Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 747/2015-T
Data da decisão: 2016-05-25  IRS  
Valor do pedido: € 1.594,42
Tema: IRS – Dedução de perdas – Reporte - Artigo 55º do CIRS
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Decisão Arbitral

 

Requerente: A…

Requerida:   AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA

 

 

I- RELATÓRIO

 

1. A…, (doravante designado por Requerente) contribuinte fiscal nº …, com domicílio fiscal na …, …, apresentou em 14 de Dezembro de 2015, pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º e artigo 10º, nº 1 e 2, ambos do Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante referido por RJAT), e dos artigos 1º, e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, deduzida contra a liquidação de IRS nº 2015 ..., no valor de 1.594,42 €, referente ao ano de 2014.

 

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 22 de Dezembro de 2015 e, de imediato, notificado à Requerida nos termos legais.

 

3. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, devidamente notificado às partes, nos prazos previstos foi designado como árbitro o subscritor, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo estipulado no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

 

4. O Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 23 de Fevereiro de 2016, em consonância com a prescrição da alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT.

 

5. Foi proferido despacho arbitral em 2016/04/04, devidamente notificado às partes, que fundamentou a dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT e concedeu às mesmas a faculdade de apresentarem alegações escritas.

 

6. A fundamentar o seu pedido, que sintetizou e que desde logo anuncia no sentido de lhe ser “reconhecido o direito de reporte das Menos Valias Mobiliárias apuradas em 2013 para os rendimentos da mesma natureza apurados em 2014 “ e do que é possível extrair-se do seu pedido de pronúncia arbitral, o Requerente tece várias considerações acerca das regras de determinação do rendimento colectável, nomeadamente acerca do englobamento (artigo 22º do CIRS), insurgindo-se quanto à interpretação levada a cabo pela AT, relativamente ao nº 6 do artigo 55º do CIRS, para concluir pela condenação da “Autoridade Tributária e Aduaneira à revisão do ato tributário”.

 

7. A AT, na sua resposta, sustentando posição contrária à apresentada pelo Requerente e, em consonância com a posição por si já assumida em sede de reclamação graciosa, realça a circunstância de o Requerente ter optado pelo não englobamento na declaração de rendimentos, respeitante ao ano de 2013, o que afasta a possibilidade de reporte, face à redacção ao tempo do nº 6 do artigo 55º do CIRC, a que adiciona o facto de, à data da reclamação graciosa deduzida pelo Requerente já se encontrar esgotado o prazo da correcção/substituição da declaração pretendida por este, face ao disposto no parágrafo II da alínea b) do nº 3 do artigo 59º do CIRS.

 

8. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º, nº 1 alínea a), 5º e 6º nº 1 do RJAT.

 

9. As partes têm personalidade e capacidades judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (artigos 3º,6º e 15º do CPPT, ex vi do artigo 29º nº 1 alínea a) do RJAT.

 

10. O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas quaisquer excepções.

 

11. Inexiste, deste modo, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

II- FUNDAMENTAÇÃO

 

A. MATÉRIA DE FACTO

A1. Factos dados como provados

 

i.                    na sequência da notificação da liquidação adicional de IRS nº 2015 …, referente ao ano de 2014, o Requerente apresentou em 27 de Julho de 2015, reclamação graciosa junto do Serviço de Finanças de … …, a que veio a caber o nº …2015…,

 

ii.                  com data de 12/08/2015 e através do ofício nº …/…/2015, o Requerente foi notificado do projecto de decisão relativo à reclamação graciosa, com indicação para o exercício do direito de audição previsto no artigo 60º da Lei Geral Tributária,

 

iii.                com data de 26/08/2015 o Requerente exerceu o seu direito de audição tendo dado entrada ao mesmo nos competentes serviços de finanças,

 

iv.                 no exercício do seu direito de audição afirmou o Requerente, para além do mais, que pretende rectificar o texto [da reclamação graciosa] “o qual, por lapso, não corresponde ao pretendido, isto é, ao contrário do que é ali referido, a opção exercida em 2014 quanto ao englobamento dos rendimentos da categoria G está correta”

 

v.                  sob o ofício nº … de 24/09/2015 emitido pela Direcção de Finanças de …/Serviço de Finanças de … …, foi o Requerente notificado do despacho de indeferimento total da reclamação graciosa,

 

vi.                 em 14/12/2015, foi apresentado junto do CAAD pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

A.2. Factos dados como não provados

 

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que pronunciar-se sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão de discriminar a matéria provada da não provada [(cfr. art. 123º, nº 2 do CPPT, e artigo 670º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alínea a) e e) do RJAT)].

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da (s) questão (ões) de direito (cfr. artigo 596º do CPC, aplicável, ex vi do artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental junta aos autos e o PA anexo, consideram-se provados com relevo para a decisão os factos supra elencados.

 

B. DO DIREITO

 

Poder-se-á partir da definição de rendimento colectável em sede de Imposto sobre as Pessoas Singulares (IRS) como o valor sobre o qual vai incidir a taxa do imposto, de forma a apurar o montante a liquidar.

O rendimento colectável corresponderá deste modo à soma dos rendimentos das várias categorias auferidas pelo sujeito passivo, em cada ano, que após efectuadas as deduções legais determinarão o imposto a pagar.

Determinados os rendimentos líquidos de cada uma das categorias, o princípio da tributação do rendimento líquido global obriga a que se proceda ao respectivo englobamento.

De acordo com o disposto no artigo 22º do CIRS o “rendimento colectável em IRS é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidas em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos previstas nas secções seguintes”.

Traduzindo-se assim na prática o englobamento, no somatório dos rendimentos líquidos das diversas categorias de rendimentos, por forma a obter o rendimento líquido global, sem prejuízo da aplicação do disposto no artigo 55º do CIRS que cria regras à comunicabilidade das perdas entre as diversas categorias, nos termos aí previstos.

 

Ao tempo dos factos subjacentes, era a seguinte a redacção do nº 1 do artigo 55º do CIRS: “ sem prejuízo do disposto nos números seguintes é dedutível ao conjunto dos rendimentos líquidos sujeitos a tributação o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria de rendimentos.”

 

Ao contrário da redacção actual (introduzida pelo artigo 2º do Lei nº 82-E/2014, de 31 de Dezembro) que condiciona a dedução do resultado negativo aos resultados líquidos positivos da mesma categoria de rendimentos, ao tempo, o dispositivo em causa, previa a dedução de perdas “resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria de rendimentos”, consagrando o princípio da intercomunicabilidade das categorias, o que em boa verdade, também na prática se esbatia face ao que dispunham os seus vários números, “apesar de o nº 1 do artigo 55º consagrar o princípio contrário – o da intercomunicabilidade das categorias – os números seguintes do artigo inviabilizam tal princípio, numa solução de difícil articulação com a tributação pelo rendimentos real e a unicidade do imposto”[1].

Por outro lado, o nº 6 [2] do artigo 55º do CIRS dispunha no sentido seguinte: “o saldo negativo apurado num determinado ano, relativo às operações previstas nas alíneas b), e), f) e g) do nº 1 do artigo 10º, pode ser reportado para os dois anos seguintes, aos rendimentos com a mesma natureza, quando o sujeito passivo opte pelo englobamento”.

 

Tendo o Requerente apurado na sua declaração de IRS de 2013 (Modelo 3) um rendimento líquido negativo na categoria G, concretamente advindo da “alienação onerosa de partes sociais” - alínea b) do nº 1 do artigo 10º do CIRS,  parece não subsistirem dúvidas interpretativas quanto à admissibilidade de reporte desses prejuízos para os dois anos seguintes, estar dependente da opção expressa pelo englobamento.

Teria sido necessário, no nosso entendimento, um acto volitivo do sujeito passivo que corporizasse a opção pelo englobamento, nas condições referidas, sob o nº 6 do artigo 5º no sentido de que “ o saldo negativo apurado num determinado ano, relativo às operações previstas nas alíneas b) e) f) e g) do nº 1 do artigo 10º, pode ser reportado para os dois anos seguintes, aos rendimentos com a mesma natureza, quando o sujeito passivo opte pelo englobamento”, opção essa que de resto se verifica em outras situações nomeadamente as previstas nos artigos 22º, nº 3, 71º, nºs 6 e 7, e 72º, nº 8 (redacções ao tempo) a par de outras destinadas aos “residentes não habituais”, onde se prevê o englobamento por opção do sujeito passivo.

 

Nos presentes autos, estão em causa as menos valias apuradas pelo Requerente no ano de 2013 relativas a rendimentos da categoria G (rendimentos obtidos com “alienação onerosa de partes sociais”) e a pretensão do seu reporte aos rendimentos da mesma natureza por si obtidos no ano de 2014.

 

Constatando-se dos documentos juntos pelo Requerente e do processo administrativo anexo que; (i) na declaração de rendimentos – modelo 3- com referência ao ano de 2014 o Requerente tendo apurado uma menos valia, indicou no quadro 9 do respectivo anexo G optar pelo não englobamento, e (ii) que tendo apurado no exercício de 2014 uma mais valia indicou no quadro 9 do anexo G a opção pelo englobamento não assistirá qualquer razão ao Requerente, quanto à sua pretensão de ver “reconhecido o direito de reporte das menos valias apuradas em 2013”, para os anos subsequentes, nomeadamente em 2014, já que o momento legalmente apropriado para efeitos da possibilidade de exercício de reporte para os anos seguintes, relativamente à menos valias mobiliárias, deveria ter sido o ano em que as mesmas foram apuradas, isto é, em 2013, altura em que conforme assinalado o Requerente não optou pelo englobamento, conforme decorre da respectiva declaração de rendimentos, e seus anexos.

 

Subscreve-se, deste modo, e sem necessidade de outros considerandos, a posição da AT, no segmento em que afirma que, tendo o Requerente apurado no ano de 2013 uma menos valia relativamente a rendimentos da categoria G e tendo optado pelo não englobamento, através da declaração nesse sentido aposta no campo 9 do anexo G do modelo 3 do IRS, afastou a possibilidade legal de reportar nos dois anos seguintes as menos valias apuradas em 2013, face ao então disposto no nº 6 do artigo 55º do CIRS.

 

C. DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral Singular em:

 

  1. julgar totalmente improcedente o pedido de anulação da liquidação de IRS nº 2015..., referente ao ano de 2014,

 

  1. condenar o Requerente nas custas do processo.

 

D. VALOR DO PROCESSO

 

De conformidade com o estatuído no artigo 296º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 47/2013, de 26 de Junho, 97º - A) nº 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 1.594,42 €.

 

E. CUSTAS

 

Nos termos dos artigos 12º, nº2, 22º, nº 4 do RJAT, e artigos 2º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em 306,00 €, a cargo do Requerente.

 

 

NOTIFIQUE-SE

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem, com versos em branco, e revisto pelo árbitro.

 

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 

 

Lisboa, vinte e cinco de Maio de dois mil e dezasseis

 

 

O árbitro

 

(José Coutinho Pires)

 



[1] J.L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª Edição, Coimbra Editora, 2007, p.333.

[2] Revogado pela Lei nº 82-E/2014, de 31 de Dezembro.