DECISÃO ARBITRAL
Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Nuno Cunha Rodrigues e Filipa Barros, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte
I – RELATÓRIO
1. No dia 03 de Dezembro de 2015, A..., SA, NIF ..., com sede na Rua ..., n.º ..., em ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos seguintes actos de liquidação de imposto sobre o valor acrescentado, relativa ao exercício de 2011, 2012, e 2013, emitida pelo Serviço de Finanças de ... ..., no valor total de € 65.922,31 (sessenta e cinco mil, novecentos e vinte e dois mil euros e trinta e um cêntimos, acrescido de € 8.311,15 (oito mil, trezentos e onze euros e quinze cêntimos) de juros compensatórios, no total de € 74.233,46 (setenta e quatro mil, duzentos e trinta e três euros e quarenta e seis cêntimos):
2. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) ao pressupor que as acções de formação realizadas pelo Requerente, as quais são subsidiadas pelo Programa Operacional Potencial Humano (POPH), estão sujeitas a liquidação de IVA, ainda que as mesmas não configurem a existência de qualquer contrapartida, comete um vício de violação de lei que torna a liquidação que é objeto do presente pedido ilegal.
3. No dia 04-12-2015, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 27-01-2016, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 15-02-2016.
7. No dia 16-03-2015, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.
8. Atendendo a que não existia necessidade de produção de prova adicional, para lá da prova documental já incorporada nos autos, nem matéria de excepção sobre as quais as partes carecessem de se pronunciar, e que no processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º do RJAT, dispensou-se a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.
9. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, não foram as mesmas apresentadas pelas partes.
10. Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após o termo do prazo fixado para a apresentação de alegações da AT.
11. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- A Requerente, A..., S.A., iniciou a sua actividade em 30-10-2003, na área das tecnologias de informação e informática – CAE 62090 – tendo como actividades secundárias a formação profissional - CAE 85891 - e a consultoria em informática – CAE 62020.
2- A actividade efectiva da Requerente, à data dos factos tributários, traduzia-se na prestação de serviços na área da formação profissional, sendo uma entidade acreditada no domínio da formação, para o que ora releva, desde 06/06/2004, pelo Ministério do Trabalho e da Segurança Social.
3- Da actividade ligada à prestação de serviços de formação profissional, parte foi subsidiada pela União Europeia através de candidaturas efectuadas e geridas pelo Programa Operacional de Potencial Humano (POPH) e, a outra parte, que corresponde à maioria dos serviços prestados, não foi financiada, tendo sido facturada e suportada maioritariamente por empresas.
4- Embora as prestações de serviços relacionadas com a actividade de formação profissional estivessem isentas de IVA de acordo com o n.º 10 do artigo 9.º do Código do IVA, a Requerente renunciou, previamente à data do primeiro facto tributário aqui em causa, à referida isenção, nos termos do artigo 12.º n.º 1 alínea a) do referido Código.
5- A Requerente deduziu integralmente o imposto que suportou no exercício da sua actividade, incluindo o imposto suportado e afecto à actividade ligada à formação profissional mas não liquidou IVA nas operações activas, mormente nas prestações de serviço ligadas à formação e que foram integralmente subsidiadas.
6- A Requerente, nos anos de 2011, 2012 e 2013 e no âmbito da sua actividade formativa, recebeu do Fundo Social Europeu, no âmbito do Programa Operacional Potencial Humano (POPH), os subsídios discriminados no seguinte quadro:
7- Os subsídios recebidos, traduziram financiamentos aprovados, determinados com referência às acções de formação que a entidade beneficiária efectua, tendo em conta o número de formandos e horas de formação.
8- As candidaturas ao financiamento do Fundo Social Europeu - Programa Operacional Potencial Humano (POPH) são submetidas através da apresentação de um projecto detalhado do número acções de formação e formandos envolvidos, bem como dos custos calculados e discriminados por rubricas.
9- A concessão do financiamento implica o integral cumprimento do projecto aprovado, por parte da entidade beneficiária, além de outras obrigações acessórias destinadas, designadamente, ao controle contabilístico e técnico-pedagógico, da execução das acções de formação subsidiadas.
10- Da aprovação do projecto por parte do POPH, consta toda a informação relativa à estrutura de custos da formação, igualmente detalhada por rubricas, bem como do montante solicitado pela entidade beneficiária e respectivo montante aprovado.
11- No exercício da sua atividade de formação, a Requerente efectuou os seguintes pagamentos, nos projectos POPH:
a. R1 – pagamento a formandos – despesas com remunerações dos activos em formação, bolsas, alimentação, transporte e alojamento, bem como outras despesas com formandos, nomeadamente seguros e despesas com acolhimento de dependentes a cargo destes;
b. R2 – pagamento a formadores, despesas com remunerações dos formadores internos permanentes ou eventuais e dos formadores externos, bem como os encargos dos formadores debitados por entidades no âmbito de um contrato de prestação de serviços com o beneficiário e ainda as despesas com alojamento, alimentação e transporte dos formadores, quando a elas houver lugar;
c. R3 - pagamento de outro pessoal afecto ao projeto – despesas com remunerações dos técnicos, pessoal dirigente, pessoal administrativo, bem como consultores, mediadores sócio-culturais e outro pessoal vinculado ou em regime de prestação de serviços, envolvido nas fases de concepção, preparação, desenvolvimento, gestão, acompanhamento e avaliação do projecto, bem como as despesas com alojamento, alimentação e transporte com este pessoal, quando a elas houver lugar;
d. R4 – rendas, alugueres, e amortizações – despesas com o aluguer ou amortização de equipamentos diretamente relacionados com o projeto, e despesas com a renda ou a amortização das instalações onde o projeto decorre, assim como os alugueres ou amortizações das viaturas para o transporte dos formandos e outros participantes do projeto, conforme as regras de elegibilidade aplicáveis;
e. R5 – outros encargos – despesas com a elaboração de diagnósticos de necessidades, divulgação do projecto, selecção dos formandos e outros participantes, aquisição, elaboração e reprodução de recursos didácticos, aquisição de livros e de documentação, despesas com materiais pedagógicos, com deslocações realizadas pelo grupo no âmbito do respectivo projeto e ainda as decorrentes da aquisição de serviços especializados relacionados com a avaliação dos projectos e dos seus resultados globais;
f. R.6 – encargos e despesas gerais – outras despesas necessárias à concepção, desenvolvimento e gestão dos projetos, nomeadamente as despesas correntes com energia, água, comunicações, materiais consumíveis e bens não duradouros, as despesas gerais de manutenção de equipamento e instalações, as despesas com consultas jurídicas e emolumentos notariais e com peritagens técnicas e financeiras.
12- No que concerne aos gastos referidos no ponto 2.a. supra (R1 - pagamentos a formandos), a subvenção do POPH contempla, para além do mais, exactamente no mesmo valor, as despesas suportadas aos formandos.
13- Os referidos pagamentos aplicam-se nas seguintes tipologias de formação:
a. Cursos de educação e formação de adultos, (cursos EFA);
b. Formação modular certificada (FMC).
14- As referidas modalidades de formação destinam-se a pessoas com idade igual ou superior a 18 anos à data do início da formação, sem a qualificação adequada para efeitos de inserção ou progressão no mercado de trabalho e, prioritariamente, sem a conclusão do ensino básico ou do ensino secundário.
15- A formação é dirigida a um perfil de pessoas em risco (desempregados, formação técnica baixa), para melhoria das qualificações, inserção social, melhoria das condições sociais, natureza social das prestações.
16- Estas prestações pagas aos formandos são indexadas ao IAS (Indexante de Apoio Social), sendo a sua a natureza e valores definidos no despacho normativo 4-A/2008, de 24 de janeiro, e não estão conectadas com qualquer produto comercial.
17- Da mesma forma, nos cursos EFA, e de acordo com um contrato pré-definido, são pagas as seguintes importâncias:
i. Bolsa de formação – as bolsas de formação são atribuídas a pessoas desempregadas ou a pessoas que se encontrem em situação de risco de desemprego, com idade igual ou superior a 23 anos, não podendo o valor máximo mensal elegível ultrapassar o valor o 50% do IAS;
ii. Subsídio de refeição – o subsídio de refeição de montante igual ao atribuído aos funcionários e agentes da Administração Pública, nos dias em que o período de formação seja igual ou superior a duas horas e, no caso dos formandos activos empregados, quando esse período de formação, de duração igual ou superior a duas horas, decorra fora do seu período normal de trabalho;
iii. Reembolso de despesas – acolhimento, deslocações e alojamento
18- Todas as despesas são pagas a pessoas desempregadas ou a pessoas que se encontrem em situação de risco de desemprego, com idade igual ou superior a 23 anos.
19- Relativamente à Formação modular certificada (FMC), a frequência de unidades de formação de curta duração inseridas em percursos de nível básico dirige-se, prioritariamente, a adultos com níveis de habilitação escolar inferiores ao 3.º ciclo do ensino básico.
20- O acesso a unidades de formação de curta duração inseridas em percursos de nível secundário, exige uma habilitação escolar de, pelo menos, o 3.º ciclo do ensino básico.
21- Nestas formações de curto prazo, os pagamentos efectuados pela Requerente resumem-se aos subsídios de refeição, de montante igual ao atribuído aos funcionários e agentes da Administração Pública, nos dias em que o período de formação seja igual ou superior a duas horas e, no caso dos formandos activos empregados, quando esse período de formação, de duração igual ou superior a duas horas, decorra fora do seu período normal de trabalho.
22- Nos termos contratuais, são efectuados pagamentos mínimos referentes a 25 ou 50 horas.
23- Relativamente aos gastos referidos no ponto 2.b. supra (R2, pagamento a formadores), os formadores têm de ter um contrato celebrado e estar munido de Certificação para a docência adequada, sendo que a entidade promotora está perfeitamente no artigo 3.º da Portaria 230/2008.
24- Os formadores recebem da Requerente, mensalmente, tendo em conta o respectivo enquadramento fiscal de acordo com número de horas leccionado, sendo que, estas horas leccionadas não estão conectadas com o número de alunos em sala.
25- Os montantes pagos pela Requerente aos formadores integram também a subvenção do POPH.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
A questão que se coloca no presente processo é a de saber se os subsídios atribuídos pelo Programa Operacional Potencial Humano, à Requerente, nos anos de 2011 a 2013, estão, ou não, sujeitos a IVA, por força do disposto no n.º 5, alínea c), do artigo 16.º do CIVA, na redacção aplicável.
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Como dados de facto relevantes para a apreciação da questão em causa, temos os seguintes:
- A Requerente, A..., S.A. exerceu na área das tecnologias de informação e informática – CAE 62090 – tendo como actividades secundárias a formação profissional - CAE 85891 - e a consultoria em informática – CAE 62020, sendo que a sua actividade efectiva traduzia-se na prestação de serviços na área da formação profissional, sendo uma entidade acreditada no domínio da formação, para o que ora releva, desde 06/06/2004, pelo Ministério do Trabalho e da Segurança Social.
- A Requerente optou pela renúncia ao regime de isenção de IVA;
- Entre 2010 e 2013 a Requerente ministrou cursos de formação profissional e obteve financiamentos pelo POPH (Programa Operacional Potencial Humano);
- As candidaturas aos financiamentos do POPH foram apresentadas através da junção de um projeto detalhado do número acções de formação e formandos envolvidos, bem como dos custos calculados e discriminados por rubricas, incluindo, para além do mais, encargos com formandos, formadores;
- Da aprovação do projeto, por parte do POPH, consta toda a informação relativa à estrutura de custos da formação, igualmente detalhada por rubricas, bem como do montante solicitado pela entidade beneficiária e respetivo montante aprovado;
- A concessão do financiamento implica o integral cumprimento do projeto aprovado por parte da entidade beneficiária, além de outras obrigações acessórias destinadas ao controle contabilístico e técnico-pedagógico da execução das acções de formação subsidiadas.
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É o seguinte o teor do n.º 5, alínea c), do artigo 16.º do CIVA, na redacção aplicável:
“O valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto, inclui: (...)
c) As subvenções diretamente conexas com o preço de cada operação, considerando como tais as que são estabelecidas em função do número de unidades transmitidas ou do volume dos serviços prestados e sejam fixadas anteriormente à realização das operações.”
*
Compulsados os factos dados como provados, e a norma aplicável, entende-se que se terá de concluir pela aplicabilidade desta àquela.
Com efeito, o que resulta apurado é que os subsídios outorgados à Requerente são directamente conexos com o preço de cada acção de formação, já que:
- foram estabelecidos em função do volume dos serviços prestados; e
- foram fixados anteriormente à realização das operações.
Relativamente a esta última circunstância, resulta claro do processo que os subsídios foram fixados, de acordo com o regime do POPH, anteriormente à realização das operações.
O subsídio outorgado, integra um fluxo a jusante, na medida em que a sua causa – aquilo que justifica a sua atribuição (como se verá de seguida) – é a produção da Requerente (a prestação de serviços de formação). Não se distinguirá, assim, o subsídio em questão, de um preço fixado, e mesmo pago, anteriormente à produção do bem ou serviço que se destina a pagar. Não será, evidentemente, a cronologia da atribuição e/ou pagamento do subsídio que relevará para a sua qualificação como output, mas antes a sua relação causal com o produto da actividade do sujeito passivo; se o subsídio é atribuído com a finalidade de permitir ao sujeito passivo produzir, será um input; se o subsídio é atribuído como contrapartida ou condição de bens ou serviços que o sujeito passivo fica obrigado a produzir ou prestar, será, naturalmente, um output.
Passando então para o primeiro dos supra-verificados pressupostos da norma em análise, ou seja, para a circunstância de que os subsídios em questão foram estabelecidos em função do volume dos serviços prestados pela Requerente, corroborando que os mesmos foram atribuídos como contrapartida de serviços que aquela ficou obrigada a prestar, verifica-se que, efectivamente:
o As candidaturas aos financiamentos em causa implicaram a junção de um projeto detalhado do número acções de formação e formandos envolvidos;
o Da decisão de aprovação do projeto subsidiado constam as datas de início e fim das acções de formação e do número de formandos;
o A concessão do financiamento implica o integral cumprimento do projeto aprovado por parte da entidade beneficiária, incluindo a cabal execução das acções de formação subsidiadas.
Este quadro factual não deixa dúvidas, julga-se, em relação à circunstância de os subsídios atribuídos à Requerente, e em questão no presente processo, o terem sido como contrapartida específica das concretas acções de formação, detalhadas no projecto apresentado e aprovado, o que vale por dizer que tais subsídios foram estabelecidos em função do volume dos serviços prestados.
Embora alegue que, no caso, os subsídios são atribuídos sem que se verifique a existência de qualquer contrapartida, tal não poderá resultar, julga-se e salvo o devido respeito, senão de uma confusão entre proveitos e contrapartidas. Ou seja, e como vem de se expor, do quadro factual resulta, sem dúvidas, que os subsídios têm como contrapartida a realização, nos termos contratualizados, das acções de formação, pelo que existe efectivamente contrapartida. O que a Requerente poderá sustentar – e no fundo é aquilo que, verdadeiramente, sustenta – é que não terá qualquer proveito nas operações que realiza e que coloca no presente processo arbitral em causa, uma vez que, pelo menos nas rubricas por si assinaladas, as quantias que entrega a terceiros – formandos e formadores – não excedem a que, a tal título, integram a subvenção obtida.
Todavia, não resulta de qualquer modo do regime legal em causa, que para que um subsídio seja atribuído com referência ao volume de serviços prestados, tenha de incluir proveitos, notando-se, desde logo, que ao contrário do IRC, o IVA, não incide sobre aqueles.
Antes, o objecto de incidência do IVA como se sabe, é constituído pelas operações elencadas no artigo 1.º, n.º 1, do CIVA, onde se incluem, para o que aqui interessa, “as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso”.
Ora, e também ao contrário do que perpassa do Requerimento Inicial, não se tem qualquer dúvida de que as prestações de serviços de formação da Requerente, integrantes das acções de formação incluídas nos projectos do POPH, e por este subsidiadas, são:
§ prestações de serviços;
§ ocorreram em território nacional;
§ a título oneroso.
Não sendo, minimamente, controverso no presente processo qualquer um dos dois primeiros pontos, parece a Requerente contestar a onerosidade das prestações de serviços em questão, essencialmente com base no argumento de que os montantes concedidos a título de subsídio se limitam a cobrir as despesas decorrentes das referidas acções de formação.
Ora, ressalvado sempre o respeito devido, nem um nem outro dos argumentos será susceptível de afastar a onerosidade da prestação de serviços. Com efeito, como se escreveu, por exemplo, no Ac. do STJ de 18-10-2012, proferido no processo 624/06.2TBPRG.P1.S1[1], “a onerosidade ou gratuitidade ressalta da própria função objectiva do acto, conforme este é, ou não, fonte de duas recíprocas atribuições patrimoniais, que se contrapõem como os pratos de uma balança.”, não se tendo dúvidas que a aprovação dos projectos POPH da Requerente, ora em causa, é fonte, para além do mais, da obrigação da Requerente prestar as acções de formação, e da correspectiva obrigação da entidade subsidiante lhe abonar o subsídio garantido, assim se evidenciando, desde logo, a onerosidade da prestação de serviços de formação em causa.
Dito de outro modo: a Requerente apenas prestou os serviços de formação subsidiados, porque os subsídios em causa lhe foram atribuídos, funcionando, assim, aqueles como uma contrapartida (preço) dos serviços de formação prestados pela Requerente.
Não obsta a esta conclusão, a circunstância de tal preço não ser abonado pelo(s) beneficiário(s), mas por um terceiros (a entidade subsidiante), tal como, por exemplo, o café que um amigo paga a outro, não deixa de ser oneroso, por não ter sido pago por quem o consumiu.
Também não obsta, do mesmo modo, à conclusão retirada, a circunstância de os subsídios em questão se destinarem exclusivamente à cobertura de despesas, com a eventual implicação de que as prestações de serviços de formação em causa se caracterizarão pela ausência de valor económico acrescentado, não visando a obtenção de qualquer lucro. Com efeito, e desde logo, como se referiu já, nem o objecto de incidência do IVA é o lucro, nem este (o lucro) se identifica com onerosidade. Assim, e por novo exemplo, uma venda (v.g. por motivo de saldo ou liquidação) a preço de custo ou, inclusive, com prejuízo não deixa de ser uma operação realizada a título oneroso, e, como tal sujeita a IVA, sendo que tal sujeição, manifestamente, nada contende com a natureza daquele como Imposto sobre o Valor Acrescentado, já que tal natureza é assegurada pelo mecanismo próprio de funcionamento de tal imposto, designadamente pelo mecanismo da dedução, que assegura a sua neutralidade.
Daí que a única via para que as operações de prestação de serviços de formação em questão sejam isentas, é a que resulta da isenção referida na alínea 10) do artigo 9.º do CIVA, à qual, contudo e como está provado, a Requerente renunciou, notando-se que actualmente (e desconhecendo-se se tal acontecia à data dos projectos em questão no presente processo, o que é, todavia, irrelevante), a própria página electrónica do POPH[2] alerta que:
“As entidades titulares dos pedidos de financiamento para o desenvolvimento de acções de formação profissional subsidiadas pelo FSE estão abrangidas pela parte final do nº 11 do artigo 9º do CIVA. Assim, sendo a actividade qualificada de isenta, os subsídios a ela associados são assimilados a contraprestação de operação isenta, por isso sem direito à dedução. Esta situação justifica a consideração do IVA suportado como despesa elegível para o FSE, nos termos da Rectificação do Regulamento (CE) nº 1081/2006 da Comissão, publicado em JO L 166, em 28.06.2007. Interpretação contrária deve ser feita para as entidades titulares de pedidos de financiamento que tenham renunciado a essa isenção, nos termos do artigo 12º do CIVA.”[3].
Dessa forma, e na sequência não será possível concluir-se de outra forma que não a sujeição das operações subsidiadas a IVA, nos termos do artigo 16.º, n.º 5, do CIVA, e pela não verificação de qualquer erro na fundamentação material dos actos tributários em crise, com a consequente legalidade das liquidações objecto do presente processo.
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Não obsta à conclusão tirada, a circunstância, alegada pela Requerente e dada como provada, de os subsídios do POPH integrarem as quantias que são abonadas aos formandos, pela frequência das acções de formação, e aos formadores que a ministram.
Com efeito, não se demonstra, nem sequer é alegado, que tais parcelas dos subsídios do POPH tenham constituído prestações autónomas com vista a esse fim. Antes, os facto apurados indiciam, com se viu já, que os subsídios POPH integram uma contraprestação global da prestação de serviços de formação pela Requerente, nos termos contratualizados, incluindo o abono a formandos e formadores, indissociável da globalidade daquela prestação de serviços no seu todo, incluindo as demais rúbricas abrangidas pelos programas de formação aceites, como sejam, as constantes do ponto 11 dos factos dados como provados.
Desse modo, a contraprestação global dos serviços de formação prestados pela Requerente, que são os subsídios do POPH, na medida em que a Requerente renunciou à isenção de IVA de que podia gozar, é sujeita a IVA, ainda que, total ou parcialmente, o custo das prestações de serviços da Requerente não seja inferior à subvenção em causa, o mesmo ocorrendo até se tal custo excedesse a subvenção e a Requerente actuasse com prejuízo. Com efeito, e como se apontou, já, a tributação em sede de IVA não é condicionada pela existência de lucros ou proveitos, sendo a adequação de tal tributação à capacidade contributiva assegurada pelo mecanismo da dedução do imposto.
De resto, in casu, tendo a Requerente, como é natural que o haja feito uma vez que renunciou à isenção de que poderia gozar, deduzido o imposto (IVA) suportado a jusante com os custos das prestações de serviços contratualizadas no âmbito do POPH (sendo que, se não o fez, apenas de si mesma se poderá queixar), a tributação a montante da contrapartida de tais serviços, constituída, nos termos expostos, pelas subvenções daquele programa, nada mais fará do que repor o equilíbrio conatural ao mecanismo de funcionamento próprio do imposto em causa, sendo certo que, se o IVA devido em função de tal contrapartida exceder o liquidado (ou liquidável) pela Requerente nos seus custos a jusante, o mecanismo da dedução assegurará a inexistência de qualquer gravame para aquela.
Assim, e na sequência de anterior jurisprudência arbitral na matéria[4], julga-se ser de soçobrar a pretensão da Requerente nos presentes autos de processo arbitral tributário.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, absolver a Requerida do mesmo.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em €74.233,46, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa
20 de Junho de 2016
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho - Relator)
O Árbitro Vogal
(Nuno Cunha Rodrigues)
O Árbitro Vogal
(Filipa Barros)
(Filipa Barros)
[4] Cfr. p. ex., Acs. proferidos nos processos arbitrais 171/2015T, 338/2015T, disponíveis em www.caad.org.