Decisão Arbitral 1
Processo n.º 13/2011
Autor / Requerente: …, S.A.”
Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira
I - RELATÓRIO
1. Em 7 de Novembro de 2011, a “…, S.A.”, pessoa colectiva número … com sede social na … submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) o pedido de constituição de tribunal arbitral singular, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT) n.º …, de 12.09.2006, emitida pela Direcção-Geral dos Impostos, respeitante à fracção autónoma de prédio em regime de propriedade horizontal inscrita sob o artigo …, da freguesia de …, concelho de …, no montante de € 16.710,13 (dezasseis mil setecentos e dez euros e treze cêntimos).
2. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (de ora em diante designado, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ou RJAT), por decisão do Presidente do Conselho Deontológico foi designado como árbitro único, em 9 de Novembro de 2011, o signatário Olívio Augusto Mota Amador, que aceitou o encargo no prazo legalmente estipulado.
3. O tribunal arbitral foi constituído em 28 de Novembro de 2011, na sede do CAAD (cfr., acta de constituição do tribunal arbitral).
4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral o Autor alegou, em resumo, o seguinte:
4.1. No âmbito da avaliação do imóvel em causa, realizada ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, verificou-se um erro na identificação das áreas do imóvel o qual viciou a avaliação do mesmo, porque foi alterada, sem razão, a área que constava da declaração modelo 1 apresentada pelo Requerente e foi acrescentada uma área bruta dependente manifestamente inexistente. Assim, para além de uma área bruta privativa de 203m2 declarada pela Requerente, foi considerada uma área bruta dependente de 106 m2, não existente nem declarada pelo Requerente.
4.2. O apuramento do primeiro Valor Patrimonial Tributário (VPT) do imóvel, após a aquisição pelo Requerente, e a consequente liquidação do IMT ocorreram devido à existência de um erro na identificação das áreas do imóvel. Daqui resultou uma violação do disposto no artigo 14.º n.º 1 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), o qual determina que o VPT deve ser apurado através de avaliação que tenha por base a declaração apresentada pelo sujeito passivo.
4.3. Tendo sido deferida a reclamação da matriz apresentada pelo Requerente, em 30 de Julho de 2007, a Administração Tributária procedeu à rectificação para menos do VPT do imóvel.
4.4. O Requerente não aceita que os efeitos do deferimento da reclamação da matriz por si apresentada apenas se reflictam a partir do ano de 2007, porque tal como dispõe o artigo 13.º n.º 1 alínea i) , o artigo 37.º n.º 4 do CIMI e o artigo 16.º do Código do Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (CIMT) o que revela para efeitos de avaliação e subsequente fixação do VPT dos imóveis são as características (nas quais se incluem as suas dimensões, determinadas pelas respectivas áreas) que os mesmos revestiam à data em que ocorreu aquela transmissão.
4.5. O VPT fixado com respeito pelas características do imóvel à data da sua transmissão relevará para a determinação da eventual liquidação adicional de IMT, mas nunca poderá o IMT ser apurado com base num VPT comprovadamente incorrecto.
4.6. No caso vertente o VPT do imóvel em causa só se tornou definitivo com a última avaliação notificada ao Requerente já em 2007.
4.7. A anulação da liquidação do IMT constitui a solução que melhor se coaduna com os princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade previstos nos artigos 266.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 55.º da Lei Geral Tributária (LGT), porque a manutenção da liquidação na ordem jurídica quando subjacente à sua emissão está um erro, da exclusiva responsabilidade dos serviços da administração tributária, coloca o contribuinte numa situação de clara lesividade e prejuízo da sua posição jurídica face a essa administração tributária.
5. No pedido de pronúncia arbitral o Autor juntou 5 (cinco) documentos.
6. Em 6 de Janeiro de 2011, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:
6.1. Não existe um vício relativo à liquidação adicional de IMT propriamente dita, mas é antes apontado pelo Requerente, como determinante para o pedido formulado, um vício de que padecia um acto, que assumia a natureza de acto destacável e em consequência do qual, se produziu o acto de liquidação em causa nos autos. Em relação ao aludido acto destacável formou-se, por falta de impugnação administrativa ou judicial, caso decidido ou resolvido, por isso, o acto em causa nos autos não pode ser anulado com tais fundamentos.
6.2. Concluída a primeira avaliação e notificado o seu resultado ao sujeito passivo, pode este deduzir impugnação judicial contra a mesma (cfr. artigo 77º do CIMI e artigo 134º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT)), com fundamento em qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial tributário do prédio. Desta forma, os actos de avaliação são actos destacáveis para efeitos de impugnação judicial (cfr. artigo 86º da LGT). Temos então que, se a impugnação for julgada procedente e o acto de avaliação anulado, a liquidação também se tornará ilegal. Isto, porque o acto de liquidação de imposto que foi efectuado em conformidade com o acto de avaliação é um acto consequente daquele (cfr. artigo 133º, n.º 2, alínea i) do Código de Procedimento Administrativo (CPA)). Porém, se o sujeito passivo não impugnar o acto de fixação do valor patrimonial, vê vedada a possibilidade de posteriormente impugnar a liquidação com fundamento em erro na determinação desse valor. Ou seja, a liquidação de imposto é, nos termos gerais, impugnável administrativa e/ou judicialmente, porém, não poderão constituir causas de eventual invalidade vícios próprios do acto destacável que, por ausência de reacção atempada, se tornou caso decidido ou julgado.
6.3. Caso o Autor discordasse da avaliação efectuada, podia e devia, no prazo de 30 dias, requerer nova avaliação. Mas o Autor entendeu não utilizar esses meios de defesa. Ultrapassados os prazos estabelecidos na lei para reacção contra o valor patrimonial fixado na avaliação, tornou-se o mesmo definitivo. Formou-se nessa altura caso decidido ou resolvido quanto a essa matéria. Tal decisão consolidou-se, então, na ordem jurídica.
6.4. A decisão da avaliação não tendo sido devida e oportunamente contestada, não pode voltar a ser discutida. Nos termos do nº 7 do artigo 130º do CIMI: “Os efeitos das reclamações efectuadas com qualquer dos fundamentos previstos neste artigo só se produzirão na liquidação respeitante ao ano em que o pedido for apresentado”. Em consonância com essa disposição, os efeitos das avaliações que tenham lugar na sequência das reclamações das matrizes, reguladas no artigo 130º do CIMI, só se produzem na liquidação do ano em que o pedido for apresentado. O legislador pretende determinar expressamente a inexistência de quaisquer efeitos retroactivos de tais correcções na matriz.
6.5. Não se podendo, por isso, produzir, na sequência do procedimento específico regulado no artigo 130º do CIMI, quaisquer efeitos anulatórios de liquidações anteriores.
6.6. Sendo os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé norteadores da actividade administrativa tributária não podem deixar de ser conjugados com o princípio da legalidade, pelo que, quando a Administração actua com poderes vinculados, o respectivo acto será legal ou ilegal consoante respeite ou não o quadro rigorosamente desenhado na lei, e este foi no caso em concreto respeitado.
7. Na mesma data da resposta a Requerida procedeu à junção do Processo Administrativa Tributário (PAT).
8. Realizou-se, de seguida, em 23 de Janeiro de 2012, a primeira reunião do tribunal arbitral, nos termos e com os objectivos previstos no artigo 18.º do RJAT.
As partes foram ouvidas e declararam não invocar qualquer excepção susceptível de ser apreciada e decidida antes de se conhecer o pedido.
As partes não apresentaram correcções às peças processuais.
Nos termos do artigo 18.º n.º 1 alínea a) do RJAT o Árbitro decidiu o prosseguimento do processo mediante a apresentação de alegações orais, após solicitação do Requerente e sem oposição da Requerida. (cfr., acta da primeira reunião do tribunal arbitral).
9. Em 14 de Fevereiro de 2012, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 18.º n.º 2 do RJAT, as partes apresentaram as alegações orais, reafirmando, em síntese, a posição já expressa nos articulados (cfr., acta da reunião do tribunal arbitral).
II. QUESTÕES DECIDENDAS
10. Em face do exposto, nos números anteriores, as principais questões a decidir são as seguintes:
a) O acto de liquidação adicional de IMT tendo na base o VPT do imóvel incorrecto, devido a erro ocorrido na avaliação, padece de ilegalidade;
b) A alteração do VPT do imóvel, resultante do deferimento da reclamação da matriz, produz efeitos relativamente a liquidação de IMT já realizada.
III. FUNDAMENTOS DE FACTO
11. Tendo em conta o processo administrativo tributário, a prova documental junta aos autos e as alegações orais produzidas cumpre agora apresentar a matéria factual relevante para a compreensão da decisão, que se fixa como se segue:
A) O …, S.A. no âmbito da actividade de locação financeira imobiliária adquiriu a fracção autónoma designada pela letra “B” do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de …, sob o artigo …, pelo preço de € 110.000 (cento e dez mil euros), por escritura pública realizada em 26 de Agosto de 2005.
B) O acto foi precedido de liquidação de IMT, em 16 de Agosto de 2005, no valor de € 8.333,72 (oito mil trezentos e trinta e três euros e setenta e dois cêntimos) tendo por base o valor patrimonial tributário do imóvel € 128.211,01 (cento e vinte e oito mil duzentos e onze euros e um cêntimo).
C) A requerente apresentou, em 24 de Outubro de 2005, a declaração Mod. 1 de IMI, e, em cumprimento do disposto no artigo 15º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, foi promovida a avaliação do imóvel.
D) Do acto de avaliação do imóvel realizado pelo perito local, em 8 de Dezembro de 2005, resultou a alteração do valor patrimonial tributário para € 385.290,00 (trezentos e oitenta e cinco mil duzentos e noventa euros).
E) O valor de avaliação foi notificado ao Requerente, em 2 de Fevereiro de 2006.
F) O VPT do imóvel resultante da avaliação não foi impugnado pelo Requerente no prazo legal de 30 dias estabelecido no artigo 76.º n.º 1 do Código do IMI.
G) Em 23 de Junho de 2006, o VPT de € 385.290,00 (trezentos e oitenta e cinco mil duzentos e noventa euros) foi averbado na matriz.
H) Sendo o VPT apurado superior ao valor declarado na escritura, atento o disposto no art. 27º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 287/2003 de 12 de Novembro, foi promovida liquidação adicional de IMT, datada de 12 de Setembro de 2006, no valor de € 16.710,13 (dezasseis mil setecentos e dez euros e treze cêntimos), notificada ao Requerente, em 12 de Novembro de 2006, e que foi paga em 25 de Julho de 2007.
I) Após ter decorrido o prazo para contestar o resultado da referida avaliação a Requerente constatou que os pressupostos em que se suportava a avaliação do imóvel e posterior fixação do valor patrimonial tributário não eram correctos, porque para além da área bruta privativa de 203 m2 indicada pela Requerente, o imóvel era composto também por uma área bruta dependente adicional de 106 m2 inexistente.
J) Em 30 de Julho de 2007, o Requerente apresentou a reclamação da matriz nos termos da alínea n) do n.º 3 artigo 130. º do CIMI.
K) Em 28 de Agosto de 2007, o Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação adicional de IMT em causa nos autos.
L) Da reclamação apresentada nos termos do n.º 3 do artigo 130º do CIMI resultou a correcção da área bruta privativa do imóvel para 215,00 m2 e a eliminação da área bruta dependente, fixando-se o VPT em € 303.310,00 (trezentos e três mil trezentos e dez euros), que foi notificado ao Requerente, em 28 de Novembro de 2007.
M) No âmbito do mesmo procedimento de reclamação da matriz, o Requerente por ainda assim não concordar com o VPT constante da alínea anterior, requereu a segunda avaliação de que resultou o VPT de € 285.000,00 (duzentos e oitenta e cinco mil euros) decorrente de alteração da área bruta privativa e da atribuição de coeficientes minorativos relativamente ao estado de conservação do imóvel.
N) Em 15 de Setembro de 2008 o Requerente foi notificado do projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, referida na anterior alínea K), tendo o Requerente exercido o respectivo direito de audição prévia.
O) Em 30 de Setembro de 2008 foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa.
P) Em 5 de Novembro de 2008 o Requerente apresentou o recurso hierárquico dirigido ao Ministro das Finanças.
Q) Em 14 de Julho de 2011 foi proferido despacho de indeferimento do recurso hierárquico, sendo o Requerente notificado da decisão em 9 de Agosto de 2011.
IV. FUNDAMENTOS DE DIREITO
12. O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º n.º 2 alínea a), 6.º n.º 1, 10.º n.º 1 alínea a) e n.º 2 do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.
O processo não enferma de vícios que o invalidem.
Não foram suscitados incidentes pelas Partes nem existem questões prévias sobre as quais o Tribunal se deva pronunciar.
13. O pedido objecto dos presentes autos arbitrais é a declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de IMT identificado no n.º 1.
A matéria de facto está fixada (vd., supra n.º 11) e importa agora determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes de acordo com as questões decidendas já enunciadas (vd., supra n.º 10).
14. De acordo com a matéria fáctica fixada (vd., supra n.º 11 I), L) e M) ) existiu uma incorrecção do VPT constante da matriz, que serviu de base à liquidação adicional de IMT impugnada, em razão de erro nas áreas consideradas.
A Requerida nunca contestou este facto.
No âmbito da reclamação da matriz feita pelo Requerente, o VPT inicialmente fixado foi diminuído, primeiro pelo perito avaliador e, depois, pela comissão de avaliação.
A alteração do VPT ficou a dever-se à diminuição das áreas consideradas e à diferente ponderação dos coeficientes relativos ao estado de conservação do imóvel.
Note-se que entre o VPT inicialmente fixado (€ 385.290,00) e o VPT fixado após a reclamação da matriz (€ 285.000,00) existiu uma diminuição significativa do VPT (em €100.290,00).
A reclamação da matriz originou um ajustamento de valor com uma dimensão económica relevante e não uma mera rectificação de valor pouco significativo. Com efeito, a diminuição do VPT do imóvel resultante da reclamação da matriz aponta no sentido da existência de um erro manifesto na primeira avaliação.
Importa indagar se a Administração Tributária tem responsabilidade no erro manifesto ocorrido na primeira avaliação do imóvel.
Argumenta a Requerida que os actos de fixação de valores patrimoniais são actos praticados por entidades autónomas e não actos praticados pela Administração Tributária e, por isso, está afastada a responsabilização da Administração Tributária nos actos de fixação de valores patrimoniais.
No caso em análise o VPT decorrente da avaliação directa do imóvel foi fixado pelo perito local. Efectivamente, o perito local não é funcionário da Administração Tributária, mas é designado pelo Director-Geral dos Impostos, nos termos do n.º 1 do artigo 63.º do CIMI, e toma posse perante o chefe de finanças onde presta serviço, segundo o disposto no n.º 1 do artigo 70 do CIMI. Compreende-se, por isso, que, segundo o artigo 67.º do CIMI, a orientação e a fiscalização dos trabalhos dos peritos locais caiba aos chefes de finanças, sem prejuízo de poderem ser atribuídas pelo director-geral aos técnicos da Direcção de Serviços de Avaliações.
Conclui-se, em consequência, que a Administração Tributária não está isenta de responsabilidade quando se verificam erros nos actos de fixação de valores patrimoniais.
No quadro da matéria fáctica fixada (vd., supra n.º 11 E) e F) ), o Requerente foi notificado do valor resultante da avaliação directa do imóvel. Assim, a Administração Tributária não obstou, por qualquer meio, que o contribuinte conhecesse a decisão e pudesse utilizar atempadamente os meios de defesa previstos legalmente.
O Autor embora notificado da decisão e informado dos meios de defesa previstos entendeu não requerer uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias, de acordo com o previsto no artigo 76.º do CIMI.
O Requerente reconhece que só verificou que os pressupostos em que se suportou a avaliação do imóvel e posterior fixação do VPT não estavam correctos, após ter decorrido o prazo para contestar o resultado da avaliação (vd., supra n.º 11 I) ).
Em consequência da inacção do Requerente o VPT resultante da avaliação consolidou-se na ordem jurídica independentemente do erro que enfermou o acto de avaliação.
A não utilização dos meios de defesa, previstos no artigo 76.º do CIMI, por parte do Requerente levou à formação de caso decidido ou resolvido sobre o VPT constante da matriz.
Assim, o acto de liquidação adicional impugnado assentou num VPT que se encontrava consolidado na ordem jurídica, por ausência de reacção do contribuinte, estando a Administração Tributária, nestes termos, vinculada legalmente a proceder à referida liquidação de IMT.
15. Na factualidade objecto dos presentes autos arbitrais (vd., supra n.º 11 J), L), M)) resulta que o Autor inconformado accionou a reclamação da matriz, prevista no artigo 130.º do CIMI, obteve uma diminuição significativa do VPT, em resultado do deferimento da reclamação.
Urge esclarecer os efeitos resultantes dessa alteração ocorrida no VPT.
De acordo com o estabelecido no n.º 1 do artigo 14.º do CIMT a avaliação de imóveis para efeitos de IMT segue o regime de avaliação de imóveis previsto no CIMI.
A reclamação da matriz foi apresentada pelo Requerente com o fundamento previsto na alínea n) do n.º 3 do artigo 130.º do CIMI, ou seja, os sujeitos passivos podem a todo o tempo reclamar de qualquer incorrecção nas inscrições matriciais, nomeadamente erro na determinação das áreas de prédios rústicos ou urbanos, desde que as diferenças entre as áreas apuradas pelo perito avaliador e a contestada sejam superiores a 10% e 5% respectivamente.
Nos termos do n.º 7 do artigo 130.º do CIMI os efeitos das reclamações efectuadas com qualquer dos fundamentos previstos no preceito só produzirão efeitos na liquidação respeitante ao ano em que o pedido for apresentado.
Com a redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro ao artigo 130 do CIMI, o anterior n.º 7 do preceito passou a n.º 8 com a redacção seguinte “Os efeitos das reclamações, bem como o das correcções promovidas pelo chefe do serviço de finanças competente, efectuadas com qualquer dos fundamentos previstos neste artigo, só se produzem na liquidação respeitante ao ano em que for apresentado o pedido ou promovida a rectificação”
O legislador exclui expressamente a existência de efeitos retroactivos nas alterações ocorridas no VPT decorrentes da reclamação de matriz feita ao abrigo do artigo 130.º do CIMI.
O legislador não estabelece uma diferenciação de regime entre o IMT e o IMI neste ponto. Por isso, não encontramos na lei um apoio mínimo para excluir a aplicação do n.º 7 (actualmente n.º 8) do artigo 130.º do CIMI quando está em causa uma liquidação de IMT, como defende o Autor.
A posição do Autor extravasa o sentido literal da norma e está desconforme com o espírito da lei
O artigo 9.º do Código Civil determina que “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.”
Não se pode ignorar como avisa Baptista Machado que “o texto é o ponto de partida da interpretação. Como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei.” (in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, 8ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 1995, pp. 185).
O legislador pretende obstar que, a todo o tempo, as alterações às matrizes resultantes de reclamações, tivessem efeitos retroactivos relativamente às liquidações de IMI e IMT já realizadas para esse imóvel. Caso contrário, as liquidações de IMI e de IMT nunca estariam consolidadas e bastaria uma alteração no VPT resultante da reclamação da matriz, que, nalgumas situações, pode ser feita a todo o tempo, para as liquidações anteriores daqueles impostos serem alteradas. Um tal problema não pode ser dissociado, todavia, do respeito pelo princípio da segurança jurídica, ínsito na ideia de Estado de Direito Democrático, onde não podem manter-se situações eternamente não consolidáveis.
Assim, a alteração efectuada à matriz, resultante do regime de reclamação previsto no artigo 130.º do CIMI, não tem efeitos na liquidação adicional de IMT objecto dos presentes autos arbitrais, sendo plenamente aplicável o disposto no n.º 7 (actualmente n.º 8) do artigo 130.º do CIMI.
16. O Autor alega que a manutenção da liquidação na ordem jurídica coloca o contribuinte numa situação de “…clara lesividade e prejuízo da sua posição jurídica face a essa administração tributária.” e, por isso, viola os princípios da justiça, da igualdade, da boa fé e da proporcionalidade previstos nos artigos 266.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 55.º da Lei Geral Tributária (LGT).
Em regra, a Administração Pública não pode por princípio recusar a aplicação de normas com fundamento na sua inconstitucionalidade, por força da sua subordinação primária à lei (Cfr., Paulo Otero, Legalidade e Administração Pública: O Sentido da Vinculação Administrativa à Juridicidade” Coimbra, 2003, Almedina pp. 668).
A Administração Tributária está adstrita ao cumprimento do princípio da legalidade, enunciado no artigo 266.º n.º 2 da CRP e concretizado no artigos 55.º da LGT e no artigo 3.º do CPA. Daí que a Administração Tributária só pode agir com fundamento na lei e respeitando os seus limites.
Importa agora enquadrar os princípios alegados pelo Autor no presente caso arbitral.
O princípio da justiça postula que a Administração Tributária trate de forma justa todos os que com ela entrem em relação dando particular atenção às consequências da sua actuação (Cfr.,Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues, Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária. Comentada e Anotada, Visilis, 1999, pp. 164). O referido princípio funciona fundamentalmente como limite à actuação discricionária da Administração.
No presente caso arbitral verificou-se um erro na primeira avaliação do imóvel, mas Administração Tributária agiu em todo o processo, no estrito cumprimento da lei. Além disso, a Administração Tributária nunca obstou, por qualquer meio, que o contribuinte pudesse utilizar todos os meios de defesa ao seu alcance.
Quanto ao princípio da igualdade, não ficou provado a existência de qualquer atitude discriminatória por parte da Administração Tributária em relação ao Autor. Efectivamente, não foi apurado que Administração Tributária tenha tratado o Requerente de forma diferente relativamente a contribuintes que estivessem em situações semelhantes. Nem ficou provado que a Administração Tributária utilizou, em relação ao Requerente, uma interpretação da lei que não aplicou em relação à generalidade dos cidadãos.
O Autor alega também que o princípio da boa fé é posto em causa. Dos autos arbitrais não ficou provado qualquer comportamento por parte a Administração Tributária que, através da utilização de algum expediente, pretendesse de forma dolosa enganar o Autor.
Finalmente, o princípio da proporcionalidade, que funciona fundamentalmente como limite da discricionariedade administrativa, obriga a Administração Tributária a abster-se da imposição aos contribuintes de obrigações desnecessárias ou inadequadas à satisfação dos fins que visa prosseguir ou que vão além do que seja necessário e adequado (Cfr., Jorge Lopes Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Vol. I, Áreas Editora, 6ª ed., 2011 pp. 449). A Administração Tributária no presente caso, actuou com poderes estritamente vinculados e não se prova que, entre várias opções, tenha escolhido a solução desnecessariamente mais gravosa para o contribuinte.
Pelo exposto, não fica demonstrado que o conteúdo essencial dos princípios da justiça, da igualdade, da boa fé e da proporcionalidade, previstos nos artigos 266.º n.º 2 da CRP e 55.º da LGT, invocados pelo Autor, sejam suficientemente afectados que imponham a declaração de ilegalidade da liquidação de IMT tendo como fundamento a violação daqueles princípios.
A este respeito, é de assinalar que a Administração Tributária agiu no âmbito de poderes vinculados e não tinha justificação para recusar a aplicação de normas legais com fundamento na alegada inconstitucionalidade desses preceitos.
IV. DECISÃO
17. Em face do exposto, não sendo declarada a ilegalidade da liquidação adicional de IMT nega-se provimento ao pedido de pronúncia arbitral, mantendo o acto tributário impugnado.
Custas a cargo da Requerente no montante de 1.224,00€ , de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT e do artigo 4.º, n.º 3 do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa a este último.
Notifique-se
Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 26 de Março de 2012
O árbitro
Olívio Mota Amador