Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 630/2015-T
Data da decisão: 2016-06-21  Selo  
Valor do pedido: € 33.376,80
Tema: IS – Competência do Tribunal Arbitral; inidoneidade do meio processual; ato de inscrição na matriz; verba 28.1 da TGIS; terreno para construção
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Decisão Arbitral

 

 

Autora / Requerente: A…, LDA

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante A.T.A.)

 

1. Relatório

Em 07-10-2015, a sociedade A…, LDA, pessoa coletiva n.º…, e com sede na Rua…, n.º…, … D, Lisboa, doravante designada por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista, de forma imediata, à anulação do indeferimento tácito de requerimento de revisão de ato tributário de liquidação da verba 28.1 da TGIS, e de forma imediata, à anulação dos atos tributários de liquidação de Imposto de Selo, referentes ao ano de 2012 e 2013, e relativos ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da união de freguesias de…, … e … –…, concelho de Oeiras, com o valor patrimonial tributário de 1.631.360,00 €.

A Requerente alega que o imóvel a que se referem as liquidações de Imposto de Selo é um terreno para construção, e por isso, não tem afetação habitacional, já que o seu alvará de loteamento o afeta a comércio, serviços e garagens. Assim, entende a Requerente que as liquidações em causa são ilegais.

A Requerente pede ainda a restituição do imposto indevidamente pago no valor de 32.627,20 €, acrescido do valor pago a título e juros e custas no valor de 749,60 €, e ainda juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data em que realizou o pagamento e a data da emissão da nota de crédito a favor da Requerente.

 

Foi designada como árbitro único, em 01-12-2015, Suzana Fernandes da Costa.

Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1, alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 21-12-2015.

A A.T.A. apresentou resposta, em 29-01-2016 (dentro do prazo legal para o efeito).

A A.T.A. começa por apresentar defesa por exceção, alegando a incompetência material absoluta do Tribunal Arbitral para apreciar os atos de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa que não comportem a apreciação da legalidade dos atos de liquidação. A A.T.A. refere que no caso em apreço trata-se de um indeferimento tácito de pedido de revisão e, por isso, não houve qualquer análise de mérito sobre o ato de liquidação, nem qualquer decisão sobre a admissibilidade do pedido de revisão oficiosa ou sobre a extemporaneidade da apresentação do mesmo.

A A.T.A. refere a inidoneidade do meio processual, afirmando que não é a impugnação da liquidação o meio adequado para discutir matérias relacionadas com atos de inscrição matricial, nem o Tribunal Arbitral tem competência para determinar alterações à matriz predial dos prédios, uma vez que a Requerente alega que o lote de terreno está afeto a comércio e que na matriz está classificado como terreno para construção.

Por fim, a A.T.A. apresenta defesa por impugnação, defendendo que o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação controvertida deveria ser julgado improcedente, uma vez que a liquidação em crise consubstancia uma correta interpretação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, já que o referido prédio tem natureza jurídica de prédio com afetação habitacional.

A A.T.A. requereu ainda, na mesma data, a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18º do Regime de Arbitragem Tributária.

Em 22-02-2016 foi proferido despacho a ordenar a notificação da Requerente para se pronunciar sobre a matéria de exceção, no prazo de 10 dias.

A Requerente veio em 03-03-2016, pronunciar-se sobre a matéria de exceção. A Requerente começa por alegar que o que impugnou não foi o ato de indeferimento tácito, mas sim, e tal como consta do seu pedido arbitral, o que ela requereu foi a anulação das liquidações de Imposto de Selo. Já quanto à inidoneidade do meio processual, a Requerente refere que não pretendeu com o pedido arbitral, a alteração da matriz, nem se requereu a pronúncia do tribunal sobre essa matéria.

E termina pedindo que não procedam as exceções de incompetência material absoluta do Tribunal Arbitral e de inidoneidade do meio processual alegadas pela Requerida.

Em 12-05-2016 foi proferido despacho a ordenar a notificação da Requerente para, em 10 dias, se pronunciar sobre o pedido da A.T.A. de dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT.

A Requerente veio informar os autos que concordava com a dispensa da realização da reunião.

Em 23-05-2016, foi proferido despacho a dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, atendendo à posição das partes e ao facto da Requerente já se ter pronunciado sobre a matéria de exceção contida na resposta da Requerida. Neste despacho ordenou-se ainda a notificação da Requerente e Requerida para, querendo, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 10 dias, contando-se o prazo da Requerida com a notificação da junção de alegações pela Requerente ou com o fim do prazo para esta proceder à sua apresentação.

Designou-se ainda como data para a prolação da decisão o dia 21-06-2016, e advertiu-se a Requerente para até essa data proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.

A Requerente apresentou as suas alegações em 03-06-2016, e a Requerida em 20-06-2015.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março).

O presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado tempestivamente, nos termos do artigo 10º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro.

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias.

 

2. Da exceção de incompetência do Tribunal Arbitral

Na sua resposta, a Requerida apresenta defesa por exceção, alegando a incompetência material absoluta do Tribunal Arbitral para apreciar os atos de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa que não comportem a apreciação da legalidade dos atos de liquidação.

A A.T.A. refere que no caso em apreço trata-se de um indeferimento tácito de pedido de revisão e, por isso, não houve qualquer análise de mérito sobre o ato de liquidação, nem qualquer decisão sobre a admissibilidade do pedido de revisão oficiosa ou sobre a extemporaneidade da apresentação do mesmo.

A Requerente pede a constituição do tribunal arbitral para se pronunciar sobre a legalidade das liquidações de Imposto de Selo ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, dos anos de 2012 e 2013, justificando a tempestividade do seu pedido no indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa das referidas liquidações.

A questão que se coloca é saber se o Tribunal Arbitral é competente para apreciar o pedido de pronúncia arbitral contra o indeferimento tácito do pedido de revisão das liquidações em causa nestes autos.

Sobre a questão já se pronunciou o CAAD nos processos n.º 320/2015-T e n.º 323/2015-T.

Analisemos a competência atribuída aos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD.

O artigo 2º do RJAT dispõe que:

“1 — A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.”.

A Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, aprovada ao abrigo do artigo 4.º n.º 1 do RJAT, estabelece os termos de vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD, tendo determinado a vinculação da A.T.A. à apreciação de pretensões relativas a impostos, com as exceções previstas nas alíneas a) a d) do artigo 2.º daquela portaria. No entanto, neste caso, não está em causa a aplicação de qualquer uma daquelas exceções.

Assim, entende-se que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação da legalidade de atos de liquidação de tributos, ou seja, atos através dos quais se apura o valor do imposto a pagar. Todavia, o sujeito passivo pode optar por proceder à impugnação direta do ato tributário ou, em alternativa, a lei concede-lhe a faculdade de optar, pela via administrativa, impugnando administrativamente o ato, e, posteriormente, intentar a respetiva impugnação judicial ou pedido de pronúncia arbitral, em caso de indeferimento, expresso ou tácito.

Nos presentes autos, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da liquidação de Imposto de Selo, referente aos anos de 2012 e 2013, devida pela aplicação da verba n.º 28.1 da TGIS, ao prédio de que é proprietária.

Assim, entendemos tal como se entendeu na decisão do CAAD dos processos n.º 320/2015-T e n.º 323/2015-T, que os atos que decidem pedidos de revisão de ato tributário constituem atos de segundo e terceiro grau na medida em que comportam a apreciação de legalidade de atos de primeiro grau, ou seja, atos de liquidação. E como tal, tem de entender-se que cabe no escopo da competência dos tribunais arbitrais a apreciação daqueles atos. Apenas nos casos em que o ato de segundo ou terceiro grau apreciou uma questão prévia cuja solução obstou à apreciação da legalidade do ato primário (tal como intempestividade, ilegitimidade ou incompetência), estariam fora do âmbito material de competência dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD.

Assim sendo, o tribunal arbitral, nos termos do artigo 2.º n.º 1 alínea a) do RJAT, pode sindicar a legalidade do ato de liquidação de imposto, também nos casos em que a declaração de ilegalidade pode ser obtida na sequência da declaração de ilegalidade de atos de segundo ou terceiro grau.

O artigo 2.º n.º 1 alínea a) do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da declaração de ilegalidade do ato de segundo grau, nem os casos em que essa declaração de ilegalidade é pedida na sequência do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa do ato tributário.

Assim não seria caso a A.T.A. tivesse recusado a apreciação do pedido de revisão oficiosa com fundamento em qualquer questão prévia que obstasse ao conhecimento da legalidade do ato tributário, o que não foi o caso.

O indeferimento tácito constitui uma ficção destinada a possibilitar o uso dos meios de impugnação contenciosos (artigo 57.º n.º 5 da LGT). Afigura-se, assim, que o segmento do artigo 2.º/1 do RJAT que faz alusão a pretensões referentes a pedidos de “declaração de ilegalidade de atos” abrange a declaração de ilegalidade de indeferimentos tácitos de atos de liquidação de Imposto de Selo, de harmonia com o disposto nos artigo 2.º n.º 1 alínea a) e 10.º n.º 1 do RJAT, conjugado com o artigo 102.º n.º 1 alínea d) do CPPT.

 Improcede, assim, a exceção de incompetência suscitada pela Requerida.

3. Da exceção de inidoneidade do meio processual

A Requerida refere também que se verifica a inidoneidade do meio processual, afirmando que não é a impugnação da liquidação o meio adequado para discutir matérias relacionadas com atos de inscrição matricial, nem o Tribunal Arbitral tem competência para determinar alterações à matriz predial dos prédios.

A Requerida menciona que o terreno em causa nos presentes autos tem alvará de loteamento deferido pela Câmara Municipal de … com afetação de comércio, escritórios e estacionamento coberto desde 1988 e nunca houve qualquer edificação no lote. Contudo na matriz predial o mesmo está classificado como terreno para construção.

A A.T.A. alega ainda que a lei estabelece um meio processual próprio para as alterações tendo em vista adequar a matriz em face da realidade física e económica dos prédios, e que não é a impugnação judicial o meio próprio para tal.

Analisado o pedido arbitral, verifica-se que a Requerente “requer a anulação das liquidações supra identificadas e a restituição à Requerente do imposto indevidamente e ilegalmente liquidado”, fundamentando com o facto de existir, para o terreno para construção em questão, um alvará de loteamento desde 1988 que o afeta a comércio, serviços e garagens, e não existir qualquer edificação no terreno, pelo que não tem afetação para habitação.

E não pede a Requerente qualquer alteração à matriz predial relativa ao prédio de que é proprietária.

Assim, terá que improceder a exceção de inidoneidade do meio processual alegada pela Requerida.

 

4. Matéria de facto

4. 1. Factos provados:

Analisada a prova documental produzida, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

1.      A Requerente era, à data de 2012 e 2013, proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo … da união das freguesias de…, … e … -…, concelho de Oeiras, descrito como terreno para construção e com um valor patrimonial tributário de 1.631.360,00 €, conforme caderneta predial junta ao pedido arbitral como documento 1.

  1. A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto de Selo n.º 2012…, do ano de 2012, no valor de 16.313,60 €, relativa ao artigo urbano identificado no ponto anterior.
  2. A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto de Selo n.º 2014…, do ano de 2013, no valor de 16.313,64 €, relativa ao artigo urbano identificado no ponto anterior, a pagar em três prestações: uma até 30-04-2014, outra até 31-07-2014 e outra até 30-11-2014, conforme liquidação e documentos de cobrança juntos ao pedido arbitral.
  3. A Requerente apresentou, em 10-03-2015, Pedido de Revisão Oficiosa da liquidação de Imposto de Selo em causa nos presentes autos, que não teve qualquer decisão.
  4. A Requerente procedeu ao pagamento das liquidações de Imposto de Selo do ano de 2012 e 2013 juntas ao pedido arbitral, assim como juros e custas no valor de 749,60 €, conforme comprovativos juntos ao pedido arbitral.
  5. O pedido de revisão tinha por objeto a apreciação da legalidade das liquidações de Imposto de Selo e não tinha por objeto qualquer questão prévia que obstasse ao conhecimento da legalidade do ato.

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

4.2. Fundamentação da matéria de facto provada:

No tocante aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos e nos factos admitidos por acordo.

 

5. Matéria de direito:

5.1.Objeto e âmbito do presente processo

Constitui questão decidenda nos presentes autos a de saber se o imóvel que foi objeto da liquidação de Imposto de Selo, sendo um terreno para construção, tem afetação habitacional e se lhe é aplicável a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS).

Sobre esta mesma questão já se pronunciaram, entre outros, os acórdãos do CAAD proferidos nos processos número 53/2013-T, 49/2013-T, 42/2013-T, 180/2013-T, 75/2013-T, 215/2013-T, 240/2013-T, 284/2013-T, 288/2013-T, 310/2013-T, 12/2014-T, 151/2014-T, 202/2014-T, 210/2014-T, 276/2014-T, 514/2014-T, 516/2014-T, 523/2014-T, 599/2014-T e 663/2014-T.

O Supremo Tribunal Administrativo também já se pronunciou sobre esta questão, designadamente nos acórdãos dos processos n.º 048/14 de 09-04-2014, 07/14 de 02-07-2014, n.º 0676/14 de 09-07-2014, n.º 0395/14 de 28-05-2014, n.º 01871/13 de 14-05-2014 e n.º 055/14 de 14-05-2014, n.º 0425/14 de 28-05-2014, n.º 0396/14 de 28-05-2014, n.º 0274/14 de 14-05-2014, n.º 046/14 de 14-05-2014, 01481/14 de 15-04-2015, 0764/14 de 15-04-2015, n.º 0279/15 de 22-04-2015, n.º 021/15 de 29-04-2015 e n.º 01479/14 de 17-06-2015. Como se lê no acórdão proferido no processo n.º 0676/14 de 09-07-2014: “Não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afetação habitacional”, e resultando do artigo 6º do Código do IMI – subsidiariamente aplicável ao Imposto de Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral – uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto de Selo (Verba n.º 28.1 da TGIS, na redação da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro) como prédios urbanos com afetação habitacional.”

 

5.2. Questão do enquadramento de terrenos para construção no âmbito de incidência daquele n.º 28.1 da TGIS

5.2.1. Regime da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, aditou a verba 28 à Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), com a seguinte redação:

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1 % (…);

Nas disposições transitórias que constam do artigo 6.º daquela Lei n.º 55-A/2012, estabeleceram-se as seguintes regras:

 c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011; (…)

f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;

ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;

A verba 28.1 TGIS e as subalíneas i) e ii) da alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, contém um conceito que não é utilizado em qualquer outra legislação tributária que é o de “prédio com afetação habitacional”.

Vejamos:

 

5.2.2. Conceito de prédios utilizados no CIMI

No CIMI, enumeram-se as espécies de prédios nos seus artigos 3.º a 6.º. Não se vislumbra em qualquer destes artigos o conceito de “prédio com afetação habitacional”.

A noção mais aproximada do teor literal desta expressão utilizada é a de «prédios habitacionais», que o n.º 2 do artigo 6.º do CIMI define como abrangendo «os edifícios ou construções» licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais.

No entanto, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba n.º 28.1 da TGIS com a que se extrai do n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, aponta no sentido de não se ter pretendido utilizar o mesmo conceito. Também não se encontra este conceito em qualquer outro diploma.

 

6.2.3. Conceito de «prédio com afetação habitacional»

A verba 28.1 da TGIS referia-se em 2013 “prédio com afetação habitacional”.

A palavra «afetação», neste contexto de utilização de um prédio, tem o significado de «ação de destinar alguma coisa a determinado uso».

Como se lê no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 53/2013-T, em que foram árbitros o Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, a Sra. Dra. Conceição Pinto Rosa e o Sr. Dr. Alberto Amorim Pereira:

”é de concluir que os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba n.º 28.1 as situações de prédios que ainda não estão afetos à habitação, nomeadamente os terrenos para construção detidos por empresas”.

São classificados como terrenos para construção, e atento o disposto no artigo 6º n.º 3 do Código do IMI, aqueles em que o proprietário tenha adquirido o direito de neles construir ou de proceder a operações de loteamento, bem como os que tenham sido adquiridos expressamente para esse efeito. Neste sentido veja-se JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES in Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2010, página 97.

Note-se que na classificação como terreno para construção é irrelevante a afetação que as futuras construções venham a ter, designadamente habitacional, comercial, industrial ou para serviços.

Por sua vez, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09-07-2014, do processo n.º 0676/14, em que é relatora a Conselheira Dulce Neto, refere-se que “a afetação habitacional surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo suscetíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6º do CIMI).“

Da mesma forma, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14-05-2014, processo n.º 046/14, em que é Relator Ascenção Lopes, refere-se que “não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afetação habitacional”, e resultando do artigo 6º do Código do IMI – subsidiariamente aplicável ao Imposto de Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral – uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto de Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redação da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afetação habitacional.”

Podemos assim concluir que os “terrenos para construção”, não podem ser considerados como “prédios com afetação habitacional” para efeitos de aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo.

 

Proibição da analogia e da interpretação da extensiva

Poder-se-á, por outro lado, colocar a questão da possibilidade de aplicação da analogia à verba prevista na verba 28.1 da TGIS. Ora, sobre esta matéria dispõe o n.º 4 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária, segundo o qual: 

4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são suscetíveis de integração analógica”

Quanto às matérias abrangidas pela reserva de lei, atente-se ao artigo 103.º, n.º 2 da CRP e ao artigo 8.º da LGT. Segundo estas normas o princípio da legalidade fiscal abrange a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes. Isto é também referido na obra “O Princípio da Legalidade Fiscal” de Ana Paula Dourado, Almedina, 2007, página 106.

Sendo a verba 28.1 TGIS uma norma de incidência, abrangida pelo princípio da legalidade fiscal, é proibida a sua aplicação analógica a situações aí não expressamente previstas.

Da mesma forma, também não será de admitir uma interpretação extensiva da referida verba que permitisse incluir na expressão constante da lei os terrenos para construção. Sobre interpretação rege o artigo 11.º, n.º 1 a 3 da LGT e o art.º 9.º do Código Civil. Entendemos que não é possível uma interpretação extensiva da referida verba que inclua na mesma os terrenos para construção, já que a mesma sempre teria que ter um mínimo de correspondência na letra da lei, o que não ocorre.

Relativamente ao elemento histórico, o facto de a verba 28.1 TGIS ter sido entretanto expressamente alterada, com a Lei de Orçamento de Estado para 2014, de forma a incluir, a partir de 01.01.2014, os prédios para construção, permite também concluir que esses prédios não eram tributados na redação vigente até 31.12.2013.

 

Aplicação do regime à situação da Requerente

O prédio da Requerente é um terreno para construção. Pelo que se referiu, não se está perante um prédio com afetação habitacional, pelo que não incide sobre esse prédio o Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS.

Por este facto, a liquidação cuja declaração de ilegalidade é pedida enferma de vício de violação daquela verba n.º 28.1 TGIS, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação (artigo 135.º do CPA).

 

6. Dos juros indemnizatórios

A Requerente pede a condenação da A.T.A. a devolver o tributo indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

O artigo 43.º n.º 1 da LGT estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

No caso em apreço, o erro que afeta as liquidações de Imposto de Selo é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira que praticou os atos de liquidação por sua iniciativa, pelo que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento de cada uma das quantias até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

Como resulta do referido artigo 43.º n.º 1 da LGT, o direito a juros indemnizatórios depende do pagamento de dívida tributária em montante indevido.

Enfermando de ilegalidade as liquidações de Imposto de Selo, são devidos juros indemnizatórios desde a data do pagamento até ao integral reembolso por parte da A.T.A., nos termos dos artigos 43º da LGT e 61º n.º 2 do CPPT.

 

7. Decisão

Em face do exposto, determina-se:

a)      Julgar improcedente a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral;

b)      Julgar improcedente a exceção de inidoneidade do meio processual;

c)      julgar procedente o pedido formulado pela Requerente no presente processo arbitral tributário, quanto à ilegalidade das liquidações de Imposto de Selo n.º 2012…, do ano de 2012, no valor de 16.313,60 €, e n.º 2014…, do ano de 2013, no valor de 16.313,64 €.

d)     julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente, o valor do imposto e das custas indevidamente pagos, acrescido de juros indemnizatórios nos termos legais, desde a data em que tal pagamento foi efetuado até à data do integral reembolso do mesmo.

 

7. Valor do processo:

De acordo com o disposto no artigo 315º, n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor da ação em 33.376,80 €.

 

8. Custas:

Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 1.836,00 € devidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique.

 

Lisboa, 21 de junho de 2016.

 

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, por mim revisto.

 

 

O árbitro singular

 

Suzana Fernandes da Costa