Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 710/2015-T
Data da decisão: 2016-05-20  IMT Selo  
Valor do pedido: € 36.572,75
Tema: IMT e IS - Benefício Fiscal; caducidade; fundo de investimento imobiliário fechado; arrendamento habitacional; norma transitória e retroatividade
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Decisão Arbitral

O árbitro singular Nuno de Oliveira Garcia, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante apenas ‘CAAD’) para constituir o presente Tribunal Arbitral (TA), que é singular, decide o seguinte:

 

1. Relatório

1.1. A ‘A… – …, S.A.’, contribuinte n.º …, com sede na Avenida …, n.º … – …, …-…, em Lisboa, requereu, na qualidade de sociedade gestora do fundo ‘B… – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional’, de ora em diante designada por ‘Requerente’, a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

1.2. O referido pedido de pronúncia arbitral tem por objecto – segundo o pedido com que termina o requerimento inicial, e não de acordo com o cabeçalho do mesmo que se limita a referir a aferição de um regime legal – a declaração de nulidade e, caso assim não se entenda serem anulados, (d)os actos tributários de liquidação de IMT e de IS, emitidos em 29 de Outubro de 2015 pela AT na sequência de declaração da Requerente, no valor total de €36.572,75, actos melhor identificados no artigo 6.º do requerimento inicial e a este anexos como doc. n.º 1. Tais actos de liquidação decorreram da alienação pela Requerente, no dia 30 de Outubro de 2015, da fracção com a matriz U-…-… sito na Avenida …, …, Bloco …, ….

Mais solicita o Requerente o reembolso do montante pago por força das referidas liquidações, tal como de resto resulta dos comprovativos de pagamento juntos ao requerimento inicial como doc. n.º 2, acrescido de juros indemnizatórios sobre aquele valor.

1.3. O cerne da motivação do pedido arbitral, como aliás resulta do cabeçalho do requerimento inicial, assenta na «aferição» de que a norma subjacente às liquidações em crise – o artigo 236.º da Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro, diploma que aprovou o Orçamento do Estado para 2014 – revela «uma violação flagrante e inequívoca do princípio da não retroactividade da lei fiscal, plasmado no artigo 103º (Sistema Fiscal), número 3, da Constituição da República Portuguesa» (cit., requerimento inicial p. 1 in fine e p. 2 ab initio).

Entende ainda o Requerente que as liquidações impugnadas são nulas ao abrigo da alínea d) do n.º 2 do artigo 133.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) porque ofendem o conteúdo essencial de um direito fundamental, pelo que impugnáveis a todo o tempo.

1.4. Por seu turno, a ‘AT – autoridade tributária e aduaneira’ (adiante apenas ‘AT’) entendeu não dar uso à faculdade prevista no artigo 13.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e sustentou, defendendo-se por impugnação, que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente ou, caso assim não se entenda, que se determine a notificação ao Ministério Público «por apelo ao disposto no artigo 280.º, n.º 3 da CRP e no artigo 72.º, n.º 3 da Lei do Tribunal Arbitral» (cit., p. 30 da resposta ao requerimento inicial).

A AT, por impugnação, defende-se sustentando que o dispositivo legal em questão não se encontra ferido de retroactividade, não tendo por aquele comando sido estabelecido novo requisito para aplicação da isenção prevista no regime fiscal dos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (adiante apenas ‘FIIAH’), mas apenas tendo consagrado um prazo definido para cumprimento de um requisito já subjacente ao próprio regime, prazo esse que apenas se inicia após a entrada em vigor da lei nova.

Em anexo à sua resposta, a AT vem juntar o documento n.º 1 que consubstancia a cópia da decisão arbitral proferida no Processo n.º 398/2015 - T, devidamente truncada nos trechos referentes à identificação da parte requerente. Analisado tal documento, surge como única conclusão de que se trata, inequivocamente, de uma decisão no âmbito de um pedido de pronúncia arbitral respeitante a liquidações de IMT e de IS emitidas na sequência de factos semelhantes, e ao abrigo de normas idênticas, às do presente processo arbitral.

1.5. Foi decidido pelo TA, e não mereceu oposição das partes, a dispensa da reunião do tribunal arbitral prevista no artigo 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

1.6. Ambas as Partes produziram e entregaram as suas alegações finais nas quais mantiveram, ainda que necessariamente de forma resumida, as posições firmadas no requerimento inicial e na respectiva resposta.

 

2. Saneamento

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Não foram identificadas nulidades no processo.

 

3. Matéria de facto e respectiva fundamentação

3.1. Com relevância para a decisão de mérito, o Tribunal Arbitral considera provada a seguinte factualidade:

a)      Em 13 de Dezembro de 2013, o ‘B… – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional’, representado pela sociedade que o gere, adquiriu a fracção com a matriz U-…-… sito na Avenida …, …, Bloco …, ... (à data da aquisição a fracção encontrava-se inscrita sob um artigo diferente).

b)      A referida fracção foi adquirida beneficiando de isenção de IMT ao abrigo da alínea a) do n.º 7 do artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH.

c)      Em 30 de Outubro de 2015, a referida fracção foi alienada.

d)      Um dia antes da alienação da referida fracção – ou seja, a 29 de Outubro de 2015 – a AT emitiu as duas liquidações em crise na sequência de declaração da Requerente para o efeito; a saber: (i) a liquidação de IMT com o n.º de documento …, no valor de €32.244,75 e (ii) a liquidação de IS com o n.º de documento …, no valor de €4.328.

e)      De acordo com as alegações de ambas as partes, tais liquidações foram emitidas pela ao abrigo do artigo 236.º da Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2014), sendo certo que, na liquidação de IMT em crise e acima identificada, encontra-se expresso que a mesma decorre do facto de «ser celebrada escritura de venda em 2015-10-30, pelo que será dado destino diferente daquele em que assentou o benefício, caducando a isenção» (cit., p. 1 do doc. n.º 1 em anexo ao requerimento inicial).

 

3.2. Fundamentação da Matéria de Facto

A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se na prova documental junta pelo Requerente – docs. n.º 1 e 2 em anexo ao requerimento inicial, quanto aos factos identificados acima como d) e e), e docs. A a E juntos por requerimento subsequente,[1] quantos aos factos identificados acima como a) a c) – cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram questionadas pela Requerida.

 

3.3. Factos não provados

Não se constataram factos essenciais, com relevo para a apreciação do mérito da causa, os quais não se tenham provado.

 

4. QUESTÃO DECIDENDAS

A questão a decidir nos presentes autos é a seguinte:

  — São ilegais as liquidações de IMT e IS em crise, emitidas em 29 de Outubro de 2015 pela AT e na sequência de declaração da Requerente, ao abrigo do artigo 236.º da Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2014)?

 

a) Da questão a propósito da nulidade ou anulabilidade das liquidações

Antes de apreciarmos a legalidade das liquidações de IMT e IS, importa abordar os efeitos da sua alegada inconstitucionalidade, e isto por o Requerente pretender deste TA a declaração de nulidade dos referidos actos e, só caso assim não se venha a entender, a anulação dos mesmos.

Quanto neste aspecto, não nos podemos encontrar mais próximos do disposto na citada decisão no processo n.º 398/2015-T[2] quando esta explana que a jurisprudência tributária do Supremo Tribunal Administrativo (adiante apenas ‘STA’) tem consagrado que a nulidade em que se baseie um acto de liquidação não implica a nulidade deste, gerando sim uma situação de ilegalidade abstracta da liquidação. Tese que adere ao caso do acto de liquidação que aplique uma norma inconstitucional, salvo se ofender o conteúdo essencial de um direito fundamental, pelo que ainda que os actos de liquidação de imposto se baseiem numa norma inconstitucional, o vício.[3]

Ora, nos presentes Autos Arbitrais não vemos razões para seguir um entendimento diferente daquele que tem vindo a ser seguido pelo STA, pelo que sustentamos, para efeitos da presente decisão, que um acto de liquidação da AT que aplique uma norma no errado pressuposto da sua validade, da sua existência ou relevância jurídica, padece de vício de violação de lei por erro no pressuposto de direito, mas é causa de anulabilidade e não de nulidade.

 

b) Da legalidade das liquidações em crise

Cumpre então decidir quanto ao mérito do pedido de decisão arbitral das liquidações de IMT e IS em crise.

Importa começar por fixar a matéria de direito sobre a qual o presente caso se versa. Referimo-nos, em primeiro lugar, à Lei n.º 64-A/2008, de 31 Dezembro (adiante apenas ‘Lei do Orçamento do Estado para 2009), que aprovou o que se pode denominar de ‘Regime Especial aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional’ (adiante apenas ‘Regime Especial’), que dispõe no n.º 7 do seu artigo 8.º que encontram-se isentos de IMT:

§    «a) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;

 b) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1» (cit., itálico nosso com fito de destaque).

Em segundo lugar, referimo-nos à Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro (adiante apenas ‘Lei do Orçamento de Estado para 2014’) que, através do seu artigo 235.º, aditou ao supra referido artigo 8.º do Regime Especial três números, como segue:

§    «14 – Para efeitos do disposto nos n.os 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.

15 – Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.os 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.

16 – Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior» (cit., itálicos nossos com fito de destaque).

Em terceiro lugar, mantemo-nos na Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro, mas agora no seu artigo 236.º, com a epígrafe «Norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH»(cit.), segundo o qual:

§    «1. O disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.

 2. Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014. (cit., itálico nosso com fito de destaque).

Cumpre então avaliar da legalidade das liquidações de IMT em crise que têm por contexto normativo as disposições supra citadas.

 

Conforme se dispõe nos FACTOS, a fracção cuja transmissão motivou as liquidações em crise foi adquirida em 13 Dezembro de 2013, beneficiando nessa operação e nessa data de isenção de pagamento de IMT ao abrigo da citada alínea a) do n.º 7 do artigo 8.º do Regime Especial.

A título prévio importa concordar com a decisão do CAAD no processo n.º 398/2005 - T, a propósito do mesmo enquadramento normativo, quando esta refere que a citada norma – ie., a alínea a) do nº 7 do artigo 8.º do Regime Especial – já pressupunha que o imóvel fosse destinado ao arrendamento para habitação permanente para poder beneficiar de tal isenção. Pelo que, também subscrevemos que «a obrigatoriedade de destinar o imóvel ao arrendamento habitacional não é requisito das alterações introduzidas pelo Orçamento do Estado para 2014, mas sim um requisito do regime fiscal dos FIIAH ab initio, aliás natural decorrência das motivações que levaram à criação destes fundos» (cit., p. 9 da decisão do CAAD no processo n.º 398/2005 - T).

Em segundo lugar, importa esclarecer que o benefício fiscal em causa não é de natureza subjectiva, nem contratual, e encontrava-se dependente de condição – afectação ao arrendamento habitacional. Acresce que os benefícios fiscais não são, como é sabido e por via de regra, permanentes e, muito menos, imutáveis. De resto, são várias as formas de os extinguir como seja a sua revogação expressa, a supressão do tributo a que a benefício respeita ou o transcurso dos prazos normativos previstos para a vigência das normas ‘beneficiantes’ com a consequente caducidade dos benefícios.[4] O próprio Estatuto dos Benefícios Fiscais consagra actualmente,[5] um regime geral de extinção dos benefícios fiscais previsto no seu artigo 14.º e que inclui, designadamente, referência expressa aos casos de benefícios fiscais relativos a aquisição de bens destinados a directa realização dos fins dos adquirentes (vide n.º 3). Sucede, que nada disso aconteceu in casu com a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014, posto que esta se bastou em introduzir um elemento densificador do conceito ‘afectação a arrendamento para habitação permanente’. A este respeito, diga-se mesmo que sempre nos afigurou incompreensível que a referência a «afectação a arrendamento» não contivesse, no regime inicial (ie., na redacção da Lei do Orçamento do Estado para 2009) qualquer densificação. Qual o tipo de afectação que a lei fiscal pretendia (eg., meramente contabilística)?

Dito isto, dificilmente se mostra comprovado existir uma violação de expectativas jurídicas por parte da Requerente, nem sequer na vertente da proibição da norma fiscal retroactiva. A este respeito, veja-se que a posição da Requerente, antes e depois da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014, em nada se alterou, apesar do regime especial, e da norma transitória, passarem a indicar um período de detenção e imporem o arrendamento efectivo (ie., celebração de contrato). Efectivamente, foi apenas a alienação da fracção pela Requerente – posterior à entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 diga-se – que fez despoletar a tributação ao abrigo da norma (já) em vigor no momento da alienação. Este aspecto invoca a posição tradicional do Tribunal Constitucional de prevalência, como facto gerador de imposto, ao momento da alienação dos bens e não ao momento da respectiva aquisição – veja-se, por todos, o Acórdão n.º 85/2010, proferido em 3 de Março de 2010, e a nossa anotação ao mesmo.[6]

Acresce, conforme resulta dos FACTOS, que as liquidações de IMT e IS em crise não tiveram por base a sua manutenção na Requerente por um período igual ou superior a três anos sem que tivesse havido afectação a arrendamento para habitação permanente. Na verdade, e como resulta também dos FACTOS, a fracção em causa esteve na propriedade da Requerente menos de dois anos. O benefício em causa não se extinguiu, nem caducou; apenas foi regulamentado, tendo sido introduzido um período expresso de detenção e concretizada a condição de arrendamento efectivo, o que não se pode sequer considerar desproporcionado pois entendemos que para o cumprimento do regime especial em causa – mesmo na versão inicial da alínea a) do n.º 7 do artigo 8.º da Lei do Orçamento do Estado para 2009 – não deveria bastar uma mera intenção declarada na aquisição do imóvel, sendo necessária o efectivo arrendamento para habitação permanente. É esse – o efectivo arrendamento para habitação permanente – o pressuposto do benefício, pelo que e nos termos do artigo 12.º do EBF, não se pode sequer afirmar que tenha ocorrido a constituição do direito ao benefício pelo Requerente, ao contrário do que este invoca no seu requerimento inicial, maxime artigos 21 (cuja factualidade neste invocada, de resto, não é comprovada) e 22.[7] Reforça este nosso entendimento a utilização da palavra «exclusivamente» na redacção da a) do n.º 7 do artigo 8.º do Regime Especial. E, assim sendo e neste segmento decisório, voltamos a aderir à posição expressa na decisão do CAAD no processo n.º 398/2005 - T, no sentido de que não está sequer em questão um teste de retroactividade da norma aplicada, mas sim o facto de a fracção em apreço ter sido alienada «sem que tenha cumprido o seu destino – afectação ao arrendamento habitacional permanente» e que «alienad[a] que seja [a fracção], esse destino já não pode ser cumprido, pelo que não se cumpriu o requisito estabelecido para que a isenção de IMT seja aplicável» (cit., p. 10).

Em suma, a Requerente adquiriu e alienou uma fracção.[8] E fê-lo sem que a tenha arrendado entre a data da aquisição e a da alienação. Todavia, beneficiou, na data da respectiva aquisição, do benefício fiscal de não pagamento de IMT e IS aplicável à aquisição de fracções destinadas exclusivamente a arrendamento para habitação permanente. Benefício cujo regime foi regulamentado com a Lei do Orçamento do Estado para 2014, tendo a alienação acima referida ocorrido precisamente em momento posterior à entrada em vigor da referida lei. Nessa medida, entendemos que a liquidação de IMT em crise, bem como a de IS que tem como fundamento a mesma factualidade, são legais ao abrigo das norma do Regime Especial acima citadas.

Assim sendo, e uma vez que as liquidações em crise resultaram de declaração do Requerente, não é sequer preciso alongarmo-nos sobre a correcção das liquidações no que respeita à sua oportunidade. Em qualquer caso, relembre-se que estabelece o n.º 15 do Regime Especial, tal como aditado pela Lei do Orçamento do Estado para 2009 que quando os prédios não tenham sido objecto de contrato de arrendamento no prazo de três anos os benefícios ficam sem efeito, cabendo ao sujeito passivo solicitar à AT, nos trinta dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respectivo imposto. Ora, como vimos, no caso em apreço houve aquisição e alienação de uma fracção que não chegou a ser afectos a arrendamento para habitação permanente pelo Requerente, pelo que este – como de resto o fez – cabia solicitar a liquidação do respectivo imposto.

 

6. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente, na integra, o pedido de pronúncia arbitral.

 

* * *

Fixa-se o valor do processo em Euros €36.572,75 (trinta e seis mil, quinhentos e setenta e dois Euros e setenta e cinco cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC.

O montante das custas é fixado em  €1836 (mil, oitocentos e trinta e seis Euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo do Requerente, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de Maio de 2016

 

O Árbitro

 

Nuno de Oliveira Garcia

 



[1] Datado de 4 de Maio de 2016 e na sequência de despacho arbitral de 28 de Abril de 2016.

[2] Ainda que, em tal decisão, a questão tivesse sido tratada, sobretudo, em matéria de excepção por extemporaneidade do pedido, excepção que não se verifica nos presentes Autos Arbitrais.

[3] Tal decisão arbitral enumera diversos arestos, com os quais também concordamos, caso «dos acórdãos de 30/01/01, 15/01/03, 25/05/04, 16/11/05, 10/01/07, 5/07/07 e 7/05/08, nos processos n.ºs 26.392, 1629/02, 208/04, 1108/03 (Plenário), 736/05, 496/06, 479/06 (Pleno) e 1034/07» (cit.).

[4] Veja-se, assim, o nosso texto «Isenção de Tarifa Municipal – Taxa – Vigência de Isenção atribuída em 1955» in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 416 (2005) , p. 334 e 335, no qual seguimos, de muito perto e a esse respeito, a posição clássica de Nuno Sá Gomes (Lisboa, 1991) Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, CCTF n.º 165.

[5] Tal como republicado pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho.

[6] Referimo-nos ao texto «Concorrência da diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital em metade do seu valor», in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal Ano 3.09 (2010), pp. 349 e ss.

[7] Tal como é jurisprudência a propósito de benefícios fiscais, ainda que relativa aos casos de compra para revenda, a intenção inicial da empresa (in casu, do Fundo) pode ser relevante – cfr. Acórdão do TCA Norte de 25 de Fevereiro de 2016, no processo 00191/12.8BEPRT. Ora, ainda que não seja possível afirmar, inexoravelmente, que essa não foi a intenção da Requerente, a verdade é que dos FACTOS também não resulta nenhum indício que suporte a existência de qualquer impulso ou actividade da Requerente  no sentido da celebração de contratos de arrendamento.

[8] Sendo, evidentemente, irrelevante in casu se com ganho ou perda e qual o respectivo tratamento fiscal.