Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 696/2015-T
Data da decisão: 2016-06-30  IRS  
Valor do pedido: € 31.618,77
Tema: IRS - Mais-Valias; artigo 10.º n.º 5 alínea a) do Código do IRS
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Decisão Arbitral

 

 

Partes

Requerente: A…, NF …, residente na Rua …, nº …, …-…, São ....

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

I.                   RELATÓRIO

 

a)      Em 23-11-2015, o Requerente entregou no CAAD um pedido solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral singular (TAS).

 

O PEDIDO

 

b)      O Requerente pede a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa …2014… que lhe foi notificada por ofício nº …, datado de 24.08.2015 do Serviço de Finanças de ...-…, procedimento que deduziu contra a liquidação de IRS nº 2014 … e liquidação de juros compensatório nº 2014 …, referentes ao ano de 2010, totalizando 31 618,77 euros, cuja anulação também pretende e bem assim a condenação da Requerida em indemnização pela prestação indevida de garantia, além do reembolso de parte do imposto pago por compensação, acrescendo os juros indemnizatórios quanto ao valor de 5 560,60 euros que suportou através de movimentos de compensação (conforme documento nº 2 – folha 2 junto com o pedido de pronúncia).

 

DO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS)

 

c)      O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 30-11-2015.

d)     Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 10-02-2016. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

e)      O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 16-02-2016, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).

f)       Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular com data de 16-02-2016 que aqui se dá por reproduzida.

g)      Em 16-02-2016 foi a AT notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17º-1 do RJAT. Respondeu em 16.03.2016. Juntou ainda o PA, composto por 3 ficheiros informatizados designados por PA - com 114 laudas, por PA1 com 52 laudas e PA2 – com 2 laudas.

h)      Na sequência de despacho do TAS de 08.04.2016 sobre a dispensa de realização da reunião de partes do artigo 18º do RJAT e sobre a audição de testemunhas, veio o Requerente arguir que não lhe tinha sido notificado o despacho de 16.02.2016 a que se alude na alínea anterior, manifestar interesse na audição das duas testemunhas arroladas e indicar os factos a que deveriam depor (os constantes dos artigos 48º a 50º, 54º a 59º, 75º a 82º e 85º do pedido de pronúncia).

i)        Na procedência do alegado pela Requerente foi agendado o dia 25-05-2016, pelas 14.30 horas, para a audição das testemunhas seguindo-se a realização da reunião de partes a que alude o artigo 18º do RJAT.

j)        No dia 25-05-2016 foi recolhido o depoimento das testemunhas B… e de C… à matéria indicada. Foi fixado prazo de 10 dias para alegações escritas e sucessivas, conforme acta junta no SGP.

k)      O Requerente apresentou as suas alegações em 06.06.2016. A Requerida apresentou as contra-alegações em 07.06.2016. As partes mantiveram, no essencial, o que tinham referido em sede de pedido e de resposta

 

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

l)        Legitimidade, capacidade e representação – As partes gozam de personalidade jurídica, capacidade judiciária, são partes legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

m)    Princípio do contraditório - A Requerida foi notificada nos termos do inciso g) deste Relatório. Todas as peças processuais e todos os documentos juntos ao processo foram disponibilizados à respectiva contraparte no Sistema de Gestão Processual do CAAD. Da sua junção foram sempre notificadas ambas as partes.

n)      Excepções dilatórias - O procedimento arbitral não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT. Com efeito, nem a Requerida colocou em causa a tempestividade da apresentação do pedido, uma vez que a notificação da decisão que recaiu sobre o procedimento de reclamação oficiosa ocorreu por ofício nº …, datado de 24.08.2015 e o pedido de pronúncia deu entrada no CAAD no dia 23.11.2015.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DO REQUERENTE

 

o)      O Requerente aduz, em primeiro lugar, a falta de fundamentação, de facto e de direito, dos actos de liquidação impugnados, uma vez que dos respectivos documentos que os titulam “não resultam devidamente explicitados os fundamentos … que determinaram a sua emissão, sendo apenas indicados um conjunto de valores, sem qualquer identificação, quanto á sua natureza e origem, imperceptíveis para um destinatário normal”. Invoca a desconformidade face ao teor do nº 2 do artigo 77º da LGT.

p)      Em segundo lugar invoca a preterição de uma formalidade legal essencial – a falta de audição prévia antes da emissão dos actos de liquidação de IRS e juros, invocando as disposições legais contidas na alínea a) do nº 1 do artigo 60º da LGT, do artigo 135º do CPA ex vi artigo 2º alínea d) do CPPT; no nº 5 do artigo 267º da CRP e artigo 45º do CPPT.

q)      Por último invoca a ilegalidade das liquidações porquanto entende que reúne os requisitos previstos na alínea a) do nº 5 do artigo 10º do Código do IRS, beneficiando da exclusão de tributação dos ganhos provenientes da transmissão do bem imóvel sito na Rua …, nº … em ..., em 2010, pelo preço 292 500,00 euros, que tinha adquirido por 74 819,68 euros, gerando um ganho de 207 850,00 euros.

r)       Uma vez que adquiriu em 12.10.2011 o imóvel sito na Rua …, nº …, …, onde reinvestiu o ganho obtido com a venda do primeiro imóvel.

s)       E porque, independentemente do seu domicílio fiscal, ambos imóveis eram ou foram afectos à sua habitação própria e permanente (o alienado e o adquirido onde foi aplicado o ganho).

t)       Insurge-se contra o indeferimento da reclamação graciosa pelo facto do imóvel alienado, segundo a AT, à data da alienação em 12.05.2010 “não constituía o domicílio fiscal” e de que o imóvel adquirido “já era o seu domicílio fiscal” (vidé despacho de indeferimento da RG a folhas 3/6).

u)      Em sede de alegações o Requerente sustenta que ficou provado através de prova testemunhal, em conjunto com a documental, que o imóvel sito na Rua …, nº … em ... era a sua habitação própria e permanente e até quase à data da sua alienação era também o seu domicílio fiscal, tendo a alteração do domicílio fiscal, antes desta alienação, resultado de ter caducado a validade do cartão de cidadão, para não ter o incómodo de, num futuro próximo, proceder outra vez à sua alteração, face à previsível aquisição de nova habitação própria e permanente.

v)      Invoca em seu favor a decisão adoptada no CAAD – Processo 103/2013-T que apreciou idêntico dissídio.

 

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

w)    Dissentindo do ponto de vista da Requerente, defende quanto à alegada falta de fundamentação, que apenas nos casos de actos de “fixação” ou “alteração” de rendimentos declarados pelo sujeito passivo, deve a notificação ser acompanhada da fundamentação, não se aplicando ao caso vertente, o disposto no nº 2 do artigo 77º da LGT, porquanto o acto de liquidação não resultou de um procedimento mas dos factos declarados pelo Requerente no âmbito da declaração de Modelo 3.

x)      Quanto ao alegado vício de falta de audição prévia invoca que nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 60º da LGT é dispensada a audição no caso da liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte, como foi o caso.

y)      Quanto à invocada ilegalidade do acto de liquidação, refere que o Requerente não cumpriu o ónus de que o imóvel alienado constituía a sua habitação própria e permanente, uma vez que a demonstração da alienação do imóvel “foi efectuada através de uma minuta de contrato promessa de permuta através da qual o R. prometeu vender e o outro permutante prometeu comprar o imóvel que gerou as mais-valias declaradas na Modelo 3 de 2010, sito na Rua … nº …, em ...”,

z)      Reconhecendo que “…ainda que o contrato promessa de permuta validamente celebrado constitua título jurídico suficiente para que qualquer importância entregue em seu cumprimento possa ser levada à conta do reinvestimento, para efeitos da alínea a) do nº 5 do artigo 10º do CIRS”, conclui que “apenas com a celebração do contrato definitivo, celebrado de acordo com a forma legal, se consolida na esfera jurídica do sujeito passivo o direito à exclusão da tributação”.

aa)   E acrescenta “até à definitividade do negócio jurídico, a exclusão tributária assume um carácter precário e condicionado à verificação superveniente dessa condição”. E conclui: “sucede que o R. não juntou aos autos prova da celebração do contrato definitivo e, só por si, este facto é suficiente para dar por não preenchidos os pressupostos de exclusão de tributação das mais-valias, previsto no nº 5 do artigo 10º do CIRS”

bb)   Quanto à promessa de contrato refere ainda “acresce que desse contrato promessa não resulta que a casa que prometeu alienar constituísse, à data, a sua habitação própria e permanente, até porque à data da celebração desse mesmo contrato de permuta, em 21/7/2010, o R. tinha já o seu domicílio fiscal na morada da casa que viria apenas a adquirir em 12/10/2011”.

cc)   Invoca ainda “alguma ambiguidade” que o Requerente não conseguiu desfazer, pelo facto do imóvel alienado ser a sede social da empresa D… – …, Lda., de que à data dos factos seria sócio-gerente.

dd) Refere que não é verosímil existir tradição do imóvel apenas com um sinal de 5 000,00 euros, sendo “inexplicável e inconsistente” a razão porque manteve, na mesma morada, a sede social da sociedade atrás referida, pelo menos até finais de 2011.

ee)   Considera que o Documento nº 4 junto pelo Requerente (um documento da via verde emitido em 31.07.2010, um documento da Z… emitido 22.07.2010 e 3 documentos emitidos pela E… em 06.05.2010, 30.06.2010 e 27.11.2011) não demonstram, só por si, que o Requerente fazia dessa morada a sua habitação própria e permanente.

ff)    Em sede de alegações a Requerida veio reafirmar que: “1 - A argumentação apresentada pelo R. é frágil e pouco razoável, tendo até em consideração a dilação e prazo entre a data da alteração do domicílio e a aquisição do imóvel onde foi aplicado o valor de realização; 2 - E se o R. não conseguiu provar que o imóvel alienado constituía sua habitação própria e permanente, também não conseguiu provar que o imóvel que adquiriu à D… – … Lda. (de que é sócio gerente) se destinava a esse fim. 3 - Efectivamente, e desde logo, nada consta, nesse sentido, da escritura de compra e venda do referido prédio e nenhuma outra prova documental foi apresentada que apontasse para esse destino. 4 - O R. não apresentou nenhum elemento demonstrativo de que era no referido imóvel que habitava e estava centrado o seu núcleo de vida pessoal, corroborando o depoimento das testemunhas no sentido de que, mesmo antes da permuta da casa de ..., sempre o imóvel da … (onde aplicou o valor de realização) esteve à venda”.

gg)  Termina pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia, com absolvição do pedido.

 

II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

Haverá que atender ao que está em causa neste processo. Ou seja, que acto em concreto, com que fundamentação em concreto, está em discussão.

 

Está em causa, numa primeira linha de abordagem, a apreciação da legalidade da decisão da AT que indeferiu a reclamação graciosa e que constitui o Documento nº 1 junto com o pedido de pronúncia e folhas 82 a 87 do PA1.

 

É este acto - reproduzido em 10) dos factos provados – com a concreta fundamentação aí exarada que está em sindicância.

 

A legalidade ou ilegalidade das liquidações IRS será uma consequência da anulação (ou não) da decisão que recaiu sobre o procedimento de RG, até porque, no caso, como o refere a AT no ponto 10 da Resposta: “em 31/10/2014 foi apresentado recurso hierárquico do aludido acto de 29/9/2014, o qual decidiu, por despacho de 24/03/2015, devolver os autos para “que o órgão decisor se pronuncie sobre a necessidade (ou não) de serem ouvidas as testemunhas, sendo exarado um novo despacho (e sendo efectuados os procedimentos subsequentes, nomeadamente, notificação da decisão ao sujeito passivo e formas e prazos de contestar essa decisão)”.

 

Neste processo arbitral foram ouvidas as testemunhas, pelo que esta prova, não recolhida em sede de procedimento gracioso, pode conduzir o TAS à alteração do sentido da decisão adoptada, face ao decidido pela AT.

 

Tudo o que constitua alteração da fundamentação do acto recorrido, não pode ser aqui acolhido, v.g. o referido em y), z), aa), cc), dd), ee) e ff) do Relatório, na medida em que se trata de argumentos ou factos novos face ao que consta da fundamentação da decisão que recaiu sobre o pedido de RG.

 

Será irrelevante a fundamentação a posteriori, tendo os actos cuja legalidade é questionada de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos.

 

 Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:

·         de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-4-2001, página 1207.

·         de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em Apêndice ao Diário da República de 10-2-2004, página 4289.

·         de 09/10/2002, processo n.º 600/02.

·         de 12/03/2003, processo n.º 1661/02.

Em sentido idêntico, podem ver-se:

·         MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 479 em que refere que é "irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto", e volume II, 9.ª edição, página 1329, em que escreve que "não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa".

·         MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, página 472, onde escreve que "as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade".

 

Pelo que o que haverá que apreciar, em primeiro lugar, é se o despacho que indeferiu o pedido de RG, com os concretos fundamentos aí expressos, deve manter-se na ordem jurídica ou não, naturalmente perante a prova testemunhal produzida neste processo, uma vez que a demais prova (documental) é a mesma que foi produzida no procedimento gracioso, competindo neste aspecto a sua reapreciação e valoração, em termos de conjunto.

 

Caso seja de anular a decisão que indeferiu a RG, com consequente anulação das liquidações de IRS, cumpre, depois, verificar se a Requerente tem direito a indemnização por prestação de garantia indevida e se tem direito a receber juros indemnizatórios quanto ao valor de 5 560,60 euros que suportou através de movimentos de compensação (conforme documento nº 2 – folha 2 junto com o pedido de pronúncia).

 

III.      MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA FUNDAMENTAÇÃO

 

Com relevância para a decisão são estes os factos que se consideram provados, indicando-se os documentos respectivos (prova por documentos), como fundamentação. Os factos cuja prova resultou da audição de testemunhas são também especificamente assinalados.

 

Factos provados

 

1)                 No dia 10 de Agosto de 2011, o Requerente procedeu à entrega da declaração de rendimentos Modelo A do IRS quanto ao ano 2010 e inscreveu no Anexo G, no campo 401 - alienação de um imóvel, no mês de Agosto de 2010, pelo valor de 292.500,00€, adquirido em Maio de 1995, pelo valor de 74.819,68€, identificação do prédio - artigo U …, freguesia …, e no campo 506 - valor da realização que pretende reinvestir (sem recurso ao crédito) 207.850,00€ - conforme documento nº 2 – folhas 4 junto com o pedido de pronúncia, nº 5 da resposta da AT e artigos 47º e 48º do pedido de pronúncia.

2)                 Nas declarações modelo 3 dos anos seguintes, o Requerente não declarou que tinha reinvestido o valor de realização indicado no campo 506 atrás mencionado – ponto 10.3 do Documento nº 1 - folhas 5/6 - junto com o pedido de pronúncia, ponto 6 da resposta da AT e posição global do Requerente no âmbito do pedido de pronúncia e nas alegações.

3)                 Em 21 de Julho de 2010 o Requerente alienou, segundo o contrato de promessa de permuta de 21 de Julho de 2010, o imóvel sito na Rua … nº …, na freguesia de ..., e inscrito na matriz predial urbana sob o artº. …, da freguesia de ..., concelho de ..., pelo valor de 292.500,00 euros (duzentos e noventa e dois mil e quinhentos euros e zero cêntimos) - conforme ponto 4-2 do Documento nº 1 - folhas 3/6 - junto com o pedido de pronúncia, artigo 49º do pedido de pronúncia e folhas 92 do PA1 junto pela AT.

4)                 Em 12 de Outubro de 2011 o Requerente adquiriu por escritura de compra e venda, lavrada em 12 de Outubro de 2011, outorgada após termos de autenticação pelo solicitador F…, com cédula profissional nº …, e domicílio profissional na Av. …, Edifício …, …, Escritório …, em ..., pelo valor de 207.850,00 euros (duzentos e sete mil, oitocentos e cinquenta euros e zero cêntimos), o prédio sito na Rua … nº …, no lugar de …, freguesia de São ..., e inscrito na matriz predial urbana sob o artº …, da freguesia de São ..., concelho de ...- conforme ponto 4-1 do Documento nº 1 - folhas 3/6 - junto com o pedido de pronúncia, artigo 50º do pedido de pronúncia e folhas 92 do PA1 junto pela AT.

5)                 O Requerente pagou a factura 127/2010 no valor de 17 696,25 euros, à empresa que mediou a alienação referida em 3) emitida pela G… - conforme ponto 4-4 do Documento nº 1 - folhas 3/6 - junto com o pedido de pronúncia, artigo 87º do pedido de pronúncia e folhas 06 e 07 do PA junto pela AT.

6)                 Em data não concretamente apurada do ano de 2014, o Requerente foi notificado por correio com os registos RY…PT e RY…PT, do acto de liquidação nº 2014… de 17/07/2014, referente ao IRS de 2010, do qual resulta um valor a pagar de 28.862,75€, acrescido de juros compensatórios no valor de 2.792, 02 €, num total de 31.618,77€ - conforme documento nº 2 – folhas 1 e 2 - junto com o pedido de pronúncia, artigos 1º e 7º do pedido de pronúncia e ponto 7 da resposta da AT.

7)                 Em 31/08/2014 o Requerente apresentou reclamação graciosa contra o acto de liquidação, a qual foi indeferida por despacho de 29/09/2014, do Chefe do SF de ... … – pontos 8 e 9 da resposta da AT e folhas 71 a 80 do PA1.

8)                 Em 31/10/2014 foi apresentado recurso hierárquico do aludido acto de 29/9/2014, o qual decidiu, por despacho de 24/03/2015, devolver os autos para “que o órgão decisor se pronuncie sobre a necessidade (ou não) de serem ouvidas as testemunhas, sendo exarado um novo despacho (e sendo efectuados os procedimentos subsequentes, nomeadamente, notificação da decisão ao sujeito passivo e formas e prazos de contestar essa decisão)” – ponto 10 da resposta da AT, folhas 3 a 19 do PA e PA2.

9)                 Sob reapreciação, foi elaborado projecto de decisão de indeferimento e fundamentação, remetido ao mandatário do Requerente, por ofício de 17.07.2015 sob o registo RD…PT, para audição prévia, não tendo sido usada esta faculdade – conforme folhas 82 a 89 do PA1 e pontos 11 e 12 da resposta da AT.

10)             O Requerente foi notificado da decisão de indeferimento a coberto do ofício nº … de 24/08/2015, registo RD…PT, decisão que tem a seguinte fundamentação: “INFORMAÇÃO - Face ao despacho da Directora de Serviços de IRS, de 24-03-2015, proferido no processo de recurso hierárquico nº …2014…, no qual determinou que o órgão decisor se prenuncie sobre a necessidade (ou não) de serem ouvidas as testemunhas, sendo exarado um novo despacho (e sendo efectuados os procedimentos subsequentes, nomeadamente, notificação da decisão ao sujeito passivo e formas e prazos de contestar essa decisão, cumpre informar: Vem o contribuinte identificado na página anterior reclamar nos termos do artº. 140º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) e artº. 70º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), da liquidação nº 2014…., de 17-07-2014, relativa a IRS do ano de 2010, da qual resultou o valor a pagar de 28.826,75 euros, acrescido de juros compensatórios no valor de 2.792,02 euros, o que perfaz um total a pagar de 31.618,77, alegando que:

1 – Por lapso não declarou, no anexo G da mod. 3 do IRS, o reinvestimento na aquisição de habitação própria e permanente.

Nestes termos e para efeitos do nº 1 do artº. 75º do CPPT, tenho a informar que:

1 – O processo é o meio próprio, a reclamação tempestiva (cf. Nº 1 do artº 70º do CPPT) e o reclamante têm legitimidade para o acto (cf. Nº 1 artº 68º do CPPT);

2 – O ora reclamante entregou a declaração mod. 3, de IRS, referente ao ano 2010, cumprindo deste modo com o estatuído no artº. 57º do CIRS, dentro do prazo previsto no artº. 60º do mesmo diploma;

3 – Face ao declarado, pelo ora reclamante, no campo 506, do quadro 5, do anexo H, da mod. 3 de IRS, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), de acordo com o estatuído no artº 10º, nº 5, al. A) do CIRS, aguardou que o ora reclamante declarasse o reinvestimento. Findo o prazo, e não tendo o ora reclamante declarado o reinvestimento, procedeu a AT a liquidação oficiosa, objecto da presente reclamação;

4 – Da análise aos documentos apresentados pelo ora reclamante e da consulta ao sistema informático verifica-se que:

4.1 – O ora reclamante, adquiriu, no estado civil de viúvo, por escritura de compra e venda, lavrada em 12 de Outubro de 2011, outorgada após termos de autenticação pelo solicitador F…, com cédula profissional nº …, e domicílio profissional na Av. …, Edifício …, …andar, Escritório …, em ..., pelo valor de 207.850,00 euros (duzentos e sete mil, oitocentos e cinquenta euros e zero cêntimos), o prédio sito na Rua … nº …, no lugar de …, freguesia de São ..., e inscrito na matriz predial urbana sob o artº …, da freguesia de São ..., concelho de ...;

4.2 – O ora reclamante, alienou, segundo o contrato de promessa de permuta de 21 de Julho de 2010, o imóvel sito na Rua … nº …, na freguesia de ..., e inscrito na matriz predial urbana sob o artº. …, da freguesia de ..., concelho de ..., pelo valor de 292.500,00 euros (duzentos e noventa e dois mil e quinhentos euros e zero cêntimos);

4.3 – Ainda segundo o contrato de promessa de permuta, o ora reclamante, ficou proprietário do imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artº …, da freguesia de São Pedro de Penaferrim, concelho de Sintra;

4.4 – Liquidou à mediadora imobiliária o valor de 17.696,25 euros, referente à alienação do imóvel referido e melhor identificado no ponto 4.2, conforme folha 06 e 07 dos autos;

4.5 – O domicílio fiscal do ora reclamante é na Rua … nº …, …, desde 12-05-2010;

5 – Assim, face ao informado, verifica-se que:

5.1 – O imóvel permutado e melhor identificado no ponto 4.2 não constituía o domicílio fiscal do ora reclamante;

5.2 – Não juntou aos autos o contrato de permuta, mas sim um contrato de promessa de permuta;

5.3 – O imóvel adquirido e melhor identificado no ponto 4.1 já era o domicílio fiscal do ora reclamante desde 12 de Maio de 2010;

6 – Verifica-se, assim, que o ora reclamante não reúne os pressupostos previstos no artº 10º nº 5, do CIRS, a fim de ser excluído da tributação de mais-valias.

7 – Através do Ofício nº … de 03-09-2014, foi o ora reclamante notificado do projecto de decisão e para, querendo, pronunciar-se sobre o teor do mesmo, por força do disposto no artº 60º nº 1, al. a) e nº 5, da LGT;

9 – A 23-09-2014 veio o reclamante, representado pelo seu procurador, H…, com o NIF …, exercer aquele direito, nos seguintes termos, resumidos:

9.1 – Está em causa nos presentes autos a legalidade, ou melhor o reconhecimento da ilegalidade do acto de liquidação de IRS em crise;

9.2 – O acto de liquidação não se encontra fundamentado em termos adequados;

9.3 – De igual modo o reclamante não foi, em momento anterior ao da prática de acto de liquidação, notificado para exercer o direito de audição prévia sobre o mesmo;

9.4 – Como resulta dos autos o reclamante era proprietário de um imóvel sito na Rua … nº …, em ..., que correspondia à sua habitação própria e permanente;

9.5 – Os Promitentes-compradores manifestaram a intenção de realizar obras na casa pelo que solicitaram ao reclamante se a tradição do imóvel se poderia realizar de imediato, ao que o reclamante acedeu;

9.6 – Nos termos do disposto no artº 10º, nº 3, al. a) do CIRS o ganho tributável presume-se obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens;

9.7 – Deste modo, sendo que no momento em que se verificou a tradição e consequente posse do bem por parte do promitente-comprador, o imóvel transmitido era a residência habitual e permanente do reclamante, inexistem dúvidas que, verificados os pressupostos para exclusão de tributação em IRS dos ganhos resultantes da alienação de bem imóvel, os quais foram totalmente reinvestidos na aquisição de outro imóvel para a mesma finalidade;

9.8 – Por outro lado sem conceder, o acto de liquidação seria sempre ilegal em virtude da AT não ter tomado em consideração as despesas incorridas com a venda do imóvel, devidamente comprovadas;

9.9 – Ainda o reclamante não pode deixar de se insurgir também contra a liquidação de juros compensatórios;

9.10 – Para além da anulação da liquidação em crise implicar a anulação dos juros compensatórios, não considera que o retardamento da liquidação se deve a facto imputável ao contribuinte;

9.11 – Sempre sem conceder e por mera cautela de patrocínio, se não viesse a ser dada razão ao reclamante no que respeita ao imposto, sempre se deveria reconhecer que o seu comportamento não foi censurável e decorreu de uma interpretação plausível e de boa-fé da Lei;

9.12 – Requer, por fim, que para demonstração dos factos sejam ouvidas as seguintes testemunhas:

9.12.1 – B…, a apresentar;

9.12.2 – C…, a apresentar;

10 – Atentas as alegações produzidas, nesta fase processual, pelo reclamante, cumpre informar que:

10.1 – Determina o artº 66º do CIRS, que apenas os actos de fixação dos rendimentos líquidos sujeitos a imposto ou a alteração dos valores declarados pelo contribuinte, previstos no artº 65º do mesmo diploma, deverão ser objecto de notificação acompanhada da respectiva fundamentação;

10.2 – No caso em apreço os actos de liquidação decorrem dos elementos fornecidos pelo reclamante através da respectiva declaração de rendimentos apresentada;

10.3 – Determina o nº 4 do artº 59º do CIRS, que para efeitos do disposto nos nºs 5 a 7 do artº 10º, do CIRS, o reclamante para além de manifestar a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, deveria ter mencionado na mesma declaração, ou nas dos dois anos seguintes, os investimentos efectuados;

10.4 – Ao manifestar a intenção de reinvestir o valor realizado com a alienação do imóvel destinado à habitação própria, na respectiva declaração de rendimentos, o contribuinte suspende unilateralmente o englobamento do correspondente rendimento, que se exclui da tributação (ou se engloba) caso se satisfaça (ou não) as condições a que se referem os nºs 5 e 6 do artº 10º do CIRS;

10.5 – Atento o referido nos parágrafos anteriores, conclui-se que a responsabilidade pelo retardamento da liquidação do correspondente imposto apenas pode ser imputada ao reclamante, o que justifica a liquidação dos juros compensatórios incluída na liquidação adicional em crise no presente procedimento;

10.6 – Ainda se refere que determina o artº 60º, nº 2, al. a) da LGT, que é dispensada a audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte;

10.7 – O reclamante alega, que a tradição ou posse do imóvel gerador do rendimento de mais-valias em crise ocorreu em data anterior ao da celebração do respectivo título aquisitivo, mas não juntou qualquer elemento de prova que sustente tal alegação;

10.8 – Reafirma-se que, à data da celebração do contrato de permuta, através do qual o reclamante alienou o imóvel gerador de mais-valias em crise, a saber 23 de Agosto de 2010, o imóvel já não configurava o seu domicílio fiscal desde 12 de Maio de 2010;

11 – Assim, verifica-se que não foram introduzidos elementos novos susceptíveis de originar a reapreciação da reclamação;

12 – Por fim, tendo em conta os documentos apresentados pelo ora reclamante bem como da consulta ao sistema informático da AT, deve ser dispensada a audição das testemunhas arroladas, pelo ora reclamante, considerando que os elementos objectivados nos autos não são susceptíveis de qualquer alteração subjectiva que possa vir a ser aduzida.

Nesta conformidade, foi proposta decisão no sentido do INDEFERIMENTO do pedido.

AUDIÇÃO PRÉVIA

1 – Assim, e tendo em conta que o projecto de decisão é no sentido de indeferimento, foi o ora reclamante notificado, na pessoa do seu mandatário, através do Oficio nº … de 17-07-2015, deste Serviço de Finanças, de acordo com o artº 60º, nº 4 da LGT, para exercer o direito de audição nos termos do artº 60º, nº 1, al. b) e nº 5, da LGT;

2 – A 27 de Julho de 2015, foi o ora reclamante considerado notificado, nos termos do nº 1 do artº 39º do CPPT, para no prazo de 15 (quinze) dias, se pronunciar sobre a proposta de decisão proferida a folhas 82, do presente processo de reclamação, de acordo com o estabelecido no artº 60º da LGT;

3 – Findo aquele prazo o reclamante não exerceu o referido direito;

4 – Não tendo sido introduzidos elementos novos para reapreciação da reclamação, propõe-se a conversão da proposta de decisão em decisão definitiva.

À consideração superior” – folhas 90 a 97 do PA1, documento nº 1 junto com o pedido de pronúncia e ponto 13 da resposta da AT.

11)             O Requerente enquanto proprietário do bem imóvel sito na Rua …, nº …, ..., antes da sua entrega aos então promitentes-adquirentes I… e J…, para realização de obras, nele habitava e centrava a sua vida pessoal e familiar, aí recebendo correspondência, dormindo, tomando refeições e passando os seus momentos de lazer – artigos 55º a 58, 75º e 78º do pedido de pronúncia conjugados com os depoimentos das duas testemunhas B… e C… e com o Documento nº 4 junto com o pedido de pronúncia.

12)             O Requerente manteve o seu domicílio fiscal no imóvel referido na alínea anterior até ter expirado a validade do seu cartão de cidadão, tendo procedido à sua alteração para o imóvel referido em 4) mesmo antes da sua aquisição, por comodidade – artigos 79º e 80º do pedido de pronúncia, conjugados com os depoimentos das duas testemunhas B… e C….

13)             O Requerente passou a habitar no imóvel referido em 4) mesmo antes da sua aquisição em 12.10.2011, aí tendo o seu domicílio fiscal desde 12.05.2010 – artigo 50º do pedido de pronúncia, pontos 4.5 e 5.3 do Documento nº 1 junto com o pedido de pronúncia, conjugados com os depoimentos das duas testemunhas B… e C….

14)             O Requerente não pagou o valor constante da alínea 6) supra, pelo que o Serviço de Finanças de ...-… instaurou o processo de execução fiscal nº …2014… – Artigo 119º do pedido de pronúncia e Documento nº 5 junto com o pedido de pronúncia.

15)             Para suspensão do processo de execução fiscal o Requerente prestou, em 22.10.2014, a garantia bancária …-…-…, emitida em 13.10.2014, em favor da AT, pelo K…, no valor de 33 304,83 euros - Artigo 120º do pedido de pronúncia e Documento nº 6 junto com o pedido de pronúncia.

16)             Da demonstração de acerto de contas constante da liquidação referida em 6) resulta que o Requerente suportou 5 560,00 euros relativos a “estorno liq. 2010” “liq. 2011 …” – artigo 122º do pedido de pronúncia e documento nº 2 – folhas 2 em anexo ao pedido de pronúncia.

17)             Em 23-11-2015, a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia – registo de entrada no SGP do pedido de pronúncia.

 

Os factos levados à matéria de facto assente constantes das alíneas 11), 12) e 13) supra resultam do convencimento do TAS face ao que as duas testemunhas referiram sobre a matéria a que foram ouvidas. Demonstraram ter conhecimento pessoal da matéria e os seus depoimentos são credíveis, não se tendo vislumbrado algo que os possa colocar em causa.

 

Reparamos que essas duas testemunhas podiam ter sido ouvidas em sede de procedimento gracioso, aliás, conforme sugerido na decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico (vide alínea 8) da matéria assente), onde certamente os seus depoimentos poderiam ser valorados.

 

Factos não provados

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

Ainda quanto à fundamentação da matéria de facto considerada provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto não contestados pelas partes na parte dos documentos. Quanto à valoração da prova testemunhal já acima nos pronunciámos.

 

IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TAS CUMPRE SOLUCIONAR

 

Perante os factos considerados assentes, cumprirá agora apreciar a fundamentação da decisão que indeferiu a reclamação graciosa.

 

Como se retira dos pontos 5.1, 5.3 e 10.08 da fundamentação do despacho de indeferimento, a razão de fundo invocada pela AT, tem a ver com o facto do imóvel permutado (alienado), sito na Rua …, nº …, ..., não constituir à data da sua alienação, em 21 de Julho de 2010, o domicílio fiscal do Requerente e do imóvel adquirido em 12 de Outubro de 2011 ser já o domicílio fiscal do contribuinte, à data da sua aquisição, ou seja, desde 12.05.2010.

 

Na fundamentação da decisão de indeferimento considera-se que ocorreu “alienação” do imóvel referido em 4.2 e ocorreu “aquisição” do referido em 4.1, pelo que a discussão sobre a não junção do contrato de permuta, tendo sido junto o contrato de promessa, parece despicienda, uma vez que, aceitando-se que ocorreu a “alienação”, não fará sentido, depois, argumentar-se, que a mesma poderá não ter ocorrido.

 

Dispõe a alínea a) do nº 1 do artigo 10º do CIRS que “constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário”.

 

Refere o nº 5 do artigo 10º do Código do IRS: São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

a)      O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respectiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;

b)      O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;

c)      O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;

 

Por seu turno a alínea a) do nº 6 do artigo 10º do Código do IRS refere que “Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando: tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento”.

 

Ora, face à matéria de facto assente afigura-se-nos que estão preenchidos os requisitos de que a lei faz depender a exclusão de tributação dos ganhos obtidos pelo Requerente:

  • O imóvel alienado constituía habitação própria e permanente do Requerente tendo em conta os factos constantes em 11) da matéria de facto assente;
  • A aquisição de novo imóvel onde o Requerente passou a habitar ocorreu antes de decorridos os 36 meses posteriores contados da data da realização – alíneas 4) e 13) da matéria de facto assente;
  • O Requerente manifestou a intenção de proceder ao reinvestimento do valor de realização e o respectivo montante, na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação (2010) – alínea 1) da matéria assente.
  • O Requerente já tinha afectado a habitação adquirida à sua habitação, mesmo antes de formalizar a sua aquisição – alínea 13) da matéria assente.

 

Mas, como acima se referiu a razão de fundo pela qual a AT indeferiu a reclamação graciosa foi outra. Teve a ver, percute-se, com o facto do imóvel permutado (alienado), sito na Rua …, nº …, ..., não constituir à data da sua alienação, em 21 de Julho de 2010, o domicílio fiscal do Requerente e imóvel adquirido em 12 de Outubro de 2011 ser já o domicílio fiscal do contribuinte, à data da sua aquisição, ou seja, desde 12.05.2010.

 

Ou seja, para a AT o que relevou foi o “domicílio fiscal” e não o apuramento sobre se o imóvel alienado e o imóvel adquirido eram de facto, em termos reais e efectivos, para além do direito de propriedade, de uso pelo Requerente como habitação própria e permanente (um antes da alienação, outro afecto a habitação, mesmo antes da aquisição).

 

Não vislumbramos que o entendimento da AT tenha acolhimento na lei que faz apelo ao conceito de “habitação” e “habitação própria e permanente” e não ao conceito de “domicílio fiscal”.

 

A este respeito, para simplificação e harmonização da leitura da lei que reputamos mais assertiva, vamos reproduzir, aderindo, a decisão já adoptada no CAAD, reproduzida pelo Requerente.

 

Escreveu-se na decisão arbitral colectiva tirada no processo CAAD 103/2013-T a que aderimos: “O artigo 10.º/5 refere-se “a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”. Esta alternatividade apenas fará sentido, como se verá de seguida, na perspectiva de que a habitação “a habitação própria e permanente” possa não coincidir com o domicílio fiscal.

Senão vejamos.

O artigo 13.º/6 do CIRS refere que “As pessoas referidas nos números anteriores não podem, simultaneamente, fazer parte de mais de um agregado familiar nem, integrando um agregado familiar, ser consideradas sujeitos passivos autónomos.”. Ou seja, existindo agregado familiar, haverá um domicílio fiscal do próprio agregado familiar, que será o relevante para efeitos de IRS, não podendo, pelo menos para efeitos deste imposto, o agregado familiar ter dois domicílios fiscais.

Neste contexto, a apontada referência do artigo 10.º/5 do CIRS “a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”, apenas poderá ser compreendida como tendo o sentido de a habitação própria permanente poder divergir do domicílio fiscal.

 

Com efeito, e concretizando, poderá efectivamente ocorrer (ainda mais nestes tempos de elevada mobilidade geográfica, potenciada pela crise que globalmente se atravessa) que um dos membros a quem incumba a direção de um agregado familiar fixe a sua “habitação própria e permanente” num local distinto da do agregado que integra. Basta pensar, por exemplo, num cônjuge que, por força de dificuldades económicas se veja forçado a largar a casa de morada de família no continente, para ir trabalhar para uma Região Autónoma (ou vice-versa), ou para o território de outro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, onde exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, aí ficando a maior parte do ano, e apenas visitando a família duas vezes por ano. Neste caso, a habitação própria e permanente do cônjuge migrante será distinta do seu agregado, que será a que releva para efeitos de domicílio fiscal, pelo menos em sede de IRS.

Ora, a expressão utilizada no artigo 10.º/5 do CIRS evidencia, justamente, tal divergência. Com efeito a referência a “habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”, não deixa lugar a dúvidas. O legislador não quis dizer “a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do agregado familiar”, quis dizer “ou do seu”, deixando claro que a habitação própria permanente de um sujeito passivo, que é o que releva para esse artigo, pode ser distinta da “do seu” agregado familiar, quando o domicílio fiscal, para efeitos de IRS, pelo menos, não poderá!

Por outro lado, o próprio n.º 6 do mesmo artigo, …, que refere que “Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando: a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar até decorridos doze meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efetuado;”, depõe no sentido apontado, na medida em que, uma vez mais, e reforça a necessidade de “afetação à habitação”, e não de “fixação do domicílio fiscal”, o que poderia e deveria ser dito, se fosse essa efectivamente essa a intenção do legislador.

Em suma, considera-se assim que resulta, suficientemente e desde logo, do próprio artigo 10.º/5 do CIRS a intenção do legislador de não equiparar os conceitos de “habitação própria e permanente e domicílio fiscal.”.

Entendendo-se que a intenção do legislador foi a que se acabou de apontar, poderia, não obstante, detectar-se incoerências sistemáticas, …, que não abalariam, contudo, que aquela intenção, devidamente expressa, como se viu, fosse colocada em causa.

 

Não será, contudo e sequer, esse o caso.

Com efeito, e desde logo no que diz respeito ao artigo 19.º/1/a) da LGT, o mesmo não diz que o local da residência habitual é o domicílio fiscal, mas, precisamente, o contrário, ou seja, que o domicílio fiscal é que deve corresponder ao local da residência habitual.

Ou seja, o “domicílio fiscal” é um conceito de direito, que tem o seu substrato fático, na situação da realidade qualificável como “residência habitual”. Dito de outro modo: o que seja, demonstradamente, na realidade, a residência habitual de um sujeito passivo é que determinará o que deva ser o seu domicílio fiscal, e não o contrário, que é o que parece entender a AT, em que o que de modo formalmente correto conste como “domicílio fiscal” determine o que seja a “residência habitual” de um sujeito passivo.

Em suma: entende-se que a circunstância de determinado local constar como “domicílio fiscal” de um sujeito passivo, não fará com que a sua “residência habitual” seja esse local.

Deste modo, a dissonância entre o que formalmente conste como “domicílio fiscal” de um sujeito passivo, e o que efectivamente seja a sua “residência habitual”, deverá ser resolvida alterando-se o primeiro e fazendo-o coincidir com a segunda, e não o oposto, ou seja, considerar-se que esta corresponde àquele, aplicando-se, na medida em que se verifiquem os respectivos pressupostos, as sanções que no caso caibam aos responsáveis.

No que respeita à discussão em causa nos autos, entende-se ser de notar ainda que a LGT, na matéria que se vem de abordar, refere-se a “residência habitual”, e não a “habitação própria e permanente”, pelo que nem sequer a nível terminológico se verifica uma coerência sistemática que pudesse fundamentar satisfatoriamente uma relação entre a matéria do domicílio fiscal, regulada na LGT, e a matéria da “habitação própria e permanente”, a que se refere o artigo 10.º/5 do CIRS”.

“Em todo o caso, e mesmo que se concluísse que se deveria considerar como “habitação própria e permanente” do sujeito passivo o respectivo domicílio fiscal, sempre tal se haveria de entender como uma mera presunção, ou seja, como a estatuição de um facto desconhecido (o local da “habitação própria e permanente”) a partir de um facto conhecido (o local declarado como domicílio fiscal).

Ora, assim sendo, e não se vislumbrando fundamento para sustentar que a presunção em causa teria natureza de iure et de iuris, a qual aliás não se coadunaria com a possibilidade de a AT conhecer oficiosamente, nestas matérias de residência e domicílio, necessariamente se haveria de conceder que a mesma admitiria prova em contrário.

Neste sentido, de resto, pode conferir-se o Acórdão do STA de 23-11-2011, proferido no processo 0590/11, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se pode ler:

“II - O facto dos sujeitos passivos não terem comunicado a mudança de domicílio para o prédio relativamente ao qual pediram a isenção de IMI, por si só, não indicia que não têm habitação própria e permanente nesse prédio.

III - A morada em certo lugar, a habitatio, pode demonstrar-se através “factos justificativos” de que o beneficiado fixou no prédio o centro da sua vida pessoal.”.”

 

Em face do exposto só pode proceder o pedido de anulação da decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa, uma vez que não está de acordo com as normas contidas nos nºs 5 e 6 do artigo 10º do Código do IRS, na leitura que acima se propugna.

 

Consequentemente procede, também, o pedido de anulação da liquidação de IRS e juros impugnada, por desconformidade com os mesmos preceitos legais, na leitura da lei que se propugna ser mais assertiva.

 

Questões de conhecimento prejudicado

 

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral quanto ao vício de ilegalidade referido, que assegura eficaz tutela dos direitos do Requerente, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento do vício de falta de fundamentação do acto de liquidação e o de alegada violação do direito de audição prévia.

 

Indemnização por garantia indevida

 

A fixação de indemnização por garantia indevidamente prestada não corresponde ao montante dos juros indemnizatórios, apenas não o podendo exceder, como se infere do artigo 53.º, n.ºs 1 e 3, da LGT.

 

Não foi explicitamente formulado um pedido de indemnização por garantia indevida, ou seja, não foram indicados os prejuízos sofridos pelo Requerente com a prestação de garantia, pelo que não houve o necessário exercício do contraditório pela Autoridade Tributária e Aduaneira em relação a um pedido desse tipo, pelo que não se pode tomar dele conhecimento, sem prejuízo dos direitos indemnizatórios que a Requerente possa ter, a serem apreciados no âmbito de execução de julgado, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT.

 

 Juros indemnizatórios

 

Não se provou que o Requerente tivesse pago a quantia liquidada. Provou-se, no entanto, no nº 16 da matéria assente que “16) Da demonstração de acerto de contas constante da liquidação referida em 6) resulta que o Requerente suportou 5 560,00 euros relativos a “estorno liq. 2010” “liq. 2011 …””

 

O artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

 

Como resulta do teor literal desta norma, o direito a juros indemnizatórios depende de «pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

 

No caso, quanto ao montante de 5 560,00 euros relativos a “estorno liq. 2010” “liq. 2011 …””, o Requerente suportou este valor, que lhe foi estornado, pelo que a liquidação nesta parte pode estar sujeita, para além do dever de reembolso, a juros indemnizatórios, caso tenha ocorrido erro imputável aos serviços da AT na liquidação.

 

O nº 2 do artigo 43º da LGT refere que se considera haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

O que ocorreu neste caso foi que a liquidação em causa ocorreu, segundo a alínea 2) da matéria assente, porque o contribuinte “não declarou no anexo G do Modelo 3 do IRS, o reinvestimento na aquisição de habitação própria e permanente” (usando a expressão contida no Documento nº 1 em anexo ao pedido de pronúncia – folhas 2/6).

 

Nesta conformidade não podemos concluir que tenha existido “erro imputável” aos serviços da AT, pelo menos que exclusivamente lhe seja imputável, o que não invalida o direito ao reembolso do valor de 5 560,00 euros estornado, nem o direito aos juros de mora nos termos do nº 5 do artigo 43º da LGT.

 

Nesta conformidade improcede o pedido de pronúncia quanto à condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios sobre o valor estornado na demonstração de acerto de contas.

 

V. DISPOSITIVO

 

Nos termos e com os fundamentos acima expostos:

  • Julga-se procedente o pedido de anulação da decisão que recaíu sobre a reclamação graciosa que foi notificada ao Requerente a coberto do ofício nº … de 24/08/2015 e bem assim o pedido de anulação do acto de liquidação nº 2014… de 17/07/2014, referente ao IRS de 2010, do qual resulta um valor a pagar de 28.862,75€, acrescido de juros compensatórios no valor de 2.792, 02 €, num total de 31.618,77€.
  • Anulam-se a liquidação e o despacho referidos; 
  • Julga-se procedente o pedido de condenação da AT no reembolso do montante de 5 560,00 euros, relativos a estorno de IRS de 2010, conforme demonstração de acerto de contas, condenando-se a Requerida a proceder ao respectivo reembolso.
  • Julga-se improcedente o pedido de condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios quanto ao montante de 5 560,00 euros, sem prejuízo do direito do Requerente aos juros de mora nos termos do nº 5 do artigo 43º da LGT.
  • Não se toma conhecimento do eventual direito da Requerente a indemnização por garantia indevida, sem prejuízo dos direitos indemnizatórios que o Requerente possa ter, a serem apreciados no âmbito de execução de julgado, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT.

 

***

 

Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 31 618,77 euros.

 

Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em Euros 1 836.00 € segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique.

Lisboa, 30 de Junho de 2016

Tribunal Arbitral Singular (TAS),

 

Augusto Vieira

 

Texto elaborado em computador nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.