Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 724/2015-T
Data da decisão: 2016-06-07  Selo  
Valor do pedido: € 26.557,55
Tema: IS - Verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo; lote de terreno para construção; Caducidade do direito de ação; Impropriedade do meio processual
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Decisão Arbitral

 

I – Relatório

 

1. No dia 2.12.2015, a Herança de A…, contribuinte nº …, representada pela cabeça-de-casal, B…, viúva, contribuinte nº …, residente na Rua …, nº …, … esquerdo, Porto, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação da liquidação de Imposto de Selo emitidas em 21.03.2013, relativas ao ano de 2012, no valor de € 26.425,00, a que se referem os seguintes documentos de cobrança:

 

a)      documento de cobrança nº 2013 …, relativa à 1ª prestação, no valor de € 8.808,34.

b)      documento de cobrança nº 2013 …, relativa à 2ª Prestação, no valor de € 8.808,33. E,

c)      documento de cobrança nº 2013 …, relativa à 3ª prestação, no valor de € 8.808,33.

 

A Requerente, alegando ter pago os valores em causa, peticiona, ainda, a sua restituição, acrescida de juros indemnizatórios.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 11.02.2016.

 

3. Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis.

Foi ainda dispensada a realização de alegações, nos termos do art. 18º, nº 2, do RJAT, “a contrario”.

 

4. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, sinteticamente, os seguintes:

a.       A liquidação objeto do presente processo incide sobre um terreno destinado a construção urbana de que é titular a herança, o qual se encontra inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo nº … e respeita ao ano de 2012 e à verba 28.1 da TGIS anexa ao CIS.

b.      Os documentos de cobrança foram integralmente pagos, conforme é do conhecimento oficioso da AT (cfr. artigo 74º, nº 2 da LGT) e ora se demonstra pelos documentos juntos aos autos.

c.       Não se conformando com a liquidação de Imposto de Selo acima referida, a Requerente, em 26.11.2014, apresentou o pedido de revisão oficiosa que se fundamentou em erro de Direito e de facto imputáveis à AT.

d.      Esse pedido de revisão oficiosa foi indeferido por meio do despacho de 01.09.2015, do Chefe do …SF do Porto que teve por base o projeto de indeferimento.

e.       Fundamentalmente, considerou o … SF do Porto que (i) o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente era intempestivo por ter sido precludido o prazo de reclamação administrativa (artigo 78º nº 1 da LGT, 1ª parte); (ii) a AT não teria cometido qualquer erro na emissão das liquidações de IS em causa; (iii) e que os terrenos destinados a construção devem ser considerados prédios urbanos destinados a construção habitacional.

f.       Ora, o despacho e a liquidação de IS aqui impugnada é ilegal.

g.      Contrariamente ao decidido, o pedido de revisão oficiosa foi oportunamente apresentado no prazo de 4 anos após as liquidações, com fundamento em erro imputável à AT pelo que, foi escrupulosamente, cumprido o prazo legal de 4 anos consignado no artigo 78º nº 1, 2ª parte da LGT.

Por outro lado,

h.      Nos termos do artigo 6º (Disposições transitórias) da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro (entrada em vigor em 30.10.2012, cfr. artigo 7º nº 1 daquela Lei) “1 - Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral: a) O facto tributário verifica-se no dia 31 de outubro de 2012;

i.        A este propósito, e conforme decidiu o Acórdão do TCAS, 2ª Secção (CT), de 10.07.2014, Proc. 07648/14, “P (…) Deste modo, para efeitos tributação em relação ao ano de 2012, não pode ser relevada factualidade ocorrida em data posterior à da verificação do facto tributário (31/10/2012), sendo certo que a avaliação realizada em Dezembro desse ano ocorre a jusante do dito facto tributário, mais não se reportando à data do mesmo”.

j.        Mais ainda, e conforme acima se referiu, à data do facto tributário relevante para o efeito, 31.10.2012, o valor patrimonial tributário do terreno em questão era substancialmente inferior a Euro 1.000.000,00.

k.      De modo que as liquidações de IS cuja ilegalidade aqui é pedida tiveram indevidamente por base o valor patrimonial tributário do imóvel à data de 31.12.2012.

l.        Pelo que as liquidações de IS em questão devem ser anuladas, com fundamento em erro de Direito imputável à AT.

Acresce que,

m.    A citada Lei 55-A/2012, de 29/10, aditou a verba nº 28 à Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) anexa ao CIS, aprovado pela Lei 150/99, de 11/9, com a seguinte redacção (aplicável, pois, a 2012): “28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI: 28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%; 28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças -7,5 %.”.

n.      Ora, os terrenos destinados a construção não estavam compreendidos na lei aplicável a 2012, pois não constituem “prédios com afetação habitacional”, também com estes fundamentos se verifica a ocorrência de erro imputável aos serviços.

 

5. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:

 

POR EXCEPÇÃO

 

Caducidade do direito de ação

 

a.       O pedido de constituição do Tribunal Arbitral é manifestamente extemporâneo.

b.      Na verdade, sendo de 21.03.2013 a data de liquidação do imposto, há muito que tinha terminado o prazo de pedido de constituição do Tribunal Arbitral, previsto no art.º 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

c.       E, repare-se, o pedido formulado pela requerente nem é, sequer, o da revogação do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa da liquidação, pedido este, aliás, para cuja apreciação este Tribunal Arbitral seria materialmente incompetente, dado estarmos aqui face a uma ato administrativo em matéria tributária, mas não a um ato tributário (art.º 2.º, n.º 1, alínea a) do mesmo diploma),

d.      limitando-se a requerente a solicitar a A anulação ou declaração de nulidade das liquidações de IS aqui impugnadas, com a consequente devolução dos tributos, juros e encargos indevidamente pagos; o reconhecimento do direito da Requerente a juros indemnizatórios, a liquidar nos termos legais, por erro de facto e de Direito da At na emissão das liquidações impugnadas.

e.       Ou seja, o objeto do processo e o objeto do pedido consiste, única e exclusivamente, na apreciação da legalidade da liquidação do imposto, sendo que o exercício deste direito, por via da arbitragem tributária, há muito estava ultrapassado.

f.       Veja-me, com os mesmos exatos pressupostos, o decidido pelo Tribunal Arbitral, na recentíssima decisão arbitral de 02.11.2015, proferida no Processo n.º 159/2015-T do CAAD, com a única diferença, para o caso irrelevante, de o aí requerente fundar o seu pedido no indeferimento de uma reclamação graciosa.

 

Impropriedade do meio processual

 

g.      Tendo a Requerente sido notificada da decisão que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa apresentado e, tratando-se de um ato em matéria tributária, já que não foi apreciada a legalidade do ato objeto do pedido, o meio (judicial) próprio de reação ao ato (decisão expressa de Arquivamento por indeferimento liminar do pedido de revisão oficiosa) sempre seria a Ação Administrativa Especial e não o presente meio arbitral.

h.      O meio processual impróprio constitui uma exceção dilatória, impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos dos n.º 1 e n.º 2 do artigo 576.º e 577.º do Código de Processo Civil, que conduz à absolvição da instância nos termos do disposto no artigo 278º do mesmo diploma legal, pelo que se argui tal exceção para os devidos efeitos legais.

 

Não verificação de todos os requisitos e pressupostos do pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação

 

i.        O pedido de revisão oficiosa, “in casu” apenas poderia ter sido apresentado com fundamento no n.º 1 do art.º 78.º da LGT no prazo de quatro anos após a liquidação, ou a todo o tempo, caso o imposto ainda não tenha sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

j.        Ora, não apenas a Requerente não prova ter havido um ou qualquer erro imputável aos Serviços como, indubitavelmente, não existiu na liquidação em causa qualquer erro imputável à AT.

k.      Face ao exposto, não pode o Tribunal Arbitral considerar tempestivo o presente pedido, por não estarem, manifestamente, reunidos os pressupostos legais exigidos pelo art.º 78.º, n.º 1, da LGT.

 

IMPUGNAÇÃO, por mera cautela

 

l.        Ora, os prédios urbanos que sejam terrenos para construção e aos quais tenha sido atribuída a afetação habitacional no âmbito das respetivas avaliações, constando tal afetação das respetivas matrizes, estão sujeitos a Imposto de Selo.

m.    O facto de, na norma de incidência – verba 28.1 da TGIS – se ter positivado o prédio com afetação habitacional em detrimento do prédio habitacional, faz apelo ao coeficiente de afetação, cf. artigo 41 do CIMI, que se aplica, indistintamente, a todos os prédios urbanos.

n.      A prová-lo e a confirmá-lo está o Orçamento de Estado para 2014, Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, vide artigo 194º, sob a epígrafe - Alteração à Tabela Geral do Imposto do Selo, segundo o qual a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, passa a ter a seguinte redação: «28.1 — Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI — 1 %».

o.      O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43º da LGT, derivado da anulação judicial de um ato de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse facto está afetado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração tributária.

p.      Uma vez que, à data dos factos, a Administração Tributária fez a aplicação da lei nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43º da LGT.

 

6. Notificada da resposta apresentada pela Requerida, veio a Requerente responder por escrito às exceções suscitadas, em síntese, nos termos seguintes:

 

a.       Começa a Requerida por excecionar a “caducidade do direito de ação” dado que a Requerente teria pedido “in fine” tão só a anulação ou declaração de nulidade das liquidações e solicitado o reembolso do imposto acrescido de juros indemnizatórios,

b.      e não a anulação ou declaração de nulidade do despacho de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa - para cuja apreciação o Tribunal Arbitral seria materialmente incompetente, segundo igualmente alega a Requerida.

c.       Como a Requerente não formulou expressamente aquele pedido de anulação ou declaração de nulidade do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, o pedido de pronúncia arbitral seria extemporâneo; se o tivesse formulado o Tribunal Arbitral seria materialmente incompetente.

d.      O efeito prático da tese da Requerida seria que, de uma forma ou de outra seria sempre denegada a justiça arbitral ao contribuinte, em violação do seu direito de defesa e proteção jurisdicional efetiva (artigos 20º e 268º nº 4 da CRP e 9º da LGT, ex vi do artigo 29º nº 1 b) do RJAT) mas semelhante entendimento não tem qualquer base legal.

e.       Tal como se afirma no artigo 7º do CPTA (Promoção do acesso à justiça), aplicável por remissão do artigo 29º nº 1 c) do RJAT, “Para efetivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas.”

f.       Ora, conforme resulta do disposto no artigo 2º nº 1 a) do RJAT, compete aos Tribunais Arbitrais pronunciar-se sobre a “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos”.

g.      Por sua vez, nos termos do artigo 10º nº 1 a) do RJAT, o pedido de constituição do tribunal arbitral é apresentado no prazo de 90 dias, “contado a partir dos factos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma”.

h.      Assim, contrariamente ao entendimento da Requerida, não tinha a Requerente de peticionar expressamente a anulação do despacho de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa das liquidações de IS impugnadas nos presentes autos – para “salvaguardar” a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral.

i.        Como escreve in “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”, 2016, Pág. 116) “Deste modo, são simultaneamente arbitráveis e impugnáveis: (…) Actos de indeferimento expresso de reclamações graciosas, recursos hierárquicos ou pedidos de revisão oficiosa que apreciem, eles próprios, a (i)legalidade do acto de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta – ao abrigo de uma interpretação teleológica da alínea a), do nº 1, do artigo 2º, do RJAT e da alínea a), do artigo 2º, da Portaria de Vinculação, sendo certo que o objceto do processo arbitral é sempre o acto tributário de primeiro grau cuja (i)legalidade o sujeito passivo pretende ver apreciada;”

j.        o Requerente pediu expressamente aquilo que podia e devia pedir, já que, contrariamente ao entendimento da Requerida, é este precisamente o objeto legal do pedido de pronúncia arbitral – a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação, com a sua consequente anulação ou declaração de nulidade.

k.      E formulou esse pedido no prazo de 90 dias contados da data da notificação do despacho de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa das liquidações.

l.        Por conseguinte, contrariamente ao entendimento da Requerida, não se verifica qualquer “caducidade do direito de ação”.

 

Por outro lado,

 

m.    Tal como resulta do seu teor, o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e o respetivo projeto de indeferimento no qual aquele se baseou pronunciaram-se expressamente sobre a legalidade das liquidações de IS.

n.      propugnando aquele despacho, entre outras asserções, que a AT não teria cometido qualquer erro na emissão das liquidações de IS em causa e que os terrenos destinados a construção devem ser considerados prédios urbanos destinados a construção habitacional.

o.      Com efeito, contrariamente ao entendimento da Requerida, é manifesto que o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, no caso concreto dos presentes autos, pronunciou-se sobre a (i)legalidade das liquidações de IS aqui impugnadas.

p.      Se bem se percebe, a Requerida exceciona ainda a extemporaneidade deste pedido de pronúncia arbitral “por não verificados os requisitos e pressupostos da revisão oficiosa do acto tributário (artº 78º nº 1 da LGT), cujo indeferimento motivou o presente pedido”.

q.      Ora, o pedido de revisão oficiosa, como dele resulta, fundou-se no disposto no artigo 78º nº 1 da LGT, mais concretamente em erro de Direito e de facto da AT na emissão das liquidações impugnada.

r.        Nestes termos, devem as exceções aduzidas pela Requerida ser julgadas improcedentes.

s.       Subsidiariamente, se porventura assim não se entender, amplia-se o pedido formulado in fine do pedido de pronúncia arbitral no sentido deste compreender igualmente o pedido de anulação do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa das liquidações.

 

7. Cumpre solucionar as seguintes questões:

a.       Exceção de caducidade do direito de ação.

b.      Exceção impropriedade do meio processual.

c.       Alegada questão prévia da não verificação de todos os requisitos e pressupostos do pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação

d.      ilegalidade das liquidações impugnadas, por erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração Tributária

e.       Em caso de anulação da liquidação direito à restituição dos impostos pagos e a juros indemnizatórios.

 

II. Saneamento

 

8. Exceção de caducidade do direito de ação.

 

Considera a Requerida que o objeto do processo e o objeto do pedido consiste, única e exclusivamente, na apreciação da legalidade da liquidação do imposto, sendo que o exercício deste direito, por via da arbitragem tributária, há muito estava ultrapassado.

 

Por sua vez o Requerente considera que é precisamente a liquidação o objeto legal do pedido de pronúncia arbitral – a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação, com a sua consequente anulação ou declaração de nulidade.

E adianta que formulou esse pedido no prazo de 90 dias contados da data da notificação do despacho de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa das liquidações pelo que, na sua ótica, não se verifica a caducidade do direito de ação.

 

Sobre esta questão, diz-nos Jorge Lopes de Sousa que “a ilegalidade de atos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um ato de segundo grau, que confirme um ato de liquidação, incorporando, com essa confirmação, a sua ilegalidade.

(…)nestes casos, o objeto imediato do processo impugnatório é, em regra, o ato de segundo grau que aprecia a legalidade do ato de liquidação, ato aquele que, se o confirma, tem de ser anulado, para se obter a declaração de ilegalidade do ato de liquidação.” (Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in GUIA DA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, págs121-122)

 

Por sua vez, escreve in “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”, 2016, Pág. 116):

Deste modo, são simultaneamente arbitráveis e impugnáveis: (…)

Actos de indeferimento expresso de reclamações graciosas, recursos hierárquicos ou pedidos de revisão oficiosa que apreciem, eles próprios, a (i)legalidade do acto de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta – ao abrigo de uma interpretação teleológica da alínea a), do nº 1, do artigo 2º, do RJAT e da alínea a), do artigo 2º, da Portaria de Vinculação, sendo certo que o objecto do processo arbitral é sempre o acto tributário de primeiro grau cuja (i)legalidade o sujeito passivo pretende ver apreciada;

 

No situação em apreço, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa do ato tributário de liquidação. Na sequência do indeferimento do pedido, no prazo previsto no art. 10º, nº 1, al. a) do RJAT, apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral, em que alegou aquele indeferimento.

Face a esta factualidade, à luz do art. 2º, nº 1, do RJAT, do art. 7º do Código de Processo nos Tribunais Administrativo (ex vi do artigo 29º nº 1, al. c) do RJAT) e do princípio constitucional do acesso à justiça, a tese da Requerida carece, inequivocamente, de fundamento.

Assim sendo, dúvidas inexistem de que o pedido foi apresentado tempestivamente, pelo que se julga improcedente a exceção em causa.

 

9. Exceção de impropriedade do meio processual.

 

Alega ainda a Requerida que na decisão que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa não foi apreciada a legalidade do ato objeto do pedido, pelo que, o meio próprio de reação ao ato sempre seria a Ação Administrativa Especial e não o presente meio arbitral.

 

Todavia, também é manifesta a improcedência da exceção em causa uma vez que, tal como resulta do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e do respetivo projeto de indeferimento no qual aquele se baseou, a Requerida pronunciou-se expressamente sobre a legalidade da liquidação objeto do presente processo, sustentando aquele despacho, designadamente, que a AT não teria cometido qualquer erro na emissão da liquidação em causa e que os terrenos destinados a construção devem ser considerados prédios urbanos destinados a construção habitacional.

Termos em que, se julga improcedente a exceção em causa.

 

10. Questão prévia: da não verificação de todos os requisitos e pressupostos do pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação.

 

Sustenta a Requerida que o pedido de revisão oficiosa, “in casu” apenas poderia ter sido apresentado com fundamento no n.º 1 do art.º 78.º da LGT no prazo de quatro anos após a liquidação, ou a todo o tempo caso o imposto ainda não tivesse sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços e que não ocorreu  na liquidação em causa qualquer erro imputável à AT, pelo que não se pode  considerar tempestivo o presente pedido, por não estarem reunidos os pressupostos legais exigidos pelo art.º 78.º, n.º 1, da LGT.

 

A Requerente salienta que o pedido de revisão oficiosa, como dele resulta, se fundou no disposto no artigo 78º nº 1 da LGT, mais concretamente em erro de Direito e de facto da AT na emissão da liquidação impugnada.

 

Como escrevem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa “Embora o art. 78º da LGT, no que concerne à revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte, se refira apenas à que tem lugar no «prazo de reclamação administrativa», no nº (…) faz-se referência a «pedido do contribuinte», para a realização da revisão oficiosa, o que revela que esta, apesar da impropriedade da designação como «oficiosa», pode ter subjacente também a iniciativa do contribuinte.

É, assim, inequívoco que se admite, apesar da denominada revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte (dentro do prazo da reclamação administrativa), que se faça, também na sequência de iniciativa sua, a «revisão oficiosa»(…).

(…).

Assim, é de concluir que, o facto de ter transcorrido o prazo para a reclamação graciosa e de impugnação judicial do acto de liquidação, não impede o contribuinte de pedir a revisão oficiosa e impugnar contenciosamente o acto de indeferimento desta.” (LEI GERAL TRIBUTÁRIA, Anotada e Comentada, encontros da escrita, 4ª Edição, 2012, págs 705-706).

 

É, pois, também manifesta, a improcedência desta alegada “questão prévia”, pelo que se julga a mesma improcedente, sem prejuízo da indagação da existência de “erro imputável que serviços”, matéria já atinente ao fundo da causa e que adiante será apreciada.

 

11. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

III – A matéria de facto relevante

 

12. Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

 

1.A Requerida efetuou, em 21.02.2013, tendo como sujeito passivo a Requerente, a liquidação de Imposto de Selo relativas ao ano de 2012, no valor de € 26.425,00, repartidas pelos seguintes documentos de cobrança:

a) Documento de cobrança nº 2013 …, relativo ao ano de 2012, 1ª prestação, no valor de Euro 8.808,34.

b) Documento de cobrança nº 2013 …, relativo ao ano de 2012, 2ª Prestação, no valor de € 8.808,33.

c)Documento de cobrança nº 2013 …, relativo ao ano de 2012, 3ª prestação, no valor de Euro 8.808,33.

 

2. A Requerente pagou o valor das três prestações em causa.

 

3. A liquidação incide sobre um terreno destinado a construção urbana de que é titular a herança Requerente, o qual se encontra inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo nº ….

 

4. A liquidação em questão respeita ao ano de 2012 e à verba 28.1 da TGIS anexa ao Código de Imposto de Selo.

 

5. Não se conformando com a liquidação a Requerente, em 26.11.2014, apresentou o pedido de revisão oficiosa da mesma constante dos autos e que se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

 

6.O pedido de revisão oficiosa foi indeferido por despacho de 01.09.2015, do Chefe do … SF do Porto, que teve por base o projeto de indeferimento, donde consta, designadamente, o seguinte:

 

 

Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados

 

13. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, sendo de salientar ocorrer total concordância das partes relativamente à matéria de facto, cingindo-se o desacordo à matéria de direito.

 

-IV- O Direito aplicável

 

14. Estabelecia a verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo, na redação à data do facto tributário, que ficava sujeita a imposto de selo a propriedade de prédios com afetação habitacional com VPT igual ou superior a 1.000.000 euros, nos seguintes termos:

 

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a 1 000 000 euros – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:[1]

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%;

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”.

 

15. Já foi abundantemente sublinhado em diversas decisões arbitrais[2] (designadamente nos processos 42/2013-T, 48/2013-T, 49/2013-T, 51/2013-T, 53/2013-T, 144/2013-T e 202/2014-T) que o conceito de “prédio com afetação habitacional” (que não é objeto de qualquer definição específica no Código de Imposto de Selo) não é utilizado pelo CIMI[3], nem em qualquer outro diploma legislativo.

 

Todas estas decisões arbitrais, cuja doutrina se sufraga, vão, no essencial, no sentido de tal conceito exigir para o seu preenchimento, pelo menos, a possibilidade efetiva do prédio existente ser utilizado para habitação e, em todas elas, se entendeu que os terrenos para construção, mesmo que destinados à construção de edifícios habitacionais, não se subsumem no conceito de “prédio com afetação habitacional”, como resulta das seguintes passagens, dos mencionados processos:

 

Processo 42/2013-T:

A expressão “afetação habitacional” não parece poder ter outro sentido que não o de “utilização” habitacional, ou seja, prédios urbanos que tenham uma efectiva utilização para fins habitacionais, seja porque para tal estão licenciados, seja porque têm esse destino normal.

E não podemos confundir uma “afectação habitacional” que implica uma efectiva afectação de um prédio urbano a esse fim, com a expectativa, ou potencialidade, de um prédio urbano poder vir a ter uma “afectação habitacional”.

 

Processo 49/2013-T:

A expressão «com afectação habitacional» inculca, numa simples leitura, uma ideia de funcionalidade real e presente. Da norma em causa não é possível extrair-se, por interpretação, que, como se afirma na resposta da requerida, a opção do legislador por aquela expressão tenha em vista integrar "outras realidades para além das identificadas no artigo 6.º, n.º 1, alínea a), do CIMI." Tal interpretação não tem apoio legal, face aos princípios contidos os arts. 9.º do Código Civil e 11.º da Lei Geral Tributária.

Com efeito, se o legislador pretendesse abarcar no âmbito de incidência do imposto outras realidades que não as que resultam da classificação regida pelo art. 6.º do CIMI, tê-lo dito expressamente. Mas não o faz, antes remetendo, em bloco, para os conceitos e procedimentos previstos no referido Código

 

Processo 51/2013-T:

O ponto que importa decidir é este: há diferença entre a expressão que o CIMI utiliza de «prédio urbano habitacional» e a expressão usada pelo art. 4º da Lei nº 55-A/2012, ao aludir a «prédio com afetação habitacional»?

Estamos em crer que não, uma vez que prevalece, ainda que usando palavras um pouco diversas, o mesmo sentido fundamental de tributar a titularidade de prédios com um mesmo destino, a efetividade ou a possibilidade de o uso ser para efeitos de habitação humana, com todas as consequências que a legislação em geral e o CIMI em particular lhe dá.”

 

Processo 53/2013-T:

“ (…) deve presumir-se que o uso de uma expressão diferente tem em vista uma realidade distinta, pelo que, em boa hermenêutica, «prédio com afectação habitacional», não  poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um «prédio habitacional»), tendo de ser um prédio que tenha já efectiva  afectação a esse fim.”

 

Processo 144/2013-T:

“(..) julgamos que se impõe, na interpretação do disposto na verba 28.1 da TGIS, o entendimento segundo o qual a afectação habitacional de um prédio urbano sugere que se lhe dê esse efectivo destino, ou se lhe possa directamente dar esse destino.”

 

Proc. 202/2014-T

A expressão "com afectação habitacional" inculca, numa simples leitura, uma ideia de funcionalidade real e presente. Da norma em causa não é possível extrair-se, por interpretação, que, como se afirma na resposta da Requerida, a opção do legislador por aquela expressão tenha em vista integrar "outras realidades para além das identificadas no artigo 6.º, n.º 1, alínea a), do CIMI." Tal interpretação não tem apoio legal, face aos princípios contidos os artigos. 9.º do Código Civil e 11.º da Lei Geral Tributária.

 

16. Também no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 09-04-2014, recurso nº 048/14[4] se considerou que:

O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação -, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.
Esta alteração - a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013), como a que está em causa nos presentes autos.
Ora, quanto a estas, não parece poder perfilhar-se interpretação da recorrente, porquanto, ao contrário do alegado, não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.”

(…)

 “Conclui-se pois, com a recorrida e em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, (…)  como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.”

 

17. Este entendimento continuou a ser perfilhado pelo Supremo Tribunal Administrativo, de modo uniforme, nos demais processos em que foi chamado a pronunciar-se. Como se pode ler no acórdão proferido no processo 0707/14, de 10.09.2014[5]:

A questão foi já decidida por esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo no dia 9 de Abril 2014, nos processos n.ºs 1870/13 (Ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f6fd29ac6d6ebaf380257cc30030891a?OpenDocument.) e 48/14 (Ainda não publicado no jornal oficial, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0e28073928824e5080257cc3003a0cbd?OpenDocument.), e, desde então, reiterada e uniformemente em numerosos acórdãos, podendo considerar-se firmada jurisprudência no sentido de que os terrenos para construção não podem ser considerados para efeitos de incidência do Imposto do Selo prevista na Verba 28.1 (na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro) como prédios urbanos com afectação habitacional.
Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe, por com ela concordarmos plenamente e atento o disposto no n.º 3 do art. 8.º do Código Civil (CC)
(…).

 

18. Assim, ponto inequivocamente comum em todas estas decisões, e que acompanhamos, é o entendimento de que os terrenos para construção, mesmo que destinados à construção habitacional, não são prédios com afetação habitacional. Em consequência, consideramos que a aplicação da verba nº 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redação aditada pela Lei nº 55-A/2012, exige, pelo menos, a atualidade da afetação do prédio para habitação, não sendo suficiente a mera potencialidade de edificação para fins habitacionais.

Na verdade, entendemos que, independentemente das razões que possam ter levado a Lei nº 55-A/2012 a utilizar a expressão “prédio com afetação habitacional”, em vez de “prédio habitacional” constante do art. 6º, nº 1, al. a) do CIMI, para a subsunção à verba 28.1 do CIS não pode deixar de se exigir, pelo menos, a potencialidade real e atual (relativamente ao facto tributário) do prédio em causa ser utilizado para habitação.

Um terreno para construção não pode, assim, ser considerado um prédio com “afetação habitacional”, uma vez que consiste numa realidade não apta à habitação humana. Para se atingir essa aptidão é necessária a ocorrência duma realidade que lhe é externa - a construção do edifício apto à habitação- sendo que, com tal evento deixa de existir um terreno para construção e passa a existir uma nova realidade: o edifício. E é este que pode ter afetação habitacional.

Assim sendo, os terrenos para construção não se subsumem no conceito de “prédio com afetação habitacional”, não lhe sendo aplicável a verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo.

 

19. Tendo em conta o exposto, sendo a verba 28.1 do CIS inaplicável ao prédio da Requerente, não pode deixar de se considerar ter ocorrido na liquidação erro imputável aos serviços, previsto no art. 78º da Lei geral Tributaria.

Assim sendo, a pretensão anulatória da Requerente não pode deixar de proceder, uma vez que o ato tributário está inquinado do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de Direito.

 

20. Veio, ainda, a Requerente pedir a condenação da Requerida a restituir as quantias pagas correspondentes à liquidação objeto do presente processo, bem como os respetivos juros indemnizatórios.

 

Vejamos.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que “a Administração Tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

Embora o artigoº 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.[6]

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se retira do artigoº 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigoº 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

Assim, o n.º 5 do artigoº 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

No que concerne aos juros indemnizatórios, cabe ainda apreciar esta pretensão à luz do artigo 43º da Lei Geral Tributária.

Dispõe o nº 1 daquele artigo que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Como já se referiu verifica-se, no caso, a ocorrência de “erro imputável aos serviços”. Acresce que se Sufraga o entendimento de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa que sustentam que “O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação judicial dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte” (LEI GERAL TRIBUTÁRIA, Anotada e Comentada, encontros da escrita, 4ª Edição, 2012, pág. 342).

No caso “sub judice”, não sendo o erro que deu origem às liquidações, ora anuladas, imputável à Requerente mas, exclusivamente, à Requerida, não poderá deixar de proceder o pedido de condenação da Requerida quanto aos juros indemnizatórios.

Assim, deverá a Autoridade Tributária e Aduaneira dar execução à presente decisão, nos termos do artigoº 24.º, n.º 1, do RJAT, restituindo as importâncias pagas pela Requerente relativamente às liquidações anuladas, com juros indemnizatórios, à taxa legal.

Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (artigoº 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

-IV- Decisão

 

Assim, decide o Tribunal arbitral, julgando procedente o pedido de pronúncia arbitral:

a)         Declarar a não aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo ao prédio em causa, de que a Requerente é titular inscrita na matriz predial urbana.

b)        Declarar a ilegalidade e a consequente anulação do ato tributário sub judice.

c)          Condenar a Requerida a restituir ao requerente os montantes pagos com juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde a data do pagamento até à do processamento da nota de crédito.

 

Valor da ação: 26.557,55 (vinte e seis mil, quinhentos e cinquenta e sete euros e cinquenta e cinco cêntimos) nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A,n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas pela Requerida, no valor de € 1530,00 (mil quinhentos e trinta euros), nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, CAAD, 7.06.2016

 

                                O Árbitro

 

                 Marcolino Pisão Pedreiro

                     



[1] Esta norma foi alterada com a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, alargando expressamente a base de incidência, passando a incluir os terrenos para construção.

[2] Que se podem consultar no sítio da internet “https://caad.org.pt/tributario/decisoes/”

[3] O art. 67º, nº 2, do CIS dispõe que “Às matérias não reguladas no presente Código respeitante à verba nº 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.” Por sua vez, o CIMI usa o conceito de prédio urbano habitacional, sendo considerado como tal os edifícios/construções para tal licenciados ou os que tenham como destino normal cada um destes fins, nos termos do art. 6º, nº 1, al. a) e nº 2.Este mesmo artigo diferencia, claramente, o conceito de terreno para construção, no seu nº 1, al. c) e no nº 3.

[4] Disponível em http://www.dgsi.pt/.

[5] Também disponível em http://www.dgsi.pt/.

[6] Sobre esta questão veja-se Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in GUIA DA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, págs. 110-116).