recuperada em cada ano (€2.154.563, 48), durante 16 anos (entre 1994 e 2009, inclusive)».

45. Por fim, salienta a reclamante que «no âmbito do apuramento dos valores associados a esta realidade, a Reclamante verificou que, com referência ao exercício de 2011, o valor acrescido pela C… a título de aumento das depreciações resultantes da reavaliação dos seus activos ao abrigo da Lei n.º 36/91 e do Decreto-lei n.º 22/92, se encontrava influenciado pelo decréscimo das depreciações associadas aos elementos do activo cuja reavaliação (...) resultou numa redução do seu valor».

46. «Com efeito, o apuramento do valor a ajustar no campo 720 foi efectuado pela C… tendo por referência a fórmula que consta dos mapas de modelo oficial de elementos do activo reavaliados (neste caso o mapa com a identificação 33.12E) e que corresponde à aplicação de uma percentagem de 40% sobre a diferença entre o somatório da coluna 15 (reintegrações que são aceites na totalidade) e da coluna 12 (reintegrações praticadas no exercido)».

47. «Ora, o montante considerado em cada linha na coluna 15 corresponde à multiplicação da taxa de depreciação praticada no exercício pelo valor de aquisição histórico, o que implica, no caso de bens reavaliados negativamente, que se obtenha um valor na coluna 15 superior àquele que consta da coluna 12».

48. «De onde resulta que, por apurar o valor a acrescer no campo 720 através da diferença entre as colunas 15 e 12, a C… considerou já como fiscalmente dedutíveis 40% das depreciações que deixaram de ser praticadas pelo facto de se ter procedido à reavaliação negativa daqueles bens».

49. «Ou seja, o valor acrescido pela reclamante foi inferior àquele que deveria ter sido efectuado numa parcela correspondente a 40% das depreciações que teriam sido praticadas caso aqueles bens não tivessem sido reavaliadas negativamente».

50. «Ora, uma vez que o disposto na alínea a) do n.º2 do artigo 15.º do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009 se aplica às situações em que ocorra um aumento das depreciações em resultado da reavaliação, e na medida em que a Reclamante se encontra a solicitar o ajustamento devido relativamente às reavaliações negativas (o qual ascende, com referência ao exercício de 2011, a €2.154.563,48) o ajustamento a efectuar no campo 720 do quadro 07 (com referência ao mapa 33.12E) deverá ascender a € 7.020.945,46».

51. «Daqui resulta uma correcção a favor do Estado no montante de € 861.825,39 (€ 7.020.945,46 -6.159.120,11) (...)».

52. «Refira-se adicionalmente que, em face desta constatação, a reclamante considera que, até 2009, o valor das depreciações ajustadas pela C… para efeitos do apuramento do seu lucro tributável, em resultado do acréscimo de depreciações decorrentes de reavaliações (positivas) ao abrigo de diplomas legais, se encontrava, igualmente, negativamente influenciado pela existência destas reavaliações negativas (...)».

53. «Assim, e no que se refere ao ajustamento de transição a que a reclamante se referiu anteriormente, a mesma apenas pretende solicitar que seja reconhecida a seu favor a parcela que não foi ainda reconhecida em exercícios passados, a qual corresponde a 60% do montante por si inicialmente apurado».

54. «Ou seja, a reclamante pretende que seja reconhecida a seu favor um ajustamento de transição no montante total de €20.683.771,85 (€34.472.953,09 x 60%), do qual o montante de €4.136.754,37 (€20.683.771,85/5) deverá ser reconhecido com referência ao exercido de 2011».

55. Por fim, saliente-se ainda que a Reclamante, através de requerimento entrado a 18.03.2015, veio juntar uma decisão proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no âmbito do processo n.º 630/2014-T, alegando o seu interesse e utilidade para a apreciação da presente reclamação, na medida em que versa sobre a mesma matéria.

 

§ IV.I.I.II. Da apreciação

 

A – Ajustamento ao lucro tributável da C…, a favor do Estado, no montante de € 8.288,51

(...)

B – Restantes Ajustamentos:

B1 – Ajustamento nos termos do artigo 35.º, n.º 4 do CIRC

61. Como acima ficou expresso, a Reclamante pretende aplicar, no exercício de 2011, o regime previsto no artigo 35.º, n.º 4 do CIRC a uma alegada perda por imparidade sofrida aquando da reavaliação dos activos, efectuada em 1994, no âmbito do processo de reprivatização do Grupo D….

62. Sendo que, relativamente ao exercício de 2010, o CAAD decidiu no sentido ora pretendido pela Reclamante, portanto, admitindo a aplicação do aludido regime à matéria em apreço.

63. Para decidir nesse sentido, o acórdão começa por fazer alusão ao regime das reintegrações e amortizações em vigor até ao ano de 2010, destacando a possibilidade legal das amortizações excessivas poderem ser aceites como custos dos exercícios seguintes.

(...)

75. Baseado neste percurso argumentativo, o acórdão conclui no sentido de que a autoliquidação efectuada pela requerente relativamente ao ano de 2010 enferma de erro ao não incluir referência às perdas por imparidade contabilizadas em exercícios anteriores resultantes de reavaliação.

***

76. Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão da presente reclamação, os factos infra indicados:

 

• Através do Decreto-Lei n.º 7/91, foi alterada a natureza jurídica da E…, convertendo-se numa pessoa colectiva de direito privado, com o estatuto de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos.

• Determinou-se no referido diploma legal que a E… iria proceder por meio de cisões à formação de novas sociedades anónimas.

• Por via do Decreto-lei 131/94, procedeu-se à regulamentação desse processo de cisões de que a E… seria objecto e no âmbito seria constituída a ora Reclamante,

• Para efeitos de constituição das novas sociedades anónimas, mormente do seu capital, e conforme determinação legal, em 1994 a E… procedeu a uma reavaliação do seu património.

• Essa reavaliação foi efectuada ao abrigo do Decreto-lei n.º 22/92, de 14.02, conjugado com o disposto no n.º 4 da Lei n.º 36/91, de 27.07.

• A avaliação a que esses activos foram sujeitos ainda na esfera da E…, entre as reavaliações para menos (negativas) e reavaliações para mais (positivas), determinou uma variação patrimonial líquida positiva no montante de 31.666.263.000$00.

• Essa variação patrimonial líquida positiva não foi considerada fiscalmente relevante no apuramento do lucro tributável da E… no exercício de 1994.

• Da mesma forma, a variação patrimonial negativa não foi considerada fiscalmente relevante no apuramento do lucro tributável da E… no exercício de 1994.

A transferência dos activos da E… para a Reclamante foi sempre efectuada sem qualquer alteração no valor contabilístico e fiscal daqueles activos, sendo o seu valor aquele resultou da avaliação feita na esfera da E….

Em 2006, no âmbito da alteração da estrutura empresarial do sector energético, foi legalmente determinado a constituição da actual C…, por cisão da ora Reclamante, devendo o capital social daquela ser constituído através do destaque de activos e passivos associados à concessão de exploração da rede de transporte de electricidade.

• De acordo com os dados apresentados pela Reclamante, os activos que foram destacados para efeitos de constituição do capital da C… e que haviam sido objecto de reavaliação negativa por altura do processo de privatização da E…, sofreram, aquando dessa avaliação, uma desvalorização na importância global de € 55.640.444,87.

• No apuramento do valor a ajustar no campo 720 da Dec. Mod. 22 IRC, a C… tem levado em conta a diferença entre as depreciações sobre o valor reavaliado e valor de aquisição de activos objecto de revalorização negativa, quando, em termos legais, tal valor deveria apenas corresponder a 40% das diferenças entre a depreciação sobre o valor reavaliado e a sobre o valor de aquisição de activos objecto de revalorização positiva (vide art. 15.º, n.º 2, do D.R. 25/2009, de 14.09).

• Com a adopção de tal procedimento, a C…, até ao período de 2009, inclusive, já deduziu fiscalmente uma parte da diferença entre o custo de aquisição e o valor das reavaliações negativas de que determinados activos foram objecto, concretamente, o montante de € 13.789.181,23 (34.472.953,09*40%).

• Com referência ao exercício de 2011, o valor acrescido pela C…, a título de aumento das depreciações resultantes da reavaliação dos seus activos ao abrigo da Lei n.º 36/91 e do Decreto-lei n.º 22/92, encontra-se igualmente influenciado negativamente, pela aplicação do procedimento de cálculo do valor a acrescer no campo 720 da Q07 da Mod. 22 IRC de que acima demos conta.

77. Não se considerou provado, por ausência de prova documental nesse sentido, os seguintes factos:

• Que a E…, na sequência do processo de reavaliação dos seus activos, tivesse reconhecido contabilisticamente qualquer «perda por imparidade» (amortização extraordinária, na terminologia do POC) relativamente aos activos objecto de reavaliação negativa.

• Que a C…, aquando da introdução no seu balanço de activos e passivos associados à concessão de exploração da rede de transporte de electricidade destacados do património da ora Reclamante, tivesse reconhecido contabilisticamente qualquer «perda por imparidade» (amortização extraordinária, na terminologia do POC).

***

78. Analisada a argumentação apresentada pela Reclamante, considera-se que esta se consubstancia apenas na subsunção das desvalorizações sofridas por alguns activos aquando da reavaliação legal no conceito de imparidade e, acto contínuo, na aplicação da disposição contida no n.º 4, do artigo 35.ºdo IRC, na redacção de 2011.

79. Sem prejuízo das questões ligadas à aplicação retroactiva da lei que esta posição encerra, saliente-se, desde já, que o n.º 4 do artigo 35.º do CIRC apenas se poderá aplicar às perdas por imparidade reflectidas como tal na contabilidade das entidades, o que, no presente caso, não se encontra demonstrado.

80. Logo, essas desvalorizações nunca poderiam ser aceites fiscalmente ao abrigo do n.º 4 do art 35.º do CIRC.

***

81. Sobre a matéria em apreço já foi proferida uma decisão pelo CAAD no âmbito do processo n.º 630/2014-T, a qual validou a aplicação do referido artigo à situação acima elencada.

82. Face a isto, entendemos que se impõe uma avaliação dos argumentos apresentados no acórdão com vista a apreciar se os mesmos possuem valor jurídico suficiente para constituir um ponto de referência na decisão a proferir sobre a matéria em apreço.

83. Comecemos por referir que um dos pilares argumentativos estabelecido no acórdão consiste na equiparação, para efeitos legais, da figura das amortizações excessivas prevista no art. 21.º do D.R. 2/90 – que permitia a dedução fiscal em exercícios posteriores de amortizações não aceites por excederem as quotas máximas permitidas – com a figura das desvalorizações sofridas nos activos aquando da reavaliação legal.

84. Com efeito, conforme acima se transcreveu no ponto 68, 69 e 71, o acórdão sustenta que as desvalorizações sofridas nos activos por força da reavaliação legal não perderam o direito de assumir relevância fiscal, uma vez que essas perdas poderiam ter sido deduzidas fiscalmente através do regime de depreciação que vinha sendo aplicado aos activos em causa, à semelhança do que sucedia não apenas com amortizações excessivas decorrentes da adopção de vidas úteis inferiores ao período mínimo definido na lei (artigo 21.º do D.R. 2/90, de 12.01), mas também com as desvalorizações excepcionais cuja dedução não tivesse sido requerida ou o fosse intempestivamente à Administração Tributária.

85. Esta ideia assume grande importância na estrutura e encadeamento lógico do bloco argumentativo constante do referido aresto, assumindo-se como uma proposição essencial de cuja validade dependem outras razões ali apontadas para sustentar a aplicabilidade do n.º 4, do artigo 35.º do CIRC, na redacção de 2010, às desvalorizações decorrentes de reavaliação legal.

86. Na verdade, este é o argumento decisivo para que no acórdão se considere que a aplicação do artigo 35.º, n.º 4 do CIRC, na redacção de 2011, às desvalorizações decorrentes de reavaliação legal, verificadas em 1994 na esfera da E…, não encerra um caso de aplicação retroactiva da lei proibida ao nível fiscal.

87. Em consonância com o exposto, refere-se no acórdão, com o propósito de afastar qualquer dúvida quanto à possibilidade de tal aplicação configurar um caso de retroactividade proibida pela lei fiscal, que «a aplicação do regime do artigo 35.º, n.º 4, não significa o renascimento de um direito que tivesse sido perdido anteriormente», na medida em que «pelo facto de não ter sido requerida em 1994 a relevância fiscal das desvalorizações resultantes de reavaliação não se extinguiu a direito de a requerente obter essa relevância como custos nos exercícios seguintes, o que era permitido pelo artigo 21.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90».

88. Portanto, segundo o acórdão, o facto de estarmos perante uma situação em que a possibilidade de produção de efeitos fiscais ainda não se esgotou, conclusão que resulta da equiparação das desvalorizações resultantes da reavaliação legal com as situações de amortização excessiva (amortizações excessivas decorrentes da adopção de vidas úteis inferiores ao período mínimo definido na lei e desvalorizações excepcionais), afasta do horizonte qualquer cenário da aplicação retroactiva do artigo 35, n.º 4 do CIRC em moldes não aceites pelo ordenamento jurídico vigentes.

89. Na falta deste argumento, seríamos levados a considerar que os eventuais efeitos das desvalorizações dos activos resultantes de reavaliação legal se limitariam temporalmente ao ano de 1994, data da reavaliação, considerando-se, desta forma, que a aplicação do artigo 35, n.º 4 do CIRC que a elas fosse efectuada comportava uma aplicação retroactiva da lei fiscal não aceite pelo ordenamento jurídico.

90. Evidenciada a importância que o referido argumento desempenha na argumentação desenvolvida no acórdão, mostra-se agora relevante averiguar a sua validade.

91. Portanto, a questão que cumpre apreciar é a de saber se as desvalorizações dos activos resultantes de reavaliação legal podiam assumir relevância fiscal desde a data em que ocorreram até ao presente momento, por via da aplicação do regime das amortizações e depreciações que vinha sendo aplicado a esses activos, à semelhança do que, segundo o acórdão, ocorre no caso das (i) amortizações excessivas decorrentes da adopção de vidas úteis inferiores ao período mínimo definido na lei e das (ii) desvalorizações excepcionais.

92. Como decorre do que se vem referindo, as desvalorizações em causa resultaram de avaliações do activo imobilizado da E… efectuadas no âmbito do respectivo processo de privatização.

93. Ao valor dos activos definido por essa avaliação, foi atribuída relevância fiscal pela Lei n.º 36/91, de 27 de Julho, que, no n.º 1 do seu artigo 4.º, determinou que «as empresas objecto de privatização podem considerar o valor dos elementos do activo imobilizado resultante das avaliações elaboradas pelas entidades habilitadas para efeitos dos processos de privatização como válido para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 29 do Código do IRC (...)».

94. Por sua vez, o Decreto-Lei 22/92, de 14 de Fevereiro, que veio regulamentar o regime estabelecido no artigo 4.º da Lei n.º 36/91, de 27 de Julho, dispunha, no n.º 1 do artigo 5.º, que «o regime fiscal das reintegrações dos elementos reavaliados ao abrigo da Lei n.º 36/91, de 27 de Julho, regula-se pelas disposições sobre reintegrações e amortizações do Código do IRC e do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro», referindo o n.º3 do aludido artigo que «os reintegrações dos elementos do activo imobilizado poderão calcular-se sobre os valores resultantes de reavaliação a partir do exercício de 1991, inclusive»,

95. Uma das vantagens associadas às operações de reavaliação dos bens do activo imobilizado corpóreo traduzia-se na obtenção de claras vantagens fiscais por via do acréscimo de amortizações, a que as empresas, no entanto, só poderiam tirar partido se apresentassem lucros aos quais pudessem imputar as amortizações suplementares.

96. Dado que a reavaliação dos activos que foram transferidos da E… para a C…, entre as reavaliações para menos (negativas) e reavaliações para mais (positivas), determinou uma variação patrimonial líquida positiva no montante de 31.666.263.000$00, é notória a vantagem fiscal de que beneficiou a C… por via do acréscimo de amortizações.

97. Naturalmente que a obtenção do acréscimo das amortizações na esfera da C… decorreu da aplicação do regime das reintegrações dos elementos do activo imobilizado sobre os valores positivos resultantes de reavaliação, em consonância com o disposto no n.º 1 do seu artigo 4.º da Lei n.º 36/91, de 27 de Julho e n.os 1 e 3 do artigo 5.º do Decreto-Lei 22/92, de 14 de Fevereiro.

98. Note-se que, conforme decorre do texto dos citados artigos, a aplicação do regime das reintegrações dos elementos do activo imobilizado sobre os valores resultantes de reavaliação constituía uma opção das empresas objecto de privatização, nesse sentido apontando a expressões «podem considerar o valor (...) para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º do Código do IRC» e «as reintegrações dos elementos do activo (...) poderão calcular-se sobre os valores resultantes de reavaliação (...)».

99. De modo que, se o resultado global da reavaliação não determinasse uma variação patrimonial líquida positiva, com a inerente vantagem fiscal, as empresas sempre poderiam continuar a amortizar o activo imobilizado com base nos respectivos valores anteriores à reavaliação.

100. Como decorre das citadas disposições legais, a opção a tomar sobre qual o valor dos activos reavaliados a ter em consideração para efeitos de aplicação do regime das reintegrações e amortizações, se o valor anterior ou posterior à reavaliação legal, teria que ser global, abrangendo quer as reavaliações de activos positivas, quer as negativas.

101. Portanto, optando a empresa pelo valor resultante da reavaliação, seguir-se-ia que as amortizações, quer dos activos objecto de reavaliação positiva, quer negativa, passariam a ser calculadas com base nesses novos valores, o que implicaria, no caso da positiva, um aumento das amortizações e, no da negativa, a sua diminuição face àquelas que se obteriam com base nos valores anteriores à reavaliação.

102. Como é óbvio, não seria legítimo optar apenas pelos valores reavaliados nos casos em que tal reavaliação tivesse sido positiva, continuando, relativamente aos activos objecto de reavaliação negativa, a proceder à sua amortização com base nos valores anteriores à reavaliação.

103. Sendo este o sentido que podemos retirar do disposto no n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 36/91, de 27 de Julho e n.os 1 e 3 do artigo 5.º do Decreto-Lei 22/92, de 14 de Fevereiro, é certo, no entanto, que o mesmo colide frontalmente com a posição assumida no acórdão, pois, segundo este, era possível amortizar as desvalorizações de valor sofridas pelos activos objecto de revalorização negativa

104. O que, em termos práticos, equivale a dizer que, segundo a decisão do CAAD, era possível continuar a amortizar os referidos activos com base no valor escriturado anteriormente à reavaliação.

105. Porém, como acima vimos, a argumentação tecida no aresto para chegar a essa conclusão não provém de uma diferente interpretação sobre o disposto na Lei n.º 36/91, de 27 de Julho.

106. Na realidade, o aresto quando aborda o disposto na Lei n.º 36/91 chega a conclusão semelhante à defendida nesta informação.

107. Com efeito, é nele referido que «no específico caso das reavaliações efectuadas no âmbito dos processos de privatização, é a própria Lei n.º 36/91 de 27 de Julho, que determina expressamente a sua relevância fiscal, estabelecendo o n.º 1 do seu n.º 4, que as empresas objecto de privatização podem considerar o valor dos elementos do activo imobilizado resultante das avaliações elaboradas pelas entidades habilitadas para efeitos dos processos de privatização como válido para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 29 do Código do IRC. (...) Isto é, a relevância fiscal que foi permitida às reavaliações realizadas em processos de privatização, foi apenas esta de considerar o valor resultante da reavaliação «para efeitos de aplicação do método das quotas constantes».

108. Ao invés, e como deixámos bem vincado, a origem da posição defendida no acórdão reside no entendimento de que as desvalorizações sofridas nos activos aquando da reavaliação legal não perderam o direito de assumir relevância fiscal, uma vez que essas perdas poderiam ter sido deduzidas fiscalmente através do regime de depreciação que vinha sendo aplicado aos activos em causa, à semelhança do que sucedia não apenas com as amortizações excessivas decorrentes da adopção de vidas úteis inferiores ao período mínimo definido na lei (artigo 21.º do D.R, 2/90, de 12.01), mas também com as desvalorizações excepcionais cuja dedução não tivesse sido requerida ou o fosse intempestivamente à Administração Tributária.

109. Sendo esse o entendimento que importa agora examinar quanto ao seu acerto e validade, analise-se, então, o regime das amortizações e reintegrações que vigorou até 2010.

110. Ora, as amortizações e reintegrações são o processo contabilístico de distribuir, de forma racional e sistemática, o custo de um activo que se deprecia pelos diferentes exercícios abrangidos pela sua vida útil, sendo apenas aceites quando contabilizadas como custos ou perdas do exercício a que respeitam.

111. As quotas de amortização ou reintegração eram, na vigência do D.R. n.º 2/90, calculadas com base:

a) No custo de aquisição ou custo de produção, consoante se trate, respectivamente, de elementos adquiridos a terceiros a título oneroso ou de elementos fabricados ou construídos pela própria empresa;

b) No valor resultante de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal;

c) No valor real, à data da abertura de escrita, para os bens objecto de avaliação para este efeito, quando não seja conhecido o custo de aquisição ou o custo de produção, podendo esse valor ser objecto de correcção, para efeitos fiscais, quando se considere excedido.

112. Traduzindo a quota de amortização o custo imputável à depreciação dos bens em razão da sua afectação ao processo produtivo num exercício, o período de vida útil será o tempo durante o qual se espera que um activo esteja disponível para uso, impondo-lhe a lei fiscal restrições, «o que se compreende até para evitar que os sujeitos passivos optem por períodos de amortização excessivamente curtos em ordem a antecipar o efeito da consideração fiscal destes custos».

113. O D.R. n.º 2/90 determinava qual o período de vida útil a ser considerado, através da indicação da taxa a aplicar ao valor amortizável (definido, como se viu, no n.º1 do art. 2 deste diploma) «para se obter o valor da quota de amortização (o custo que, a tal título, deve ser considerado em cada exercício)».

114. Importa ainda referir que, no âmbito do DR n.º 2/90, de 12.01, as reintegrações e amortizações só eram aceites quando contabilizadas como custos ou perdas do exercício a que respeitam (n.º 3 do art. 1.º do D.R. n.º 2/90, de 12.01)

115. Por outro lado, as reintegrações e amortizações que não fossem consideradas como custos ou perdas do exercício em que foram contabilizadas por excederem as importâncias máximas admitidas poderiam ser tomadas como custos ou perdas de exercícios seguintes, com observância das demais disposições deste decreto regulamentar, desde que se efectue a adequada regularização contabilística.

116. Estamos aqui, como é bem referido na sentença, na presença de situações em que contabilisticamente a amortização do activo imobilizado é feita durante um período de vida útil inferior ao decorrente do regime fiscal, determinando que as amortizações registadas contabilisticamente em cada exercício excedessem as permitidas fiscalmente.

117. Apesar do excesso das amortizações dever ser acrescido para efeitos do apuramento do resultado tributável do exercício em que ocorreu, era conferida a possibilidade de se operar a sua dedução em exercícios posteriores, desde que salvaguardado o período de vida útil do bem fixado na lei e os limites das quotas de reintegração,

118. Outro caso em que a lei fiscal aceitava que o valor da depreciação pudesse ser superior ao da quota de amortização máxima que, em regra, seria possível considerar em cada exercício era a figura da desvalorização excepcional de um bem motivada, nomeadamente, por desastres, fenómenos naturais e inovações técnicas extremamente rápidas.

119. A respeito das desvalorizações excepcionais, a lei impunha a necessidade da sua aceitação por parte da Administração Fiscal para que o custo de amortização, fiscalmente relevante, correspondesse ao custo real suportado pela empresa.

120. O acórdão refere que, na falta dessa aceitação por falta ou extemporaneidade do respectivo pedido, apenas se tornava inviável que «desvalorização excepcional fosse considerada custo, pela sua totalidade, no exercido em que tinha ocorrido (...) não hav[endo] obstáculo na lei fiscal à possibilidade de reintegração e amortização dos bens que tinham sofrido desvalorização excepcional com aplicação das quotas que resultavam do regime que vinha sendo aplicado antes de ela ocorrer».

121. Percebe-se, assim, que a semelhança que o acórdão pretende destacar entre, por um lado, as amortizações extraordinárias alegadamente registadas pelo sujeito passivo na sequência da desvalorização dos activos por força da reavaliação legal, e, por outro, as amortizações excessivas e as desvalorizações excepcionais, se traduz no facto de em ambos os casos se registar uma amortização superior àquela que no exercício poderia ser aceite fiscalmente.

122. Assim, entende-se no acórdão que, se nos casos das amortizações excessivas e das desvalorizações excepcionais não aceites pela Administração Tributária a lei permite a sua dedução fiscal nos exercícios posteriores, respeitados que sejam determinados condicionalismos, por maioria de razão será de permitir a aplicação do mesmo regime às referidas amortizações extraordinárias.

123. Pois, no entendimento do aresto, em ambos os casos estamos perante o registo de amortizações superiores àquelas que no exercício poderia ser aceite fiscalmente, não havendo razões para afastar a aplicação às amortizações extraordinárias do regime vigente para as amortizações excessivas e desvalorizações excepcionais não aceites pela Administração Fiscal.

124. É correcta esta equiparação de figuras e respectivos regimes realizada no acórdão? Entendemos que não, conforme se passa a demonstrar.

125. Em primeiro lugar, não obstante ser claro que o regime do art. 21.º do D.R. 2/90 permitia que as reintegrações e amortizações que não fossem consideradas como custos ou perdas do exercício em que foram contabilizadas, por excederem as importâncias máximas admitidas, poderiam ser tomadas como custos ou perdas de exercícios seguintes, o mesmo já não sucedia com o caso das desvalorizações excepcionais.

126. Como é bem de ver, a falta de aceitação fiscal das desvalorizações excepcionais registadas contabilisticamente, seja por indeferimento da Administração Tributária, seja por falta ou extemporaneidade do respectivo pedido, acarretava a impossibilidade de dedução futura dessas perdas, na medida em que as reintegrações e amortizações passavam a ser efectuadas sobre o valor contabilístico resultante dessa desvalorização.

127. Contra esta posição de nada vale o argumento no sentido de que o art. 21 do D.R. 2/90 poderia permitir a dedutibilidade da perda provocada pela desvalorização excepcional nos exercícios futuros, dado que a previsão do referido dispositivo respeitava unicamente as reintegrações e amortizações periodicamente contabilizadas cujo montante excedesse as quotas máximas permitidas e não a amortizações excepcionais decorrentes de eventos com carácter de anormalidade.

128. Na verdade, cumpridos os formalismos do aludido artigo 21.º do D.R. 2/90 – e desde que se salvaguardasse o período de vida útil do bem fixado na lei, assim como os limites das quotas de amortização e reintegração -, era possível relevar fiscalmente nos exercícios futuros a parte do valor da amortização não aceite anteriormente por ultrapassar o valor máximo das quotas de amortização.

129. Contudo, no caso das desvalorizações excepcionais previstas no art. 10.º do D.R. 2/90, não estávamos na presença de situações de imputação periódica e sistemática do custo de um activo que se deprecia ao longo dos exercícios que compõem a sua vida útil, ainda que superior às quotas máximas fixadas legalmente.

130. A impossibilidade da obtenção de relevância fiscal da desvalorização excepcional resultava, isso sim, da sua falta de aceitação por parte da Administração Fiscal ou da falta ou extemporaneidade do respectivo pedido.

131. Em defesa da posição que vimos sufragando, podemos também indicar as conclusões tecidas no relatório sobre o impacto da adopção das normas Internacionais de contabilidade, elaborado pelo grupo de trabalho criado por despacho de 23.01.2006 do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais sobre a IAS 16

132. Na análise efectuada ao impacto fiscal da IAS 16 Activos Fixos Tangíveis são propostas alterações ao regime das depreciações e das desvalorizações excepcionais, sendo ambas as matérias tratadas de forma distinta e separada.

133. Acresce que, a propósito do regime das imparidades dos activos fixos tangíveis, se recomendou que «relativamente às perdas por imparidade que não sejam fiscalmente aceites, entendeu-se que as depreciações baseadas no modelo do custo que deixem de ser registadas contabilisticamente por causa do reconhecimento anterior daquela perda deverão, no entanto, ser aceites para efeitos fiscais».

134. Desta proposta pode retirar-se que no regime do CIRC, que vigorou até 01.01.2010, não estava prevista a possibilidade de recuperação fiscal das depreciações que deixassem de ser contabilizadas em virtude do reconhecimento de uma perda por imparidade não aceite como desvalorização excepcional, situação que se alterou com o novo artigo 35.º, n.º 4 do CIRC, na redacção dada pelo D.L. n.º 159/2009, de 13 de Julho.

135. Em suma, o Código do IRC, na versão que vigorou até 31.12.2009, não aceitava a dedutibilidade fiscal de amortizações extraordinárias (ou perdas por imparidade na terminologia SNC) que não fossem aceites como desvalorizações excepcionais, ficando, deste modo prejudicada a possibilidade de dedução futura dessas perdas, mesmo que através do regime de reintegrações e amortizações que viesse sendo praticado sobre esses activos.

136. Fazendo a ponte entre o que se acabou de dizer e a questão em exame, podemos afirmar com segurança que, à luz da redacção do CIRC vigente até 2010, não era possível recuperar fiscalmente em exercícios posteriores, seguindo o regime da depreciações a amortizações que vinha sendo praticado, as desvalorizações excepcionais não aceites fiscalmente, seja por indeferimento do respectivo pedido, seja por falta ou extemporaneidade do mesmo.

137. Se não era atribuída relevância fiscal às referidas desvalorizações excepcionais não aceites fiscalmente, por maioria de razão também não o seria relativamente às amortizações extraordinárias decorrentes da sobredita reavaliação legal.

138. Desta forma, ao contrário do referido no aresto, os efeitos das amortizações extraordinárias alegadamente registadas na sequência da reavaliação legal não se estenderam aos exercícios futuros, limitando-se, ao invés, ao período de 1994.

139. Por conseguinte, e colocando-nos na linha de raciocínio seguida no acórdão, tendo o facto tributário ocorrido por inteiro ao abrigo da lei antiga e sendo ao abrigo desta que produziu todos os seus efeitos, deverá considerar-se que qualquer aplicação que se lhe faça do artigo 35, n.º 4 do CIRC (na redacção vigente em 2011) sempre comportará uma aplicação retroactiva da lei fiscal não aceite pelo ordenamento jurídico.

***

140. Caso assim não se entenda, o que se admite por mera hipótese académica, haverá ainda que considerar o argumento de que existe uma diferença fundamental entre a figura das amortizações extraordinárias, alegadamente registadas contabilisticamente na sequência da desvalorização dos activos por força da reavaliação legal, e a figura das amortizações excessivas e das desvalorizações excepcionais, que impede a aplicação àquela do regime legal que o acórdão propõe para estas.

141. Com efeito, mesmo que se aceitasse a dedutibilidade fiscal em exercícios seguintes, não só das amortizações excessivas previstas no art. 21.º do D. R. 2/90, mas também das desvalorizações excepcionais não autorizadas pela Administração Fiscal ou cujo pedido fosse extemporâneo, tal facto não poderia pôr em causa um princípio fundamental vigente em matéria de depreciações.

142. Este princípio traduz-se na premissa de que o valor total das amortizações relevadas fiscalmente ao longo do período de vida útil do bem não pode ser superior ao valor do activo imobilizado aceite fiscalmente para efeitos de aplicação do regime de amortizações e reintegrações.

143. Assim, quer no caso das amortizações excessivas decorrentes da adopção de um período de vida útil inferior ao decorrente da lei fiscal, quer no das desvalorizações excepcionais que não tivessem sido aceites pela Administração Tributária, a importância dedutível como custo ao longo da sua vida útil nunca poderia exceder o custo de aquisição, ou o custo de produção do bem, ou ainda o valor resultante de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal.

144. Esta regra retira-se claramente do disposto quer do n.º 1 do art. 2.º, quer do n.º 1 do art. 3.º, ambos do DR. 2/90.

145. Se a lei fiscal determina que as amortizações se efectuarão sobre o custo histórico do bem ou sobre o valor que resulta da sua reavaliação fiscal, seria ilógico aceitar que, atingido o termo do período de vida útil do bem, o valor de amortizações acumuladas excedesse o valor do bem aceite para efeitos do cálculo destas.

146. Assim sendo, a admitir-se, no caso das amortizações extraordinárias alegadamente registadas na sequência da desvalorização dos activos por força da reavaliação legal, a aplicação do regime das amortizações e reintegrações não só ao valor resultante da reavaliação legal, mas também ao valor da desvalorização sofrida, obteríamos, ao longo da sua vida útil, uma importância dedutível como custo superior ao valor resultante de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal.

147. Em termos concretos, tudo se passaria como se, não obstante a reavaliação legal, tais activos continuassem a ser amortizados pelo valor anterior a essa reavaliação.

148. Representando esta situação uma clara violação quer do disposto n.º1 do art. 2.º do DR. 2/90, quer do disposto na Lei n.º 36/91, de 27 de Julho.

149. Desta forma, é evidente que a Reclamante nunca poderia relevar fiscalmente as desvalorizações resultantes de reavaliação, através da sua amortização nos exercícios seguintes, segundo o regime de amortização que vinha sendo praticado (art. 21.º do DR n.º 2/90),

150. O aresto, ao defender posição contrária, não soube analisar devidamente a questão, descurando princípios e dispositivos legais que apontavam para uma decisão em sentido diverso, enfermando assim do vício de errada interpretação e aplicação de lei.

151. Como acima se destacou, o argumento que vimos de analisar assumia grande importância na estrutura e encadeamento lógico do bloco argumentativo constante do referido aresto, pois, não fosse esse argumento, sempre se consideraria que a aplicação do artigo 35.º, n.º 4 do CIRC (na redacção vidente em 2011), às desvalorizações decorrentes de reavaliação legal verificadas em 1994 comportaria um caso de retroactividade a um nível não aceite pelo ordenamento jurídico.

152. Demonstrada a invalidade deste argumento, considera-se que os eventuais efeitos das desvalorizações dos activos resultantes de reavaliação legal se limitaram temporalmente ao ano de 1994, não se lhe podendo aplicar o artigo 35.º, n.º 4 do CIRC.

153. Em todo caso, mesmo que se entendesse em sentido inverso, isto é, que o art. 35.º n.º 4 do CIRC poderia ser aplicável a situações verificadas ao abrigo da lei anterior, quer ao nível da ocorrência, quer de produção de efeitos, até nessa hipótese não seria possível atribuir relevância fiscal às desvalorizações originadas pela reavaliação legal.

154. Em conformidade com o referido nos pontos anteriores, uma das premissas basilares do regime das amortizações e depreciações é a de que a importância dedutível como gastos nunca poderá exceder o custo histórico dos activos fixos tangíveis, seja essa dedução efectuada via depreciação, seja pelo reconhecimento de uma perda por imparidade.

155. Daqui decorre que, para efeitos fiscais, qualquer imparidade verificada num activo apenas determinará uma perda no valor que nos termos da lei fiscal é aceite para efeitos de cálculo das suas quotas máximas de depreciação.

156. Como a valorimetria dos elementos do activo é efectuada de acordo com o seu custo de aquisição ou de produção, ou ainda de acordo com o valor resultante de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal, não é legalmente admissível a dedução como gasto de uma perda por imparidade ocorrida num activo valorizado segundo critérios não aceites pela lei fiscal.

157. Deste modo, admitindo-se a aplicação do regime previsto no artigo 35.º, n.º 4 do CIRC às amortizações extraordinárias, alegadamente registadas contabilisticamente na sequência da desvalorização dos activos por força da reavaliação legal, obteríamos, ao longo da vida útil dos activos em causa, uma importância dedutível como custo superior ao valor resultante de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal.

158. Em termos concretos, tudo se passaria como se, não obstante a reavaliação legal, a valorimetria dos elementos do activo objecto de desvalorização continuasse a ser efectuada de acordo com o seu anterior custo de aquisição.

159. Enquanto a valorimetria dos activos objecto de valorização, em face da obtenção de vantagens fiscais por via do acréscimo de amortizações, seria efectuada de acordo com o valor da reavaliação legal.

160. Como é óbvio, esta representaria uma clara violação quer do disposto n.º 1 do art. 2.º do DR. 2/90, quer do disposto na Lei n.º 36/91, de 27 de Julho.

(...)

 

h)                 No dia 04-09-2015, a Requerente foi notificada, por intermédio do Ofício n.º …, de 02-09-2015, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, por despacho proferido na mesma data pelo Senhor Director da Unidade dos Grandes Contribuintes, que manifesta concordância com a Informação n.º …-…/2015, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

§ II.III. Reclamação da matéria considerada não provada

§ II.III.I. Dos argumentos da Reclamante

16. A respeito dos factos considerados não provados no ponto 77 do projecto de decisão, vem a Reclamante, em síntese, referir que:

• No que respeita à falta de prova da contabilização das amortizações extraordinária por parte da E…, entende que a prova desta matéria decorreria de outros factos considerados provados no projecto de decisão, concretamente «(i) a reavaliação do património da E… na sequência da imposição legal, (ii) o reconhecimento de uma variação patrimonial na esfera da E… em resultado daquela reavaliação, e (iii) a transferência dos activos da E… para a exponente e desta para a C… pelos seus valores contabilísticos».

Com efeito, entende a Reclamante que a consideração, como provados, dos factos atrás referidos implica necessariamente que se considere provado o registo contabilístico das amortizações extraordinárias ocorridas por força da reavaliação legal do património.

• No que se refere à falta de prova da contabilização de qualquer perda por imparidade pela C…, aquando da introdução no seu Balanço de activos destacados da Reclamante, refere-se no direito de audição que «o valor pelo qual os activos foram incluídos na balanço da Exponente foram os valores resultantes da reavaliação, pelo que a perda por imparidade reconhecida aquando da sua reavaliação ficou na esfera da E…, não tendo a mesma sido novamente reconhecida pela Exponente, nem tão pouco depois pela C…».

 

§ II.III.II. Da apreciação

17. Conforme foi referido em sede de projecto de decisão, «o n.º 4 do artigo 35.º do CIRC apenas se poderá aplicar às perdas por imparidade reflectidas com tal na contabilidade das entidades (...)».

18. De modo que, independentemente da questão da aplicabilidade de tal dispositivo legal à situação dos autos, sempre haveria que demonstrar o registo contabilístico das «amortizações extraordinárias», determinadas pela reavaliação legal do património da E….

19. Uma vez que estamos na presença de dados que a Reclamante deveria dispor e carrear para os presentes autos, a insuficiência probatória em causa terá que ser apreciada em seu desfavor.

20. Contra isto, refere a Reclamante que a consideração, como provados, dos factos referidos no ponto 76 do projecto de decisão implica necessariamente que se considere provado o registo contabilístico na esfera da E… das amortizações extraordinárias ocorridas por força da reavaliação legal do seu património.

21. Portanto, para a Reclamante estaríamos na presença de um facto notório, que se inferiria dos restantes factos considerados como provados.

22. Colocada a questão nestes termos, assinale-se que, de acordo com o artigo 72 º da LGT, «o órgão instrutor pode utilizar para conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento todos os meios de prova admitidos em direito».

23. Ora, os meios de prova admitidos em direito vêm indicados no Código de Processo Civil e Código Civil: prova documental, prova por confissão, prova pericial, prova por inspecção, prova testemunhal.

24. Sendo que no direito tributário existe ainda um outro meio de prova, que é constituído por informações oficiais, com o regime previsto no art 76.º, n.º 1, da LGT.

25. Por outro lado, nos termos do art.º 87.º, n.º 2, do CPA, os factos notórios e os que o órgão competente tenha conhecimento em virtude do exercício das suas funções não carecem de prova.

26. Não existem dúvidas de que nenhuma prova foi produzida pela Reclamante com vista à demonstração da realidade do facto em análise.

27. Por outro lado, não existe conhecimento de que exista qualquer informação oficial sobre este facto.

28. Por fim, não podemos considerar que o presente órgão instrutor devesse possuir conhecimento do facto em causa em virtude do exercício das suas funções ou que o mesmo seja de conhecimento geral, uma vez que estamos na presença de elementos que respeitam à contabilidade da E….

29. Desta forma, não é possível considerar o facto como notório, não se encontrando, assim, dispensada a respectiva prova.

30. Termos em que improcedem as alegações da Reclamante sobre esta matéria, mantendo-se o juízo de não provado sobre o facto em questão.

***

31. Relativamente ao outro facto considerado não provado no ponto 77 do projecto de decisão, refere expressamente a Reclamante que as amortizações extraordinárias decorrentes da reavaliação dos activos da E… não foram reconhecidas na sua contabilidade, nem na da C….

32. Estando-se na presença de factos pessoais ou de que a Reclamante deva ter conhecimento e uma vez que os mesmos são contrários ao seus interesses, pois a Reclamante pretende a aplicação do artigo 35.º, n.º 4 do CIRC à situação trazida aos autos, o qual exige a contabilização da perdas por imparidade, verifica-se, assim a prova, por confissão, de que as amortizações extraordinárias decorrentes da reavaliação dos activos da E… não foram reconhecidas na sua contabilidade, nem na da C….

 

§ II.IV. Ajustamento nos termos do artigo 35.º, n.º 4 do CIRC

§ II.IV.I. Dos argumentos da Reclamante

33. Contestando a fundamentação constante nos pontos 81 a 139 do projecto de decisão no sentido de indeferir o ajustamento requerido pela Reclamante nos termos do art.º 35.º, n.º 4 do CIRC, alega esta, após transcrever alguns excertos do projecto de decisão, que «a AT entende que amortizações extraordinárias são uma coisa, e desvalorizações excepcionais são outra coisa totalmente diferente».

34. De seguida, com a pretensão de «clarificar esta confusão», procede à caracterização das aludidas figuras, referindo que «não existiam, por uma lado, amortizações extraordinárias e, por outro lado, desvalorizações excepcionais, pelo que aquilo a que a AT queira chamar de amortização extraordinária, terá de ser aquilo a que se chama desvalorização excepcional, que não é outra coisa que não uma perda por imparidade, à luz do normativa contabilístico actual».

35. Prossegue, alegando que «terá que se concluir que aquilo que o normativo fiscal em vigor à data dos factos previa era que, no que respeita às amortizações extraordinárias que resultassem, nomeadamente, de desastres, fenómenos naturais (...), as mesmas pudessem, mediante requerimento a apresentar à Administração tributária, ser aceites no momento em que fosse reconhecida aquela amortização extraordinária/desvalorização excepcional»,

36. Reiterando o seu desiderato de «afastar de uma forma muito simples toda a confusão que a UGC pretende instalar sobre o enquadramento das desvalorizações excepcionais vs amortizações extraordinárias», alude a reclamante ao facto de que «as causas que conduziram ao reconhecimento da perda por imparidade associada aos activos da E… não se subsumia naquele conceito de desvalorizações excepcionais, porquanto não resultou de qualquer causa anormal (...)».

37. «Acresce que, no âmbito deste pedido, apenas se encontram abrangidos bens que em 2011, passados 17 anos da reavaliação, ainda se mantêm no activo (...), o que torna ainda mais irrelevante a argumentação da UGC».

38. Conclui, referindo que «ainda que aquelas reavaliações pudessem integrar o conceito de desvalorizações excepcionais, não poderia nunca considerar-se válida a conclusão da UGC no sentido de que a falta de aceitação fiscal das desvalorizações excepcionais registadas implicaria a impossibilidade de reconhecer, em exercícios futuros, a dedutibilidade fiscal daquela perda (...)».

39. «Com efeito, teria sempre que se admitir o reconhecimento fiscal daquele montante, ou através do mecanismo de regularização contabilística previsto no artigo 21.º do Decreto-Regulamentar n.º 2/90, ou através de uma futura venda de activos».

40. Contestando a fundamentação constante nos pontos 140 a 160 do projecto de decisão no sentido de indeferir o ajustamento requerido pela Reclamante nos termos do art.º 35.º, n.º 4 do CIRC, alega esta, após transcrever alguns excertos do projecto de decisão, que o entendimento de que a importância dedutível como custo ao longo da vida útil dos activos nunca poderia ser superior ao valor resultante de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal tem «subjacente a conclusão apresentada pela UGC logo no início da sua exposição, no sentido de que «a aplicação do regime das reintegrações dos elementos do activo imobilizado sobre os valores de reavaliação constituía uma opção das empresas objecto de privatização.

41. «Se assim é», refere a Reclamante, «então a consequência teria que ser uma: de facto aquele ajustamento a favor do Estado, no montante de €861.825,39, que a Exponente apresentava (...) não é devido».

42. «Isto porque, a assumir-se como válido o entendimento [d]a UGC, o valor das depreciações fiscalmente relevantes relativamente aos bens que sofreram reavaliação positiva não poderá corresponder unicamente ao valor das depreciações calculadas sobre o custo de aquisição, acrescido de 60% do aumento das depreciações em resultado daquela reavaliação, mas terá sim que corresponder à totalidade das depreciações calculadas sobre o valor resultante da reavaliação efectuada ao abrigo de legislação fiscal».

43. Lançando mão de outro argumento, afirma a Reclamante que «o admitir-se com[o] válida a conclusão da UGC (...), isso não prejudicaria, de todo, a possibilidade de reconhecimento fiscal (...).

44. «Isto porque, à semelhança do que sucede no caso dos bens que tenham sofrido uma reavaliação positiva, em que a mais ou menos-valia fiscal é calculada com base no respectivo valor de aquisição ou produção para efeitos fiscais (...), então também no caso das reavaliações negativas aquela mais ou menos -valia fiscal terá que ter por referência o valor de aquisição histórico».

45. «Assim, se a UGC teimar em considerar que aquela perda por imparidade não poderá ser reconhecida ao longo da vida útil dos bens aos quais se encontra alocada, sempre terá de admitir aquela perda por imparidade será fiscalmente reconhecida aquando da sua eventual venda ou abate futuros».

46. Retomando o argumento anterior, prossegue a reclamante, referindo que «(...) importa deixar claro que esta tese da UGC, no sentido de que são os sujeitos passivos que podem optar (ou não pela consideração do valor dos activos resultantes da sua reavaliação, não tem qualquer fundamento».

47. «() A regra geral relativamente a quaisquer reavaliações (positivas) que sejam reconhecidas sobre activos como os aqui em causa é a da sua não relevância para efeitos fiscais».

48. «No que se refere a reavaliações negativas (...) a regra é a da sua relevância fiscal: (i) no momento em que são contabilizadas, se estivermos perante desvalorizações excepcionais devidamente aceites pela Administração Tributária, ou (ii) ao longo da vida útil remanescente dos activos, nos restantes casos, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 35.º do Código do IRC».

49. «Ora, no caso em que aquelas reavaliações sejam efectuadas ao abrigo de diplomas legais, a lei prevê uma excepção àquelas regras gerais, mas prevê uma única excepção».

50. «Excepção essa que se refere ao caso das reavaliações positivas, caso em que serão consideradas fiscalmente relevantes, mas apenas em 60% as depreciações praticadas sobre aquela reavaliação».

51. «No caso das reavaliações (negativas) ou perdas por imparidade, não existe qualquer excepção à regra, pelo que terá de ser aplicável aquele regime geral»

52. «Em face do exposto, não se pode sequer compreender onde terá a UGC ido buscar a tese que procura sustentar, de tão desligada que está da letra da lei e das mais básicas regras de interpretação da mesma».

 

§ II.IV.II. Da apreciação

53. Abordando a refutação efectuada pela Reclamante da fundamentação constante nos pontos 81 a 160 do projecto de decisão, refira-se, em primeiro lugar, que carece de sentido a alegação da existência de «confusão» ao nível conceitual na posição constante do aludido documento.

54. Nesta parte do projecto de decisão, assim como nas restantes, foram perfeitamente identificadas as razões, de facto e de direito, que sustentam o entendimento ali proposto, sendo as mesmas claramente perceptíveis e suficientes.

55. Deste modo, a alegação em causa encerra uma leitura incorrecta dessa fundamentação.

56. Quanto ao mais, a Reclamante não vem acrescentar qualquer questão de facto ou direito que não tivesse sido anteriormente apreciada, pelo que, no que toca à sua análise e de modo a evitar repetições desnecessárias, remetemos para a fundamentação constante nos pontos 61 a 75 e 81 a 160 do projecto de decisão, que aqui damos por integralmente reproduzida.

57. Uma última nota, para assinalar que a questão colocada pela Reclamante sobre a possibilidade de obtenção da dedutibilidade fiscal das desvalorizações dos activos através da sua futura venda ou abate não faz parte do objecto do presente procedimento, não sendo devida qualquer pronúncia sobre a mesma.

(...)

 

i)                   Em 03-12-2015, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

j)                   Na sequência do processo de reprivatização, a E… (E…), E.P. foi transformada em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, com a firma F… – …, S. A. (doravante “F…”) e o seu património repartido por várias sociedades;

k)                  Em 1994, a E… procedeu a uma reavaliação do seu património nos termos do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 7/91, para efeitos de destaque por cisão para criação da C… – …. S.A., nos termos do Decreto-Lei n.º 131/94, (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e Diário da República, II série de 30-11-1994, reproduzido no documento n.º 9);

l)                   Entre reavaliações para menos (negativas) e reavaliações para mais (positivas), gerou-se um aumento líquido do valor contabilístico dos activos reavaliados em 31.666.263.000$00 (Documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e artigo 39.º da Resposta);

m)               Estas reavaliações foram efectuadas por entidades escolhidas de entre as previamente qualificadas pelo Ministério das Finanças, ficaram sujeitas à aprovação do Ministro das Finanças e tiveram carácter fiscal nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 36/91, de 27 de Julho, e do Decreto-Lei n.º 22/92, de 14 de Fevereiro;

n)                 Os critérios utilizados nestas reavaliações foram os preconizados à data pela Directriz Contabilística n.º 13 (documentos n.ºs 11 e 12 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

o)                 A cisão que operou em 1994 a transmissão dos activos que aqui estão em causa da E… para a C… – …. S.A., foi sujeita ao regime de neutralidade fiscal;

p)                 Este acervo patrimonial transferido para a C… – …. S.A. correspondia aos activos respeitantes à G… (G…) referidos no Decreto-Lei n.º …/91, de … de …;

q)                 Em 2006, foi determinado que a C… – …, S.A. passasse a ter por objecto único a gestão de participações sociais e adoptasse a denominação H… – …, SGPS, S. A. (a Requerente), procedendo à constituição da I… – … S.A., que depois passou a denominar-se C… – …, S.A. (documentos n.ºs 15, 16 e 18 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos e Resolução do Conselho de Ministros n.º 85/2006, publicada no Diário da República de 30-06-2006);

r)                   No início de 2007, ocorreu a transmissão dos activos aqui em causa, agora da H… SGPS para a C… S.A.: a primeira passou nessa data a ser uma SGPS (ponto 5 da RCM n.º 85/2006), e ficou esvaziada de todos os seus activos operacionais, entre os quais os activos da G… (G), transferidos para a recentemente criada C… S.A. (cfr. o ponto 3, alínea c), da RCM 85/2006);

s)                  Esta segunda e última transmissão dos activos aqui em causa ficou sujeita ao regime de neutralidade fiscal da “entrada de activos” (escritura de aumento de capital – entrada de activos – que consta do Documento n.º 18 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

t)                   O resultado das referidas reavaliações não foi tido em conta no apuramento do lucro tributável da E… do ano de 1994 nem posteriormente (Documentos n.ºs 10, 19 e 20 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

u)                 Em 03-12-2015, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não se provou que, no que concerne aos activos da E… relativamente aos quais na reavaliação foram determinados valores inferiores ao seu custo de aquisição líquido de depreciações, aquela empresa ou a C…tivessem registado contabilisticamente custo (ou gasto).

 

2.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

A decisão da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo.

A Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária não considerou provado que tivesse sido registada em relação a tais activos uma «perda por imparidade» (amortização extraordinária, na terminologia do POC)», posição que manteve no presente processo.

Independentemente da qualificação a atribuir, a nível da matéria de facto provou-se que a E… registou contabilisticamente uma desvalorização derivada da reavaliação de alguns dos activos no âmbito do processo de reprivatização do Grupo D…, que resultou numa redução do seu valor escriturado, a qual não foi considerada fiscalmente relevante no momento em que foi reconhecida na esfera da E…. ( [1] ).

 

3.Questão da incompetência para apreciação de pedido de reembolso

 

2. Questão da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de reembolso da quantia paga

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, quando for consequência da anulação de actos de liquidação ou autoliquidação.

A fixação de juros indemnizatórios derivada da ilegalidade de acto de liquidação pressupõe a existência de uma quantia a reembolsar, pelo que tem de se concluir que se insere naquelas competências determinar o pagamento da quantia a reembolsar, que é pressuposto do direito a juros indemnizatórios.

Aliás, ao contrário do que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira, o facto de o artigo 24.º, n.º 1, do RJAT lhe impor o dever de execução, «nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo» até aponta no sentido de que, quando for possível, todos os termos da execução sejam fixados na decisão arbitral, e só na falta dessa fixação possam ser efectuados pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

No entanto, a existência desta competência para decidir o reembolso não implica que ele seja determinado sempre que for julgado procedente um pedido de pronúncia arbitral, pois nem sempre a procedência tem como consequência necessária o direito a reembolso e a juros indemnizatórios ( [2] ), podendo não vir a existir esse direito nos casos em que é viável a renovação do acto impugnado sem ofensa do julgado, possibilidade que está ínsita na alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, a qual está em sintonia com o artigo 100.º da LGT.

Por isso, sempre que os fundamentos da decisão de procedência não excluírem a possibilidade de prática de novo acto, não deverá no processo declarativo ser ordenado o reembolso.

Mas, esta eventual inviabilidade de decidir o reembolso da quantia paga não afasta a competência do Tribunal Arbitral para proferir decisão sobre essa matéria.

Assim, improcede a excepção de incompetência para apreciação do pedido de reembolso da quantia paga, como consequência de eventual anulação da autoliquidação.

 

4.Matéria de direito

 

4.1.Poderes de cognição do Tribunal Arbitral

 

A Requerente, nas suas alegações, suscita a questão de a Autoridade Tributária e Aduaneira invocar um fundamento na sua Resposta que não é invocado na decisão da reclamação graciosa, designadamente que «para efeitos de dedução fiscal, exige-se que o registo contabilístico das perdas por imparidade seja efectuado em contas de resultados, de modo a que as mesmas se encontrem reflectidas no resultado líquido do período» (artigo 56.º da Resposta, cujo conteúdo é reafirmado nos artigos 40.º a 46.º das alegações da Autoridade Tributária e Aduaneira).

Como se entendeu no acórdão proferido no processo arbitral n.º 208/2015-T, a fundamentação relevante em situações de autoliquidação em que foi apresentada reclamação graciosa que foi indeferida é que consta da decisão de indeferimento (directamente ou por remissão).

Refere-se nesse acórdão arbitral o seguinte:

 

(...)nas situações de autoliquidação seguida de reclamação graciosa em que é proferida uma decisão expressa, o que fica a subsistir na ordem jurídica é a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira perante o contribuinte que é definida pela decisão da reclamação graciosa, na parte em que a legalidade da autoliquidação foi submetida à apreciação da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Consequentemente, a questão que se coloca ao Tribunal é a de saber se deve ser declarada a ilegalidade da autoliquidação ou se ela deve ser mantida na ordem jurídica pelos fundamentos invocados na reclamação graciosa e apenas esses, pois, como jurisprudência assente, é irrelevante a fundamentação a posteriori.

Na verdade, num contencioso de mera legalidade, tem de se aferir da legalidade do acto impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado.

Assim, não pode o Tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão de indeferimento da registo, apreciar se a reclamação graciosa deveria ser indeferida por outras razões. ( [3] )

Por isso, é à face da fundamentação da decisão reclamação graciosa que tem de ser apreciada a questão da legalidade ou não da autoliquidação.

 

No caso em apreço, constata-se que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa assenta nos seguintes fundamentos:

«o n.º 4 do artigo 35.º do CIRC apenas se poderá aplicar às perdas por imparidade reflectidas como tal na contabilidade das entidades» e a Requerente não demonstrou que tivesse sido contabilizada uma «amortização extraordinária», o que não é facto notório;

– o Código do IRC, na versão que vigorou até 31.12.2009, não aceitava a dedutibilidade fiscal de amortizações extraordinárias (ou perdas por imparidade na terminologia SNC) que não fossem aceites como desvalorizações excepcionais, ficando, deste modo prejudicada a possibilidade de dedução futura dessas perdas, mesmo que através do regime de reintegrações e amortizações que viesse sendo praticado sobre esses activos;

– uma das premissas basilares do regime das amortizações e depreciações é a de que a importância dedutível como gastos nunca poderá exceder o custo histórico dos activos fixos tangíveis, seja essa dedução efectuada via depreciação, seja pelo reconhecimento de uma perda por imparidade;

– os efeitos das amortizações extraordinárias alegadamente registadas na sequência da reavaliação legal não se estenderam aos exercícios futuros, limitando-se, ao invés, ao período de 1994 e tendo o facto tributário ocorrido por inteiro ao abrigo da lei antiga e sendo ao abrigo desta que produziu todos os seus efeitos, deverá considerar-se que qualquer aplicação que se lhe faça do artigo 35, n.º 4 do CIRC (na redacção vigente em 2011) sempre comportará uma aplicação retroactiva da lei fiscal não aceite pelo ordenamento jurídico;

– admitindo-se a aplicação do regime previsto no artigo 35.º, n.º 4 do CIRC às amortizações extraordinárias, alegadamente registadas contabilisticamente na sequência da desvalorização dos activos por força da reavaliação legal, obteríamos, ao longo da vida útil dos activos em causa, uma importância dedutível como custo superior ao valor resultante de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal.

 

            Por isso, a Requerente tem razão quanto a não ter sido invocada como fundamento da decisão de indeferimento da reclamação graciosa a falta de registo contabilístico das perdas por imparidade em contas de resultados, de modo a que as mesmas se encontrem reflectidas no resultado líquido do período.

            Na verdade, não está explicitado na informação em que se baseou a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que o que foi relevante para decidir foi a falta de contabilização numa conta de gastos, nem que o artigo 35.º, n.º 4, do CIRC só se reporte a desvalorizações contabilizadas como gasto, em conta de resultados, que é o que a AT vem dizer na Resposta apresentada no processo arbitral.

As expressões «conta de resultados» ou «conta de capital próprio» nem sequer aparecem na informação em que se baseou a decisão da reclamação graciosa e a palavra «gastos» é utilizada nos pontos 154 e 156, mas a propósito de outro fundamento, que é a de saber se a importância dedutível como gastos poderá exceder o custo histórico dos activos fixos tangíveis.

Por outro lado, a afirmação de que «o n.º 4 do artigo 35.º do CIRC apenas se poderá aplicar às perdas por imparidade reflectidas como tal na contabilidade das entidades» também não se pode impor conclusão de que a Autoridade Tributária e Aduaneira se estivesse a referir a contabilização em conta de gastos (ou custos), pois as perdas por imparidade podem ser reflectidas na contabilidade «como tal» tanto em contas de resultados como em contas de capital próprio. Aquela expressão só poderia ter o alcance de exprimir falta de contabilização em conta de gastos se as perdas por imparidade tivessem necessariamente de ser reflectidas na contabilidade em contas desse tipo.

            A fundamentação de actos praticados pela Administração tem de ser «expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos» (artigo 268.º, n.º 3, da CRP), pelo que não se pode dar relevância a possíveis fundamentos que não estão referidos por forma expressa e não são perceptíveis com facilidade e segurança pelos destinatários, quando estes efectivamente deles não se aperceberam.

No caso em apreço, nem está indicado na fundamentação, de forma expressa, que a falta de contabilização numa conta de gastos ou custos foi motivo da decisão de indeferimento, nem se pode entender que esse possível fundamento oculto fosse perceptível com facilidade e segurança, em face da possibilidade de as depreciações não terem de ser registadas contabilisticamente em contas de gastos (custos), podendo também sê-lo em contas de capital próprio.

Por outro lado, o pedido de pronúncia arbitral, em que a Requerente não faz qualquer alusão à possível relevância da distinção entre contabilização em conta de gastos e em conta de capital próprio, aponta no sentido de que essa hipotética fundamentação não expressa também não era acessível.

De harmonia com o exposto, não se atenderá a este possível fundamento de indeferimento da reclamação graciosa.

 

4.2.Questão colocada pela Requerente

 

No âmbito do processo de privatização da empresa pública E… (E…), E. P. foi criada a F… – …, S. A. (Decreto-Lei n.º 7/91).

Parte do seu património foi destacado para criação da C… – …. S.A., nos termos do Decreto-Lei n.º 131/94, que, em 2006, passou a ter por objecto único a gestão de participações sociais e adoptou a denominação H… – …, SGPS, S. A. (a Requerente), procedendo à constituição da I… – … S.A., que depois passou a denominar-se C… – …, S.A. (Resolução do Conselho de Ministros n.º 85/2006).

Como se refere na matéria de facto fixada, todas as transmissões de activos foram feitas ao abrigo do regime de neutralidade fiscal.

A Lei n.º 36/91, de 27 de Julho, estabeleceu, no seu artigo 4.º que «as empresas objecto de privatização podem considerar o valor dos elementos do activo imobilizado resultante das avaliações elaboradas pelas entidades habilitadas para efeitos dos processos de privatização como válido para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º do Código do IRC, ouvidas as respectivas autoridades de controlo, no caso das instituições financeiras».

O DL n.º 22/92, de 14 de Fevereiro, veio regulamentar os termos das reavaliações dos elementos do seu activo imobilizado corpóreo ao serviço da empresa na data a que se reporta a reavaliação e existentes na data em que a mesma se efectua.

Em 1994, ocorreram reavaliações negativas de bens do activo imobilizado corpóreo da E… inicial que estão actualmente no património da C… S.A., que integra o grupo de que a Requerente é sociedade dominante.

A Requerente defende, em suma, que o regime de IRC vigente antes de 2010, ano em que entraram em vigor as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, não lhe permitia deduzir fiscalmente as amortizações extraordinárias derivadas das desvalorizações resultantes da reavaliação de activos levada a cabo em 1994 pelas empresas que a antecederam, no âmbito do processo de privatização da E…, que ainda não foram reconhecidas fiscalmente.

Com a entrada em vigor das alterações ao CIRC introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, a Requerente entende que deveria ter sido aplicado àquelas desvalorizações, a partir do exercício de 2010 e, no caso dos autos, em relação ao exercício de 2011, o regime do n.º 4 do artigo 35.º, na redacção do CIRC introduzida por aquele diploma, que estabelece que:

 

As perdas por imparidade de activos depreciáveis ou amortizáveis que não sejam aceites fiscalmente como desvalorizações excepcionais são consideradas como gastos, em partes iguais, durante o período de vida útil restante desse activo ou, sem prejuízo do disposto nos artigos 38.º e 46.º, até ao período de tributação anterior àquele em que se verificar a transmissão, abate físico, abandono, desmantelamento ou inutilização do mesmo.

 

4.3.Questão da falta de contabilização de depreciações na sequência da reavaliação negativa operada no âmbito do processo de privatização da E…

 

A Requerente alegou na reclamação graciosa que ocorreram depreciações de bens do activo da E…aquando da reavaliação dos activos efectuada em 1994, no âmbito do processo de reprivatização do Grupo D… e que, na falta de referência expressa na lei ao enquadramento fiscal do eventual decréscimo de depreciações em resultado de reavaliações efectuadas ao abrigo de legislação fiscal, entendia que se está perante uma perda por imparidade, para efeitos do artigo 35.º, n.º 4, do CIRC, na redacção de 2010.

Na decisão da reclamação graciosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu no projecto de indeferimento da reclamação graciosa que não se provou:

• Que a E…, na sequência do processo de reavaliação dos seus activos, tivesse reconhecido contabilisticamente qualquer «perda por imparidade» (amortização extraordinária, na terminologia do POC) relativamente aos activos objecto de reavaliação negativa.

Que a C…, aquando da introdução no seu balanço de activos e passivos associados à concessão de exploração da rede de transporte de electricidade destacados do património da ora Reclamante, tivesse reconhecido contabilisticamente qualquer «perda por imparidade» (amortização extraordinária, na terminologia do POC).

 

Existe uma «perda por imparidade» quando o valor contabilístico de um activo (ou da unidade geradora de caixa) excede a sua quantia recuperável, podendo a perda ser reconhecida, contabilisticamente, em resultados, ou no capital próprio no caso de bens revalorizados ( [4] ). Por isso, a interpretação a fazer destas afirmações da AT de que não foi registada «perda por imparidade» é a de que não foi registada contabilisticamente a diferença entre o valor do activo e a sua quantia recuperável e não que essa diferença foi escriturada, mas em conta que não é de resultados.

Assim, é de interpretar aquele ponto do projecto de indeferimento da reclamação graciosa, como considerando obstáculo à pretensão da Requerente a falta de prova de que tivessem sido contabilizadas as depreciações de bens do activo da E…invocadas pela Requerente como tendo sido efectuadas aquando da reavaliação dos activos que ocorreu em 1994 e na sequência das transmissões do activo operada para a C….

Sendo este o alcance da referência a falta de reconhecimento de perda por imparidade que se faz na informação em que se baseou a decisão de indeferimento, conclui-se que a posição adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira é errada, pois ocorreu contabilização das depreciações na esfera da E… e, na sequência dos processos de cisão, na esfera da C…, segundo se depreende dos documentos juntos pela Requerente.

Aliás, a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos pontos 19 a 22 do próprio projecto de decisão da reclamação graciosa, para efeito de um ajustamento a favor do Estado, considerou assente que o montante que «a C… acresceu no campo 720 do Q07 da DEC. MOD. 22 IRC, relativa ao exercício de 2011, o montante de € 6.363.477,39» «visa reflectir as depreciações que foram praticadas sobre activos reavaliados ao abrigo da Lei n.º 36/91, de 27 de julho e do Decreto-lei n.º 264/92, de 24 de Novembro em que não são consideradas fiscalmente dedutíveis nos termos da al. a) do n.º 2 do art. 15 do D. Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro».

Entendeu ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira que os mapas modelo oficial 33.12E e 33.15 demonstravam essas depreciações excessivas.

Este ajustamento dependia da contabilização das depreciações referidas «praticadas sobre activos reavaliados ao abrigo da Lei n.º 36/91, de 27 de julho e do Decreto-lei n.º 264/92, de 24 de Novembro, pelo que é de concluir que a própria Autoridade Tributária e Aduaneira aceitou que tais depreciações estivessem contabilizadas, pois só assim se compreende a sua relevância fiscal.

Aliás, a Autoridade Tributária e Aduaneira, no artigo 16.º da sua Resposta, confirma que as avaliações efetuadas pela E… “resultaram, nuns casos, em acréscimos e, noutros casos, em reduções de valores, pelos quais se encontravam contabilizados os elementos patrimoniais na esfera da E…”, acrescentando no artigo 17.º que “[a]s reservas daí resultantes passaram a integrar o capital social das novas sociedades para as quais foram transferidos os elementos patrimoniais destacados”.

Nas suas alegações, a Autoridade Tributária e Aduaneira também refere que «a Requerente apenas evidencia o registo contabilístico de uma variação patrimonial em contas de capital próprio, nada se provando quanto à contabilização, como gasto, em contas de resultados» (artigo 45.º).

Também está provado que as cisões realizadas ficaram abrangidas pelo regime de neutralidade fiscal, o que implica o reconhecimento de que os activos recebidos foram mensurados pelos mesmos valores que tinham na sociedade cindida, pelo que ocorreu contabilização dessas desvalorizações na esfera da Requerente.

A Autoridade Tributária e Aduaneira aceita também que ocorreu esta contabilização, dizendo no artigo 140.º das suas alegações que «a sociedade para a qual foram transmitidos os elementos patrimoniais registou-os na contabilidade com os mesmos valores que tinham na sociedade cindida, antes da operação».

Para além disso, o n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 22/92, estabelecia a obrigação de constituição de uma reserva de avaliação correspondente ao saldo resultante dos movimentos contabilísticos inerentes ao processo de actualização, pelo que não há razão para concluir que a contabilização, a esse título, não tivesse ocorrido.

Perante tais elementos probatórios, justifica-se que se conclua que ocorreu a contabilização das depreciações derivadas da reavaliação, pelo que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto.

 

4.4. Questão da proibição da aplicação retroactiva do regime do artigo 35.º, n.º 4, do CIRC

 

Pelo que se referiu no ponto anterior, a decisão da reclamação graciosa enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto, ao ter entendido que não foi reconhecida uma perda por imparidade na esfera da E….

Como a decisão de indeferimento tem outros fundamentos tem de se prosseguir na sua análise, pois quando um acto tributário tem mais que um fundamento e eles são autónomos, bastará um deles ter suporte legal para assegurar a sua legalidade.

O segundo fundamento, invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira no projecto de decisão da reclamação graciosa e mantido na decisão final é o de o regime do artigo 35.º, n.º 4, não poder ser aplicado retroactivamente e de que, no entender da Autoridade Tributária e Aduaneira, as desvalorizações dos activos resultantes de reavaliação legal podiam assumir relevância fiscal desde a data em que ocorreram até ao presente momento, por via da aplicação do regime das amortizações e depreciações que vinha sendo aplicado a esses activos.

 

4.4.1. Perdas por imparidade e amortizações extraordinárias

 

O Regulamento (CE) n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, estabeleceu a adopção e a utilização, na então Comunidade Europeia, das normas internacionais de contabilidade – International Accounting Standards (IAS) e International Financial Reporting Standards (IFRS) e interpretações conexas – International Financial Reporting Interpretations Committee (SIC/IFRIC).

Como se refere no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho, «o Decreto-Lei n.º 35/2005, de 17 de Fevereiro, transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2003/51/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de Junho, relativa à modernização das directivas contabilísticas, que alterou as Directivas n.ºs 78/660/CEE, 83/349/CEE, 86/365/CEE e 91/674/CEE, do Conselho, relativas às contas anuais e às contas consolidadas de certas formas de sociedades, bancos e outras instituições financeiras e empresas de seguros visando assegurar a coerência entre a legislação contabilística comunitária e as normas internacionais de contabilidade (NIC), em vigor desde 1 de Maio de 2002. Através deste decreto-lei, o Estado Português exerceu a opção prevista no artigo 5.º do Regulamento (CE) n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, com respeito à aplicação das normas internacionais de contabilidade».

Com o Decreto-Lei n.º 158/2009 reafirma-se tal opção, agora no quadro do Sistema de Normalização Contabilística, em sintonia com o citado Regulamento (CE) n.º 1606/2002.

À face da IAS 36, sobre a Imparidade de Activos, «um activo é escriturado por mais do que a sua quantia recuperável se a sua quantia escriturada exceder a quantia a ser recuperada através do uso ou da venda do activo. Se este for o caso, o activo é descrito como estando com imparidade e a Norma exige que a entidade reconheça uma perda por imparidade» (parágrafo 1) ( [5] ), segundo as regras contabilísticas.

Assim, na terminologia do Sistema de Normalização Contabilística e das normas internacionais de contabilidade para que remete, uma perda por imparidade é a quantia pela qual o valor escriturado de um activo excede a sua quantia recuperável ( [6] ).

O conceito de «perda por imparidade» corresponde essencialmente ao anterior conceito de «amortização extraordinária» a que aludia o ponto 5.4.4 do Capítulo V do POC (Decreto-Lei n.º 410/89, de 31 de Outubro) em que se refere que «Quando, à data do balanço, os elementos do activo imobilizado corpóreo e incorpóreo, seja ou não limitada a sua vida útil, tiverem um valor inferior ao registado na contabilidade, devem ser objecto de amortização correspondente à diferença se for de prever que a redução desse valor seja permanente. Aquela amortização extraordinária não deve ser mantida se deixarem de existir os motivos que a originaram». Estas amortizações eram debitadas na conta 6961 – Aumentos de amortizações e de provisões – Amortizações, por crédito na conta 48 – Amortizações acumuladas.

Na verdade, como se vê pela parte final daquele ponto 5.4.4., não há diferença entre a amortização extraordinária e a perda por imparidade a nível de irreversibilidade. A diferença mais importante entre a amortização extraordinária e a perda por imparidade residirá em a amortização extraordinária só dever ser efectuada «se for de prever que a redução desse valor seja permanente», diferença esta que não é relevante para efeitos da questão que se coloca nestes autos.

Como se afirma no Parecer junto aos autos, perdas por imparidade e amortizações extraordinárias são fenómenos que se revelam económica e contabilisticamente idênticos, tendo ambos o mesmo fundamento, que consiste na desvalorização excepcional de activos.

 

4.4.2. O novo regime fiscal das perdas por imparidade

 

O Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, refere no seu Preâmbulo:

 

«Com a aprovação do Sistema de Normalização Contabilística pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho, cuja filosofia e estrutura são muito próximas das NIC, estão criadas as condições para alterar o Código do IRC e legislação complementar, por forma a adaptar as regras de determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos às NIC.

Considerando que a estrutura actual do Código do IRC se mostra, em geral, adequada ao acolhimento do novo referencial contabilístico, manteve-se a estreita ligação entre contabilidade e fiscalidade, que se afigura como um elemento essencial para a minimização dos custos de contexto que impendem sobre os agentes económicos, procedendo-se apenas às alterações necessárias à adaptação do Código do IRC às regras emergentes do novo enquadramento contabilístico, bem como à terminologia que dele decorre.

A manutenção do modelo de dependência parcial determina, desde logo, que, sempre que não estejam estabelecidas regras fiscais próprias, se verifica o acolhimento do tratamento contabilístico decorrente das novas normas.»

 

No âmbito da adaptação do CIRC ao Sistema de Normalização Contabilística (SNC), passou a utilizar-se no Código a nova terminologia contabilística, no que concerne às «perdas por imparidade», cujo regime geral consta dos artigos 35.º e 38.º do CIRC, que na redacção deste Decreto-Lei n.º 159/2009 estabelecem o seguinte, na parte que aqui interessa:

 

Artigo 35.º

Perdas por imparidade fiscalmente dedutíveis

 

1 – Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores:

a) As relacionadas com créditos resultantes da actividade normal que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;

b) As relativas a recibos por cobrar reconhecidas pelas empresas de seguros;

c) As que consistam em desvalorizações excepcionais verificadas em activos fixos tangíveis, activos intangíveis, activos biológicos não consumíveis e propriedades de investimento.

(...)

4 - As perdas por imparidade de activos depreciáveis ou amortizáveis que não sejam aceites fiscalmente como desvalorizações excepcionais são consideradas como gastos, em partes iguais, durante o período de vida útil restante desse activo ou, sempre juízo do disposto nos artigos 38.º e 46.º, até ao período de tributação anterior àquele em que se verificar a transmissão, abate físico, abandono, desmantelamento ou inutilização do mesmo.

 

Artigo 38.º

Desvalorizações excepcionais

 

1 – Podem ser aceites como perdas por imparidade as desvalorizações excepcionais referidas na alínea c) do n.º 1 do artigo 35.º provenientes de causas anormais devidamente comprovadas, designadamente, desastres, fenómenos naturais, inovações técnicas excepcionalmente rápidas ou alterações significativas, com efeito adverso, no contexto legal.

2 – Para efeitos do disposto no número anterior, o sujeito passivo deve obter a aceitação da Direcção-Geral dos Impostos, mediante exposição devidamente fundamentada, a apresentar até ao fim do primeiro mês do período de tributação seguinte ao da ocorrência dos factos que determinaram as desvalorizações excepcionais, acompanhada de documentação comprovativa dos mesmos, designadamente da decisão do competente órgão de gestão que confirme aqueles factos, de justificação do respectivo montante, bem como da indicação do destino a dar aos bens, quando o abate físico, o desmantelamento, o abandono ou a inutilização destes não ocorram no mesmo período de tributação.

(...)

5 – A aceitação referida no n.º 2 é da competência do director de finanças da área da sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável do sujeito passivo ou do director dos Serviços de Inspecção Tributária, tratando-se de empresas incluídas no âmbito das suas atribuições.

(...)

 

Como se referiu, não se demonstrou que a Requerente ou as empresas que a antecederam na detenção dos bens do activo imobilizado que foram reavaliados tivessem podido obter, antes de 2010, a antecipação da reintegração dos valores das desvalorizações resultantes da reavaliação efectuada em 1994.

Com este pressuposto, a Requerente defendeu que, em 2011 (como já antes sucedeu em 2010), deveria ter sido considerado como gasto uma imparidade decorrente do decréscimo de depreciações relativas a activos cujos valores foram reduzidos em resultado da reavaliação efectuada pela então "E…”.

A Requerente considerou que a reavaliação dos activos no âmbito do processo de reprivatização do Grupo D…, que resultou numa redução do seu valor escriturado, traduz uma perda por imparidade, a qual não foi considerada fiscalmente relevante no momento em que foi reconhecida na esfera da E….

Pelo facto de não ter sido requerida em 1994 a relevância fiscal das desvalorizações resultantes da reavaliação não se extinguiu o direito de a Requerente obter essa relevância como custos nos exercícios seguintes, o que era permitido pelo artigo 21.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, desde que fosse efectuada a adequada regularização contabilística, com observância das regras desse diploma sobre os limites das quotas de reintegração.

A esta luz, a pretendida aplicação do regime do artigo 35.º, n.º 4, não significa o renascimento de um direito que tivesse sido perdido anteriormente, mas apenas a utilização dos valores das desvalorizações para depreciação (nova terminologia para o termo «reintegração») de cada um dos bens em causa, no ano de 2010 e anos subsequentes, em partes iguais, durante o respectivo período de vida útil, depreciação esta cumulável com a que resulta da quota anual aplicável nos termos do artigo 31.º. Isto é, o que está em causa, substancialmente, é uma antecipação das depreciações em relação às que devem ocorrer com aplicação dos métodos previstos no artigo 31.º, relativamente a cada um dos bens que foram reavaliados.

De qualquer forma, ao contrário do que entendeu a Autoridade Tributária e Aduaneira na decisão da reclamação graciosa, é indiferente para aplicação do novo regime do artigo 35.º, n.º 4, que fosse possível à Requerente obter a relevância das desvalorizações como custos (gastos) no passado, pois esta norma fixa os pressupostos dessa relevância para o futuro e não para o passado.

 

4.4.3. Aplicação do regime do artigo 35.º, n.º 4, do CIRC sem retroactividade aos exercícios posteriores à sua entrada em vigor

 

A aplicação dos artigos 35.º e 38.º do CIRC, na redacção da Lei n. 55-A/2010, para fixar a relevância fiscal de depreciações nos anos de 2010 e seguintes não envolve retroactividade.

Na verdade, deve ter-se presente a distinção magistralmente ensinada por BAPTISTA MACHADO entre retroactividade e retroconexão:

 

(...) Nada impede que, uma vez determinada a competência da Lei Nova com fundamento na circunstância de o facto constitutivo da Situação Jurídica se passar sob a sua vigência, a mesma lei seja aplicada a factos passados que ela assume como pressupostos impeditivos ou "desimpeditivos" (isto é, como pressupostos negativos ou positivos) relativamente à questão da validade ou admissibilidade da constituição da Situação Jurídica, questão essa que é da sua exclusiva competência.

(...)

O ponto está todo em manter clara a distinção entre "âmbito de competência" e "âmbito de aplicação" de uma lei. Uma vez fixada a lei competente, cabe a esta definir livremente o seu "campo de aplicação". E pode fazê-lo reportando-se a factos anteriores que, concretamente, se verificaram antes do seu início de vigência desde que não atribua a tais factos um valor constitutivo mas os utilize apenas como pontos de referência para a definição do regime de direito material da situação jurídica criada ou a criar na sua vigência. Neste caso poderá dizer-se, com H. G. LESER ( [7] ), que existirá "retroconexão" (Ruckanknupfung), mas não "retroactividade". A essa retroconexão" demos noutro lugar o nome de "referência pressuponente". ( [8] )

                                                                                               

A esta luz, a norma do artigo 35.º, n.º 4, não será aplicada retroactivamente se o for apenas para fixar os efeitos de factos passados que se produzem no seu domínio de aplicação, que são os exercícios a partir de 2010, inclusive.

E, sendo assim, não haverá aplicação retroactiva do novo artigo 35.º, n.º 4, ao caso dos autos, pois o que está em causa é apenas a determinação da matéria tributável do ano de 2011, matéria que, inquestionavelmente, tem de ser regulada pela redacção do CIRC que nesse ano vigorava que é a introduzida pelo Decreto-Lei n.º 159/2009 e não pela redacção inicial desse Código ou pela introduzida pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, cujas vigências já cessaram.

De resto, ao contrário do que erradamente a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu repetidamente na decisão da reclamação graciosa, não existe no nosso direito um princípio geral com suporte constitucional de proibição da retroactividade da lei fiscal.

A única proibição que existe em tal matéria resulta do artigo 103.º, n.º 3, da CRP que estabelece que «ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei».

Como resulta do teor explícito desta norma, ela estabelece uma garantia dos contribuintes, assegurando que não podem «ser criados quaisquer impostos retroactivos» (como explicita o n.º 1 do artigo 12.º da LGT).

Mas, obviamente, de uma norma constitucional que estabelece a proibição de retroactividade como uma garantia dos contribuintes não pode concluir-se que não podem ser emitidas normas retroactivas favoráveis aos contribuintes.

Por outro lado, embora o artigo 12.º, n.º 1, da LGT estabeleça a regra de que «as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor», ela está prevista nessa Lei, que é uma lei ordinária, que não tem valor de lei de valor reforçado, pelo que a aplicação retroactiva pode ser prevista em qualquer outro diploma posterior à LGT, apenas impondo o princípio da legalidade que elas estejam previstas em diplomas de valor legislativo. ( [9] )

Assim, conclui-se que a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira assumida no Relatório da Inspecção Tributária, enferma de erro sobre os pressupostos de direito ao assentar no pressuposto errado de que uma aplicação retroactiva da lei fiscal não é aceite pelo ordenamento jurídico (ponto 139 do Projecto de Relatório da Inspecção Tributária).

O regime que resulta do artigo 35.º do CIRC consubstancia uma alteração considerável do regime anterior de relevância de desvalorizações.

E, por isso, é ele que regula o regime da relevância fiscal das depreciações de bens do activo imobilizado corpóreo (activo fixo tangível, na nova terminologia) a partir da entrada em vigor da Lei n.º 55-A/2010.

Por isso, é irrelevante, para aplicação do novo regime, a possibilidade ou não de hipotética relevância fiscal anterior das desvalorizações, pois, para efeitos de aplicação do artigo 35.º, n.º 4, relativamente ao passado basta constatar que essa relevância não foi concretizada.

Na verdade, não há qualquer obstáculo a que, nos exercícios que lhe compete regular, a nova lei dê relevância aos factos que entender para efeitos de aplicação do regime das perdas por imparidade, designadamente dando relevo a depreciações que ainda não produziram efeitos fiscais.

Aliás, a alteração mais substancial será precisamente a de o novo regime não dar relevância fiscal apenas a desvalorizações contabilizadas como custos ou perdas do exercício a que respeitam, mas passar a dá-la também às que sejam contabilizadas em períodos de tributação anteriores (como explicita o n.º 3 do artigo 1.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro).

A nova perspectiva legislativa é a de ampliar a relevância fiscal de desvalorizações, permitindo a recuperação para efeitos fiscais, a partir da sua entrada em vigor,  de desvalorizações que haviam sido contabilizadas anteriormente, o que se sintoniza com o princípio constitucional da tributação fundamentalmente com base no lucro tributável, que aponta tendencialmente no sentido da relevância fiscal de todas as perdas patrimoniais.

Assim, não interessará, à face do novo regime, saber se as desvalorizações poderiam ou não ser consideradas custos (hoje gastos) no passado, pois, desde que não tenham sido relevantes como tal, poderão sê-lo agora, a partir da entrada em vigor do novo artigo 35.º, desde que preencham os requisitos que este exige.

  Por isso, a questão que se coloca é a de saber se, independentemente do regime anterior à Lei n.º 55-A/2010, pode ser dada relevância fiscal, a partir da entrada em vigor das alterações introduzidas por esta Lei, a desvalorizações anteriores, que ainda não a tiveram.

Assim, conclui-se que a decisão da reclamação graciosa enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, ao entender que o regime do artigo 35.º, n.º 4, do CIRC, na redacção introduzida pela Lei n.º 55-A/2010, não pode ser aplicado, para efeitos de determinação de gastos de exercícios posteriores à sua entrada em vigor, a depreciações de bens do activo imobilizado corpóreo (activo fixo tangível) ocorridas antes da sua entrada em vigor, que ainda não tiveram efeitos fiscais como custos (gastos).

 

4.4.4. Questão da violação do n.º1 do art. 2.º do DR. 2/90, quer do disposto na Lei n.º 36/91, de 27 de Julho

 

O terceiro fundamento de indeferimento invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira na decisão da reclamação graciosa é o de a aplicação do regime do artigo 35.º, n.º 4, do CIRC, na redacção introduzida pela Lei n.º 55-A/2010 às depreciações em causa implicar violação do n.º 1 do art. 2.º do DR. 2/90, quer do disposto na Lei n.º 36/91, de 27 de Julho, por, segundo a Autoridade Tributária e Aduaneira, destas normas resultar que não é legalmente admissível a dedução como gasto de uma perda por imparidade ocorrida num activo valorizado segundo critérios não aceites pela lei fiscal.

Do n.º 1 do artigo 35.º do CIRC e sua alínea c), conclui-se que as perdas por imparidade que consistam em desvalorizações excepcionais podem ser deduzidas para efeitos fiscais, na sua totalidade, de uma só vez, quer tenham sido contabilizadas nesse exercício quer tenham sido em período fiscal anterior.

O n.º 4 do artigo 35.º ao referir-se às perdas que não sejam aceites fiscalmente como desvalorizações excepcionais  deve ser interpretado como reportando-se também às anteriores, embora isso não se diga expressamente.

Na verdade, no novo entendimento legislativo, repondera-se a relevância fiscal de todas as desvalorizações anteriores, pelo que o n.º 4 se referirá às que não cabem no n.º 1.

Assim, o n.º 1 aplica-se às desvalorizações consideradas excepcionais, permitindo a sua relevância fiscal integral como gastos, quer tenham sido contabilizadas no próprio exercício quer em exercícios anteriores, como resulta do seu texto. E o n.º 4 aplica-se às outras, as que não sejam aceites fiscalmente como desvalorizações excepcionais; estas não poderão ser consideradas gastos de uma só vez, mas poderão sê-lo em partes iguais durante o período de vida útil restante desse activo ou até ao período de tributação anterior àquele em que se verificar a transmissão, abate físico, abandono, desmantelamento ou inutilização do mesmo.

Este n.º 4 também se aplicará às desvalorizações ocorridas antes da entrada em vigor da Lei n.º 55-A/2010, pois o seu alcance será regular, nos exercícios futuros, a relevância de todas as desvalorizações, concretizando a opção legislativa de admitir generalizadamente a relevância de todas as desvalorizações e harmonizar o regime das desvalorizações com o princípio da tributação com base no lucro tributável.

Por outro lado, não há neste artigo 35.º, n.º 4, nem nas disposições transitórias do Decreto-Lei n.º 159/2009 qualquer referência a uma hipotética restrição do seu campo de aplicação a perdas por imparidade que venham a ser registadas a partir de 2010 nem se compreenderia que fosse efectuada uma restrição desse tipo. Com efeito, a intenção legislativa subjacente ao artigo 35.º, n.º 4, é manifestamente aumentar a sintonia entre o regime fiscal e as regras contabilísticas, o que se harmoniza com a directriz global que presidiu à reforma do CIRC operada pelo DL n.º 159/2009, afirmada no seu Preâmbulo de «adaptar as regras de determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos às NIC».

Para além disso, há interdependência entre o n.º 4 do artigo 35.º e a alínea c) do seu n.º 1, em que se estabelece que «podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores» «as que consistam em desvalorizações excepcionais verificadas em activos fixos tangíveis, activos intangíveis, activos biológicos não consumíveis e propriedades de investimento».

Na verdade, é clara a intenção legislativa de estabelecer os regimes legais aplicáveis a todas as perdas por imparidade, sendo o n.º 4 uma norma com campo de aplicação definido de forma residual, que a torna potencialmente aplicável a todas as perdas por imparidade que não sejam aceites como «desvalorizações excepcionais», nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 35.º, conjugado com o artigo 38.º.

Havendo, assim, uma preocupação legislativa em dar relevância fiscal a todas as perdas por imparidade, nos casos em que não haja norma especial, vigente a partir da entrada em vigor da Lei n.º 55-A/2010, que afaste tal relevância, será potencialmente aplicável a norma do n.º 4 do artigo 35.º.

Por outro lado, referindo-se o n.º 1 do artigo 35.º, ao referir a possibilidade de dedução para efeitos fiscais das perdas por imparidade contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores, o n.º 4 do mesmo artigo, interpretado como reportando-se a todas as perdas por imparidade que não sejam aceites como desvalorizações excepcionais, será potencialmente aplicável também a perdas de imparidade contabilizadas em períodos de tributação anteriores.

Sendo este o novo regime, é ele o aplicável aos exercícios posteriores à sua entrada em vigor, sendo irrelevantes as restrições que os regimes legais anteriores estabeleciam para os exercícios a que se aplicavam.

            Na verdade, não é juridicamente possível que uma solução legislativa prevista numa Lei emitida em 2010, seja ilegal por violação de um Decreto Regulamentar publicado em 1990 ou de uma Lei publicada em 1991.

            Desde logo, o regime de um Decreto Regulamentar não poder prevalecer sobre o regime previsto num diploma de valor legislativo superior (por força do princípio da hierarquia das normas, que se enuncia no n.º 5 do artigo 112.ºda CRP).

Por outro lado, no caso de existir incompatibilidade entre o regime da nova lei e de diplomas anteriores, é o novo regime que prevalece, como resulta do preceituado no artigo 7.º, n.º 2, do Código Civil.

            Assim, obtida a conclusão, referida no ponto anterior, de que o regime do artigo 35.º do CIRC, na redacção introduzida pela Lei n.º 55-A/2010 é aplicável à determinação dos efeitos fiscais de depreciações de activos mesmo que elas tenham ocorrido antes da sua entrada em vigor, tem de se concluir também que não pode ocorrer violação de normas anteriores à sua vigência, pois, na medida em que sejam incompatíveis com o novo regime, elas estarão tacitamente revogadas.

            Pelo exposto, a decisão da reclamação graciosa enferma de erro sobre os pressupostos de direito ao entender que o regime legal que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu resultar do Decreto Regulamentar n.º 2/90 e da Lei n.º 36/91 impede a aplicação do regime do artigo 35.º, n.º 4, do CIRC.

 

            4.4.5. Conclusão

 

Pelo que se referiu, enfermam de vícios de violação de lei todos os fundamentos invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, pelo que se justifica a sua anulação (artigo 163.º, n.º 1,do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável, por força do preceituado no artigo 2.º, alínea c), da LGT).

 

5.Pedidos de anulação da autoliquidação, reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios

 

A Requerente formula pedidos de anulação da autoliquidação, de reembolso da quantia de € 623.961,59 e de juros indemnizatórios, desde 01-09-2012 até integral reembolso.

Como fundamentos do pedido invoca o artigo 43.º da LGT e o artigo 104.º, n.º 3, do CIRC, que estabelece o seguinte:

 

Artigo 43.º da LGT

1. São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2. Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.

 

Artigo 104.º do CIRC

3 – O reembolso é efectuado, quando a declaração periódica de rendimentos for enviada ou apresentada no prazo legal e desde que a mesma não contenha erros de preenchimento, até ao fim do 3.º mês imediato ao da sua apresentação ou envio.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que a autoliquidação foi efectuada pela Requerente e que não há erro imputável aos serviços, pelo que, a haver direito a juros indemnizatórios «o seu cômputo teria sempre como termo inicial a data em que ocorreu a notificação da decisão que indeferiu a reclamação graciosa».

De harmonia com o disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

No caso em apreço, conclui-se que há erros de direito na decisão da reclamação graciosa directamente imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, que a indeferiu por sua iniciativa, com fundamentos que consubstanciam erros sobre os pressupostos de facto e de direito.

No entanto, constata-se que foi invocado na Resposta um possível fundamento de indeferimento que não foi invocado na decisão da reclamação graciosa, de que, em sintonia com o defendido pela Requerente nas suas alegações, não se tomou conhecimento, por constituir fundamentação a posteriori.

A anulação da autoliquidação e as consequentes condenações no reembolso da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a quantia paga e a pagar juros indemnizatórios apenas devem ser decididas em processo de anulação quando se puder concluir que o acto impugnado enferma de um vício que impede a sua renovação com diferente fundamentação, pois só nesses casos se poderá concluir definitivamente que a autoliquidação é ilegal e, por isso, não há dever de pagar a quantia autoliquidada e o pagamento foi indevido.

Por outro lado, como resulta do teor expresso do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, o direito a juros indemnizatórios não depende apenas da constatação de erro imputável aos serviços, sendo seu pressuposto que dele resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Quando não se toma conhecimento de um novo fundamento de indeferimento não invocado na decisão impugnada e não é seguro que ele não possa ser invocado em execução de julgado, no âmbito dos poderes/deveres que são atribuídos à Autoridade Tributária e Aduaneira pelo artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, em sintonia com o artigo 100.º da LGT, não se pode concluir que a autoliquidação seja ilegal nem que os vícios que afectam a decisão da reclamação graciosa sejam causa de pagamento indevido, pois a autoliquidação pode basear-se nesse outro fundamento que o Tribunal não aprecia.

Para além disso, a Autoridade Tributária e Aduaneira alega que do mapa junto como documento 20 do pedido de pronúncia arbitral constam bens que já não estavam no ano de 2011 dentro do período de vida útil (artigo 61.º das alegações), o que, a corresponder à realidade, pode afectar parcialmente o eventual direito da Requerente a reembolso e juros indemnizatórios.

Assim, sem prejuízo dos eventuais direitos que possam ser reconhecidos em execução de julgado, não havendo a certeza de que o pagamento foi indevido, improcedem os pedidos de reembolso e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

   5. Decisão

 

   De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)                     Julgar improcedente a excepção de incompetência material suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira;

b)                    Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da decisão da reclamação graciosa, na parte correspondente ao pedido de reconhecimento de uma perda por imparidade no montante de € 2.154.563,48, e anular essa decisão, na parte respectiva;

c)                     Julgar improcedentes os pedidos de reembolso da quantia paga e de juros indemnizatórios, sem prejuízo dos direitos que possam ser reconhecidos à Requerente em execução de julgado.

 

6.      Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 623.961,59.

 

 

Lisboa, 30 de Junho de 2016

 

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

(José Alberto Pinheiro Pinto)

 

(Ana Maria Rodrigues)

(vencida conforme declaração junta)

 

 

 

 

 

 

Voto de vencida

 

Não acompanho a orientação que fez vencimento pelas razões que passo a expor.

 

A Requerente pretende aplicar, no exercício de 2011, o regime previsto no artigo 35.º, n.º 4 do CIRC a uma alegada perda por imparidade sofrida aquando da reavaliação dos ativos, efetuada em 1994, no âmbito do processo de reprivatização do Grupo D….

O texto do referido n.º 4 do artigo 35.º do CIRC, em 2011, é o seguinte:

As perdas por imparidade de activos depreciáveis ou amortizáveis que não sejam aceites fiscalmente como desvalorizações excepcionais são consideradas como gastos, em partes iguais, durante o período de vida útil restante desse activo ou, sem prejuízo do disposto nos artigos 38.º e 46.º, até ao período de tributação anterior àquele em que se verificar a transmissão, abate físico, abandono, desmantelamento ou inutilização do mesmo.

 

A questão sobre a qual o acórdão se pronuncia e que não acompanho é, em primeiro lugar, a de saber se pode ser aplicado às “reavaliações negativas” geradas pelo processo de avaliação elaborado pelas entidades habilitadas para efeitos dos processos de privatização ao abrigo da Lei n.º 36/91, de 27 de julho, o disposto no n.º 4 do art. 35.º do CIRC, em 2011.

A minha discordância com a posição que fez vencimento assenta, essencialmente, em dois argumentos principais, que se interpenetram. Para efeitos de aclarar a minha posição analisarei separadamente 2 argumentos:

 

1.A irrelevância do concreto registo contabilístico efetuado pela E… e pela Requerente à data da operação de cisão que é, essencialmente, uma questão de direito.

 

2. Ao contrário do decidido no acórdão, a Requerente não tem razão quanto à dedutibilidade fiscal de parte das “reavaliações negativas” ao abrigo do disposto no n.º 4 do art. 35.º do CIRC, porquanto o regime fiscal aplicável é o regime que estava em vigor à data da cisão.

 

1. O Decreto-Lei n.º 22/92, de 14 de fevereiro (diploma que regulamenta a Lei n.º 36/91, de 27 de Julho[10]) claramente definia no n.º 1 do art. 4.º que: “a reserva de reavaliação corresponderá ao saldo resultante dos movimentos contabilísticos inerentes ao processo de actualização, os quais serão registados, conforme os casos, a débito ou a crédito de uma conta denominada «Reservas de reavaliação - Lei n.º 36/91, de 27 de Julho»”.

O diploma regulador da lei das privatizações claramente estabeleceu o tratamento contabilístico a adotar em resultado das avaliações elaboradas pelas entidades habilitadas pra efeitos dos processos de privatizações.

O acréscimo do valor de alguns dos bens (reavaliações positivas) e redução (decréscimo) do valor dos bens que se encontravam sobreavaliados na entidade cindida (reavaliações negativas) teriam como contrapartida uma conta da classe 5 - Capital Próprio (…), designada de Reservas de reavaliação.

Em termos contabilísticos a avaliação dos bens para efeitos das operações de cisão para a reprivatização foram, em ambos os casos, consideradas variações patrimoniais positivas nuns casos e negativas noutros, conforme os bens estivessem à data da avaliação subavaliados ou sobreavaliados.

Os registos contabilísticos à data da avaliação, e ainda que de uma forma muito sumária[11], foram os seguintes:

a)      Para as “reavaliações positivas” o registo contabilístico efetuado pela E… à data da avaliação para efeitos da reprivatização e segundo o disposto no n.º 1 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 22/92, de 14 de fevereiro foi o seguinte:

Imobilizado Corpóreo

 

Reservas de Reavaliação

X

 

 

 

X

         
 

 

b)      Para as “reavaliações negativas” o registo contabilístico efetuado pela E… à data da avaliação para efeitos da reprivatização e segundo o disposto no n.º 1 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 22/92, de 14 de fevereiro foi o seguinte:

Reservas de Reavaliação

 

Imobilizado Corpóreo

X

 

 

 

X

         
 

 

Se o diploma legal assim prevê, a discussão se a Requerente registou ou não a diferença negativa resultantes da avaliação para efeitos dos processo de privatização em custos/gastos ou no capital próprio é completamente irrelevante para a resolução da situação sub judicio, pois ela, de forma lícita, só o podia fazer em capitais próprios, ao abrigo da lei das privatizações, bem como do diploma que a regulamenta.

Assim sendo considera-se irrelevante para a solução do caso que a Requerente tenha vindo a suscitar nas suas alegações a questão de não ter sido invocado na decisão da reclamação graciosa a falta de contabilização das depreciações numa conta de gastos, que a AT suscitou, posteriormente, na sua Resposta.

A invocação pela Requerente de fundamentação a posteriori pela AT é um argumento seguido no acórdão, mas que reputo de não relevante para a decisão.

A lei especial - Lei n.º 36/91, de 27 de Julho, e o respetivo diploma resultante da sua regulamentação, o Decreto-Lei n.º 22/92, de 14 de fevereiro - previa que as eventuais desvalorizações no valor dos bens resultantes da avaliação elaborada pelas entidades habitadas para efeitos dos processos de privatização seriam reconhecidos a débito da conta de reservas de reavaliação, logo como variações patrimoniais negativas. Não interessa, assim, discutir se a Requerida invoca factos novos sobre a exigibilidade da contabilização dessa “reavaliação negativa” como custo, pois essa desvalorização não podia assim ser reconhecida, salvo se tivesse violado o disposto no n.º 1 do art. 4.º do diploma regulamentador da lei especial das privatizações.

De acordo com os dados apresentados pela Requerente, e não impugnados pela Requerida, os ativos que foram destacados para efeitos de constituição do capital da C… e que haviam sido objeto de “reavaliação negativa” por altura do processo de privatização da E…, sofreram, aquando dessa avaliação, uma desvalorização na importância global de € 55.640.444,87. Este valor foi reconhecido a débito na conta “Reservas de reavaliação”, sendo o saldo credor dessa conta, em resultado da avaliação para efeitos da privatização de 31.666.263.000$00. Se assim é[12], nunca esse primeiro valor podia ser reconhecido como custo (agora gasto) nas contas da E… ou na C… na sequência do processo de cisão com neutralidade que realizaram.

Além do mais, foi considerada uma variação patrimonial negativa nas contas da E…, por força da lei, pelo que não se impõe, repete-se, qualquer prova como invoca a Requerente, por a questão estar completamente definida na letra da lei (n.º 1 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 22/92, de 14 de fevereiro).

Como resultado de uma operação de cisão com neutralidade fiscal, o tratamento contabilístico e fiscal subsequente na entidade beneficiária terá que coincidir com o tratamento contabilístico e fiscal que está previsto para a entidade cindida à data da realização da operação de cisão com neutralidade. Pelo que importa perceber, qual era à data dos factos, o tratamento contabilístico para o registo da cisão, bem como o tratamento fiscal das reavaliações positivas e das reavaliações negativas resultantes da avaliação por efeitos dos processos de privatização.

Os bens da E… que foram transferidos para a C…[13] por efeitos da operação de cisão com neutralidade foram-no ao valor porque estavam registados depois das alterações de valor resultantes da reavaliação desses bens. Consequentemente, para a realização do capital da C… os bens concorreram com o valor que lhes foi atribuído pós-reavaliação. Assim, os bens que viram os seus valores acrescidos resultantes dessa reavaliação foram reconhecidos aos valores reavaliados[14]. Os bens que viram os seus valores diminuídos em resultado dessa reavaliação foram reconhecidos aos valores reavaliados.

O art. 4.º da Lei n.º 36/91, de 27 de julho, referido também no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 22/92, de 14 de fevereiro, claramente afirma que é esse valor resultante das avaliações, elaboradas pelas entidades habilitadas para efeitos dos processos de privatização, releve para o cálculo das reintegrações do exercício transferidos por efeito do processo de privatização da entidade cindida (E…) para a entidade beneficiária (C…). A contrapartida da avaliação dos bens por efeito das avaliações para a realização dos processos de privatização foi uma reserva de reavaliação, conforme se estabelece no n.º 1 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 22/92, de 14 de fevereiro.

Assim, e resultante diretamente da letra da lei, é o valor reavaliado que concorre para efeitos das futuras depreciações/amortizações na entidade beneficiária. A Lei 36/91, de 27 de julho claramente dispõe, no n.º 1 do art. 4.º, que “as empresas objecto de privatização podem considerar o valor dos elementos do activo imobilizado resultante das avaliações elaboradas pelas entidades habilitadas para efeitos dos processos de privatização como válido para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 29 do Código do IRC (...)».

O que importa para o caso decidendi é apenas o de saber qual o tratamento fiscal dessas variações (positivas e negativas) resultantes das reavaliações ao abrigo da Lei n.º 36/91, de 27 de julho. Esse tratamento contabilístico e fiscal veio a ser regulamentado no caso das “reavaliações positivas” no Decreto-Lei n.º 22/92, de 14 de fevereiro. Se, eventualmente, o legislador não tivesse clarificado um especial tratamento fiscal a adotar no caso das reavaliações positivas para os processos de privatização, ou seja o relativo às variações patrimoniais positivas, elas teriam que ser tratadas do ponto de vista fiscal ao abrigo do disposto no art. 21.º do CIRC. E, consequentemente seriam desconsideradas para efeitos fiscais a totalidade do acréscimo das reintegrações resultantes do aumento do valor dos bens por efeitos da avaliação realizada nos processos de privatização, uma vez que o legislador fiscal as exclui totalmente de tributação, cfr. b) desse preceito. Com efeito, caso não existisse uma lei fiscal especial que dispusesse diferentemente, como é o caso da lei das privatizações, que não sendo um diploma que vise regular a reavaliação para efeitos fiscais, pode considerar-se uma lei fiscal especial para efeitos das “reavaliações positivas” resultantes apenas e só da avaliação para efeitos das operações de privatização.

Na verdade, o Decreto-Lei n.º 22/92, de 14 de fevereiro, nos seus artigos 5.º e 6.º, veio a clarificar o tratamento subsequente à data da cisão nas contas da entidade beneficiária (C…). Dispõe, no n.º 1 do artigo 5.º, que «o regime fiscal das reintegrações dos elementos reavaliados ao abrigo da Lei n.º 36/91, de 27 de Julho, regula-se pelas disposições sobre reintegrações e amortizações do Código do IRC e do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro», referindo o n.º 3 do aludido artigo que «as reintegrações dos elementos do activo imobilizado poderão calcular-se sobre os valores resultantes de reavaliação a partir do exercício de 1991, inclusive».

Segundo o n.º 1 do art. 6.º do Decreto-Lei n.º 22/92:

 “1. Não são dedutíveis para efeitos fiscais os seguintes custos ou perdas:

a)      O produto de 0,4 pela importância do aumento das reintegrações anuais resultantes da reavaliação;

b)      (…).

Logo, e sendo o texto do art. 4.º da Lei n.º 36/91, de 27 de julho, claro acerca do valor a relevar para efeitos do cálculo das reintegrações do exercício, importa apenas concluir que na C… o valor dos bens a considerar para efeitos das reintegrações futuras será o novo valor de avaliação em resultado da reavaliação ao abrigo do processo das privatizações. Esta situação ocorre tenha o valor dos bens reavaliados da E… a transferir para a C… a título de realização do seu capital, gerado variações positivas ou negativas.

A lei nada dispõe sobre o tratamento fiscal a dar ao valor das reavaliações negativas resultantes desse processo de avaliação, porquanto as “reavaliações negativas” foram claramente aceites como variações patrimoniais negativas ao abrigo do n.º 1 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 22/92. Assim, o seu tratamento fiscal, na ausência de uma lei geral será aquele que o CIRC definir para as variações patrimoniais negativa. Não subsiste assim nenhuma lacuna.

A adotar o tratamento fiscal correspondente à forma de contabilização das “reavaliações negativas”, adotado pela E…, por força do Decreto-Lei n.º 22/92, só o podia ser através do art. 24.º do CIRC, sob a epígrafe “variações patrimoniais negativas”, e como se pode observar neste preceito essas variações negativas não concorreriam para efeitos fiscais, em 1994, como ainda não concorrem hoje. A análise do art. 24.º do CIRC, à data dos factos, ou seja, 1994, claramente dispunham que não concorriam para o lucro tributável as variações patrimoniais negativas. Assim dispunha esse preceito:

 “1. Nas mesmas condições referidas para os custos ou perdas, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, excepto:

(…)

b)      As menos-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade;

(…).”.

Assim, o CIRC claramente dispunha, à data dos factos (1994) que as variações patrimoniais negativas não concorriam para efeitos fiscais. Logo, as “reavaliações negativas” reconhecidas como variações patrimoniais negativas tal como se previa no n.º 1 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 22/92, de 14 de fevereiro e resultantes da reavaliação ao abrigo da lei das privatizações não concorriam, para efeitos do lucro tributável na esfera das entidades que procederam à reavaliação. Se não concorriam para efeitos fiscais na esfera das entidades cindidas/contribuidoras não podem concorrer na esfera das sociedades beneficiárias, pois estas por efeito da realização da operação de cisão com neutralidade têm que adotar o tratamento contabilístico e fiscal que cabia a essas variações na sociedade cindida.

Neste contexto, e atendendo ao quadro jurídico aplicável, as reavaliações negativas geradas em 1994 nunca podiam ser consideradas amortizações extraordinárias à data da avaliação para efeitos da privatização. Não faz, por isso, sentido discutir a questão em que condições podem as reintegrações/depreciações extraordinárias ser consideradas gastos fiscais, pois as “reavaliações negativas” não podiam, em obediência ao disposto na lei especial das privatizações, ser reconhecidas como custos extraordinários (Lei n.º 36/91, de 27 de Julho e o respetivo diploma que a regulamentou, o Decreto-Lei n.º 22/92, de 14 de fevereiro).

Não sendo discutível a natureza dessas reavaliações negativas como variações patrimoniais negativas ou como custos ou perdas extraordinários (hoje gastos), uma vez que o legislador claramente as definiu, como ficou dito acima, como variações patrimoniais negativas, elas esgotaram os seus efeitos patrimoniais e fiscais no ano em que foram geradas, ou seja, no período em que se realizou a cisão (1994). Assim sendo, não se compreende como se se pode admitir uma alteração, em 2011, à natureza legal do facto patrimonial ocorrido em 1944, ou em qualquer dos períodos compreendidos entre 1994 e 2011 ou, mesmo, depois de 2011.

A questão decidendi não é, assim, como decorre da posição que fez vencimento, a de saber se a entidade pode, em 2011, beneficiar do regime das perdas por imparidade reconhecida em períodos anteriores do tempo, pois as reavaliações negativas nunca puderam ser consideradas amortizações extraordinárias, conforme explicitaremos melhor a seguir.

 

2. Analisada a argumentação apresentada pela Requerente, considera-se que esta se consubstancia apenas na subsunção das desvalorizações sofridas por alguns ativos aquando da reavaliação legalmente permitida para efeitos dos processos de privatização no conceito de imparidade e, ato contínuo, na aplicação da disposição contida no n.º 4, do artigo 35.ºdo IRC, na redação de 2011.

Sem prejuízo das eventuais questões ligadas à aplicação retroativa da lei que a posição da Requerente encerra, saliente-se, desde já, que o n.º 4 do artigo 35.º do CIRC não se poderá nunca aplicar ao caso sub judicio, pois as desvalorização no valor de alguns bens nunca foram consideradas desvalorizações excecionais ou extraordinárias e nunca foram refletidas como tal na contabilidade das entidades (E… e/ou C…), o que, no presente caso, a acontecer representava uma clara violação do disposto no diploma que regulamenta a lei especial das privatizações.

Não se colocando a hipótese dessas “reavaliações negativas” serem reconhecidas como depreciações extraordinárias no ano em que foram geradas, por força da lei, essas desvalorizações nunca foram contabilizadas como custos/gastos, pelo que não se encontra cumprida a condições exigida no n.º 3 do art. 1.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90[15], de 12 de janeiro, bem com no n.º 3 do art. 1.º do Decreto Regulamentar 25/2009[16], de 14 de setembro, que lhe sucedeu, e que está em vigor à data que a Requerente deseja aplicar o regime das perdas por imparidade. Não sendo essas “reavaliações negativas” consideradas custos/gastos por efeito da lei, daí resulta em que nenhuma circunstância cumprem as condições para poderem ser aceites como gastos fiscais ao abrigo do n.º 4 do art 35.º do CIRC. A Requerente pretende fazer a equiparação entre reintegrações/depreciações extraordinárias/excecionais com as perdas por imparidade, identificando as variações negativas resultante da reavaliação ao abrigo da lei das privatizações como reintegrações extraordinárias, quando não o pode fazer pela letra e pela teologia da norma que dispõe diferentemente. Importa, ainda, referir que o Plano Oficial de Contas (POC), em vigor em 1994, previa a hipótese das entidades virem a reconhecer depreciações extraordinárias (ponto 5.4.4[17] do Capítulo 5 do POC) e criou no quadro de contas uma conta específica para reconhecer esse custo e perda extraordinário, especificamente na conta 69.6[18] - Custos e perdas extraordinárias - aumentos de amortizações.

Assim se explica, mais uma vez, que não haja qualquer impedimento a que a AT venha como pretende a Requerente a invocar novos argumentos que não foram invocados no indeferimento da reclamação graciosa, pois para a decisão in casu o que releva é, essencialmente, matéria de direito.

A argumentação expendida pela Requerente e Requerida, sobre este tema, nas suas peças processuais é, como ficou dito, irrelevante, pois essa reavaliação negativa, pois esta não foi, no caso concreto, reconhecida em custos/gastos e nem o podia ser face ao que disponha o diploma que regulamentou a Lei 36/91, o Decreto-Lei n.º 22/92, de 14 de fevereiro.

Se existisse opção na lei (Lei n.º 36/91, de 27 de julho e Decreto-Lei n.º 22/92, de 14 de fevereiro), poder-se-ia avaliar se a E… havia reconhecido as “reavaliações negativas” como amortizações extraordinárias e se essas amortizações extraordinárias deviam ter efeitos fiscais no ano do seu reconhecimento ou se o deviam ter ao longo da vida útil dos bens objeto dessa reavaliação negativa. Todavia, a lei dispunha diferentemente, conforme tivemos oportunidade de analisar anteriormente.

Se a Requerente e a Requerida aceitaram que essas variações negativas foram reconhecidas em capital próprio com claramente resulta no n.º 1 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 22/92, de 14 de fevereiro, não é concebível que venham agora discutir a natureza da desvalorização como custo extraordinário/excecional à luz de um regime novo que manifestamente não lhe é aplicável.

Discutir se as diferenças de valorização tinham efeitos fiscais na esfera da E… (entidade cindida) ou da C… (entidade beneficiária) é irrelevante, pois o tratamento fiscal na esfera da C… seria aquele que seria admitindo na E… se os bens permanecessem na sua esfera patrimonial. Se os efeitos fiscais se esgotassem no ano da realização da operação da cisão esse tratamento seria localizado em princípio nas contas da E…. Se os efeitos fiscais se não esgotassem no ano da realização da operação da cisão esse tratamento seria transmitido, por efeito da realização da cisão, para a esfera jurídico-tributária da C….

Assim, a avaliação dos bens que conduziram a “reavaliações positivas” puderam ter impactos na esfera da E…[19] e continuaram a ter efeitos fiscais nas contas da C…, em resultado das exigências associadas às operações de cisão com neutralidade fiscal, pois os seus efeitos estendem-se desde o momento da reavaliação e durante o período de vida útil restantes dos bens, ou até ao período de tributação anterior àquele em que se verificar o abate físico, o desmantelamento, o abandono, a inutilização ou a transmissão do mesmo.

No caso da avaliação dos bens que conduziram a “reavaliações negativas” se os efeitos fiscais se esgotaram no ano da realização da operação da cisão, o tratamento contabilístico e fiscal dessas desvalorizações ocorre na esfera jurídica da E…. Se a lei impunha que as “reavaliações negativas” fossem variações patrimoniais negativas, os efeitos fiscais dessas variações apenas se verificaram na esfera jurídico-fiscal da E…. Os valores dos bens transferidos da E…, por efeitos da avaliação, elaborada por entidades habilitadas para efeitos dos processos de privatização, para a realização do capital da C…, já entraram aos seus valores reavaliados, conforme é largamente assinalado no requerimento arbitral da Requerente, e que tem correspondência com o disposto no n.º 1 do art.4.º da Lei n.º 36/92.

A Requerente ao invocar que há uma perda do ponto de vista fiscal por uma parte do valor do custo de aquisição dos bens se ter consumido por via das “reavaliações negativas”, quando estas não foram consideradas custos ou gastos fiscais, não permitindo à entidade sua proprietária deduzir a totalidade do desembolso efetuado com a aquisição desses bens, esquece-se que no caso das “reavaliações positivas” beneficia de uma dedução fiscal muito superior ao desembolso efetuado com a aquisição dos bens reavaliados, já que o regime das reavaliações para efeitos da situação sub judicio admite que 60% do acréscimo das depreciações seja considerada gasto fiscal. Por outro lado, e correndo o risco de me repetir, permitam-me que relembre que os bens que sofreram “reavaliações negativas” concorreram para a realização do capital em espécie da entidade beneficiária (C…) ao valor definido na reavaliação ao abrigo da lei das privatizações.

O tratamento contabilístico e fiscal dessas diferenças negativas de avaliação, que designamos de “reavaliações negativas” esgotou-se no ano da realização da operação da cisão, pois o legislador fiscal não admite que essas “reavaliações negativas” possam ter efeitos para além do período de avaliação para efeitos da privatização. Logo, não há como transmitir os seus efeitos para a esfera jurídico-tributária da C… pós cisão, e muito menos estender esses efeitos ao longo da vida útil restante desses ativos.

Os impactos dessa “avaliação negativa” consolidaram-se totalmente no exercício em que se realizou a cisão, não tendo qualquer relevância fiscal nesse ano nem nos anos subsequentes. O que torna irrelevante qualquer discussão em torno da aplicação do n.º 4 do art. 35.º do CIRC (2011).

Ainda que se discuta amplamente nas peças processuais das partes e, logo, no acórdão, se o conceito de amortização extraordinária, vigente em POC, pode ser identificado com as perdas por imparidade admitidas nas normas internacionais de contabilidade ou no Sistema de Normalização Contabilística, em minha opinião, e face ao disposto na lei especial sobre as entidades objecto de privatização, bem como no diploma que regulamenta esta lei, essa discussão não faz sentido. Tal discussão poderia ser relevante se essas diferenças tivessem podido, pela lei especial em vigor para as avaliações realizadas no âmbito das privatizações, ser contabilizadas como variações patrimoniais ou como amortizações extraordinárias. Todavia, essa alternatividade não era colocada no diploma que regulamenta a questão das reavaliações para efeitos das operações de reprivatização, definindo claramente a lei especial (Lei n.º 36/92 e o Decreto-Lei n.º 22/92) que essas diferenças de valor nos bens do imobilizado, para mais ou para menos, fossem reconhecidas numa conta de reservas de reavaliação, dado tratarem-se de variações patrimoniais negativas, a reconhecer na classe 5 sob a designação de “Capital, reservas e resultados transitados”, frequentemente referenciada como a classe dos capitais próprios.

Importa assim referir, ainda que sumariamente, algo a propósito do regime das amortizações extraordinárias/perdas por imparidade.

As amortizações extraordinárias, à semelhança das atuais perdas por imparidade, para terem reflexos fiscais no modelo do custo[20], necessitam ser reconhecidas como custos/gastos no período em causa ou em períodos anteriores, conforme especifica o n.º 3 do art. 1.º dos Decreto Regulamentares 2/90 e/ou 25/2009[21]. O n.º 1 do art. 35.º do CIRC (2011) exige, por isso, que a perda por imparidade seja reconhecida, logo este preceito aceita a contabilização da perda por imparidade talqualmente é definida na contabilidade. E no modelo do custo, que é o que esta subjacente à contabilização e mensuração subsequente dos imobilizados/ativos reconhecidos no âmbito da operação da cisão, é sempre o reconhecimento dessas perdas por imparidade como gastos (conta 655 - Perdas por imparidade - em ativos fixos tangíveis) e nunca em capitais próprios. A contrapartida de uma perda por imparidade nos capitais próprios só pode sê-lo no modelo de revalorização constante da NCRF 7 - Ativos Fixos Tangíveis[22]. Este modelo de revalorização só surgiu em Portugal com a adoção do SNC, em 2010. É possível ser adotado pelas entidades na mensuração subsequente, e em condições especiais definidas nos seus §§ 31 e ss.. Só com a adoção deste modelo e nas condições previstas na lei contabilística, podem as perdas por imparidade ser reconhecidas numa conta da classe 5. Só quando o saldo da conta 58 - Excedentes de revalorização de ativos fixos tangíveis e intangíveis conseguir absorver o montante de uma eventual perda por imparidade a reconhecer pode esse reconhecimento ser efetuado numa conta de capitais próprios. Esta conta nunca pode apresentar saldo devedor em resultado do reconhecimento de uma perda por imparidade.

Assim sendo, ainda que a valorização admitida no âmbito dos processos de privatização possa ser teoricamente assimilável ao atual modelo de revalorização, nunca os efeitos fiscais resultantes da adoção desse modelo que só surgiu em 2010, poderiam retroagir a 1994.

Só se existisse uma alternatividade no reconhecimento contabilístico da redução do valor dos bens que se encontravam sobreavaliados na sociedade cindida em gastos ou em capitais próprios, faria sentido discutir se se podia adotar o disposto no n.º 4 do art. 35.º do CIRC, e ainda assim só faria sentido essa discussão no caso de a entidade cindida ter optado por registar a referida diferença como amortização extraordinária, ou seja, ter reconhecido um gasto extraordinário à data dessa avaliação. Todavia, a lei não permitia essa alternatividade, obrigando ao reconhecimento das diferenças de avaliação/reavaliação na reserva de reavaliação, ou seja, em capitais próprios, pelo que entendo que toda a discussão à volta do caso é irrelevante, quaisquer que sejam os factos que se dêem ou não como provados pelas partes.

Assim também não acompanho o acórdão por dar como facto não provado que a E… tivesse registado contabilisticamente um custo/gastos para registar as “reavaliações negativas”. Aquela entidade não considerou essa desvalorização dos seus bens como desvalorização extraordinária, mas como uma variação patrimonial negativa reconhecida na conta “Reservas de reavaliação”, conforme é referido nas peças apresentadas, porque se ela tivesse optado por registar contabilisticamente essa desvalorização como custo extraordinário, violou uma disposição legal (n.º 1 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 22/92, de 14 de fevereiro).

Em suma, se a lei vigente à data dos factos em discussão estabelece um regime especial para efeitos da avaliação para a concretização das operações de privatização, é essa lei que tem que ser aplicada à situação sub judicio. Assim sendo, não se compreende como possa vir a Requerente beneficiar quase 20 anos depois de um regime criado apenas em 2010, com o argumento de que as “reavaliações negativas”, qualificadas como tal ao abrigo daquela lei especial, como variações patrimoniais negativas, possam ser identificadas como desvalorizações excecionais ao abrigo do atual regime de perdas por imparidade n.º 4 do art. 35.º do CIRC (2011).

Por tudo o que vai exposto, e com o devido respeito, que é muito, pelos restante Membros do Coletivo, julgaria o pedido da Requerente totalmente improcedente, com a consequente manutenção na ordem jurídica do ato de indeferimento da reclamação graciosa. Daí o meu voto de vencida.

(Ana Maria Rodrigues)*



[1] No processo n.º 630/2014-T, cujo acórdão foi junto aos autos pela Requerente e versa sobre a mesma situação, foi dado como provado que tinha sido efectuada uma «amortização extraordinária» em relação a tais activos apenas com base na realidade processual desse processo, como se vê pela alínea q) da matéria de facto aí fixada:

q) No que concerne aos activos relativamente aos quais na reavaliação foram determinados valores inferiores ao seu custo de aquisição líquida das amortizações contabilísticas e fiscais já realizadas foi registada contabilisticamente uma amortização extraordinária (artigo 21.º do pedido de pronúncia arbitral, cuja correspondência à realidade não é questionada);

Aliás, nesse processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira baseou o indeferimento do pedido de revisão oficiosa na falta de requerimento de autorização para dedução fiscal das desvalorizações de bens provocadas pela reavaliação no momento que aquela considerou próprio e não na falta de registo de amortização extraordinária.

[2] Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 05-05-1999, processo n.º 05557A, publicado em Boletim do Ministério da Justiça n.º 487, página 181; de 17-11-2004, processo n.º 0772/04; de 27-06-2007, processo n.º 080/07; de 01-10-2008 processo n.º 0244/08; de 29-10-2008, processo n.º 0622/08; de 21-01-2009, processo n.º 0945/08; de 04-02-2009, processo n.º 0766/08; de 25-6-2009, processo n.º 0346/09; de 09-09-2009, processo n.º 0369/09.

 

[3] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:

     –        de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-4-2001, página 1207;

     –        de 19-06-2002, processo n.º 47787, publicado em Apêndice ao Diário da República de  10-2-2004, página 4289;

     –        de 09-10-2002, processo n.º 600/02;

     –        de 12-03-2003, processo n.º 1661/02.

                Em sentido idêntico, podem ver-se:

     –        MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 479 em que refere que é «irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto», e volume II, 9.ª edição, página 1329, em que escreve que «não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa»;  

     –        MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, página 472, onde escreve que «as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade».

[4] VASCO BRANCO GUIMARÃES e JOÃO RICARDO CATARINO, Lições de Fiscalidade, ponto 7.3.2.

[5]              Jornal Oficial da União Europeia de 31-12-2004.

[6] DOMINGOS CRAVO, CARLOS GRENHA, LUÍS BATISTA e SÉRGIO PONTES, Sistema de Normalização Contabilística Comentado, página 154. Expressando a mesma ideia com diferente terminologia ANTÓNIO BORGES, AZEVEDO RODRIGUES e ROGÉRIO RODRIGUES, “Elementos de Contabilidade Geral”, Áreas, 25.ª Edição, 2010, páginas 1142 definem «perda por imparidade» como «o excedente da quantia escriturada de activo ou de uma unidade geradora de caixa, em relação à sua quantia recuperável».

[7] HANS G. LESER, Der Rücktritt vom Vertrag, Tübigen 1975, páginas 194 e seguintes.

[8] Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, páginas 235-236. Com alcance semelhante, GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3.ª edição, fala de «retroactividade inautêntica» ou «retrospectividade», que é «caracterizada pela aplicação imediata de uma lei a situações de facto nascidas no passado mas que continuam a existir no presente» páginas 257 e 428. Também no mesmo sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 30-11-2010, proferido no processo n.º 0565/10, e de 28-06-2011, proferido no processo n.º 0779/10.

[9] Aliás, o próprio Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, inclui no seu artigo 5.º várias normas retroactivas e a maior parte dos orçamentos do Estado incluem normas interpretativas, que, integrando-se nas leis interpretadas (artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil), são aplicáveis a factos anteriores à sua emissão.

[10] Que designaremos, ao longo deste voto de vencida, por lei das privatizações.

[11] Importa atender a que neste exemplo muito simples que apresentamos, ignoramos muitas das particularidades associadas ao registo da reavaliação, nomeadamente, que esse registo teria que ser feito bem a bem do imobilizado, para além de que se podem utilizar diferentes modelos para traduzir a alteração de valor em resultado de uma operação de reavaliação (atualização do valor contabilístico pelo qual os bens se encontravam registados nas contas da entidade; ou atualização dos valores brutos dos bens e das respetivas amortizações/reintegrações). O art. 3.º do Decreto-Lei 22/92, claramente, define o processo de actualização que se devia usar no caso das reavaliações resultantes dos processos de privatização. Todavia, para o caso aqui em análise vamos desconsiderar esses procedimentos técnicos.

[12] A avaliação a que esses ativos foram sujeitos ainda na esfera da E…, entre as reavaliações para menos (negativas) e reavaliações para mais (positivas), determinou uma variação patrimonial líquida positiva no montante de 31.666.263.000$00. Ambos os valores são factos dados como provados no acórdão.

[13] Esses ativos são detidos desde 2007 pela C…, S.A., que os recebeu nesse ano, em regime de neutralidade fiscal, da sua empresa-mãe a …, SGPS, que por sua vez os havia recebido em 1994 por cisão da E…, em regime de neutralidade fiscal também. Todavia, esse facto não tem qualquer relevância para a resolução do diferendo que opõe in casu a Requerente e a Requerida.

[14] Este facto é dado como provado no acórdão.

[15] No n.º 3 do art. 1.º do Decreto-Regulamentar 2/90, de 12 de janeiro, dispõe-se que as amortizações e reintegrações só são aceites para efeitos fiscais desde que contabilizadas como custo no mesmo período de tributação.

[16] O âmbito do n.º 3 do art. 1.º foi substancialmente ampliado no Decreto Regulamentar 25/2009, de 14 de setembro, pois veio a considerar a hipótese das depreciações/amortizações serem consideradas gastos fiscais mesmo que reconhecidas em períodos de tributação anteriores. Assim dispõe-se nesse preceito que: “As depreciações e amortizações só são aceites para efeitos fiscais desde que contabilizadas como gastos no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores.”

[17] Referia-se neste ponto que: “Quando à data do balanço, os elementos do activo imobilizado corpóreo e incorpóreo, seja ou não limitada a sua vida útil, tiverem um valor inferior ao registado na contabilidade, devem ser objecto de amortização correspondente à diferença se for de prever que a redução desse valor seja permanente. Aquela amortização extraordinária não deve ser mantida se deixarem de existir os motivos que as originaram.”

[18] Ver para o efeito A. Borges et al., Elementos de Contabilidade Geral, 1993: p. 638.

[19] Referindo-nos o n.º 3 do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 22/92, de 14 de fevereiro que “as reintegrações dos elementos do activo imobilizado poderão calcular-se sobre os valores resultantes de reavaliação a partir do exercício de 1991, inclusive”.

[20] Com a entrada em vigor do SNC, a partir de 2010 admitiu-se, nos casos previstos na lei contabilística [NCRF 7 - Ativos fixos tangíveis (AFT)], o modelo da revalorização nos AFT, e neste caso, e em circunstâncias especiais, que não interessa aqui elencar, as perdas por imparidade devem reduzir o saldo da conta 58 - Excedentes de revalorização em ativos fixos tangíveis e intangíveis, na medida em que esse saldo permita acolher o montante das perdas por imparidade a reconhecer. Todavia, no modelo do custo, que é o modelo utilizado pela generalidade das entidades, as perdas por imparidade são sempre reconhecidas como gastos.

[21] Ver o que dizemos sobre o diferente conteúdo do n.º 3, do art. 1.º dos referidos decretos regulamentares.

[22] Este modelo pode também ser utilizado para os ativos intangíveis (NCRF 6). Todavia, iremos desconsiderar aqui esta questão.