DECISÃO
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No dia 25 de Maio de 2015, A…, S.A., titular do número único de pessoa colectiva e registo na Conservatória do Registo Comercial…, com sede na …, n.º…, em Lisboa, apresentou requerimento de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRC e juros compensatórios n.º 2008 … do exercício de 2004, no valor de 6.012.903,81€, bem como do acto de indeferimento expresso do recurso hierárquico e do acto de indeferimento expresso da reclamação graciosa que o tiveram como objecto.
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Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que os referidos actos tributários se mostram ilegais, na medida em que são contrárias à Lei as correcções efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), quer seja por não estarem verificados os respectivos pressupostos de facto e/ou de direito, quer seja por partirem de uma errónea interpretação da Lei Fiscal, em termos melhor desenvolvidos infra, na fundamentação de Direito, no que diz respeito às seguintes situações:
i. Desconsideração do custo fiscal decorrente da distribuição de resultados a trabalhadores referentes ao exercício de 2002 da B…, S.A. (“B…”), no valor de 353.771,01€ e da C… — C…, S.A. que hoje gira sob a designação de D…, S.A. (“D…”), no valor de 44.000,00€;
ii. Desconsideração do custo fiscal das reintegrações e amortizações relativas a bens adquiridos em estado de uso da D…, no valor de 491.296,77€;
iii. Desconsideração de parte dos custos relevados como respeitando a realizações de utilidade social da B…, no valor de 6.794.007,48€; da D…, no valor de 1.421.960,30€; e da A…, S.A., ora Requerente, no valor de 6.846,45€;
iv. Desconsideração, para efeitos fiscais, de custos considerados não indispensáveis à actividade da B…, no valor de € 582.669,70 que respeitam ao pagamento efectuado por aquela empresa à E…, S.A.
v. Desconsideração, para efeitos fiscais, de despesas não documentadas da B…, no valor de 779.376,19€; e da D…, no valor de 42.950,01€;
vi. Desconsideração do custo fiscal das reintegrações e amortizações que resultaram da utilização de taxas de amortização consideradas superiores às previstas pela D…, no montante de 7.312.195,94€.
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No dia 27-05-2015, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 23-07-2015, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 07-08-2015.
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No dia 11-09-2015, a Requerida, nos termos do artigo 569.º/5 do Código de Processo Civil, requereu prorrogação do prazo para responder, o que foi deferido por despacho de 13-09-2015.
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No dia 21-10-2015, a Requerida apresentou a sua resposta, defendendo-se unicamente por impugnação.
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No dia 05-11-2015, a Requerente apresentou requerimento formulando os quesitos que entendia relevantes para apreciação por perito, no âmbito da prova pericial solicitada no seu Requerimento inicial.
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No dia 17-11-2015, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente, tendo a Requerida prescindido das testemunhas por si arroladas. Foi, ainda, proferido despacho pelo Tribunal a indeferir o pedido de prova pericial formulado pela Requerente, e o pedido de desentranhamento de documentos formulado pela Requerida.
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Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
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Foi fixado que a prolação de decisão final ocorreria até ao dia 07-04-2016, tendo, subsequentemente, tal prazo sido prorrogado até 07-06-2016.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- A Requerente encontra-se sujeita ao RETGS (Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades), desde o exercício de 2001, sendo que, no exercício de 2004, ora em causa, tinha um perímetro fiscal efectivo, no qual era a sociedade dominante, que incluía, para além da Requerente, as seguintes 25 sociedades:
1 F…— SGPS, S.A.;
2 G…, S.A.;
3 H…, S.A.;
4 C…, S.A. que hoje gira sob a designação de D…, S.A.;
5 I…, S.A.;
6 B…, S.A.;
7 J…, S.A.;
8 K…— SGPS, S.A.;
9 L… Unipessoal, Lda.;
10 M…, S.A.;
11N…, S.A.;
12 O…, S.A.;
13 P…, Lda.;
14 Q…, Lda.;
15 R…, S.A.;
16 S…, Lda.;
17T…, S.A.;
18 U…, S.A.;
19V…, S.A.;
20 W…, S.A.;
21 X…, S.A.;
22 Y…, S.A.;
23 Z…, S.A.;
24AA…, S.A.; e,
25 BB…, S.A.
2- Na sequência da Ordem de Serviço n.º OI 2008…, a Requerente foi objecto de procedimento de inspecção externa parcial ao IRC relativo ao exercício de 2004, com o objectivo de verificar o cumprimento das obrigações fiscais inerentes à aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades.
3- Como resultado do referido procedimento de inspecção, a AT efectuou correcções à matéria tributável do grupo no montante de 31.859.993,13€ e correcções ao cálculo do imposto no montante 528.584,01€, dando, assim, origem à liquidação adicional n.º 2008…, de 24-11-2008, no montante de 17.098.299,06€.
4- A mencionada liquidação de IRC e de juros compensatórios foi notificada à Requerente na qualidade de sociedade dominante do Grupo CC… e nos termos prescritos pelo RETGS; na sequência foi apurado o montante de 9.301.341,44€ a pagar adicionalmente a título de IRC e o valor de 1.292.504,55€ a pagar a título de juros compensatórios.
5- A Requerente submeteu reclamação graciosa na qual sustentou a anulação das sustentadas correcções à matéria colectável do grupo, solicitando a anulação parcial da liquidação impugnada relativamente a correcções cujo valor ascendia a 7.117.890,10€.
6- Analisados os factos e argumentos expendidos pela Requerente, então reclamante, foi o pedido parcialmente deferido por despacho de 30-06-2011, exarado pelo Director de Serviços de Inspecção Tributária, que determinou a anulação parcial da liquidação em crise em 622.614,50€.
7- Da decisão, foi a Requerente notificada em 04-07-2011, através do ofício n.º -… de 01-07-2011.
8- Em 28-07-2011 deu entrada na Direção de Serviços de Inspecção Tributária recurso hierárquico (distribuído sob o n.º …2011…) tendo como objecto a decisão de indeferimento proferida na reclamação graciosa supra identificada, que se cingiu, às correcções efectuadas pela AT que, não obstante terem sido reclamadas, não foram objecto de anulação pelo Director dos Serviços de Inspecção ou de posterior aceitação pela Requerente, ascendendo a 6.313.785,34€ o valor da liquidação de IRC e juros compensatórios objecto de contestação naquela fase.
9- No seguimento do recurso hierárquico, a AT anulou mais algumas correcções — em certos casos, apenas parcialmente —, anulações essas que se reflectiram numa redução do montante apurado na liquidação de IRC e de juros compensatórios de 62.665,57€.
10- A Requerente procedeu, em 21 de Janeiro de 2009, ao pagamento de uma parte da liquidação sub judice — no valor total de 5.175.546,86€.
11- Em 2013, a Requerente efectuou um segundo pagamento parcial da liquidação — no valor total de 2.136.945,64€, tendo, na sequência deste pagamento e ao abrigo do Regime Excepcional de Regularização de Dívidas de Natureza Fiscal então em vigor, sido perdoado o valor de 296.947,70€ a título de juros compensatórios.
i
12- Com referência ao exercício de 2002, a B… e a D… deliberaram, em 2003, a concessão de gratificação aos seus trabalhadores, materializada na distribuição de resultados.
13- A sociedade B… deduziu, na sua Declaração de IRC Mod. 22 relativa ao exercício de 2002, o montante de 15.565.100,00€ a título de variações patrimoniais negativas, em razão de gratificações de balanço concedidas aos trabalhadores.
14- A B… acresceu na Mod. 22 de 2003, o IRC que havia deixado de liquidar em razão da dedução acima mencionada, em montante de 830.783,05€, bem como os correspondentes juros compensatórios, no valor de 33.322,37€.
15- Durante o exercício de 2004, a B… colocou à disposição dos seus trabalhadores o remanescente das gratificações com origem nos resultados obtidos por esta sociedade em 2002, tendo então deduzido o correspondente valor (353.771,00€) no campo 237, do quadro 07 da Declaração de rendimentos Mod. 22 de 2004, enquanto variação patrimonial negativa daquele exercício, ou seja de 2004.
16- De modo semelhante, a sociedade D… deduziu, na sua Mod. 22 relativa ao exercício de 2002, o montante de 2.809.400,00€ a título de variações patrimoniais negativas, com referência a gratificações de balanço concedidas aos trabalhadores nesse exercício.
17- A D… acresceu, na Mod. 22 de 2003, o IRC que havia deixado de liquidar em razão da dedução acima mencionada, em montante de 154.777,40€, assim como os correspondentes juros compensatórios, no valor de 6.191,10€.
18- Durante o exercício de 2004, a D… colocou à disposição dos seus trabalhadores as gratificações com origem nos resultados obtidos por esta sociedade em 2002, deduzindo o respectivo valor (44.000,00€) no campo 237, do quadro 07 da Declaração de rendimentos Mod. 22 de 2004, enquanto variação patrimonial negativa daquele exercício, ou seja de 2004.
19- Os pagamentos concretizados em 2004 pela B… e pela D… suscitaram unicamente registos em contas de terceiros por contrapartida de disponibilidades.
20- No procedimento de inspecção, a AT considerou que como as referidas importâncias haviam sido relevadas como variação patrimonial negativa no ano/exercício de 2002, o sujeito passivo, em função das regras definidas no nº 2 do art. 24º do CIRC, tinha deixado precludir o direito aí contemplado e, por isso, considerou que tais pagamentos, em 2004, não eram subsumíveis enquanto encargos dedutíveis para efeitos fiscais, tendo procedido a uma correcção ao lucro tributável do montante considerado como indevidamente deduzido em 2004, no montante de 353.771,01€, relativamente à B…, e no montante de 44.000,00€, relativamente à D… .
21- Tais correcções foram mantidas em sede de reclamação graciosa e do recurso hierárquico interpostos da liquidação adicional de IRC do ano de 2004.
ii.
22- Em sede de inspecção tributária a AT considerou que a Requerente registou na conta 662 – Amortizações do Imobilizado Corpóreo, o montante de 535.661,22€ referente a amortizações de bens adquiridos em estado de uso, que não foram aceites como custos fiscais, por ter concluído que os correspondentes períodos de utilidade esperada determinados pela Requerente já tinham terminado em anos anteriores a 2004, conforme o seguinte quadro:
23- Do valor referido no ponto anterior a Requerente contesta o montante de 491.296,77€.
A Requerente apresentou como suporte da sua argumentação, o quadro relativo ao cálculo de amortizações e reintegrações (doc. 20 p.i.) da C.... relativo a 2003 e 2004:
24- Os bens que originam os ajustamentos aqui em causa foram integrados na esfera da D… (à época designada C…, S.A.) em resultado de fusão por incorporação por esta sociedade das sociedades “DD…, S.A.” (“DD…”) e “EE…, S.A.” (“EE…”), com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2004, a qual foi efectuada segundo o regime de neutralidade fiscal.
25- Na sequência da mencionada fusão, em 2003, a D… registou na sua contabilidade, no exercício de 2004, os itens de imobilizado do activo das empresas incorporadas pelos valores que tinham na contabilidade da DD… e da EE…, em 31/12/2003.
26- Na sequência desta fusão (i.e. no exercício de 2004), a D… alterou a taxa de amortização dos bens incorporados por fusão para 3,125%, correspondente a um período de vida útil de 32 anos, independentemente do ano de aquisição e de início de utilização dos bens, registando aquele prazo temporal na coluna 9 – número de anos de utilidade esperada, dos mapas de reintegração.
27- No seguimento desta alteração, o sistema informático que gere os mapas fiscais da D… inscreveu, automaticamente e sem a ponderação de qualquer outro factor, no campo que se refere ao número de anos de utilidade esperada, o número de anos subjacente à nova taxa (i.e., 1/nova taxa de amortização), como se a nova taxa de amortização mais elevada tivesse sido aplicada desde que os bens entraram em funcionamento nas sociedades incorporadas, o que se traduziu em que no mapa de amortizações constasse um número de anos de utilidade esperada que, em algumas situações, já se encontrava ultrapassado em 2004 face à data em que os bens em causa começaram a ser amortizados.
28- Em momento algum, foram registadas contabilisticamente, na esfera quer da DD… e da EE… (2,5%), quer da D… (3,12% ou 3,13%), amortizações referentes aos bens em apreço inferiores às decorrentes da aplicação das taxas mínimas previstas na lei.
29- No exercício de 2006, a AT, que tinha, num primeiro momento, proposto correcção análoga à correcção aqui em apreço, veio, na sequência do exercício, pela D…, do direito de audição ao projecto de relatório de inspecção tributária, a considerar procedente argumentação daquela, anulando a dita correcção.
30- Em sede de recurso hierárquico, a AT aceitou a dedução como custo da reintegração no valor de 35.484,12€ efectuada com referência ao bem adquirido em 1972, pelo valor de 1.135.492,80€, tendo a Requerente decidido, por seu lado, aceitar correcção no valor de 8.880,33€.
iii.
31- A B…, a D… e a Requerente, deduziram, em 2004, para efeitos fiscais, e até ao limite que entenderam legalmente permitido, os custos suportados por estas sociedades com contratos de seguros de vida, contribuições para os fundos de pensões e equiparáveis e para regimes complementares de Segurança Social, que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, invalidez ou sobrevivência a favor dos respectivos trabalhadores.
32- Assim, e para além do mais, a B… procedeu ao registo contabilístico nas contas … – Seguros de Acidentes Pessoais e … – Prémios para pensões das quantias de 328.758,63€ e 44.625.673,78€, respectivamente, totalizando €44.954.432,41.
33- Por sua vez, a D… procedeu ao registo contabilístico nas contas … – Seguros de Acidentes Pessoais, … – Seguro de Doença e … – Prémios para Pensões, das quantias de 46.640,00€, 77.178,17€ e 8.908.865,70€, respectivamente totalizando 9.032.683,87€.
34- No que se refere à A…, a mesma procedeu ao registo contabilístico nas contas POC … – Seguros de Acidentes pessoais, …- Seguros- outros, … – Cmp Pens Reform obr, … – Prémios para pensões e … – CST Acç Soc-Serv Méd, das quantias de 6.674,78€, 19.545,21€, 42.858,88€ e 776.830,54€, respectivamente, totalizando um valor de 845.909,41€.
35- A AT considerou que as referidas deduções foram excessivas por, no seu entendimento não ter sido, pelas mencionadas sociedades, respeitando o limite do número 2 do artigo 40.º do Código do IRC, porquanto para, estes efeitos, entendeu que apenas poderiam ser tidas em conta as despesas com o pessoal que se encontrassem sujeitas a contribuições para a Segurança Social, pelo que concluiu que a B… teria deduzido, a mais e em violação do dito artigo do Código do IRC, o montante de 6.794.007,48€, a D… o valor de 1.421.960,30€ e a Requerente o montante de 6.846,45€.
36- A AT desconsiderou, com vista ao cômputo do limite de 15% das “despesas com pessoal, escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários” a que alude o número 2 do artigo 40.º do Código do IRC, as verbas registadas nas relevantes rubricas contabilísticas que não tinham sido objecto de descontos para a Segurança Social ou para qualquer regime substitutivo.
37- Na sequência de tal procedimento, apurou a AT um novo limite ascendendo este, relativamente à Requerente, a 36.715.632,25€ que, comparado com as realizações de utilidade social tomadas pelo sujeito passivo para o seu cálculo determinou um acréscimo, para efeitos de lucro tributável de 8.238.800,16€.
38- Considerando que o sujeito passivo já havia acrescido, para efeitos de determinação do lucro tributável, o montante de 1.444.792,68€, resultou uma correcção pela diferença que ascendeu a 6.794.007,48€.
39- Relativamente à D…, procedeu a AT ao recálculo do limite referido no nº 2 do artigo 40º do CIRC, ascendendo este a 7.536.835,09€, considerando que deveria aquele sujeito passivo ter acrescido, para efeitos de determinação do resultado tributável, a importância de 1.495.848,78€, correspondente aos encargos suportados a título de realizações de utilidade social, não dedutíveis para efeitos fiscais.
40- No entanto, considerando que já havia sido acrescido, para efeitos de determinação do lucro tributável, o montante de 73.888,48€, resultou uma correcção pela diferença ascendendo esta ao montante de 1.421.960,30€.
41- Verificando que a Requerente, na autoliquidação de imposto relativa ao ano de 2004, apresentou no campo 209, do quadro 07, referente a “Realizações de Utilidade Social Não Dedutíveis” o valor de 251.893,20€, relativo à A…, entendeu a AT que deveria ter sido acrescido o valor de 69.250,54€, declarando-se o montante de 321.143,75€, correspondente à diferença entre 845.909,41€ e 524.765,66€.
42- Em sede de direito de audição, a Requerente manifestou a sua concordância parcial com o enquadramento feito pela AT relativamente aos encargos referidos nas contas POC … – Seguros de Acidentes pessoais, e …- Prémios para pensões, discordando quanto às demais contas, …- Seguros- outros e … – Cmp Pens Reform Obr.
43- No ponto 13º do direito de audição, informou a Requerente que na conta…– Seguros-Outros, se encontravam contabilizados encargos referentes a Seguros de Acidentes de Trabalho e a Seguros de Responsabilidade Civil, encontrando enquadramento na al. d) do nº 1 do art. 23º do CIRC, no que a AT considerou que lhe assistia razão pelo que ajustou a correcção em conformidade.
44- De igual modo, foram aceites pela AT, relativamente à conta POC…, os encargos que a Requerente indicou serem passíveis de individualização referentes a encargos pagos a trabalhadores (logo que atinjam a idade normal para a passagem à reforma) ou a sobreviventes de trabalhadores ou pensionistas, consoante aplicável, de complemento aos benefícios concedidos pelas Instituições Oficiais de Previdência, respectivamente, em caso de reforma por velhice ou de falecimento de trabalhadores ou pensionistas, por se enquadrarem na al. d) do nº 1 do art. 23º do CIRC.
45- Pelo que foi efectuada uma correcção no montante de 6.846,45€, tendo sido aceite a dedutibilidade fiscal dos encargos contabilizados nas contas …Seguros-outros e…, Complementos de Pensões de Reforma e Sobrevivência.
46- As correcções que, na totalidade, tendo em conta as 3 empresas, B…, D… e A…, ascendem a 8.222.814,23€, foram mantidas em sede de reclamação graciosa e de recurso hierárquico interpostos contra a respectiva liquidação.
iv.
47- Outro dos custos que foi posto em causa pela AT por o ter considerado não indispensável à actividade da Requerente respeita a encargos suportados com cuidados de saúde prestados a reformados e pensionistas da E… S.A. [pessoal dos FF… da Câmara Municipal do … (“FF…”)].
48- A E… era uma caixa de socorros mútuos, pertencia à Câmara Municipal do … e era a entidade que prestava serviços na área da saúde e na de reformas aos empregados dos FF… do… .
49- A E…, tinha os seus reformados, a quem pagava complementos e acompanhava nalguns aspectos de saúde, disponibilizando a Câmara do … todos os meses determinadas verbas em função das despesas da E… para pagar aos seus reformados e questões na área da saúde.
50- Do contrato de concessão de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão celebrado entre a… e a Câmara Municipal do…, em concreto, dos respectivos artigos 45.º e 47.º, resulta que a responsabilidade da B… para com os beneficiários da E… decorre das obrigações assumidas por esta empresa, designadamente a contribuição para sistemas privativos de Segurança Social e encargos com serviços médicos, em consequência da incorporação na sua esfera, em 1992, da actividade de distribuição de energia eléctrica no Município do…, tendo sido absorvidos os serviços administrativos e comerciais dos FF… na parte respeitante àquela actividade.
51- Aquando da integração da actividade de distribuição da electricidade na cidade do … na A… os então trabalhadores dos FF… passaram a ser trabalhadores da A… de pleno direito nos termos prescritos no artigo 47.º do Contrato de Concessão celebrado com a Câmara Municipal do … e deixaram de ter qualquer relação com a E…, a qual actualmente só se mantém enquanto existirem pensionistas e reformados que já o eram aquando daquela integração.
52- A U… é uma empresa do Grupo CC… vocacionada para prestar cuidados de saúde aos trabalhadores do grupo e seus reformados.
53- O custo em causa no ponto 47 supra, respeita a serviços de medicina assistencial facturados pela U…, S.A. (“U…”) e prestados aos reformados e pensionistas da E… em 2004, da responsabilidade da B… .
54- No acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30 de Setembro de 2003, proferido no processo n.º…, afirmou-se que: o “contrato de concessão entre a Câmara Municipal do … e a A…, que transfere para esta última «os direitos e obrigações derivados dos actos ou contratos celebrados pela CM…– FF… que digam respeito à distribuição concedida» engloba a transmissão das obrigações contributivas de financiamento da E…, segundo os estatutos desta e as normas em vigor à data da concessão, que antes eram obrigações da CM… –FF…”.
55- Em sede de procedimento inspectivo verificou a AT, quanto aos documentos de suporte apresentados pelo sujeito passivo, como prova dos registos contabilísticos de contas de custos, selecionados no decurso da acção de inspecção, que existiam documentos externos emitidos em nome de terceiros, sendo com base nesses documentos que a requerente pretendia justificar o custo, pelo que considerou a AT que representando o documento, o instrumento formal de suporte ao registo contabilístico, se está emitido em nome de outrem deixa de justificar o custo, motivo pelo qual procedeu à respectiva correcção.
56- Tal correcção no montante de 593.012,59€, no qual se inclui o montante questionado de 582.669,70€, foi expressamente mantida em sede de reclamação graciosa
57- Em 10 de Abril de 2013, no âmbito da instrução do recurso hierárquico em causa no presente processo arbitral, e que nessa data se encontrava pendente, a Divisão de Administração da Direcção de Serviços do IRC solicitou que lhe fosse enviado “cópias da Factura da U…, S.A. em nome de E…, no valor de 582.669,70€ (valor corrigido pelos Serviços de Inspecção Tributária como — Despesas com suporte documental em nome de terceiros) e respectivos meios de pagamento”.
58- Em resposta a este pedido a Requerente apresentou um requerimento no qual juntou como doc. n.º 2 cópia da factura n.º … emitida pela U… à E…, com o valor de 582.669,70€, datada de 31.12.2004, com um quantitativo identificado como “Janeiro a Dezembro de 2004”, e não contendo qualquer descritivo sobre o tipo de serviço prestado, e como doc. n.º 3 cópia de um registo contabilístico referente ao pagamento de tal factura.
59- Face aos elementos juntos pela então Recorrente, ora Requerente, a AT indeferiu a aceitação como custo do montante de 582.669,70€, com base no seguinte fundamento:
“Ora, conforme se refere nos autos, correspondendo o montante em questão a verbas pagas pela A… para satisfazer os compromissos dos FF…, porque razão é que uma factura que devia justificar um custo para a A…, é emitida por uma empresa pertencente ao seu grupo?
De referir que solicitados à Requerente os meios de pagamento correspondentes a esta situação foi-nos enviada resposta através de carta onde se requer a junção aos autos de: “Evidência do pagamento efectuado pela E… SA (conforme documento n.º 3 em anexo).
Ora, se o documento em questão pretende justificar um custo, como se pode referir que seja um pagamento efectuado pela E… .
Não se encontrando devidamente justificada esta situação, mostra-se bem efectuada a correcção efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária”.
60- A U… prestou serviços de medicina assistencial aos reformados e pensionistas da E… no exercício de 2004 e em resultado dos serviços prestados emitiu a competente factura, a qual foi dirigida à E… .
61- Os serviços de saúde prestados pela U… aos reformados e pensionistas da E… reflectidos na factura em apreço, no valor de € 582.669,70, foram pagos pela B… àquela primeira sociedade.
v.
62- No âmbito da acção inspectiva que conduziu à liquidação de imposto e juros compensatórios aqui impugnada, a AT classificou como despesas não documentadas despesas registadas pela B… no montante global de 1.671.196,52€, e despesas incorridas pela D… em valor agregado de 505.187,97€, entendendo que as referidas despesas não se encontram suportadas por qualquer documento externo que demonstre a veracidade dos lançamentos contabilísticos correspondentes, pelo que considerou que estes não são dedutíveis para efeitos fiscais, estando ainda sujeitos a tributação autónoma à taxa de 50%, nos termos do artigo 81.º, n.º 1, do Código do IRC.
63- No decorrer da inspecção realizada, foi o sujeito passivo notificado para apresentar os documentos externos de suporte aos registos contabilísticos.
64- O Sujeito Passivo procedeu à entrega faseada e parcial dos documentos solicitados, em sede do direito de audição e reclamação graciosa, sendo que, à data da elaboração do RIT, ainda se encontravam em falta documentos justificativos do montante de 1.671.196,52€.
65- No seguimento da aludida acção inspectiva e igualmente no âmbito da reclamação graciosa apresentada, parte dessas correcções foram anuladas pelos serviços competentes, mantendo-se a negação da dedutibilidade de despesas em montante de 867.699,47€ relativamente à B… e de 57.238,25€ relativamente à D… .
66- Em sede de recurso hierárquico, a AT manteve in totum esta correcção de despesas não documentadas, no valor de 924.937,72€.
67- Daquelas despesas, o montante de 752.675,87€, reporta-se a um acerto feito pela B… reportado a prémios de seguros de acidentes pessoais.
68- Em 2004, a Requerente constatou que, no que respeita aos prémios de seguro de acidentes pessoais atinentes aos trabalhadores da B… relativamente aos exercícios de 2001, de 2002 e de 2003, estavam a ser tidas em conta taxas de prémio de seguro inferiores às que tinham sido negociadas pelo Grupo de sociedades do qual a Requerente é a sociedade dominante e se encontravam, de facto, a ser aplicadas pelos correctores de seguros contratados.
69- Apesar de o Grupo CC… ter negociado e estar a proceder ao pagamento de prémios de seguro de acidentes pessoais em determinado valor para os trabalhadores do Grupo, não era esse o montante que, na respectiva quota-parte, se encontrava a ser registado pela B… relativamente aos seguros dos seus trabalhadores.
70- A negociação e as ordens de pagamento eram sempre feitas centralmente pela Requerente, sendo de seguida imputadas as relevantes quotas-partes às empresas do Grupo.
71- A taxa negociada para os seguros de acidentes de trabalho do Grupo pela Requerente era aplicada ao capital seguro, o qual estava directamente relacionado com a massa salarial do Grupo.
72- Para a determinação interna de quanto é que cada sociedade do Grupo devia suportar e pagar era feita incidir a mesma taxa (a que era negociada anualmente) sobre o capital seguro — massa salarial — de cada uma delas .
73- Assim, aquando da imputação inicialmente feita à B… dos prémios de seguro de acidentes pessoais dos respectivos trabalhadores, registou-se:
i. em 2002 o valor de 341.622,96€ em vez do montante de 505.095,87€, realmente pago ao corrector de seguros pelo Grupo CC… com referência à quota-parte da B…;
ii. em 2003 o valor de 344.543,56€ em vez do montante de 516.134,73€, verdadeiramente pago ao corrector de seguros pelo Grupo CC… com referência à quotaparte da B… .
74- Assim, nos anos de 2002 e 2003, os valores de 163.472,91€ e de 171.591,56€, respectivamente, efectivamente suportados pelo Grupo CC… com seguros de acidentes pessoais dos trabalhadores da B… não foram registados na contabilidade das empresas do Grupo a qualquer título.
75- A Requerente apenas registou na sua contabilidade e deduziu os custos com os prémios de seguro dos seus trabalhadores, tendo redebitado os restantes valores às respectivas sociedades; porém esse redébito não foi correcta e atempadamente registado na B…, pelo que o respectivo valor não foi fiscalmente considerado nem pela Requerente, nem pela B… .
76- Tendo sido, em 2004, detectada a situação, a Requerente procedeu à sua rectificação contabilística e, em consequência, à dedução fiscal daqueles custos, que valorizou, incluindo 417.611,40€ reportados ao ano de 2001, num total de 752.675,87€, para feitos de apuramento da matéria colectável da B… .
77- Quanto ao custo de 26.700,32€ igualmente tido por não documentado pela AT, reporta-se a encargos atinentes ao serviço “GG…Frota”, alocados a um dos centros de custos da B… .
78- A Requerente, enquanto sociedade dominante do Grupo, negociou este serviço com o respectivo fornecedor, in casu a ‘GG…’, para todas as sociedades do Grupo, acordando um valor por litro, sendo que, no final do ano, o custo foi facturado a cada uma daquelas pela Requerente de acordo com os respectivos consumos de combustível.
79- A referida facturação era feita mediante a emissão de uma factura (nota de débito) pela Requerente individualmente em nome das várias sociedades que integravam o seu Grupo, sendo o valor facturado calculado pela soma do valor dos consumos de combustível imputados aos centros de custos, i.e., aos departamentos das ditas sociedades.
vi.
80- A AT acresceu à matéria tributável do exercício de 2004, o montante de 7.312.195,94€, contabilizado pela D… na rubrica “662 — Amortizações de Imobilizado Corpóreo”, por ter considerado que esta empresa efectuou reintegrações excessivas de bens do activo imobilizado corpóreo, que resultaram da aplicação de taxas de reintegração superiores às taxas máximas permitidas, constantes das tabelas anexas à Portaria n.º 737/81, de 29 de Agosto e ao Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro, sendo que, notificada que foi a Requerente, no âmbito do procedimento inspectivo, para justificar a aplicação de taxas utilizadas, não apresentou à A.T. elementos que legitimassem as reintegrações em questão.
81- O referido montante reporta-se a amortizações realizadas e ajustamentos efectuados pela A… ao abrigo de projectos desenvolvidos em parceria com o INAG, fruto da celebração de protocolos com aquele instituto público, em representação do Estado Português.
82- Os bens que suscitaram as reintegrações no montante de 7.307.115,60€, daqueles 7.312.195,94€, resultaram de investimentos efectuados ao abrigo de diversos protocolos celebrados entre a A… e o Estado Português, nos anos de 1979 a 1985, tendo em vista a realização de aproveitamentos hidráulicos de fins múltiplos (i.e. de fins não exclusivos à produção de electricidade) no denominado sistema Mondego — constituído pelas infraestruturas das barragens da Aguieira, Raiva e Fronhas —, e, bem assim, de obras preliminares e infra-estruturas no ... e intervenções referentes à navegabilidade do Douro.
83- Em 3 de Maio de 1979, foi celebrado entre a Requerente (à data HH…) e o Estado Português, representado pela Direcção Geral dos Recursos e Aproveitamentos Hidráulicos (“DGRAH”), o “Protocolo para a Realização de Aproveitamentos Hidráulicos de Fins Múltiplos” (“protocolo quadro”) que pretendeu aglutinar numa iniciativa conjunta os interesses da primeira — estritamente associados à produção de energia eléctrica — e os interesses próprios do Estado, como sejam a contenção de cheias, a regularização de caudais, a defesa do ambiente, o abastecimento de água para gastos domésticos ou industriais, entre outros.
84- De acordo com a cláusula n.º 2 do referido “protocolo quadro”, cada aproveitamento de fins múltiplos seria objecto de um contrato especial, que deveria conter a especificação das condições técnicas e as disposições económico-financeiras do aproveitamento, as regras respeitantes ao suporte e repartição de custos, a definição do regime de propriedade e as normas a que deveriam obedecer os planos anuais de exploração.
85- Do preâmbulo e das cláusulas 4.ª a 6.ª do referido protocolo celebrado com o Estado português, consta, quanto à repartição de custos, o seguinte:
a. “Os custos deverão ser repartidos na mesma proporção dos benefícios”;
b. “Dos custos totais de cada aproveitamento a A… suportará a importância correspondente ao custo da mais favorável alternativa que adoptaria na hipótese de não se associar na sua realização; o Estado suportará o remanescente”;
c. “A repartição definitiva dos custos será objecto de acordo obtido com base nos preços em vigor à data do início da produção de energia eléctrica, salvo para investimentos já realizados em que serão considerados os preços históricos, actualizados àquela data”;
d. “A repartição de custos relativos a cada aproveitamento será provisoriamente fixada por percentagem no respectivo contrato, tendo em conta os custos orçamentados e a valia eléctrica do aproveitamento estimada com base nos preços praticados na data do contrato”.
86- Os aproveitamentos abrangidos pelo “protocolo quadro” viriam a ser objecto de protocolos individuais, nos seguintes termos:
i. Em Junho de 1984, foi celebrado entre a A… e a DGRAH, o “Protocolo para a realização do Canal Navegável do Rio Douro”, o qual visou estabelecer as condições de participação da A… nas obras de construção do canal navegável do rio Douro;
ii. Em Julho de 1985, foi celebrado entre a A… e o Estado o “Protocolo para o Aproveitamento de Fins Múltiplos do ...”, o qual visou estabelecer os direitos e obrigações das partes relativamente ao aproveitamento de fins múltiplos do ... durante a fase da construção e, bem assim, definir o princípio geral a adoptar na repartição dos custos para o conjunto dos aproveitamentos a construir na cascata do Guadiana.
87- Os contratos especiais a que se refere a cláusula 2.ª do “protocolo quadro” nunca foram realizados, pelo que nunca foram especificadas as condições técnicas e as disposições económico-financeiras de cada aproveitamento de fins múltiplos, bem como as regras respeitantes ao suporte e repartição de custos, a definição do regime de propriedade, com especificação das componentes a excluir do património da A…, e as normas a que deveriam obedecer os planos anuais de exploração.
88- Dado que as partes envolvidas nos protocolos em questão não celebraram os contratos especiais a que o “protocolo quadro” faz menção, não foi fixada qualquer percentagem de repartição provisória de benefícios e encargos, tal como não foi previamente definida a titularidade do património envolvido.
89- Perante a necessidade legal de registar nas suas demonstrações financeiras os investimentos que estavam a ser realizados e a reintegração dos mesmos, na parte afecta à produção de energia eléctrica, a Requerente definiu uma percentagem de repartição provisória, que fixou em 50%.
90- O investimento realizado — com excepção do aproveitamento das Fronhas, classificado como prestação de serviços da A… ao INAG ao invés de aproveitamento conjunto – foi sendo evidenciado nas demonstrações financeiras da A…, que considerou 50% do mesmo afecto à produção de energia eléctrica e os restantes 50% como activos não afectos àquela finalidade
91- Até ser celebrado um protocolo de acerto de contas com o INAG, apenas a percentagem do valor dos activos imobilizados considerados afectos à produção de energia eléctrica (i.e. 50%) foi sendo objecto de amortização, de acordo com as taxas de amortização legais em vigor.
92- O Estado Português entregou à A…, à medida que os projectos foram sendo desenvolvidos, contribuições cujo montante líquido ascendeu a 10.427.334,00€ (dos quais 8.931.521,10€ estão associados aos bens que geraram a correcção ora em causa) e que foram relevados na rubrica contabilística do balanço designada de “Outros Devedores e Credores — Participação do Estado para Aproveitamentos de Fins Múltiplos”.
93- Em 1995 foi constituído um grupo de trabalho que incluiu representantes da A… e do INAG, com o objectivo de proceder à avaliação dos encargos e das contribuições das partes relativas aos investimentos conjuntos efectuados nos aproveitamentos hidráulicos de ..., Aguieira/Raiva e Fronhas (efectuados ao abrigo do “protocolo quadro”), e no projecto referente à navegabilidade do Douro.
94- Das reuniões do grupo de trabalho, resultou, para além do mais:
i. A definição da mais-valia eléctrica obtida pela A… em cada um dos projectos conjuntos e, por diferença, conforme definido no “protocolo quadro”, o benefício dos referidos projectos para o INAG; e
ii. A elaboração de um relatório de conclusões, datado de Novembro de 1996.
95- As percentagens de participação em cada um dos projectos foram fixadas em:
i. 32% para o INAG e 68% para a A… no Sistema Mondego (Aguieira- Raiva/Fronhas);
ii. 52,5% para o INAG e 47,5% para a A… no Aproveitamento de Fins Múltiplos do ....
iii. 23,3% para o INAG e 76,7% para a A… relativamente à Navegabilidade do Douro.
96- O relatório elaborado pelo grupo de trabalho e as conclusões aí alcançadas, designadamente as percentagens decorrentes da reavaliação de encargos acima referidas somente foram validadas pelo INAG e pela A… em 2003, altura em que foi formalizado o “Protocolo entre o INAG e a A… para a realização do acerto de contas entre a A… e o Estado relativo aos aproveitamentos de fins múltiplos”.
97- Com excepção dos bens registados na A… como investimento realizado no Aproveitamento Hidráulico do ... cuja titularidade foi atribuída ao INAG por efeito do protocolo referido, os bens patrimoniais relativos aos investimentos conjuntos, permaneceram, por acordo das partes, na esfera das entidades onde foram inicialmente registados.
98- Face a este protocolo, a D… procedeu, no exercício de 2004, ao acerto das reintegrações dos bens do activo imobilizado que até então haviam sido considerados como activos não afectos à produção de energia eléctrica, no período compreendido entre a sua entrada em funcionamento até 31 de Dezembro de 2003, aplicando taxas de amortizações e reintegrações que vão de 31,53% a 38,19%.
99- Em face das dúvidas suscitadas pelo protocolo, e da complexidade da operação, que envolvia inúmeros itens de imobilizado, a regularização, quer das amortizações, quer dos subsídios, só foi possível ultimar em 2004, sendo reportada a 1 de Janeiro de 2004.
100- Naquele exercício, o acerto das amortizações não contabilizadas anteriormente, relativamente aos casos em que a percentagem dos encargos imputada à A… se revelou superior à inicialmente estimada, resultou no custo de 7.307.115,60€.
101- Naquele mesmo exercício foi reconhecido um proveito de 4.586.315,87€, relativo ao duodécimo das entregas efectuadas à Requerente pelo INAG/Estado no âmbito do empreendimento conjunto, correspondente ao período compreendido entre o início da exploração dos bens e 31 de Dezembro de 2004.
102- Do montante de 4.586.315,87€, 211.306,48€ respeita ao exercício de 2004 e o remanescente, no valor de 4.375.009,39€, ao valor do subsídio que deveria ter sido reconhecido desde o início da exploração dos bens até 31 de Dezembro de 2003.
103- Nesta última situação, o montante de 4.586.315,86€ foi reclassificado como subsídio ao investimento, transferido para a rubrica contabilística n.º…, designada por “Subsídios ao Investimento” e reconhecida como proveito à luz do disposto no artigo 22.º do Código do IRC (“subsídios ou subvenções não destinados à exploração”).
104- A dedutibilidade fiscal deste acerto de amortizações, no valor de 7.307.115,60€, foi integralmente negada pela AT inclusive na parte do acerto respeitante aos bens relativamente aos quais foi reconhecido, em 2004, o proveito acima referido.
105- O custo de aquisição reavaliado dos bens que geram o acerto de amortizações em discussão, ascende a 18.167.861,46€, sendo que o valor de aquisição dos bens associados ao processo INAG ascende a 15.577.761,51€.
106- O valor da amortização acumulada dos bens em causa, ascende a 9.158.536,83€.
107- O valor total das comparticipações associadas aos mesmos bens (excluindo os bens originários da DD… e da EE…, os quais, não apresentam quaisquer comparticipações associadas), é de € 8.931.521,10.
A.2. Factos dados como não provados
1- Que o facto dado como provado sob o ponto 14 tenha ocorrido porquanto a B… acabou por não conseguir colocar a totalidade daquele montante à disposição dos trabalhadores até ao final do exercício de 2003, por indisponibilidade de tesouraria.
2- Que o facto dado como provado sob o ponto 15 tenha ocorrido porquanto somente durante o exercício de 2004, a B… conseguiu colocar à disposição dos seus trabalhadores o remanescente das gratificações com origem nos resultados obtidos por esta sociedade em 2002.
3- Que o facto dado como provado sob o ponto 17 tenha ocorrido porquanto a D… não conseguiu colocar a totalidade daquele montante à disposição dos trabalhadores até ao final do exercício de 2003.
4- Que o facto dado como provado sob o ponto 18 tenha ocorrido porquanto apenas durante o exercício de 2004, a D… conseguiu colocar à disposição dos seus trabalhadores as gratificações com origem nos resultados obtidos por esta sociedade em 2002.
5- Que o facto dado como provado sob o ponto 60 haja ocorrido por lapso.
6- Que o facto dado como provado no ponto 67 tinha ocorrido no contexto de um lapso informático resultante da mudança de sistema informático no registo contabilístico da B… (passou a ser SAP).
7- Que o registo a que se refere o facto dado como provado sob o ponto 72, se tenha devido a lapso.
8- Aquando da imputação inicialmente feita à B…dos prémios de seguro de acidentes pessoais dos respectivos trabalhadores, registou-se, em 2001, o valor de 117.080,10€ em vez do montante de 534.691,50€, efectivamente pago ao corrector de seguros pelo Grupo CC… com referência à quota-parte da B… .
9- Em 2001, o montante de 417.611,40€ efectivamente suportado pelo Grupo CC… com seguros de acidentes pessoais dos trabalhadores da B… não foi registado na contabilidade das empresas do Grupo a qualquer título.
10- Que a falta de registo a que se refere o facto dado como provado sob o ponto 73, se tenha devido a lapso.
11- Outro dos custos cuja dedutibilidade foi negada à D… pela AT por não documentado, em montante de 1.093,00€, decorreu de uma encomenda de material que não se concretizou, pelo que foi anulado mediante operação contabilística de sinal contrário.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, bem como a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
No que diz respeito aos factos dados como provados no grupo ii., a AT contestou os factos que constam nos pontos 24 a 29, não se considerando, todavia, que face aos elementos de prova disponíveis, apreciados no contexto procedimental e processual da sua produção, seja susceptível de remanescer uma dúvida razoável a seu respeito.
Com efeito, no que diz respeito aos pontos 24 a 28, a AT contestou em sede arbitral que os bens em questão digam respeito ao processo de fusão por incorporação das sociedades “DD…, S.A.” e “EE…, S.A.”. Contudo, tal nunca foi questionado ao longo do procedimento inspectivo e da face graciosa do presente contencioso, sendo certo que a testemunha II… confirmou tratar-se dos bens em causa, e não foi apresentada nenhuma prova que sugerisse que assim não fosse.
Acresce que as dúvidas suscitadas pela AT a respeito do depoimento desta testemunha, ou são de natureza abstracta – como a circunstância de que a mesma só começou a trabalhar na A… em 2007 – que não invalidam o conhecimento concreto demonstrado pela testemunha, incluindo sob o contraditório exercido pela AT, ou irrelevantes para matéria dada como provada, como a circunstância de – a pedido da instância – a testemunha, no curso do seu depoimento, ter emitido considerações de natureza opinativa, o que, obviamente, nada tem a ver com os factos dados como provados e não concorreu para o juízo de prova.
No que diz respeito ao ponto 29, apenas por lapso se compreenderá a sua contestação pela AT, na medida em que o facto em questão é directamente provado pelo doc. 22 junto pela Requerente, correspondente ao relatório de inspecção relativo ao ano de 2006.
Os factos a que se reportam os pontos 60 e 61 foram dados como provados com base no depoimento da primeira testemunha, JJ…, conjugado com o doc. 3 do doc. n.º 25 junto ao requerimento inicial. Efectivamente, nada indicia que o pagamento da factura em questão não haja sido efectuado pela B…, em contraponto com o que foi afirmado pela testemunha em causa, corroborada pelo documento em questão. Teve-se igualmente em conta que a despesa em questão é uma despesa a que a B… estava obrigada por força do Contrato de Concessão celebrado com a Câmara Municipal do…, que se repetiu anualmente, antes e depois do exercício em causa, sem que haja notícia de ter sido questionada, e que não se demonstra nem, sequer, sugere que a mesma haja, no ano em questão, sido saldada de outra forma, pelo que uma juízo de bom-senso e normalidade aponta, justamente, no sentido dos factos dados como provados.
Os factos a que se reportam os pontos 67 a 75 foram dados como provados essencialmente com base no depoimento da segunda testemunha inquirida, KK…, conjugado com os documentos apresentados pela Requerente sob os n.ºs 25 a 29.
A testemunha em questão, deixando bem claro que não teve intervenção pessoal nos factos em questão, demonstrou um conhecimento sólido sobre os procedimentos de contabilização da Requerente nas matérias em causa, e da sua evolução no contexto histórico, enquadrando e dando um sentido razoável e compreensível à documentação apresentada pela Requerente.
Os factos dados como provados nos pontos 77 a 79, assentam no depoimento da terceira testemunha, conjugado com o doc. 30 junto pela Requerente. A testemunha em questão revelou conhecimento directo dos procedimentos da Requerente relativos à matéria em questão, reconhecendo-os no documento referido.
Os factos dados como provados nos pontos 87, 88, 92 e 93, resultam do depoimento das quinta e sexta testemunhas, apresentadas pela Requerente, LL… e MM…, valorados à luz dos critérios já atrás explicitados, sendo que no depoimento do último assentaram, igualmente, os factos dados como provados nos pontos 89 a 91, e 98 a 100. O primeiro, director de obras e engenharia, e o segundo, assessor do Conselho de Administração, revelaram um conhecimento próximo e detalhado dos factos em questão, em termos de não remanescer qualquer dúvida razoável quanto à sua verificação.
Os factos dados como provados nos pontos 94 a 97, embora contestados pela AT nas suas alegações, resultam dos documentos 35 a 40 juntos com o Requerimento inicial, que integram documentação directamente relacionada com o processo em causa, conjugados com o depoimento da testemunha LL…, que os enquadrou e explicou. Isto mesmo se passa com os factos dados como provados nos pontos 101 a 103, tendo por referência, nesse caso, o documento n.º 43 junto com o Requerimento Inicial, e nos pontos 105 a 107, tendo por referência os documentos n.º 41 a 43.
*
Os factos dados como não provados nos pontos 1 a 4, devem-se à ausência de prova suficiente a seu respeito.
De igual modo, o facto dado como não provado no ponto 5, deve-se à insuficiência de prova a seu respeito. Com efeito, embora a testemunha JJ… tenha aventado que a facturação à CM, em lugar da B…, haja ocorrido por lapso, o facto de tais declarações serem desacompanhadas de qualquer meio complementar de prova que as corrobore não permite a este Tribunal dar como provado, para lá de qualquer dúvida razoável, o facto em questão.
Os factos dados como não provados nos pontos 6 a 10 decorrem igualmente da ausência de prova suficiente a seu respeito. Concretamente, no que diz respeito aos factos não provados nos pontos 6, 7 e 10, a testemunha KK… depôs no sentido de que “deve” ter sido o sistema informático que falhou, nos acertos que era preciso fazer, dubitativa que este Tribunal não pode ultrapassar.
No que diz respeito aos factos não provados nos pontos 8 e 9, como bem refere a AT nas suas alegações, nos docs. 26 a 29, não há documento que refira o ano de 2001, pelo que os valores referentes a tal ano não poderão, com base nos restantes elementos disponíveis, ser considerados.
O facto dado como não provado sob o ponto 11, decorre da insuficiência de prova a seu respeito.
B. DO DIREITO
No presente processo colocam-se a resolver por este Tribunal arbitral uma série de questões, distintas e não relacionadas entre si, a saber:
i. Distribuição aos trabalhadores de resultados de exercícios anteriores;
ii. Reintegrações e amortizações relativas a bens adquiridos em estado de uso;
iii. Realizações de utilidade social;
iv. Custos não indispensáveis à actividade;
v. Despesas não documentadas;
vi. Reintegrações e amortizações que resultaram da utilização de taxas de amortização superiores às previstas;
vii. Juros compensatórios;
viii. Juros indemnizatórios.
Vejamos, então, separadamente cada uma delas.
*
i.
a. Posição da AT
A propósito da primeira questão que ora se apresenta a resolver, entende a AT que, por força do disposto no n.º 2 do artigo 24.º do CIRC, na redacção à data aplicável, “as variações patrimoniais negativas relativas a gratificações e outras remunerações do trabalho de membros de órgãos sociais e trabalhadores da empresa, a título de participação nos resultados, concorrem para a formação do lucro tributável do exercício a que respeita o resultado em que participam, desde que as respectivas importâncias sejam pagas ou colocadas à disposição dos beneficiários até ao fim do exercício seguinte.”, e que, nos termos do nº 5 do mesmo artigo, “No caso de não se verificar o requisito enunciado no nº 2, ao valor do IRC liquidado relativamente ao exercício seguinte adiciona-se o IRC que deixou de ser liquidado em resultado da dedução das gratificações que não tiverem sido pagas ou colocadas à disposição dos interessados no prazo indicado, acrescido dos juros compensatórios correspondentes.”.
Assim, conclui a AT, as gratificações por aplicação de resultados eram consideradas como uma variação patrimonial negativa, abatiam-se ao resultado contabilístico para efeitos de determinação do rendimento tributável, desde que fosse cumprido o requisito constante do nº 5, isto é, fossem pagas ou colocadas à disposição dos beneficiários, membros de órgãos sociais e trabalhadores, até ao fim do exercício seguinte, enquanto que as gratificações atribuídas a trabalhadores da empresa, a título de participação nos resultados, concorrem para a formação do lucro tributável do exercício a que respeita o resultado em que participam, desde que as respectivas importâncias sejam pagas ou colocadas à disposição dos beneficiários até ao fim do exercício seguinte.
Mais salienta a AT que os encargos com remunerações, por força o princípio da especialização dos exercícios, enunciado no n.º 1 do art.º 18.º do Código do IRC, são imputáveis ao exercício a que tal encargo respeita, independentemente do momento do seu pagamento, ou seja, “são custos do período em que foi prestado o trabalho”.
Sustenta também a AT que, no que diz respeito às designadas “gratificações de balanço”, o legislador foi mais cauteloso, pois, condicionou a dedução das correspondentes variações patrimoniais negativas ao lucro tributável do exercício de que constituem aplicação, à efectivação do respectivo pagamento ou colocação à disposição até ao final do exercício seguinte, que, in casu, seria 2003, pelo que a dedução da variação patrimonial negativa provocada pela atribuição das gratificações de balanço não pode ocorrer no exercício do pagamento ou da colocação à disposição (2004), só podendo efectivar-se no exercício durante o qual foram prestados os serviços a gratificar.
Entendendo a AT que esta invocação do principio da especialização dos exercícios não traduz qualquer fundamentação a posteriori, já que o referido princípio está ínsito no n.º 2 do artigo 24.º do CIRC, porquanto, decorre do mesmo que as variações patrimoniais negativas relativas a gratificações e outras remunerações do trabalho de membros de órgãos sociais e trabalhadores da empresa, a título de participação nos resultados, concorrem para a formação do lucro tributável do exercício a que respeita o resultado em que participam, desde que as respectivas importâncias sejam pagas ou colocadas à disposição dos beneficiários até ao fim do exercício seguinte, sendo que, na opinião da AT, foi o legislador peremptório a limitar no tempo, os exercícios que concorrem para a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 24.º, não se tratando, portanto, de qualquer nova fundamentação mas sim de um mero argumento assente na fundamentação desde sempre defendida pela Requerida.
Para a AT, uma vez que no caso, quer a B… quer a D… procederam à inscrição da mesma variação patrimonial negativa, referente a gratificações a trabalhadores a título de participação nos resultados deliberadas atribuir no ano de 2003 por resultados obtidos no ano de 2002, nos anos de 2002 e 2004, e inscreveram tais gratificações, isto é, quer o montante pago em 2003, nos termos do nº 2 do artigo 24º do CIRC, quer o montante, remanescente de gratificação, pago em 2004, precisamente da mesma forma, ou seja, como variação patrimonial negativa no campo 237, do quadro 07 da mod. 22, nos referidos anos de 2002 e 2004, tal comportamento desrespeita claramente o disposto no n.º 2 do artigo 24.º do CIRC.
Do ponto de vista da AT, para aferir da dedutibilidade das gratificações atribuídas aos trabalhadores da B… e da D… em 2004 com referência aos lucros de 2002, não deve recorrer-se ao art.º 23.º do Código do IRC, em cuja alínea d) do n.º 1 apenas são subsumíveis os encargos com remunerações registados na conta de custos com pessoal, ao passo que as gratificações de balanço, sendo variações patrimoniais negativas, não passam por contas de resultados por constituírem uma aplicação dos lucros do exercício.
Ainda do ponto de vista da AT, as gratificações atribuídas aos trabalhadores da B… e da D…, encontram-se reguladas não no artigo 23º mas no artigo 24º do CIRC que expressamente se refere a “gratificações e outras remunerações do trabalho de membros de órgãos sociais e trabalhadores da empresa, a título de participação nos resultados”, não sendo legítimo uma interpretação, como a feita pela Requerente que tão depressa as considera como gratificações para as incluir no artigo 24º, como depois acaba por dizer que são remunerações e que se incluem no artigo 23º do CIRC, como custos indispensáveis para a manutenção da fonte produtora, interpretação que para a AT não cabe nem na letra nem no espírito do legislador, já que se o mesmo quisesse considerar aquelas gratificações como custos, nos termos do artigo 23º, não só as teria incluído numa enumeração como a que então constava do nº 1 de tal artigo, como não teria elaborado uma norma com o conteúdo do artigo 24º.
Argumenta a AT que, ainda que se aplicasse o artigo 23.º do CIRC, por força da aplicação do princípio da especialização dos exercícios, que assenta, em primeira linha, num critério de competência económica, a dedução da variação patrimonial negativa provocada pela atribuição das gratificações de balanço não pode ocorrer no exercício do pagamento ou da colocação à disposição (2004), só podendo efectivar-se no exercício durante o qual foram prestados os serviços a gratificar, já que a tal obriga o artigo 18.º do CIRC que, à data dos factos estabelecia que “Os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios.”, de onde conclui que a determinação do lucro tributável liga-se a uma noção de proveitos e custos, e não de receitas e despesas, donde, imputam-se ao exercício os custos que, não suportados efectivamente nele, todavia dizem respeito a operações que nesse ano são realizadas, pelo que, tendo em conta que o custo/variação patrimonial negativa foi incorrida e contabilizada em 2002, por força do princípio da especialização dos exercícios, só poderia ser imputada a esse ano/exercício de 2002.
Já no que diz respeito a uma eventual verificação de dupla tributação económica das distribuições de lucros, a título gratificações dos trabalhadores, gerada pela conjugação da não dedução das correspondentes variações patrimoniais, na esfera da sociedade, com a sua tributação em IRS na esfera do trabalhador, entende a AT que, apesar de a sua ocorrência não ter sido desejada pelo legislador, como se comprova pelo disposto no n.º 2 do art.º 14.º do Código do IRC, nos casos em que possa ocorrer por impossibilidade de aplicação deste normativo, o legislador, ao contrário do previsto para os lucros distribuídos aos sócios, não criou qualquer medida destinada à sua eliminação ou atenuação.
Por fim, sustenta a AT que a interpretação que faz dos referidos artigos não viola o princípio constitucional da tributação pelo lucro real, já que, se o legislador escolheu, nos artigos 23º e 24º as condições para a aceitação de custos, deve considerar-se que os que não cumprem tais requisitos devem ser suportados integralmente pela empresa que optou por incorrer neles pese embora os mesmos não fossem necessários, não havendo suporte legal, nem constitucional, que imponha que tenham que ser a generalidade dos contribuintes a suportar a parte do prejuízo que da aceitação de tais custos decorre para o Estado, pelo que se mostra perfeitamente adequado e proporcional, tendo em conta os interesses em conflito, do Estado na arrecadação de receitas públicas visando a satisfação de necessidades colectivas e do contribuinte em diminuir o seu lucro tributável, a limitação legal de aceitação de custos ao ano em que foram incorridos.
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b. Posição da Requerente
Já a Requerente sustenta que o disposto no artigo 24.º, n.º 2, do Código do IRC permitia que fossem consideradas como variações patrimoniais negativas as gratificações atribuídas aos trabalhadores, a título de participação nos resultados, desde que o respectivo pagamento fosse efectuado até ao final do exercício seguinte àquele a que o resultado respeitava, pelo que as empresas podiam, através da consideração de uma variação patrimonial negativa, deduzir os montantes relativos a gratificações que tivessem deliberado conceder aos seus trabalhadores, no exercício em que tivessem sido apurados os resultados a que respeitavam essas gratificações, não obstante o pagamento só vir a ser efectuado no exercício seguinte.
Nota também a Requerente que a referida disposição legal incorporava, simultaneamente, uma norma anti-abuso que visava evitar que se deliberasse a distribuição de resultados aos trabalhadores e se reconhecesse a essa distribuição relevância fiscal em sede de determinação do lucro tributável, sem que fosse de facto distribuído o resultado, visando-se evitar que fosse admitido como custo fiscal um custo que não tivesse efectivamente incorrido, sendo essa a razão pela qual estabelecia o número 5 do artigo 24.º, do Código do IRC que, no caso de não se verificar o pagamento, durante o ano seguinte, dos valores deduzidos a título de gratificações no ano anterior, deveria o sujeito passivo adicionar o IRC que deixou de ser liquidado em resultado da dedução efectuada, acrescido dos correspondentes juros compensatórios.
Para a Requerente, a referida norma, não inviabilizava a consideração, para efeitos fiscais, das importâncias que posteriormente viessem a ser realmente pagas aos trabalhadores, quando — como aconteceu no caso dos Autos — se tivesse procedido à regularização da dedução inicialmente efectuada, para efeitos fiscais, a título de variação patrimonial negativa, entendendo a Requerente que a única sanção que a Lei Fiscal expressamente estabelece para o retardamento do pagamento das gratificações de balanço deliberadas (e fiscalmente deduzidas no exercício de origem) é a reposição do imposto em falta e a consequente liquidação de juros compensatórios.
Nota também Requerente que a ratio legis do regime em causa, resulta da vigência de um modelo de dependência parcial do resultado fiscal face ao resultado contabilístico, nos termos do qual ao resultado contabilístico são aplicadas correcções fiscais, sendo que no caso das variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do período de tributação, dedutíveis para efeitos fiscais, estamos perante “custos fiscais que não são custos contabilísticos”, sendo que a dedução de tais variações patrimoniais negativas permite a antecipação da consideração fiscal de um custo que não encontra ainda reflexo nos resultados contabilísticos da empresa, razão pela qual o legislador fiscal sentiu a necessidade de colocar alguns limites à referida dedutibilidade, pelo que o aludido limite, segundo a Requerente, tem relevância unicamente como garantia de que aquela consideração fiscal antecipada vem a ter reflexo no efectivo pagamento aos trabalhadores das gratificações em causa.
Chama também a Requerente a atenção para que, no caso dos autos, não está em causa qualquer dedução artificial ou abusiva de uma despesa não realizada.
Mais considera a Requerente que na situação em apreço não está em causa a aplicação do já mencionado artigo 24.º, n.º 2, do Código do IRC, já que, em 2002, as sociedades consideraram para a formação do respectivo lucro tributável, como variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, os valores que, depois do fecho e aprovação das contas daquele exercício, que ocorre já em 2003, deliberaram distribuir aos seus trabalhadores, e que, na medida em que, até 31 de Dezembro de 2003, aquelas sociedades não concretizaram a totalidade da distribuição dos resultados como tinham deliberado fazer, acresceram em 2003, nas respectivas declarações Modelos 22 de IRC e, precisamente nos termos do número 5 do artigo 24.º do Código do IRC, o imposto que tinham deixado de liquidar e pagar por terem tido em consideração em 2002, para a formação do lucro tributável, valores que não foram, de facto, entregues aos trabalhadores, tendo ademais pago os respectivos juros compensatórios, pelo que, em Maio de 2004, aquando da submissão da Modelo 22 de IRC de 2003, ter-se-á esgotado a aplicação do artigo 24.º do Código do IRC.
Daí que, prossegue a Requerente, no exercício de 2004, a B… e a D…registaram e concretizaram o pagamento aos seus trabalhadores, a título de gratificações, do valor de, respectivamente, € 353.771,01 e € 44.000,00 — e incluíram aqueles valores no campo 237 do quadro 7 das correspondentes Modelo 22 e não no campo 203 respeitante às variações patrimoniais negativas, pelo que a fixação do regime fiscal a que aqueles pagamentos devem ser sujeitos não está dependente da aplicação do artigo 24.º do Código do IRC, vertendo, ao invés, do previsto no artigo 23.º do mesmo compêndio normativo que estabelece as regras gerais da dedutibilidade de custos para efeitos fiscais. Assim, entende a Requerente que, dado que naquele exercício de 2004 as relevantes sociedades efectuaram pagamentos a favor dos seus trabalhadores, nos termos da alínea d) do número 1 do artigo 23.º do Código do IRC, estes são plenamente dedutíveis, já que não se encontra em causa a natureza remuneratória ou a realização destes pagamentos aos trabalhadores e, como tal, o respectivo enquadramento fiscal não poderá ser díspar do aplicável aos restantes pagamentos remuneratórios efectuados, em 2004, pela B… e pela D… aos seus trabalhadores.
Refere ainda a Requerente, que, se na esfera dos correspondentes trabalhadores, em sede de IRS, tais resultados são tributados, em face da negação de dedução, pela sociedade empregadora, dos custos com a atribuição de gratificações aos seus trabalhadores, verifica-se uma situação de dupla tributação de rendimento, que não se coaduna com o sistema de complementaridade entre o IRC e o IRS, maxime da simetria que se assiste nesta matéria: custo dedutível de um lado (empresa), rendimento sujeito a imposto do outro (trabalhador).
A Requerente opõe-se ao argumento da AT no sentido de que, mesmo que não seja aplicável o artigo 24.º do Código do IRC, os custos em crise não podem ser dedutíveis nos termos do artigo 18.º do mesmo Código. Entende a Requerente que se trata de argumento inovador e que nunca tinha sido utilizado pela AT em qualquer fase do procedimento de inspecção, de reclamação e mesmo de recurso hierárquico, e que esta não pode fundamentar os seus actos a posteriori, devendo os actos por ela emitidos ser apreciados em sede judicial ou arbitral com o conteúdo e o sentido que lhes tenha sido dado aquando da respectiva emissão.
Acrescenta ainda a Requerente que o argumento relacionado com o princípio da especialização de exercícios, justamente aquele que está consagrado no mencionado artigo 18.º do Código do IRC, sempre seria in casu improcedente por os custos em causa terem sido, de facto, suportados em 2004 — uma vez que só nesse ano foram os pagamentos relevantes realizados a favor dos trabalhadores, como apenas naquele ano se consolidou o direito ao seu recebimento enquanto remunerações daquele preciso ano, e que em 2003 ficou definitivamente encerrada a aplicação do regime do artigo 24.º do Código do IRC, ou seja deixou de estar em causa a possibilidade de dedução de variação patrimonial negativa e passou a estar sob apreciação a dedução de custo administrativo relacionado com remunerações pagas a trabalhadores sujeita ao disposto na alínea d) do número 1 do artigo 23.º do Código do IRC, sublinhando ainda que o princípio da especialização não é um princípio absoluto, e que nos casos em que a AT não teve qualquer prejuízo com a dedução de determinado custo em outro ano que não aquele a que o custo respeita e essa dedução não resultou de omissões voluntárias ou intencionais, com vista a operar as transferências de resultados entre exercícios — justamente como se verifica na situação sub judice —, deve ser admitida a relevância fiscal do relevante custo por assim o determinarem os princípios da proporcionalidade, da justiça e da boa-fé, citando, neste sentido, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28 de Março de 2007, proferido no processo n.º 01551/06.
A terminar, invoca a Requerente que a dedução de perdas e custos tem como fundamento a exigência de que o imposto sobre o rendimento incida sobre a real força económica do contribuinte, funcionando tal força como pressuposto e limite da tributação, o que decorre do princípio da tributação pelo rendimento real previsto no artigo 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, pelo que tendo em conta que, no que tange às gratificações efectivamente pagas aos trabalhadores da B… e da D… no exercício de 2004, o artigo 24.º, n.º 2, do Código do IRC não tem relevância ou aplicação, e que o artigo 23.º do mesmo Código não só não limita, como prevê expressamente a respectiva dedutibilidade, então o entendimento em sentido contrário contende com o referido princípio constitucional, pelo que, do ponto de vista da Requerente, a interpretação que a AT faz das normas constantes do número 2 do artigo 24.º do Código do IRC e do número 1 do artigo 23.º do mesmo código, no sentido de não permitir a dedução das gratificações pagas em 2004 pelas sociedades B… e D… aos seus trabalhadores, é inconstitucional por violação do disposto no número 2 do artigo 104.º da Constituição.
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c. Apreciação
A situação que aqui se apresenta a decidir é de simples configuração fáctica, verificando-se, no fundo que a Requerente e uma sua participada, no ano de 2003, decidiram atribuir aos seus trabalhadores, a título de gratificação pelos resultados de 2002, determinados montantes que inscreveu como variação patrimonial negativa, deste último ano. Subsequentemente, não tendo, durante o ano de 2003, pago na íntegra os valores que haviam decidido atribuir aos seus trabalhadores, os sujeitos passivos em causa aplicaram o disposto, à data, no n.º 5 do artigo 24.º do CIRC, e liquidaram o IRC que havia deixado de ser liquidado, por força da dedução ao lucro tributável dos montantes não pagos, bem como procederam ao pagamento dos respectivos juros legais. Por fim, tendo acabado por pagar aos seus trabalhadores os montantes em falta, no ano de 2004, inscreveram-nos nesse ano, enquanto variações patrimoniais negativas, concorrentes, negativamente, para a formação do lucro tributável.
A AT, entendendo que tal se deu em violação do disposto do artigo 24.º do CIRC, procedeu à correcção ora em apreço, desconsiderando os valores em causa, e liquidando o correspondente IRC.
Ressalvado o respeito devido, entende-se não assistir aqui qualquer razão à AT.
Com efeito, o disposto no artigo 24.º do CIRC, à data, foi integralmente respeitado pela Requerente e pela sua participada que seguiram os procedimentos aí determinados. Daí que não haja qualquer violação, da parte daquela, por qualquer forma, da norma em questão.
Efectivamente, ao ter sido seguido o procedimento prescrito por aquela norma, as gratificações em questão deixaram de ter a natureza de participação nos resultados, para passarem a ser simples gratificações – não proibidas pela lei geral nem pela lei fiscal. Com efeito, ao terem sido anuladas no exercício de 2003, as gratificações pagas no exercício de 2004, deixaram tais gratificações de ter a natureza de participação nos resultados de 2002, na medida em que os resultados deste ano foram repostos pela correcção operada em 2003. Note-se, aliás, que o IRC liquidado e pago em obediência ao então disposto no n.º 5 do artigo 24.º do CIRC, não é IRC do exercício em que se procede a tal operação, mas do exercício onde se verificaram os resultados por conta dos quais havia sido deliberada a atribuição de gratificações, o que se evidencia, desde logo, pela obrigatoriedade da liquidação de juros.
Deste modo, por conta dos resultados de 2002 da Requerente e sua participada apenas foram distribuídos os montantes efectivamente pagos em 2003, já que os montantes que não o foram, por força da operação então prescrita pelo n.º 5 do artigo 24.º do CIRC, deixaram de afectar os resultados de 2002 e, consequentemente, de serem atribuídos por conta dos mesmos.
Por outro lado, os sujeitos passivos não estão proibidos de, pelas razões empresariais que lhes são próprias, conceder gratificações a quem, no âmbito das respectivas decisões de gestão, considerem adequado, desde que cumpram os pressupostos genéricos do artigo 23.º do CIRC.
Ora, no caso, e desde logo, estes não foram questionados pela AT, nem a sua não verificação integra os fundamentos do acto tributário sindicado. Por outro lado, não deixa de ser evidente e notório que, num caso como o presente, a atribuição de gratificações aos trabalhadores tem uma finalidade motivacional e, como tal, empresarial.
Não obsta, por fim, ao que vem de se dizer, o princípio da especialização de exercícios, consubstanciado no artigo 18.º do CIRC, e independentemente se estar, ou não, aflorado no artigo 24.º do mesmo Código.
Com efeito, nada nos autos permite afirmar que na esfera jurídica da Requerente e da sua participada nasceu uma obrigação de pagamento aos seus trabalhadores, no ano de 2002. É que, à falta de elementos noutro sentido, a deliberação de gratificação por conta dos resultados de 2002, mais não será que uma promessa de doação. Ora, a este respeito, citando-se o Ac. do STJ de 21-11-2006, proferido no processo 06A3608[1]:
“Tem-se discutido na doutrina a admissibilidade do contrato-promessa de doação. Para alguns autores, não seria este um negócio admissível em virtude de, por um lado se pôr em causa o requisito de espontaneidade, que se considera dever presidir à doação e, por outro lado, a ser admissível negócio, ele valeria logo como doação (cf. art. 954. ° c)), não sendo consequentemente, uma verdadeiro contrato-promessa, além de que a promessa de doação poderia pôr em causa a proibição da doação de bens futuro (art. 942).
A Doutrina tem sido no sentido de que é possível e válida a promessa de doação – cf. Eridano de Abreu, “Da doação de direitos obrigacionais” em Dir 84 (1952), pp. 217-235 (226 e ss.), Vaz Serra “Anotação Ac. STJ 18/5/1976” na RLJ 110 (1977), pp. 207-208 e 211-214, e BMJ 76; Antunes Varel, “Anotação Ac. 16/7/1981”, em RLJ 116 (1983), pp. 30-32 e 57-64 (61 e ss,) Das Obrigações em Geral Vol I 4ª Edição pág 275 e Pires de Lima/Antunes Varela Código Civil Anotado em anotação ao art. 940. °, n.° 9, p. 240. Pronuncia-se também, embora com hesitação, em sentido afirmativo, Ana Prata «O contrato-promessa e o seu regime civil», Coimbra, Almedina, 1995, pp. 305 e ss. (315)
Na Jurisprudência pode confrontar-se os Acórdão publicados no BMJ 361/ 515 e
J.R., Ano 13,pág. 537 e C.J., Ano XX, tomo 5, pág. 131.(entre outros)
Pela validade do contrato promessa de doação pronunciaram-se os Acórdãos de 410/01 da 6ª Secção em que foi Relator o Conselheiro Afonso de Melo; e 407/01 da 1ª Secção em que foi Relator o Conselheiro Pinto Monteiro; BMJ 309/283, este comentado por Antunes Varela na RLJ ano 116 página 61 e seguintes onde se afirma:
«Que, sendo uma atribuição solvendi causa “o contrato prometido não representa uma segunda doação, mas não pode deixar de ser considerado uma disposição (ou atribuição) gratuita feita pelo disponente a favor do beneficiário, visto ser efectuado sem nenhum correspectivo ou contraprestação por parte deste”. Mas, “o facto de o contrato prometido (…) não constituir em si mesmo uma doação (por falta do espírito de liberalidade, próprio da disposição donandi causa), não impede que ele integre uma doação, visto que a sua causa (a relação jurídica subjacente) está no contrato-promessa marcada por esse espírito de liberalidade’’.
Podemos assim concluir que é válida a promessa de doação.
Mas uma coisa é a validade da doação e outra é a de saber se a mesma é passível de execução específica, como determina o Artigo 830 do Código Civil.
Efectivamente no sentido da não execução específica da promessa de doação válida é unânime a Doutrina e a Jurisprudência, argumentando-se que «a sua natureza justifica que as partes conservem a possibilidade de desistir do contrato definitivo até à celebração deste, embora incorrendo em responsabilidade pelo incumprimento do contrato promessa» —- M. J. Almeida Costa, Direito das Obrigações, pág. 279; ver também o que escreveu na RLJ, ano 118, págs. 24 e Seg. No mesmo sentido, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, pág. 286. Pode pois também concluir-se que a natureza da obrigação assumida pelo promitente opõe se pela sua á natureza á execução específica.”.
Por outro lado, mesmo que assim não fosse, o certo é que tem sido jurisprudência recorrente do STA que o princípio da especialização dos exercícios não goza de prevalência absoluta, devendo ser postergado quando exigências de justiça material o imponham, o que sempre acabaria por ser o caso.
Neste sentido, afirmou já o STA que:
- “I - O princípio da especialização dos exercícios visa tributar a riqueza gerada em cada exercício e daí que os respectivos proveitos e custos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e não à medida que o respectivo recebimento ou pagamento ocorram.
II - Contudo esse princípio deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios.”[2];
- “Constatando-se que o contribuinte incorreu em vários erros na aplicação do princípio da especialização dos exercícios e constatando-se que, da globalidade deles, resultou ele próprio prejudicado, por ter invocado tardiamente mais custos do que os que antecipou, não há lugar a aplicação de juros compensatórios pela invocação de custos antecipados, por imperativo do princípio da justiça.”[3];
- “I - Em matéria de custos, o princípio da especialização dos exercícios – artigo 18.º do CIRC – traduz-se na consideração, como custo de determinado exercício, dos encargos que economicamente lhe sejam imputáveis.
II - Não põe em causa tal princípio a imputação, a um exercício, de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios.”[4];
- “Na verdade, não havendo qualquer prejuízo para a FP (por todos os custos terem sido contabilizados, embora com erro no tocante aos exercícios respectivos), e tal não resultar de omissões voluntárias ou intencionais, com vista a operar transferências de resultados entre exercícios, o princípio da especialização de exercícios deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com previsão no art. 55º da LGT.”[5].
Deste modo, e por todo o exposto, enfermando o acto tributário objecto da presente acção arbitral, na parte ora em apreço, de erro nos pressupostos de direito, deverá proceder, nessa parte, o pedido de pronúncia arbitral.
***
ii.
a. Posição da AT
Começa por referir a AT que na informação nº I2014…, de 10/11/14, que sustenta e fundamenta o indeferimento parcial do recurso hierárquico, é claramente dito que “tendo presente então, que, não se está em presença de bens em estado de uso”, e que, de todo o modo, mesmo perante esta situação e, uma vez que estavam em causa bens cujas datas de aquisição e início de utilização vão desde o ano de 1955 a 1975, tem que se atender aos diplomas legais que, à data, possibilitam a reintegração de bens do activo imobilizado, isto é, a Portaria nº 21867 de 12/02/66 e a Portaria 737/81 de 29 de Agosto, onde se estabelece que os equipamentos de centrais hidroeléctricas têm uma percentagem anual de reintegração de 5%, correspondendo a um período de vida útil de 20 anos.
Mais lembra a AT que:
i. nos termos do artigo 4.º da Portaria 737/81, considera-se período máximo de vida útil de um elemento do activo imobilizado o que se deduz de uma taxa de reintegração ou de amortização igual a metade das taxas aplicáveis;
ii. no Decreto Regulamentar nº 2/90, de 12/01 é dito, no artigo 3.º, que qualquer que seja o método de reintegração ou amortização utilizada, considera-se período máximo de vida útil de um elemento do activo imobilizado o que se deduz de uma taxa igual a metade das referidas nas alíneas anterior.
Conclui, assim, a AT que o período máximo de vida útil dos “Equipamentos Centrais Hidroeléctricos” aqui em causa poderia ir até 40 anos, com uma aplicação de taxa de 2,5%, metade de 5%.
Notando que, para este tipo de bens, o sujeito passivo utiliza, com excepção do primeiro equipamento referido no anexo 14 ao RIT, uma taxa de reintegração de 3,12% e/ou 3,13% o que corresponde a um período de vida útil de 32 anos, e concedendo que tais taxas possam ser aplicadas por se compreenderem entre o intervalo de 2,5% e 5%, considera que só para o bem adquirido em 1972, se pode fazer ainda, em 2004, reintegrações, para os restantes, anteriores àquela data mostra-se ultrapassado o período de vida útil dos bens.
Refere, ainda, a AT que a al. b) do n.º 4 do artigo 68º do CIRC, na redacção de 2004, prescrevia que: “as reintegrações ou amortizações sobre os elementos do activo imobilizado transferidos são efectuadas de acordo com o regime que vinha sendo seguido nas sociedades fundidas, cindidas ou na sociedade contribuidora”, de onde retira que a continuidade da aplicação do método adoptado e, em matéria de taxas de reintegração e amortização, podem variar entre a taxa mínima e máxima.
Invoca, também, a AT o princípio geral estabelecido no n.º 4 do artigo 30.º do CIRC, redacção de 2004, segundo o qual o período de vida útil do elemento do activo imobilizado é o que se deduz das taxas de reintegração definidas no Decreto Regulamentar, bem como o nº 1 do referido Decreto regulamentar nº 2/90, de 12/01, que refere que a “vida útil” é, para efeitos fiscais, o período durante o qual se reintegra ou amortiza totalmente o seu valor, definindo o nº 2 do mesmo artigo o “período mínimo de vida útil” e o “período máximo de vida útil”, e a al. a) do n.º 5 do artigo 29.º do CIRC, que consagrou uma prática vigente no Código da Contribuição Industrial, no método das quotas constantes a taxa aplicável pode variar entre a mínima e a máxima de acordo com o regime mais ou menos intensivo ou outras condições de utilização dos bens em causa.
Conclui, a AT, que, relativamente a um bem com o código 1230, adquirido em estado de novo em 1968 a que correspondia na Tabela I anexa à Portaria nº 21867 de 12 de Fevereiro de 1966, uma taxa de 5%, o que pode afirmar-se é que o período mínimo de vida útil é de 20 anos e o máximo de 40 anos, pelo que, se o bem é amortizado à taxa de 2,5% até 2003, inclusive, e depois à taxa de 3,13% a vida útil, ou seja o período durante o qual se reintegra totalmente o seu valor será inferior a 40 anos.
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b. Posição da Requerente
Entende a Requerente que a D… não deduziu qualquer amortização com bens adquiridos em estado de uso para além do respectivo período de vida útil, uma vez que os bens cuja amortização para efeitos fiscais é questionada pela AT passaram a ser relevados na esfera da D…, em resultado de um processo de fusão por incorporação das sociedades DD… e EE…, com efeitos a 1 de Janeiro de 2004 e que beneficiou do regime de neutralidade fiscal, nos termos do disposto nos artigos 67.º e seguintes do Código do IRC, de onde decorreu, entre outros aspectos, que os activos incorporados pela D… fossem tratados para efeitos fiscais (maxime para efeito de amortizações) como vinham sendo tratados nas sociedades incorporadas, de acordo com o artigo 62.º, n.º 4, al. b), do CIRC, na numeração em vigor à época.
Refere a Requerente que, no seguimento daquela fusão, a D… registou no mapa de reintegrações e amortizações da D… referente ao exercício de 2004 (posteriormente à fusão por incorporação da DD… e da EE…), da sua contabilidade, no mesmo exercício de 2004, os itens de imobilizado do activo das empresas incorporadas, pelo valor que decorre da agregação de itens que se encontravam relevados, em 31 de Dezembro de 2003, nas sociedades incorporadas.
Aponta a Requerente que, no seguimento da fusão (i.e., no exercício de 2004), a D…, tendo em vista uniformizar as taxas de amortização na sua esfera, alterou a taxa de amortização dos bens incorporados para 3,13%, em conformidade com as disposições do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro e, no caso concreto, por se tratar de bens anteriores à entrada em vigor daquele diploma, das disposições em matéria de amortizações aplicáveis à A…, ou seja taxas aprovadas pela Informação da DGCI n.º …/79 do Serviço de Prevenção e Fiscalização Tributária.
Nota a Requerente que, quer as taxas de amortização praticadas pelas sociedades, as quais correspondiam, na maioria dos casos, a 2,5%, quer a taxa que passou a ser praticada pela D…, ou seja, 3,13%, encontram-se dentro dos limites legais fixados para a tipologia do activo em questão, de acordo com o artigo 29.º, n.º 6, do Código do IRC, na numeração em vigor à data dos factos, que permite ao contribuinte livremente fixar a taxa de amortização praticada num intervalo entre a taxa de amortização prevista no decreto regulamentar e metade dessa taxa.
No entendimento da Requerente, o erro da AT passa por, não obstante reconhecer que os bens em causa passaram a estar integrados no património da D… em resultado de processo de fusão, o mesmo o fazendo na resposta dos autos, desconsiderar in totum as taxas pelas quais aqueles bens se encontravam a ser amortizados nas sociedades DD… e pela EE…, ao basear a determinação do respectivo período de vida útil, sem mais, nas taxas de amortização que passaram a ser aplicadas pela D… após a fusão, sendo que, se não o tivesse feito, e se tivesse relevado as taxas de amortização aplicadas até ao momento da fusão pelas sociedades incorporadas, e as novas taxas a partir daí, a AT teria concluído que no exercício em causa, em 2004, os bens amortizados e em crise não tinham ainda esgotado o seu período de vida útil.
Para a Requerente, o que suscitou este entendimento incorrecto por parte da AT foi a circunstância de a D… ter, no exercício de 2004, alterado a taxa de amortização dos bens em referência e o sistema informático que gere os seus mapas fiscais ter inscrito no campo relativo ao número de anos de utilidade esperada o período de anos correspondente à nova taxa de amortização (i.e., 1/nova taxa de amortização), sem ponderar que a nova taxa só se aplica ao período de vida útil posterior à integração dos bens na esfera da D… (o que, por a taxa que passou a ser aplicada ser superior, implica uma redução da vida útil do activo mas que, em 2004, ainda não tinha sido ultrapassada), estando, deste modo, em causa um mero lapso formal.
Considera a Requerente que resulta clara a dedutibilidade fiscal das amortizações dos bens ora contestadas, pois, por um lado, não se trata de bens adquiridos em estado de uso — não obstante, formalmente, estarem como tal indicados no mapa de amortizações e reintegrações — mas de bens que, fruto de sucessivas operações de reestruturação, efectuadas ao abrigo do regime de neutralidade fiscal, foram sempre incluídas nas demonstrações financeiras (das sociedades resultantes da cisão ou incorporantes) mantendo o registo original no que respeita à respectiva data e valor de aquisição e, por outro, não se encontra excedida a vida útil atribuída aos mesmos, tendo apenas se tratado de um lapso, de natureza informática, na indicação da vida útil esperada dos bens, sem influência no montante da amortização a ser considerada como custo em 2004.
Conclui a Requerente que, em momento algum, foram registadas contabilisticamente, na esfera quer da DD… e da EE…, quer da D…, amortizações referentes aos bens em apreço inferiores às decorrentes da aplicação das taxas mínimas previstas na lei, e que, na sequência do exercício do direito de audição pela D… ao projecto de relatório de inspecção tributária por si recebido quanto ao exercício de 2006, a AT considerou procedente argumentação idêntica à exposta, para correcção em tudo análoga à ora em crise, a qual foi, em consequência, anulada.
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c. Apreciação
A questão ora em apreciação reconduz-se, essencialmente, a uma questão de facto.
Ora, a este respeito, consta da matéria de facto dada como provada, para além do mais, que:
- Os bens que originam os ajustamentos aqui em causa foram integrados na esfera da D… (à época designada C…, S.A.) em resultado de fusão por incorporação por esta sociedade das sociedades “DD…, S.A.” (“DD…”) e “EE…, S.A.” (“EE…”), com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2004, a qual foi efectuada segundo o regime de neutralidade fiscal;
- Na sequência da mencionada fusão, em 31/12/2003, a D… registou na sua contabilidade, no mesmo exercício de 2004, os itens de imobilizado do activo das empresas incorporadas pelos valores que tinham na contabilidade da DD… e da EE…, em 31/12/2003;
- Na sequência desta fusão (i.e. no exercício de 2004), a D… alterou a taxa de amortização dos bens incorporados por fusão para 3,125%, correspondente a um período de vida útil de 32 anos, independentemente do ano de aquisição e de início de utilização dos bens, registando aquele prazo temporal na coluna 9 – número de anos de utilidade esperada, dos mapas de reintegração;
- No seguimento desta alteração, o sistema informático que gere os mapas fiscais da D… inscreveu, automaticamente e sem a ponderação de qualquer outro factor, no campo que se refere ao número de anos de utilidade esperada, o número de anos subjacente à nova taxa (i.e., 1/nova taxa de amortização), como se a nova taxa de amortização mais elevada tivesse sido aplicada desde que os bens entraram em funcionamento nas sociedades incorporadas, o que se traduziu em que no mapa de amortizações constasse um número de anos de utilidade esperada que, em algumas situações, já se encontrava ultrapassado em 2004 face à data em que os bens em causa começaram a ser amortizados;
- Em momento algum, foram registadas contabilisticamente, na esfera quer da DD… e da EE… (2,5%), quer D… (3,12% ou 3,13%), amortizações referentes aos bens em apreço inferiores às decorrentes da aplicação das taxas mínimas previstas na lei.
De resto, à mesma conclusão terá chegado a AT noutra sede, tendo-se demonstrado que, relativamente o exercício de 2006, onde tinha, num primeiro momento, proposto correcção análoga à correcção aqui em apreço, veio, na sequência do exercício, pela D… do direito de audição ao projecto de relatório de inspecção tributária, a considerar procedente argumentação apresentada por aquela, anulando a dita correcção.
Face a tal matéria de facto haverá, naturalmente, que concluir que o acto tributário objecto da presente acção arbitral, na parte ora em causa, enferma de erro nos pressupostos de facto, devendo como tal ser, nessa medida, anulado.
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iii.
a. Posição da AT
Destaca a Requerida que, terão sido razões de política fiscal que estiveram na base da instituição do artigo 40.º do CIRC que considera como custos determinadas liberalidades que, como tal, entende a Requerida, não seriam consideradas à luz dos artigos 23º e 24º do mesmo Código, visando o legislador incentivar as empresas a realizar certo tipo de despesas (com contratos de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como com contratos de seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social) por considerar as mesmas como de utilidade social.
Considera a Requerida que os limites quantitativos dos custos em causa assentam numa noção de massa salarial (despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício), que, tendo em conta uma interpretação sistemática e teleológica do artigo, deve estar sujeita a descontos para a Segurança Social ou outros regimes substitutivos, uma vez que tais despesas assumirão um carácter de complementaridade face ao regime protectivo da Segurança Social.
Para a AT, o n.º 2 do art.º 40.º tem por objectivo a dedução de encargos com contribuições facultativas para fundos de pensões ou equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social que visem garantir aos trabalhadores um reforço dos benefícios assegurados pelo regime geral de segurança social, pelo que, se o direito aos benefícios conferidos pelo regime geral obrigatório de segurança social é sustentado pela correspondentes contribuições para a segurança social – efectuadas pela entidade patronal e pelo trabalhador – cuja base de cálculo é constituída pelas remunerações, tal como definidas pelo respectivo quadro regulamentar, mal se entenderia que o limite das contribuições facultativas para os regimes de natureza complementar, tivesse uma base de cálculo diferenciada, notando ainda a AT que o legislador utilizou a mesma base de cálculo, nos números 2 e 3 do art.º 40.º do Código do IRC, e que, neste último número, cabem as situações em que os trabalhadores não tenham direito a pensões da segurança social, pelo que, na opinião ainda da AT, não faria sentido e revelaria uma total incoerência do legislador se, para os trabalhadores abrangidos pelo n.º 3, a entidade patronal efectuasse contribuições calculadas sobre uma base remuneratória diferente daquela que é utilizada para o cálculo dos descontos dos trabalhadores abrangidos pelo regime geral da segurança social.
Considera também a Requerida que não se compreenderia, perante a existência do n.º 3, que o legislador pretendesse ver consagrado o entendimento segundo o qual seria irrelevante a qualificação em termos contabilísticos das despesas cujo valor contribui para a fixação desse limite, antes pelo contrário, já que o legislador refere que tais despesas têm que ser escrituradas a título de “remunerações, ordenados ou salários”, e tratando-se de valores relativos a rendimentos do trabalho o normal será que sobre os mesmos recaiam contribuições para a Segurança Social, o que explicaria a necessidade de se estabelecer um n.º 3 que retrata e acolhe um limite superior, por razões de política fiscal e considerando uma maior utilidade social, caso os trabalhadores não tenham direito a pensões de segurança social, razões pelas quais não concorda a Requerida com o deliberado no Acórdão proferido no âmbito do processo Arbitral nº 8/2011-T, que defende que o n.º 3 é uma norma cumulativa a acrescer ao disposto no nº 2, nem com o deliberado no Acórdão do TCA-Sul proferido no âmbito do Proc. nº 08248/14, invocando ainda em abono da sua posição o decidido nos Acórdãos do TCA Sul de 19/2/15, no âmbito do Proc. nº 07661/14, e de 18/06/15, proferido no Proc. nº 07526/14.
Conclui, por tudo isto, a AT que devem ser mantidas as correcções efectuadas no montante de 8.222.814,23€, quanto às despesas contabilizadas ao abrigo do artigo 40.º nº 2 do CIRC, por, relativamente ao cálculo do limite de 15%, as mesmas não se encontrarem expurgadas do montante de ordenados e remuneração não sujeitas a segurança social.
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b. Posição da Requerente
A Requerente parte notando que a AT não questiona a natureza ou o valor das despesas escrituradas pela B…, pela D… e pela Requerente como remunerações, ordenados ou salários, pelo que se deverá ter por assente a bondade daquela escrituração, estando em causa unicamente a interpretação do que se devem considerar “despesas com pessoal” para efeitos da aplicação do limite à dedução das realizações de utilidade social vertido no número 2 do artigo 40.º do Código do IRC.
Nota a Requerente que dos dois arestos do Tribunal Central Administrativo Sul citados na Resposta da AT, o acórdão proferido no processo n.º 07661/14 não apreciou, em qualquer momento, o limite à dedutibilidade das realizações de utilidade social que depende da interpretação do conceito de “despesas com pessoal”, pelo que o mesmo não releva no caso dos Autos, e o acórdão prolatado no processo n.º 07526/14 não transitou em julgado, tendo do mesmo sido apresentado recurso que se encontra já a correr termos no Supremo Tribunal Administrativo sob o n.º 01485/15, ao invés das decisões invocadas pela Requerente, o aresto arbitral emitido no processo n.º 8/2011-T, e o proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul no processo n.º 08248/14, que se pronunciaram exactamente sobre a questão sub judice e no sentido defendido pela ora Requerente e transitaram em julgado, fazendo ainda referência a um outro acórdão arbitral, o preferido no processo n.º 4/2012-T, de 25 de Maio de 2012.
Prossegue a Requerente, notando que estão em causa um conjunto de contribuições efectuadas pelas empresas, sociedades ou grupos económicos com o objectivo de beneficiar, indirecta e indiscriminadamente, os seus trabalhadores e, em certas condições, também os seus familiares, que são susceptíveis de serem deduzidas como custos ou perdas na determinação do lucro tributável respectivo, ainda que com limitações, especificamente, conforme o legislador estabeleceu no número 2 do artigo 40.º do Código do IRC, os custos ou perdas suportados “com contratos de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como com contratos de seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa”, que podem ser fiscalmente deduzidos até ao limite de 15% das “despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício”, salientando a Requerente que o número 2 do artigo 40.º do Código do IRC é completamente omisso relativamente à necessidade de as remunerações, ordenados ou salários em causa terem de se encontrar sujeitos a contribuições para a Segurança Social ou para regime substitutivo da mesma, pelo que, no entender daquela, não tem a AT qualquer base legal para fazer acrescer uma exigência nesse sentido para o cálculo do limite aí plasmado, pelo que, na medida em que o legislador se refere somente a despesas com pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários, nada dizendo no sentido da obrigatoriedade de aquelas mesmas despesas terem de ser incluídas no âmbito da incidência das contribuições para a Segurança Social, a interpretação no sentido daquela necessidade sustentada pela AT mostrar-se-á contrária às regras de interpretação das normas legais, como o artigo 9.º do Código Civil, aplicável ex vi do artigo 11.º, n.º 1, da LGT, dado que a exigência de que as relevantes despesas tenham de estar abrangidas pelos descontos para a Segurança Social ou outro regime substitutivo, do ponto de vista da Requerente, não encontra no número 2 do artigo 40.º do Código do IRC qualquer correspondência verbal, ainda que rudimentarmente expressa, e que não se pode retirar da letra da lei qualquer intenção de apenas considerar as despesas sujeitas a descontos para a Segurança Social, verificando-se, ao invés, que o legislador optou por definir aquele limite com referência à contabilidade, entendendo ainda a Requerente que, mesmo com recurso aos elementos interpretativos teleológico e sistemático, não é possível alcançar a conclusão sustentada pela AT.
Assim, refere a Requerente que, considerando a natureza particular das contribuições em causa, em particular tendo em conta o seu carácter voluntário, o legislador restringiu a dedutibilidade das mesmas contribuições, tendo entendido ser razoável o estabelecimento da percentagem de 15% que aplicou ao “total dos encargos salariais suportados pela empresa no exercício causa”, pelo que, relevantes para o efeito da norma em causa, mais concretamente para o cômputo do limite de 15% aí fixado, são as despesas com o pessoal que, em termos contabilísticos, devam ser escrituradas como remunerações, ordenados ou salários, i.e. os custos suportados com o factor mão-de-obra; inexistindo na lei outro critério de distinção ou delimitação daquelas apontadas despesas.
De uma perspectiva sistemática, entende a Requerente que a leitura do número 3 do artigo 40.º do Código do IRC impõe a conclusão alcançada pela Requerente e afasta a que é propugnada pela AT já que o número 3 do artigo 40.º do Código do IRC eleva a percentagem prevista no n.º 2 para 25% das “despesas com pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários”, em caso de inexistência do direito a pensões da Segurança Social, pelo que a interpretação da AT é incompatível com o previsto neste número, já que se os trabalhadores em causa não têm o direito a pensões para a segurança social, então o critério de só poderem ser tidas em conta as despesas à mesma sujeitas será inadequado.
Conclui assim a Requerente que não só a letra do número 2 do artigo 40.º do Código do IRC, como também a ratio e a inclusão sistemática da norma aí vertida determinam a improcedência da tese da AT nos Autos e conduzem à ilegalidade da correcção sustentada na esfera da Requerente, da B… e da D…, quer, na opinião da Requerente, será também contrária ao princípio da legalidade previsto no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa e, como tal inconstitucional.
Realça ainda a Requerente que o critério contabilístico na fixação do limite plasmado no número 2 do artigo 40.º do Código do IRC é o que se afigura mais seguro, previsível e pode ser facilmente determinado, sendo suficientemente claro ou explícito para que não se tenha de recorrer a qualquer outro, enquanto que a interpretação, que a Requerente qualifica como praeter legem, propugnada pela Administração fiscal conduziria a resultados que irremediavelmente iriam abalar os dois pilares fundamentais do sistema: a justiça e a segurança jurídica, pelo que, conclui a Requerente, os ajustamentos ora em discussão efectuados aos lucros tributáveis individuais da B…, da D…e da Requerente, deverão ser integralmente anulados e, consequentemente, anulada a liquidação adicional ao grupo em conformidade.
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c. Apreciação
A questão que ora se apresenta a resolver, é, exclusivamente, uma questão de Direito, e prende-se directamente com a interpretação dos n.ºs 2 e 3 do artigo 40.º do CIRC, na redacção à data aplicável aos factos, que dispunham que: “São igualmente considerados custos ou perdas do exercício, até ao limite de 15% das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício, os suportados com contratos de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como com contratos de seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício da reforma, pré-reforma, complemento de reforma, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa.”; e que “O limite estabelecido no número anterior é elevado para 25%, se os trabalhadores não tiverem direito a pensões de segurança social.”.
Antes de mais, diga-se que não se subscreve o entendimento propugnado pela AT, segundo o qual o artigo 40.º do CIRC se reporta a liberalidades que não seriam consideradas à luz dos artigos 23º e 24º do mesmo Código.
Com efeito, e salvo o devido respeito e melhor opinião, considera-se que o que está em causa nas previsões da norma em questão, não são liberalidades, mas formas alternativas de remuneração da prestação de trabalho. Ou seja: o espírito que preside à sua atribuição, não é um animus donandi (que, de resto, seria contraditório, tendo em conta o escopo lucrativo que é essencial à figura jurídica da sociedade comercial, forma sob a qual se incorporam a esmagadora maioria dos sujeitos passivos de IRC), mas – antes – uma vontade de remunerar o seu pessoal pelo trabalho que presta (se tal tipo de remuneração é, ou não, tributada em IRS, é questão distinta e autónoma da que ora se discute). Será inquestionável, em suma, julga-se, a existência de um sinalagma entre a prestação do trabalho pelo pessoal, e os “contratos de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como com contratos de seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício da reforma, pré-reforma, complemento de reforma, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa”. Tais regalias serão, notoriamente e por regra, percepcionadas por ambas as partes (empregador e pessoal) como um complemento da remuneração por si convencionada.
E será, justamente, esta natureza remuneratória, e não de liberalidade, conjugada com a dificuldade da sua tributação como rendimento na esfera dos beneficiários, que explicará a restrição no montante das despesas que são dedutíveis, restrição essa que se explicará não por um propósito de incentivar as empresas a realizar certo tipo de despesas, como aventa a AT, mas – antes – de as limitar.
Não se compreende, por outro lado, qual a relação entre a base de cálculo do regime geral obrigatório de segurança social, e a base de cálculo do limite das contribuições facultativas para os regimes de natureza complementar, estabelecida pela AT. Com efeito, uma coisa é a base de cálculo de uma contribuição; outra é a base de cálculo de um limite de contribuições; outra, ainda, é a base de cálculo de um limite à dedutibilidade fiscal de despesas com contribuições, que é o que está ora em causa, e que não se descortina que espécie de lógica comum partilhará com a primeira das situações enunciadas, em termos de impor uma relação de identidade.
Nada adianta no sentido sustentado pela Requerida, a circunstância de o legislador referir que tais despesas têm que ser escrituradas a título de “remunerações, ordenados ou salários”. Com efeito, se é verdade que, tratando-se de valores relativos a rendimentos do trabalho, o normal será que sobre os mesmos recaiam contribuições para a Segurança Social, não deixa de ser verdade também que as situações em que tal não acontece, se bem que não constituindo a regra, não serão elas próprias situações anormais nem, muito menos, patológicas, multiplicando-se nos regimes legais aplicáveis, por exemplo, quer as situações de isenção, quer as situações de exclusão, quer as situações de sujeição optativa.
Não se acolhe, também, o argumento esgrimido pela AT, segundo a qual o n.º 3 se explicaria pela necessidade de se acolher um limite superior, por razões de política fiscal e considerando uma maior utilidade social, caso os trabalhadores não tenham direito a pensões de segurança social. Com efeito, os trabalhadores que não tenham direito a pensões de segurança social, por princípio, serão aqueles que – justamente – estarão afastados da base contributiva para a segurança social, pelo que careceria de sentido que fosse com base nesta que se calculasse o limite à dedutibilidade dos gastos em causa.
Deste modo, não se vislumbra nenhum argumento que justifique qualquer desvio em relação ao sentido escrito da lei, considerando-se que se o legislador quisesse que a base de cálculo para o referido limite fosse o do conjunto de remunerações que serve de base de cálculo às contribuições para a segurança social, tê-lo-ia dito, em lugar de utilizar a expressão “despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício”.
Perfilha-se, deste modo a doutrina da jurisprudência arbitral citada pela Requerente[6], bem como do Ac. do TCA-Sul de 19-03-2015, proferido no processo 08248/14, onde se pode ler que:
“10. Sob a epígrafe “realizações de utilidade social” o legislador fiscal, no artº.40, do C.I.R.C. (actual art.º 43) elencou um conjunto de contribuições efectuadas pelas empresas, sociedades ou grupos económicos com o objectivo de beneficiar, indirecta e indiscriminadamente, os trabalhadores e, nalguns casos, também os seus familiares (pese embora a circunstância de haver sempre, pelo menos, indirectamente e de algum modo o benefício de familiares). Na redacção do respectivo preceito o legislador, através da consagração do regime de dedutibilidade ao lucro tributável, terá querido consagrar preocupações, de natureza extrafiscal, designadamente de melhoria da segurança social dos trabalhadores e familiares, igualmente ponderando a hipótese de haver trabalhadores sem direito a pensões da segurança social e a justificar assim a elevação para 25% do limite estabelecido no nº.2, do mesmo preceito (cfr.nº.3 da norma em exame). As despesas consagradas neste preceito são as registadas na contabilidade da empresa - à data, conta 64 do Plano Oficial de Contabilidade (POC).
11. Na definição que o legislador faz de "despesas de remunerações, ordenados ou salários", constante do artº.40, nº.2, do C.I.R.C., o mesmo procede à delimitação deste tipo de despesas por simples referência a que as mesmas sejam "escrituradas" a esse título (como remunerações, ordenados ou salários). Quer isto dizer que, relevantes para o efeito da norma em causa, mais concretamente para o cálculo do limite de 15% aí fixado, são as despesas com o pessoal que, em termos contabilísticos, devam ser escrituradas como remunerações, ordenados ou salários. Inexistindo na lei outro critério de distinção ou delimitação daquelas apontadas despesas. Trata-se de critério suficientemente claro ou explícito para cálculo do citado limite de 15%, o critério contabilístico, ou seja, o que resulta da escrituração ou inscrição contabilística dessas despesas com o pessoal. Assim, a interpretação admissível, porque a única que resulta de forma directa e aceitável da norma legal em causa é a de que as despesas aí referidas são as que assim devam ser registadas na contabilidade da empresa, independentemente do seu tratamento em sede de Segurança Social.”
Deste modo e pelo exposto, enfermando o acto tributário objecto da presente acção arbitral de erro nos pressupostos de direito, deverá, também na parte ora em causa, ser anulado.
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iv.
a. Posição da AT
Refere a AT desde logo, que não vislumbra como é que pode um custo estar justificado quando é apresentado um documento externo que o justifica como custo suportado por terceiro.
Prossegue, reafirmando que a dedutibilidade de certos custos prende-se com razões de vária ordem, designadamente, com exigências formais e de segurança jurídica, maxime o combate à fraude e evasão fiscal e deriva do princípio fundamental de que todo o registo contabilístico deve ter um apoio adequado, sendo que, nota a Requerida, o único documento externo que a requerente apresenta para justificar o custo está emitido em nome de um terceiro e, muito embora a B…, S.A. tenha assumido, legal e contratualmente, os encargos com os pensionistas da E… S.A., caberia a esta entidade emitir um documento apropriado – factura ou nota de débito - para repercutir sobre aquela sociedade os valores que lhe foram facturados pela U…, S.A., sob pena de inexistir possibilidade material de escrutínio dos gastos em causa, nomeadamente quanto à real natureza dos serviços prestados e dos correspondentes beneficiários (trabalhadores no activo, reformados ou familiares), ficando assim prejudicada a apreciação da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos e a manutenção da fonte produtora, nos termos do n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC.
Nota então a AT que a factura junta como Doc. 25 apenas apresenta um quantitativo identificado como de “Janeiro a Dezembro de 2004”, não contendo qualquer descritivo sobre o tipo de serviço prestado, pelo que, considera a Requerida sempre se colocaria a dúvida fundada de saber que tipo de serviços e quais os seus beneficiários, que titula tal factura.
Questiona também a Requerida como é que se pode entender a emissão da presente factura, dado que a mesma parece não configurar a entrega de contribuições para o financiamento da E… mas, tão-só, parece tratar-se de uma substituição no pagamento de uma factura emitida a esta E…, aventando que poderão estar em causa benefícios enquadráveis no conceito de realizações de utilidade social, cuja dedutibilidade deveria, então, ser apreciada não nos termos da alínea d) do n.º 1 do art.º 23.º mas, antes, do art.º 40.º, do Código do IRC.
Acrescenta ainda a Requerida que resulta incompreensível o que se afirma no art.º 67.º da PI, onde é dito que “o montante devido à U… foi suportado pela B…, tendo sido creditado àquela entidade no âmbito do contrato de cashpooling existente entre as empresas”, já que tal asserção acabará por suscitar a dúvida de saber se a factura emitida pela U… respeita a serviços efectivamente prestados ou a transferências de fundos no âmbito do contrato de cashpooling celebrado entre esta entidade e a B… .
Conclui, então a Requerida que, face a todas as dúvidas que suscita e reputa fundadas, estão correctas e conformes à lei as correcções efectuadas, porquanto não se pode considerar como custo indispensável à actividade, nos termos do nº 1 do art. 23º do CIRC, um suposto custo suportado por um único documento externo que é uma factura emitida a terceiro e da qual não consta sequer a descrição dos serviços facturados, pelo que o montante de €582.669,70 não está provado que foi efectivamente suportado pela B… .
Lembra ainda a Requerida que, para que um custo possa como tal ser qualificado, à luz do disposto no art. 23º do CIRC, impõe-se à AT inspeccionar se as despesas estão devidamente comprovadas e se as mesmas, estando-o, são indispensáveis à actividade do sujeito passivo, pelo que, no caso a falta de demonstração cabal sobre a natureza dos encargos e respectivos beneficiários dos serviços facturados pela U… à E…, S.A., cujo pagamento teria sido assegurado pela B…, mas sem que aquela E… lhe tivesse emitido o correspondente documento comprovativo do redébito das despesas, impedem que seja feita a apreciação da sua indispensabilidade, à luz do disposto no n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC, o que constitui fundamento legal suficiente para afastar a sua dedutibilidade para a determinação do lucro tributável da B… .
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b. Posição da Requerente
Lembrando que a AT pôs em causa a dedutibilidade do custo no valor de € 582.669,70, reflectido no doc. n.º 25 em anexo ao r.i., com base única e exclusivamente na sua não indispensabilidade para a actividade da B…, por aplicação do artigo 23.º do Código do IRC, e suscitando a questão de a referência feita pela AT à eventual aplicação do artigo 40.º do Código do IRC, não pode ser tida em consideração, já que não é de admitir a fundamentação a posteriori, apenas sendo de atender à fundamentação contextual, ou seja, aquela que se integra no próprio acto.
Relativamente à questão propriamente dita que se apresenta a resolver, entende a Requerente que o montante do custo cuja dedutibilidade foi recusada pela AT e que a Requerente aqui impugna é de € 582.669,70 e respeita a encargos da B… em resultado das obrigações legais e contratuais a que se encontra vinculada, concretamente ao encargo com cuidados de saúde suportado com os reformados e pensionistas da E…— pessoal dos FF… da Câmara Municipal do …—, o qual foi imposto à B... .
Nota a Requerente que, no que respeita à E…, os únicos encargos em causa reportam-se aos cuidados de saúde e complementos de reforma que já eram por esta suportados a favor dos seus pensionistas e reformados e passaram a ter de ser assegurados pela B… e que foi por estes encargos que ficou a B… responsável e obrigada a suportar nos termos do contrato de concessão celebrado com a Câmara Municipal do … .
Uma vez que, alega a Requerente, no seio do Grupo CC…, é a U… que presta cuidados de saúde aos trabalhadores do grupo e seus reformados, nos termos acima mencionados, passou a fazê-lo igualmente para os reformados e pensionistas da E…, pelo que os reformados e pensionistas da E… , sempre que precisam de determinados serviços de saúde dirigem-se aos serviços da U…, sociedade esta que posteriormente imputa os custos dos mesmos à B…, mais alegando que foi de acordo com este procedimento que foi emitida a factura junta ao r.i. como parte integrante do doc. n.º 25, ou seja pela mesma foram facturados os serviços relacionados com cuidados de saúde prestados aos reformados e pensionistas da E…, sendo que o facto de ter sido incluída na mesma a referência à E… terá resultado de simples lapso, lembrando que a primeira testemunha ouvida pelo Tribunal Arbitral referiu que a morada aposta é de uma representação da B… no…, e não da E… .
Considera ainda a Requerente, que ficou provado neste processo que foi a B… que suportou o custo em causa, concretizando o pagamento do montante fixado na relevante factura à U…, e sustenta que na aferição da indispensabilidade e, por isso, da dedutibilidade de um custo à AT cabe analisar a existência de “tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, directa ou indirectamente, à obtenção de lucros”, louvando-se em jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e em doutrina nacional.
Conclui então a Requerente que o custo suportado com serviços médicos prestados aos pensionistas e reformados da E…, aos quais a B… se encontra obrigada por efeito do contrato de concessão celebrado com a Câmara Municipal do … nos termos confirmados pela jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, têm racionalidade empresarial, sendo concretizados no interesse da B…, pelo que a indispensabilidade dos encargos em apreço é inquestionável face ao disposto no número 1 do artigo 23.º do Código do IRC por estarem em causa encargos impostos à B… em resultado da Lei e de contrato de concessão e constituem custos efectivamente suportados, cuja natureza e beneficiários são claramente identificáveis e que estão directamente relacionados com a actividade da empresa.
Refere também a Requerente que no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de … de Julho de 2007, proferido no recurso n.º …/06, em processo em que se discutia a dedutibilidade de custos com serviços médicos, prestados precisamente pela U… aos funcionários e pensionistas do Grupo CC…, e facturados às várias sociedades do Grupo, se afirmou que “atenta a finalidade das despesas em questão e, muito particularmente, à sua consagração em ACT — o que, necessariamente e em face dos respectivos beneficiários, significa o corresponder a uma exigência da parte dos trabalhadores —, se tem de ter, por princípio, por preenchido [o requisito da indispensabilidade vertido no artigo 23.º do Código do IRC]”, pelo que, sob o ponto de vista da Requerente, não pode, sob pena de evidente violação do disposto no artigo 23.º do Código do IRC, a correcção em causa subsistir, devendo, nessa medida, a liquidação adicional de IRC, na parte em que a materializou, ser anulada por ilegal.
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c. Apreciação
O que está em causa nas correcções contestadas no presente ponto, reconduz-se, essencialmente, a uma questão de “documentação” de custos. Ou seja, e em suma, a AT considera não estar devidamente comprovado o custo em questão.
Face à matéria de facto dada como provada, não se pode, todavia, ratificar o entendimento da Requerida.
Com efeito, e desde logo, quanto à interrogação sobre como é que pode um custo estar justificado quando é apresentado um documento externo que o justifica como custo suportado por terceiro, não se poderá deixar de ter presente que o princípio da não aceitabilidade dos encargos não devidamente documentados, corporizado na alínea g) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC aplicável, tem sido compreendido pela jurisprudência de forma não absoluta, acolhendo-se antes o seu lado funcional ou instrumental em relação à exigência da comprovada indispensabilidade dos gastos.
Nesta linha, tem-se entendido que a insuficiente (aquém da forma devida) documentação de um gasto, de per si, não acarreta a sua inaceitabilidade para efeitos da determinação do lucro tributável sujeito a IRC, considerando-se que “Em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23º, nº1, e 42º, nº 1, alínea g), do CIRC, não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA, uma vez que a exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova.”[7], bem como que “VIII) -Mas na eventualidade de se provar que a recorrente efectuou o pagamento de serviços efectivamente realizados e indispensáveis para a obtenção de proveitos, tem de aceitar-se que os respectivos custos não estão documentados por aquelas facturas, mas sim provados por outro meio admissível, nomeadamente através da prova testemunhal.
IX) -Assim, a ineficácia probatória da escrituração não impede o seu suprimento por outros meios de prova admitidos em direito e adequados a fundamentar a justeza do lançamento pela comprovação da operação comercial subjacente ao deficiente registo ou suporte documental desse registo contabilístico.”[8].
Coerentemente, aceita-se que “Nas despesas indocumentadas ou insuficientemente documentadas recai sobre o contribuinte o ónus de comprovar o respectivo custo, como lhe impõe o art. 23º do CIRC, pela demonstração de que as operações se realizaram efectivamente, sendo-lhe possível para o efeito recorrer a outros meios de prova (designadamente a meios complementares de prova documental e prova testemunhal) para o demonstrar e convencer da bondade do correspondente lançamento contabilístico e da ilegalidade da correcção que a A.Fiscal tenha levado a efeito por virtude dessa falta ou insuficiente documentação.”[9].
Isto porquanto “É no conceito de indispensabilidade ínsito no art.º 23º do CIRC que radica a questão essencial da consideração fiscal dos custos empresariais e que assenta o a distinção fundamental entre o custo efectivamente incorrido no interesse colectivo da empresa e o que pode resultar apenas do interesse individual do sócio, de um grupo de sócios ou do seu conjunto e que não pode, por isso, ser considerado custo.”[10].
Tem-se entendido, assim, que, não obstante a ausência ou insuficiência da documentação formalmente exigida, não fica o contribuinte vedado de, por qualquer meio probatório admissível[11], demonstrar a existência e imprescindibilidade do gasto – esta sim, conditio sine qua non da sua relevância para a determinação do respectivo lucro tributável – inclusive em fase de recurso[12].
Deste modo, a circunstância de existir, como aponta a AT um documento externo que o justifica como custo cobrado a terceiro (e não suportado, já que a factura não demonstra o pagamento), não obsta, em sede de IRC (em sede de IVA a resposta seria distinta, dada a essencialidade de que a factura se revesta na mecânica própria desse imposto), à justificação do custo, por meio de outros meios de prova, como aconteceu nos presentes autos.
E, se é certo que a dedutibilidade de certos custos prende-se com com exigências formais e de segurança jurídica, máxime o combate à fraude e evasão fiscal e deriva do princípio fundamental de que todo o registo contabilístico deve ter um apoio adequado, o certo é que tais exigências não se revestem de natureza absoluta e, como a jurisprudência citada dá conta, comportam margem para, em homenagem, para além do mais, aos princípios da justiça e verdade material, bem como, e sobretudo, da tributação pelo rendimento real, se atenderem ao outros meios de prova, concretamente idóneos a dissipar as dúvidas que, especificamente, se coloquem, não derivando daí, pelo contrário, qualquer impossibilidade material de escrutínio dos gastos em causa, nomeadamente quanto à real natureza dos serviços prestados e dos correspondentes beneficiários (trabalhadores no activo, reformados ou familiares), já que, em caso algum, o alargamento dos meios probatórios permitidos poderá redundar numa impossibilidade de escrutínio (a restrição de tais meios, essa sim, poderá impossibilitar o devido escrutínio da realidade dos factos).
Também a circunstância de que a factura junta apenas apresenta um quantitativo identificado como de “Janeiro a Dezembro de 2004”, não contendo qualquer descritivo sobre o tipo de serviço prestado, não constituirá qualquer óbice à consideração do custo em sede de IRC (em sede de IVA, como se referiu já, a questão teria de equacionar-se em termos distintos), desde que – como é o caso – a prova adicional produzida seja idónea a demonstrar a sua realização, o beneficiário do mesmo, e a finalidade que lhe presidiu.
Não pode acolher-se, também, a possibilidade de estarem em causa benefícios enquadráveis no conceito de realizações de utilidade social, cuja dedutibilidade deveria, então, ser apreciada não nos termos da alínea d) do n.º 1 do art.º 23.º mas, antes, do art.º 40.º, do Código do IRC, uma vez que, como decorre também da matéria de facto, a despesa em questão corresponde a uma obrigação legal da B…, decorrente do contrato de concessão de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão celebrado entre a A… e a Câmara Municipal do…, pelo que, na realidade, se trata de um custo, contrapartida daquele contrato, e não das prestações de trabalho de pessoal seu. Acresce, ainda, que o art.º 40.º, do Código do IRC refere-se a custos “a favor dos trabalhadores da empresa”, e, no caso, os beneficiários da CM… nunca foram trabalhadores da B…, podendo inclusive não ter sido sequer trabalhadores dos FF…do … (podendo ser, por exemplo, familiares daqueles com direito a alguma pensão).
Assim, se é certo que, para que um custo possa como tal ser qualificado, à luz do disposto no art. 23º do CIRC, impõe-se à AT inspeccionar se as despesas estão devidamente comprovadas e se as mesmas, estando-o, são indispensáveis à actividade do sujeito passivo, menos certo não é que a inspecção não tem, não deve, nem pode limitar-se a um mero exame documental, desatendendo a outros meios de prova, não proibidos por lei, e susceptíveis de dissipar as dúvidas que, no caso, a documentação apresentada possa suscitar.
Assim, encontrando-se provado, para além do mais, que:
- O custo em causa respeita a serviços de medicina assistencial facturados pela U…, S.A. (“U…”) e prestados aos reformados e pensionistas da E… em 2004, da responsabilidade da B…; e que
- Os serviços de saúde prestados pela U… aos reformados e pensionistas da E… reflectidos na factura em apreço, no valor de € 582.669,70, foram pagos pela B… àquela primeira sociedade;
deverá considerar-se que, na parte ora em apreciação, o acto tributário objecto da presente acção arbitral enferma de erro nos pressupostos de facto, devendo, como tal, ser, nessa mesma parte, anulado.
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v.
a. Posição da AT
Nota desde logo a Requerida que, quer em sede de procedimento inspectivo quer em sede dos procedimentos administrativos subsequentes, reclamação graciosa e recurso hierárquico, a Requerente não apresentou suporte documental válido, que especificasse a natureza, origem e finalidade das despesas contabilizadas, e que só agora pretende comprovar o montante de 752.675,87€, apresentando documentos justificativos da despesa incorrida, sem provar a sua superveniência, quando o podia ter feito não só em sede de procedimento inspectivo, mas também em sede de procedimento administrativo de reclamação e de recurso hierárquico.
Acrescenta a AT que nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 74º da LGT, o ónus de prova recai sobre quem invoque o direito e, neste caso, ao inscrever um valor o ónus de prova de que aquele valor resulta do cálculo daquelas parcelas e não de outras recairá sobre quem invoque o direito ao custo, louvando-se no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27/03/2012, respeitante ao processo 5312/12.
Acrescenta ainda a Requerida que, quanto aos meios de prova, os documentos comprovativos e justificativos dos custos para efeitos dos artigos 23º e 40º do CIRC, e embora não tenham que assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA, será indispensável que tenham a natureza de um documento externo, citando a este propósito o Ac. do STA de 05/07/12, proferido no processo 0658/11, pelo que a inexistência de documento externo exigido para determinada operação afecta o valor probatório da contabilidade e que tal falta não pode ser suprida pela apresentação de um documento interno, pelo que, continua a considerar que tais supostas despesas não se encontram devidamente documentadas e provadas.
Relativamente à violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade invocados pela Requerente, remete a Requerida para o referido Acórdão do STA de 05/07/12, e conclui que não pode a requerente invocar a violação de tal princípio quando sabe, perfeitamente, que a consideração das despesas como não documentadas se deveu ao incumprimento das normas fiscais de possuir contabilidade organizada, de observância de um rigoroso procedimento organizativo de contabilidade que se deve apoiar, designadamente, em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário.
Acrescenta ainda a Requerida que, tendo em conta que as despesas referentes ao “redébito” de prémios de seguros se referem a ajustamentos que vão de 2001 a 2004, os mesmos também não passam pelo crivo do princípio da especialização de exercícios e do artigo 18º do CIRC, de onde estarão correctas e conformes à lei as correcções efectuadas pela AT.
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b. Posição da Requerente
Essencialmente, alega a Requerente, relativamente a este ponto, que no caso dos custos registados pela B…, em montante de 752.675,87€, estaremos face a encargos relacionados com prémios de seguro de acidentes pessoais dos seus trabalhadores que, por lapso, não tinham sido anteriormente contabilizados para efeitos contabilísticos e fiscais, devido a erro no registo das taxas de prémios de seguro que tinham sido negociadas e encontravam-se a ser pagas pelo Grupo CC… com referência à B… e aos seus trabalhadores, erro esse que seria explicado pelo facto de a B… ter para 2001 alterado o seu software de gestão empresarial, o que determinou a alteração da designação ou da numeração das contas do POC, assim como implicou a modificação de procedimentos e rotinas informáticas, alterações que terão conduzido a que não se tivesse procedido à actualização devida da taxa que tinha sido negociada naqueles anos para os seguros de acidentes pessoais na parte respeitante ao capital seguro da B… . Assim, na medida em que, segundo a Requerente, as taxas de 2001, 2002 e 2003 foram superiores às que se tinham verificado nos anos anteriores, a B… registou contabilisticamente e, por isso, relevou fiscalmente naqueles anos um valor de custo com seguros de acidentes pessoais inferior ao real, sendo que quando, em 2004, este lapso foi detectado, terá sido corrigido procedendo-se ao registo e contabilização de tais custos.
Considera a Requerente que tal contabilização efectuada em 2004 encontra-se documentada, quer na factura original emitida pelo corrector de seguros, quer no reflexo dos movimentos efectuados para a repartição pelas várias sociedades dos Grupo CC… dos custos respectivos, quer na demonstração daquela contabilização e dos termos em que esta foi concretizada, sendo tudo isto corroborado pelo depoimento da segunda testemunha ouvida pelo Tribunal, KK… .
Realça a Requerente que a factura original do corretor de seguros foi emitida em seu nome, mas respeita a todas as sociedades do Grupo, uma vez que, segundo alega, esta centralização permite obter poupança relevante nas taxas dos prémios de seguros que são fixadas pelas seguradoras, e tal será comummente feito nos grupos de sociedades, e notando ainda a Requerente que a taxa aplicável e negociada para os seguros de acidentes pessoais seria aplicada ao capital seguro que, por sua vez, estaria directamente relacionado com a massa salarial do Grupo, sendo que, internamente para determinar quanto é que cada sociedade do Grupo devia suportar e pagar era feita incidir a mesma taxa sobre o capital seguro — massa salarial — de cada uma delas.
Alega também a Requerente que não se verificou uma qualquer omissão voluntária e intencional, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios, tanto mais que a B… apurou lucro tributável em todos os períodos de referência, ou seja de 2001 a 2004, e que ocorreu apenas um lapso informático que se reflectiu no registo contabilístico do relevante custo, com prejuízo para a sociedade, sem que ocorra qualquer violação do princípio da especialização de exercícios, tal como este princípio se encontra vertido no artigo 18.º do Código do IRC, na medida em que, se o mesmo se traduz na consideração, como custo de determinado exercício, dos encargos que economicamente lhe sejam imputáveis, para a Requerente não porá em causa tal princípio a imputação, a um exercício, de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios, louvando-se, a este respeito, no princípio da justiça, consagrado nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP, e 50.º da LGT e no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25 de Junho de 2008, proferido no processo n.º 0291/08, pelo que, na perspectiva da Requerente, só em clara violação do princípio da justiça e do princípio da proporcionalidade se poderia negar a dedutibilidade dos custos que entende comprovados e suportados pela B… .
Para além de tudo isto, entende a Requerente que a AT nunca pôs em causa ao longo de todo o procedimento e inclusive na sua Resposta que estes tenham sido custos efectivamente suportados pela B…, o que deve por isso ser considerado plenamente assente.
Relativamente ao custo de 26.700,32€, relativo à B…, igualmente tido por não documentado pela AT, afirma a Requerente que se reporta a encargos atinentes ao serviço “GG…Frota”, alocados à B… tal como resulta da factura e do detalhe juntos já em sede inspectiva, realçando que a AT só negou a dedutibilidade, por alegadamente comprovado, de parte do valor suportado pela B… com o serviço “GG… Frota”, especificamente, de uma parcela daquele custo que foi imputada a um determinado “centro de custos”, sendo que o custo com o serviço “GG… Frota” incorrido pela B… foi muito superior a 26.700,32€, valor cuja dedutibilidade foi negada pela AT, não havendo, na perspectiva da Requerente qualquer razão para destacar o dito montante da aludida nota, já que no que respeita ao remanescente do custo com o serviço “GG… Frota”, vertente também da factura junta pela Requerente, a AT nada disse e nada contestou, pelo que se a AT concluiu que o custo com o serviço “GG…Frota” se encontrava documentado e se o documento relevante se consubstancia na factura em apreço, a qual inclui o valor de 26.700,32€, então não compreende nem aceita a Requerente, que a AT negue a dedutibilidade deste valor com base na sua não documentação.
Já no que concerne às despesas, no valor de 41.857,01€, que a Requerente alega suportadas pela D…, considera aquela que os anexos ao seu Requerimento Inicial permitem fazer o cruzamento entre a despesa cuja dedutibilidade foi negada pela AT e o documento comprovativo correspondente, clarificando ainda que relativamente à despesa de 1.093,00€, o seu registo teve um resultado nulo por ter sido seguido de registo em sinal contrário, por tal custo não se ter chegado a concretizar na medida em que se reportou a fornecimento que foi cancelado.
Conclui, desta forma, a Requerente, que os ajustamentos ora em discussão efectuados aos lucros tributáveis individuais da B… e D…, com referência às despesas não documentadas nos montantes acima referidos, deverão ser anulados e, consequentemente, corrigida a liquidação adicional ao grupo em conformidade bem como a tributação autónoma que sobre os mesmos fez a AT incidir com base na mesma não documentação.
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c. Apreciação
Nesta sede está em causa a apreciação da desconsideração de gastos pela AT, por as ter considerado como não documentadas, nos termos do artigo 42.º/1/g) do CIRC na redacção aplicável, e a sua tributação autónoma, nos termos do artigo 81.º/1 do mesmo diploma.
O regime de tributação autónoma das “despesas não documentadas”, intersecciona-se, por força das opções terminológicas do legislador fiscal (e não só), com o regime da aceitabilidade dos encargos para efeitos da determinação do lucro tributável em sede de IRC, tal como resulta, essencialmente, dos artigos 23.º e 42.º/1/g) do CIRC aplicável aos factos tributários sub iudice.
Efectivamente, a tributação das empresas pelo seu lucro real postula que concorram exclusivamente para a determinação do seu lucro tributável os gastos comprovadamente indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Desta exigência fundamental de comprovabilidade da indispensabilidade dos custos aceitáveis decorre o princípio da não aceitabilidade dos encargos não devidamente documentados, corporizado na alínea g) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC aplicável.
Este último princípio, todavia, tem sido compreendido pela jurisprudência de forma não absoluta, acolhendo-se antes o seu lado funcional ou instrumental em relação à referida exigência da comprovada indispensabilidade dos gastos.
Nesta linha, tem-se entendido que a insuficiente (aquém da forma devida) documentação de um gasto, de per si, não acarreta a sua inaceitabilidade para efeitos da determinação do lucro tributável sujeito a IRC, conforme jurisprudência citada na abordagem do ponto anterior.
Tem igualmente a jurisprudência entendido que “Despesas não documentadas são aquelas que não têm qualquer suporte documental a nível contabilístico. Por sua vez, as despesas não devidamente documentadas serão aquelas cujo suporte documental não obedece aos requisitos legalmente exigidos, embora permita identificar os beneficiários e a natureza da operação.”[13].
Efetivamente, na senda da evolução histórica do respectivo regime, considera-se que “as expressões despesas confidenciais e despesas não documentadas têm "um alcance equivalente"”[14], considerando-se que “as despesas são de natureza confidencial ou não documentadas (...) nos casos em que não é possível identificar os reais beneficiários das mesmas.”[15].
Também o Prof. Saldanha Sanches, no seu trabalho “Custos mal documentados e custos não documentados”[16] referia que:
“O que quer dizer que temos aqui um conjunto de requisitos de natureza formal que tem como objectivo permitir o controlo de todas as operações apontando para uma economia do esforço administrativo: se a factura não contiver todos aqueles elementos não apenas será mais difícil comprovar a verdade da declaração, como podem faltar à Administração fiscal elementos sobre a necessária contraprova.”
E, mais adiante[17]:
“Em termos mais gerais e indo para além da factura, trata-se sempre de proceder a uma avaliação sobre o dano, o grau de prejuízo que a violação de um dever de cooperação provocou para a determinação administrativa ou comercial dos factos fiscalmente relevantes. (...)
O ponto essencial é que o fim da formalidade exigida por lei é evitar a fraude fiscal (...)”.
Concluindo, então[18]:
“Que as regras de natureza formal que implicam a documentação dos custos devem ser interpretadas em atenção aos fins para que foram criadas - permitindo mesmo que o lançamento de uma despesa com um "documento interno" se tal se mostrar justificado - parece-nos questão incontroversa.
Que o princípio contabilístico da especialização de exercício, como todos os demais princípios contabilísticos há-de ter uma interpretação conforme com a constituição, também.
Em ambos os casos deverá prevalecer o princípio da tributação segundo o lucro real.
Mas quando é que este princípio cede perante os fins sancionatórios que são um componente básico do ordenamento jurídico-tributário?
Parece-nos que isso deverá acontecer quando a não-documentação da despesa resulta da intenção da empresa de conservar uma certa despesa oculta: nalguns casos por dificuldades objectivas.
Como sucede por exemplo com uma empresa de construção que recorre aos serviços de um empreiteiro que resiste à passagem de documentos ou que contrata empregados em situação irregular.” (sublinhado nosso).
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Posto isto, e voltando para a situação sub iudice, e compulsada a matéria de facto dada como provada e não provada, apura-se que:
- aquando da imputação inicialmente feita à B… dos prémios de seguro de acidentes pessoais dos respectivos trabalhadores, registou-se:
o em 2002 o valor de 341.622,96€ em vez do montante de 505.095,87€, realmente pago ao corrector de seguros pelo Grupo CC… com referência à quota-parte da B…;
o em 2003 o valor de 344.543,56€ em vez do montante de 516.134,73€, verdadeiramente pago ao corrector de seguros pelo Grupo CC… com referência à quotaparte da B… .
- Assim, nos anos de 2002 e 2003, os valores de 163.472,91€ e de 171.591,56€, respectivamente, efectivamente suportados pelo Grupo CC… com seguros de acidentes pessoais dos trabalhadores da B… não foi registado na contabilidade das empresas do Grupo a qualquer título.
- A Requerente apenas registou na sua contabilidade e deduziu os custos com os prémios de seguro dos seus trabalhadores, tendo redebitado os restantes valores às respectivas sociedades; porém esse redébito não foi correcta e atempadamente registado na B…, pelo que o respectivo valor não foi fiscalmente considerado nem pela Requerente, nem pela B… .
- Tendo sido, em 2004, detectada a situação, a Requerente procedeu à sua rectificação contabilística e, em consequência, à dedução fiscal daqueles custos, que valorizou, incluindo 417.611,40€ reportados ao ano de 2001, num total de 752.675,87€, para feitos de apuramento da matéria colectável da B… .
- Quanto ao custo de 26.700,32€ igualmente tido por não documentado pela AT, reporta-se a encargos atinentes ao serviço “GG… Frota”, alocados a um dos centros de custos d B… .
Deste modo, cumprido o ónus probatório que impendia sobre a Requerente, haverá que anular, na parte correspondente, o acto tributário objecto da presente acção arbitral.
Do elenco fáctico acima apurado, verifica-se da mesma forma que não se logrou provar que:
- Aquando da imputação inicialmente feita à B… dos prémios de seguro de acidentes pessoais dos respectivos trabalhadores, registou-se, em 2001, o valor de 117.080,10€ em vez do montante de 534.691,50€, efectivamente pago ao corrector de seguros pelo Grupo CC… com referência à quota-parte da B… .
- Em 2001, o montante de 417.611,40€ efectivamente suportado pelo Grupo CC… com seguros de acidentes pessoais dos trabalhadores da B… não foi registado na contabilidade das empresas do Grupo a qualquer título.
- Outro dos custos cuja dedutibilidade foi negada à D… pela AT por não documentado, em montante de 1.093,00€, decorreu de uma encomenda de material que não se concretizou, pelo que foi anulado mediante operação contabilística de sinal contrário.
Face a tal matéria fáctica, em obediência ao quanto anteriormente se expôs, deverá, na parte correspondente, ser mantido o acto tributário em crise.
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vi.
a. Posição da AT
Nesta matéria, começa a AT por notar que, de acordo com o nº 3 do art. 28º do CIRC, na redacção em vigor em 2004, e da alínea a) do nº 2 do art. 1º do Decreto Regulamentar nº 2/90 os elementos do activo imobilizado consideram-se sujeitos a deperecimento depois da sua entrada em funcionamento, e que o nº 4 do art. 3º do mesmo Decreto Regulamentar estabelece que os períodos mínimo e máximo de vida útil contam-se a partir da data da entrada em funcionamento dos bens, pelo que, se os bens já se encontravam a ser utilizados, deveriam ter sido registadas as correspondentes quotas anuais de reintegração e amortização, pelo que a contabilização, em 2004, das quotas de reintegração dos bens relativas aos anos decorridos desde a data em que entraram em funcionamento implica a sua não aceitação como custo, louvando este seu entendimento na
informação nº …-A.J.T 2010, de 9/7/10.
Prossegue, a Requerida, indicando que no caso sob análise, a regra do então artigo 18.º do CIRC não foi observada, porquanto se procedeu à contabilização, em 2004, de forma agregada, das reintegrações relativas ao período compreendido entre os anos (entre 1981 e 1988) da entrada em funcionamento dos bens e aquele exercício, o que teve como consequência que ao resultado do exercício de 2004 foram imputadas as reintegrações que representavam entre 31,53% e 38,19% dos respectivos valores, ultrapassando manifestamente as taxas legalmente previstas para os bens em causa e, como tal, não são aceites como custos dedutíveis, por força da alínea c) do n.º 1 do art.º 33.º do Código do IRC.
Acrescenta a AT que, no seu entendimento, mesmo na ausência de um acerto definitivo sobre a repartição dos custos e sobre a propriedade dos bens, que só ficou definitivamente assente em 2014, se estes já se encontravam ao serviço da empresa deveriam ter sido contabilizadas as reintegrações e amortizações desde o ano da sua entrada em funcionamento e, mesmo que a posteriori, fosse necessário proceder a alguns ajustamentos e que ao proceder-se desta forma, foi inviabilizada a aceitação da dedução fiscal dessas reintegrações por inexistir norma legal que o permita, pelo que, conclui, a pretensão da requerente de anulação do montante de 7.307.115,60€, decorrente de um acerto de contas, quanto a bens já em utilização desde 1979, esbarra no princípio da especialização dos exercícios, invocando, a este propósito, o Ac. do STA, de 05/07/12, proferido no Processo nº 0658/11.
Já quanto ao ao pedido subsidiário formulado pela Requerente nesta matéria, diz a Requerida que, quanto ao montante de 4.586.315,87€ inscrito na rubrica…, subsídios ao investimento, a AT de acordo com a contabilidade analisada concluiu que não era possível validar que o valor do subsídio esteja associado aos mesmos bens que suscitaram as correcções, e que a desconsideração do proveito só seria legalmente possível se fosse possível estabelecer uma conexão inequívoca entre as reintegrações dos bens abrangidos pela correcção e o montante das comparticipações tratadas como subsídios não destinados à exploração, acrescentando que, também aqui, o mesmo princípio da especialização dos exercícios obstaria a tal regularização.
Pronunciando-se já quanto à violação do princípio da tributação pelo rendimento real, entende a AT que o mesmo, tal como o da justiça, segundo o mesmo Acórdão do STA citado atrás, “não pode dar cobertura a situações como a dos autos e que o interesse público da prevenção e combate da evasão fiscal, subjacente à prevenção da manipulação do princípio da especialização dos exercícios, deve prevalecer sobre o princípio da tributação pelo rendimento real.”.
Conclui, assim que se encontram correctas e conformes à lei as correcções efectuadas pela AT que corrigiram as reintegrações por a requerente ter utilizado, em 2004, taxas superiores às previstas na lei.
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b. Posição da Requerente
Começa a Requerente por salientar, a este propósito, que aquando da entrada em funcionamento dos bens dos aproveitamentos hidráulicos de fins múltiplos, a A… começou a amortizar o valor do investimento relativo à percentagem de 50% que inicialmente havia estimado vir a ser-lhe afecta, ou seja, a A… considerou que, na falta de um acordo entre esta e o Estado, primeiro com a DGRAH, depois com o INAG, sobre a fixação das percentagens do investimento e bens que se deviam considerar afectos e não afectos à actividade de produção de energia eléctrica, seria razoável estabelecer uma percentagem de 50%, assumindo a necessidade de acertos no momento em que aquelas viessem a ser firmadas, pelo que, em conformidade, apenas os bens que foram considerados afectos à actividade de produção de energia eléctrica foram amortizados nos termos normais, ou seja, só 50% dos bens dos aproveitamentos hidráulicos de fins múltiplos em apreço foram amortizados, e só após a celebração do protocolo de acerto de contas, em 2003 (e que somente em 2014 veio a esgotar os seus efeitos), com a definição das percentagens definitivas de alocação dos empreendimentos entre as partes e o valor a pagar, passaram a estar reunidas as condições, quer para amortizar a percentagem do valor dos bens que até ao momento haviam sido considerados como não afectos, quer para relevar em resultados (proveito) a parte proporcional das comparticipações associadas aos mesmos.
Contrapõe a Requerente que a adopção de um procedimento distinto, conforme decorre do entendimento defendido pela AT, ter-se-ia revelado favorável à Requerente (e prejudicial ao Estado), uma vez que lhe teria permitido antecipar um custo fiscal para exercícios mais recuados, efeito acentuado pela descida da taxa de imposto ao longo do período em causa, explicando que a A… não adoptou aquele procedimento distinto porque, no seu entender, não podia unilateralmente (sem o acordo do Estado, sem o aval da DGRAH ou depois do INAG), determinar a repartição do investimento e dos bens dos aproveitamentos hidráulicos de fins múltiplos.
Refere ainda a Requerente não ser verdade que, como refere a AT no indeferimento em crise, em 1988 já se encontrassem terminadas todas as obras e que, por isso, a A…“sabia, com elevado grau de precisão quais os montantes suportados por si com as referidas obras, pelo que, desde essa data, podia ter efectuado os cálculos relativos às reintegrações que se mostram devidas”, dado não ser verdade que em 1988 já estavam terminadas todas as obras, uma vez que no caso do aproveitamento do ... as obras de construção continuaram muito depois de 1988 e, mesmo quanto aos restantes aproveitamentos, foram sempre desenvolvidas obras de modernização, e dado que o que levantava dúvidas era, não o que a A… efectivamente suportou, mas sim saber quanto é que a A… devia ter gasto, ou seja, qual o investimento a imputar à produção de energia eléctrica e, por isso, à A…, e qual o investimento a imputar aos restantes fins dos aproveitamentos e, nessa medida, ao Estado, tendo sido essas as percentagens de imputação, que só se firmaram em 2003.
Sublinha ainda a Requerente que os custos foram na esmagadora maioria das situações inicialmente suportados pela A…, sendo que o Estado fazia entregas esporádicas de fundos quando para tal tinha disponibilidade financeira e de tesouraria, e que se a Requerente tivesse em 1988 procedido à amortização dos bens que reflectiam o seu investimento à data, provavelmente teria alcançado um resultado que muito pouco teria a ver com o atingido aquando da assinatura do protocolo.
Acrescenta ainda que se a A… tivesse desde logo procedido nos termos pretendidos pela AT, não só não evitaria com toda a certeza a necessidade de efectuar acertos nos termos já expostos, como estaria mesmo, aquando da efectivação do Protocolo, na situação exactamente inversa, ou seja de ter amortizado bens afectos definitivamente nessa data a outros fins que não a produção de energia eléctrica, questionando a Requerente se nesse caso não seria a AT a primeira a querer que a A… procedesse às correcções necessárias.
Dizendo-se surpreendida pelo argumento da AT no sentido de não poder concordar com a Requerente na atribuição de relevância, como momento-chave, ao protocolo celebrado com o INAG em 2003 por não estar demonstrado que aquelas foram as percentagens definitivas, a Requerente nota ter a AT sustentado que logo em 1988 a A… teria dados suficientes para proceder às amortizações e regularizações devidas.
Alvitra a Requerente que a AT parece confundir o que foi a cada momento investido pela A… e pelo Estado e o que se fixou devia ser o investimento imputável a cada um, dizendo serem duas perspectivas totalmente distintas, que só a última releva in casu e que esta só se consolidou na ordem jurídica em 2003 e só pôde ser reflectida contabilisticamente, considerando a complexidade das operações necessárias, em 2004.
Diz ainda a Requerente que, se a AT não põe em causa quer os investimentos efectuados pela A… quer os critérios de repartição da sua imputação com o INAG, então, não pode deixar de reconhecer a dedutibilidade dos custos associados, pois unicamente assim haverá tributação pelo lucro real, alegando que no que tange às correcções já apreciadas, também aqui e mediante o procedimento adoptado pela A…, esta não procedeu, ou sequer se teve a intenção de o fazer, a qualquer transferência artificial de custos, antes pelo contrário, chamando aqui a Requerente à colação o decidido no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 5 de Março de 2015, proferido no processo n.º 03108/09, e no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 8 de Janeiro de 2015, proferido no processo n.º 03804/10.
Conclui, por todo o exposto, a Requerente que a correcção ora em causa não pode subsistir por ilegal, na medida em que a D… não concretizou qualquer amortização pela aplicação de taxas de amortização superiores às previstas, mas sim procedeu ao registo, imediatamente quando tal o foi possível, de amortizações que não tinha podido fazer pela incerteza associado a todo este processo.
Subsidiariamente, a Requerente entende que, resultando o custo corrigido pela AT (no montante de 7.307.115,60€) e parte substancial do proveito reconhecido pela Requerente em 2004 (4.375.009,39€ dos 4.586.315,86€ reconhecidos) da mesma operação de regularização de reintegrações referentes aos investimentos realizados em parceria com o Estado Português, a AT não pode censurar o primeiro e branquear o segundo, entendendo que ficou demonstrado que ao considerar incorrecta a regularização efectuada pela Requerente para efeitos da desconsideração do custo com reintegrações apurado, a AT deveria imperativamente considerá-la igualmente incorrecta para efeitos do proveito reconhecido, desconsiderando ambos, custo e proveito, e não só o primeiro, pelo que a manter-se o entendimento explicitado no relatório de inspecção, a correcção em causa deverá traduzir também a desconsideração do proveito de 4.375.009,39€, apurado em virtude da operação de regularizações motivada pelo protocolo de acerto de contas, pelo que a correcção final não poderá exceder 2.932.106,21€ sob pena de violação do princípio da tributação do rendimento real, preconizado no número 2 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa.
Diz a Requerente, por último, sobre esta matéria, que importará não esquecer que muito embora a Requerente seja uma entidade que presta um serviço público, é também uma entidade privada sujeita exactamente às mesmas regras jurídicas que as restantes sociedades comerciais não podendo, consequentemente, ser sacrificada a todos os títulos, ou seja, ser tributada pelos subsídios recebidos como as restantes sociedades comerciais mas sem poder reconhecer os custos dos investimentos que realizou no âmbito da sua actividade e que, ainda para mais, não só foram efectuados no benefício da população em geral, como decorreram do acordo do próprio Estado que, agora, pela mão da Administração fiscal, não quer reconhecer o custo que pediu à Requerente para incorrer.
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c. Apreciação
A situação ora em apreço, tal como resulta da matéria de facto acima fixada, reveste-se de contornos simples, e pode ser descrita, sumariamente, da seguinte forma:
- a Requerente durante vários anos foi executando obras, em acordo com o Estado, destinadas a aproveitamentos múltiplos, ou seja, à produção de electricidade e outras finalidades adicionais;
- segundo o acordo com o Estado, as obras em questão seriam subsidiadas, na parte em que não se destinassem à produção eléctrica, ficando o correspondente activo a pertencer ao Estado;
- Durante muito tempo não foi fixada, entre a Requerente e o Estado, qual a percentagem de cada obra que se considerava afecta à produção de electricidade, e qual a parte que ficava afecta a outras finalidades, pelo que a Requerente inscreveu no seu imobilizado, e procedeu à correspondente amortização, 50% do valor das obras realizadas;
- Em 2003 foi fixada por acordo entre a Requerente e o Estado a percentagem de cada uma das obras que ficava afecta à produção de electricidade, e qual a parte que ficava afecta a outras finalidades, tendo daí resultado uma percentagem de obra afecta à produção de electricidade, superior à que a Requerente vinha contabilizando;
- Assim, em 2004, a Requerente inscreveu na sua escrita o valor correspondente às amortizações relativas aos anos anteriores, das percentagens fixadas em 2003, em excesso das que havia, até esse ano, contabilizado;
- Procedeu, igualmente, à inscrição do proveito apurado em virtude da operação de regularizações motivada pelo protocolo de acerto de contas.
A AT levanta como óbices ao procedimento da Requerente, o disposto no nº 3 do art. 28º do CIRC, na redacção em vigor em 2004, e na alínea a) do nº 2 do art. 1º e no nº 4 do art. 3º, do Decreto Regulamentar nº 2/90, bem como o disposto no então artigo 18.º do CIRC, uma vez que no resultado do exercício de 2004 foram imputadas as reintegrações que representavam entre 31,53% e 38,19% dos respectivos valores, ultrapassando manifestamente as taxas legalmente previstas para os bens em causa, que, do seu ponto de vista, não deverão ser aceites como custos dedutíveis, por força da alínea c) do n.º 1 do art.º 33.º do Código do IRC, e dado inexistir norma legal que o permita.
Ressalvado o respeito devido, também aqui não é possível validar o entendimento da Autoridade Tributária.
Com efeito, a própria jurisprudência citada pela Requerida (Ac. do STA, de 05/07/12, proferido no Processo nº 0658/11), refere expressamente que “as amortizações são o processo contabilístico de distribuir, de forma racional e sistemática, o custo de um activo que se deprecia pelos diferentes exercícios abrangidos pela sua vida útil, e se visam dar tradução à regra básica de que “aos proveitos de um exercício deduzem-se os custos que, nesse exercício, se tornou necessário suportar para obter aqueles””[19], e que é “o interesse público da prevenção e combate da evasão fiscal, subjacente à prevenção da manipulação do princípio da especialização dos exercícios”, que pode justificar a prevalência deste princípio sobre os princípios da justiça e da tributação pelo rendimento real.
Mais se esclarece no aresto em causa, citando Freitas Pereira, que a “imputação temporal pode ser instrumento de uma manipulação de resultados, de modo, a, designadamente:
a) Diferir no tempo os lucros;
b) Fraccionar os lucros, distribuindo-os por exercícios diferentes, com o objectivo de evitar, num imposto de taxas progressivas, a tributação por taxas mais elevadas;
c) Concentrar o lucro em exercício onde se podem efectivar deduções mais avultadas (v.g. por reporte de prejuízos ou por incentivos fiscais).”
Deste modo, dever-se-á, em coerência com tal jurisprudência, bem como com a jurisprudência já atrás citada no ponto i. (Acs. de 02-04-2008, proferido no processo 0807/07, de 19-11-2008, proferido no processo 0325/08, e de 25-06-2008, proferido no processo 0291/08), concluir-se que quando se demonstre em concreto que “o interesse público da prevenção e combate da evasão fiscal” não é afectado pela violação das normas relativas ao regime das amortizações.
Ou seja, quando se evidencie que inexiste risco de, in casu, a preterição daquelas normas (relativas ao regime de amortizações) dar cobertura a situações de fraude e/ou evasão fiscal, nomeadamente, sob as formas tipificadas por Freitas Pereira, e citadas no aresto em causa, não deverão as normas do regime em apreço, enquanto expressão do princípio da especialização de exercícios, prevalecer sobre os princípios da justiça e da tributação pelo rendimento real.
Ora, é isso que se passa no caso concreto. Com efeito, estão em causa amortizações relativas a obras executadas num processo realizado e acompanhado com elevado grau de proximidade pelo próprio Estado, e inexiste qualquer indício ou suspeita que, em concreto, se vise diferir no tempo os lucros, fraccionar os lucros, distribuindo-os por exercícios diferentes, com o objectivo de evitar, num imposto de taxas progressivas, a tributação por taxas mais elevadas, ou concentrar o lucro em exercício onde se podem efectivar deduções mais avultadas, pelo contrário, tudo indiciando – como demonstra a Requerente – que quaisquer procedimentos alternativos que tivessem sido seguidos redundariam em resultado mais prejudicial para o Fisco.
Trata-se assim aqui de um caso paradigmático de aplicação da doutrina segundo a qual “não havendo qualquer prejuízo para a FP (por todos os custos terem sido contabilizados, embora com erro no tocante aos exercícios respectivos), e tal não resultar de omissões voluntárias ou intencionais, com vista a operar transferências de resultados entre exercícios”[20], pelo que o princípio da especialização de exercícios deve ceder perante os princípios da justiça, da tributação pelo rendimento real e da capacidade contributiva, que, mostrando-se violados pelo acto tributário objecto da presente acção arbitral, determinam a sua anulação, nesta parte.
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vii.
a. Posição da AT
A este propósito, refere a AT que, a liquidação em litígio foi objecto de reacertos/anulações por parte dos serviços intervenientes da AT, e que o documento referente a juros compensatórios constitui o resultado final a título de compensação pelo retardamento da liquidação de imposto, apurado em razão das várias correcções efectuadas à matéria colectável, suficientemente fundamentadas nos vários documentos administrativos, declarada pelo contribuinte no exercício em questão e consequentes deferimentos resultantes quer da reclamação graciosa quer do recurso hierárquico, pelo que considera ultrapassada a questão de falta de fundamentação alegada pela Requerente.
Por outro lado, no que toca à invocada falta de censurabilidade, a titulo de dolo e/ou negligência por parte da Requerente, diz a AT que, contrariamente ao que a mesma invoca, o seu comportamento no procedimento foi censurável pelo menos a titulo de negligência, já que só as correcções referentes às gratificações e as realizações de utilidade social podem corresponder a uma diferente interpretação da lei, entre o que é por si defendido e a posição da AT., e que, ainda assim, no seu entender, a interpretação que a AT faz sobre a matéria não é nova e decorre directamente da lei, pelo que, não pode a requerente invocar que sobre esta matéria, não existe uma interpretação uniforme da lei e que não lhe era exigível uma conduta segundo aquela que é defendida pela AT. Quanto às demais correcções, entende a AT que são imputáveis directamente a um comportamento que reputa assaz negligente da Requerente e que têm a ver com o não cumprimento dos princípios contabilísticos que se lhe impunham e com a correcta contabilização das operações realizadas, bem como, com a falta de cooperação com a AT (despesas não documentadas) no suprimento das deficiências da sua contabilidade, pelo que, a seu ver, está correcta e conforme à lei, a liquidação de juros compensatórios efectuada.
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b. Posição da Requerente
Refere inicialmente a Requerente, a este propósito, que não consegue compreender qual o valor base utilizado para o cálculo dos juros, pelo que a liquidação de juros em causa não se pode considerar fundamentada, em violação do artigo 77.º da LGT.
Acrescenta que decorre do artigo 94.º do Código do IRC, que não basta a mera verificação do atraso na liquidação ou na obtenção de reembolso indevido para efeitos da exigência dos juros compensatórios, e que a existência de responsabilidade por juros compensatórios implica (i) nexo de causalidade adequada entre a actuação do contribuinte e o atraso na liquidação ou a obtenção do reembolso indevido; e (ii) que a conduta do contribuinte seja censurável, a título de dolo ou negligência, pelo que, não haverá responsabilidade por juros compensatórios quando, apesar do reembolso indevido ou o atraso na liquidação ser provocado pela conduta do contribuinte e ser errónea a sua posição, ele tenha actuado de boa-fé e o erro seja desculpável. Assim, tendo, no entendimento da Requerente, as correcções impugnadas decorrido de uma divergência sustentada de facto e de direito entre a AT e a Requerente, nenhum juízo de censura a título de dolo ou negligência se pode formular contra a Requerente, sendo portanto de concluir que a liquidação adicional a título de juros compensatórios é ilegal, por violação do disposto no número 1 do artigo 94.º do Código do IRC, pelo que deve a mesma ser anulada, entendendo ainda que tal será reconhecido na Resposta da AT pelo menos relativamente às correcções respeitantes às realizações de utilidade social e à distribuição aos trabalhadores de resultados de exercícios anteriores.
Acrescenta a Requerente que, do seu ponto de vista, não basta alegar, como faz a AT que “não tendo sido alegados nem se provaram em sede de reclamação, nem de recurso hierárquico quaisquer factos ou circunstâncias que permitam concluir que a culpa da reclamante, ao declarar como custos verbas que não o deviam ser, se deve considerar excluída, designadamente que não haja, pelo menos, negligência”, já que considera que cabe à AT o ónus da prova da culpa da Requerente na qualificação que fez das diversas despesas objecto de correcção não bastando para tal concluir singelamente que se está perante o preenchimento do tipo de ilícito previsto e punido pelo artigo 119.º do RGIT, pelo que “é de pressupor a existência de culpa da reclamante”, referindo ainda que a submissão ao tipo de ilícito referido não foi demonstrada pela AT no decurso da acção inspectiva nem no âmbito da reclamação apresentada, pelo que, muito menos foi demonstrada ou poderá “pressupor-se” a culpa da Requerente na sua eventual prática.
Conclui, por isso, a Requerente que deve a liquidação de juros compensatórios ser anulada por ilegal, designadamente por violação do disposto no artigo 35.º da LGT, mas também do previsto no número 1 do artigo 94,º do Código do IRC.
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c. Apreciação
Face ao decidido nos pontos anteriores, a presente questão está restringida à parte da liquidação objecto da presente acção arbitral, que foi mantida no ponto v., ou seja, na parte que diz respeito às correcções relativas:
- ao custo em montante de 417.611,40€, relativo ao ano 2001, e alegadamente suportado pelo Grupo CC… com seguros de acidentes pessoais dos trabalhadores da B…; e
- ao custo em montante de 1.093,00€, que alegadamente decorreu de uma encomenda de material que não se concretizou, pelo que foi anulado mediante operação contabilística de sinal contrário.
Relativamente a esta matéria, começa a Requerente por sustentar que não consegue compreender qual o valor base utilizado para o cálculo dos juros, pelo que a liquidação de juros em causa não se pode considerar fundamentada, em violação do artigo 77.º da LGT.
Ressalvado o respeito devido, entende-se que aqui não lhe assiste razão. Com efeito, qualquer destinatário médio colocado na posição real da Requerente perceberá que o valor base utilizado para cálculo dos juros foi o valor do imposto que a AT liquidou. Se tal valor base foi correcta ou incorrectamente determinado, é questão diferente, já não de fundamentação mas de cálculo ou, eventualmente, de facto ou de direito. Mas a compreensão de qual o valor base considerado – esta sim, questão de fundamentação – julga-se, com se referiu, perfeitamente compreensível por qualquer destinatário médio, colocado na posição do destinatário real.
Sustenta, também, a Requerente, o entendimento de que as correcções em questão decorrem de uma divergência sustentada de facto e de direito entre a AT e a Requerente, pelo que nenhum juízo de censura a título de dolo ou negligência se pode formular contra si, sendo, por isso, a liquidação adicional a título de juros compensatórios ilegal, por violação do disposto no número 1 do artigo 94.º do Código do IRC.
Ressalvado o respeito devido, na parte que está aqui em discussão e acima delimitada no início deste ponto, não está em causa qualquer divergência sustentada de facto e de direito entre a AT e a Requerente.
Com efeito, o que se passa é que a Requerente inscreveu na sua contabilidade e na sua declaração fiscal determinados custos, sem ter o devido suporte documental e sem que seja capaz de demonstrar os pressupostos legalmente exigidos para a sua consideração como tal.
A culpa, como é sabido, é comummente entendida como o juízo de censura dirigido a quem, podendo e devendo agir de forma conforme ao direito, não o fez.
Como se escreveu no Ac. do STA de 11-03-2009, proferido no processo 0961/08:
“Os juros compensatórios têm a natureza de indemnização por facto ilícito: o incumprimento de um dever. Ora, a responsabilidade por actos ilícitos tem assento na culpa do causador do dano, segundo o artigo 483.º do Código Civil; esta, nos termos do artigo 487.º deste último diploma, não pode ir além da exigibilidade da diligência do homem médio, ou seja, da diligência reportada ao campo do cumprimento recíproco dos deveres impostos ao devedor e ao credor (ver Prof. Gomes da Silva, O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar, p. 196) – cf. Duarte Faveiro, Noções Fundamentais de Direito Fiscal, I, 1984, p. 362.
A culpa, como é sabido, consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em abstracto (a diligência de um bom pai de família), quer no que respeita à responsabilidade extracontratual, quer no domínio da responsabilidade contratual – cf. os artigos 487.º, n.º 2, e 799.º, n.º 2, do Código Civil; e Vaz Serra, na Revista de Legislação e Jurisprudência n.º 110, p. 151. A culpa, em sentido restrito, traduz-se na omissão da diligência exigível. O agente devia ter usado de uma diligência que não empregou. Devia ter previsto o resultado ilícito, a fim de o evitar, e nem sequer o previu. Ou, se previu, não fez o necessário para o evitar, não usou das adequadas cautelas para que ele se não produzisse – cf. Galvão Teles, Direito das Obrigações, 2.ª edição, p. 328. A culpa exprime um juízo de responsabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo. É um juízo que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor, e pode revestir duas formas distintas: o dolo, e a negligência – cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, p. 559. Em suma: a culpa, em qualquer das suas modalidades, traduz-se sempre num juízo de censura em relação à actuação do agente: o lesante, pela sua capacidade, e em face das circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo.”
Ora, a factualidade subjacente à liquidação, é suficiente para evidenciar que a Requerente podia e devia ter agido de outra forma, retirando da sua declaração fiscal os custos que tinha obrigação de saber que não tinha maneira de, para lá de uma dúvida razoável, sustentar.
Daí que se entenda estarem correctamente liquidados os juros compensatórios, na parte ora em apreço, que deverá, por isso, manter-se.
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vii.
Cumula a Requerente, com o pedido anulatório do acto tributário objecto dos presentes autos, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
Face à procedência do pedido anulatório, deverão ser restituídas as prestações que, relativamente aos actos tributários anulados, se venham a verificar como pagas pela Requerente, se necessário em execução de sentença.
Acresce que, de harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT e em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
No caso em apreço, e na sequência da declaração de ilegalidade e consequente anulação parcial do acto de liquidação impugnado, haverá lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos artigos. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correcção que foi considerada ilegal.
Haverá, também, lugar a juros indemnizatórios, na medida em que se verifiquem os respectivos pressupostos, ou seja, na medida em que “que houve erro imputável aos serviços”.
Será esse o caso das quantias relativas à matéria abordada nas partes i., ii., iii. e iv., supra, onde se considera que a AT dispunha, já em sede inspectiva, dos elementos necessários a abster-se de efectuar as correcções ali em causa, ora julgadas ilegais.
Relativamente a tais partes, é assim manifesto que a ilegalidade dos actos de liquidação, cuja quantia a Requerente pagou, é imputável à Requerida, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios sobre as quantias em questão, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT. Os juros indemnizatórios são devidos, desde a data dos pagamentos que se mostrem efectuados, e calculados com base no respectivo valor, até à sua integral devolução à Requerente, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (sem prejuízo das eventuais alterações posteriores da taxa legal).
Assim, deverá a Requerida dar execução ao presente acórdão, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, determinando o montante a restituir ao Requerente e calcular os respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).
Os juros indemnizatórios são devidos desde as datas dos pagamentos efectuados até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (artigo 61.º, n.º 5, do CPPT).
Relativamente à matéria contida nos pontos v. e vi. supra, conclui-se que não existe erro imputável aos serviços, na medida em que o acto tributário, nessas partes, foi determinado por um comportamento da Requerente que, até ao momento da prática daquele, não deu cumprimento a ónus e deveres acessórios e de cooperação que, no caso, lhe assistiam, induzindo a AT à prática do acto tributário em causa, nos moldes em que o foi.
Com efeito, como decorre, para além do mais, dos pontos e 80 da matéria de facto, a Requerente, em sede inspectiva e graciosa, não facultou à AT os elementos que podia e devia, no sentido de a habilitar a emitir uma decisão conforme ao direito.
Daí que, nesta parte, não sejam devidos os peticionados juros indemnizatórios.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,
a) Anular parcialmente o acto tributário objecto da presente acção arbitral, nas partes a que se reportam os pontos i. a vi. da fundamentação de direito, supra;
b) Manter o acto tributário objecto da presente acção arbitral, na parte restante;
c) Condenar a Requerida à restituição dos montantes indevidamente pagos, por força da anulação parcial acima determinada;
d) Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos supra-determinados, sobre os pagamentos que hajam sido feitos por força da anulação parcial a que se reportam os pontos i. a iv. da fundamentação de direito;
e) Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, no montante de 71.376,00€, a cargo da Requerida, e de 3.900,00€, a cargo da Requerente.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em 6.012.903,81€, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 75.276,00€, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção do respectivo decaimento, acima fixado, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 7 de Junho de 2016
O Árbitro Presidente
(José Baeta Queirós)
O Árbitro Vogal
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(Jorge Júlio Landeiro de Vaz)
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência doravante citada sem menção específica de proveniência.
[2] Ac. de 02-04-2008, proferido no processo 0807/07.
[3] Ac. de 19-11-2008, proferido no processo 0325/08.
[4] Ac. de 25-06-2008, proferido no processo 0291/08.
[5] Ac. de 05-02-2003, proferido no processo 01648/02.
[7] Ac. do STA de 05-07-2012, proferido no processo 0658/11, disponível em www.dgsi.pt (tal como todos os restantes acórdãos doravante citados sem indicação de proveniência).
[8] Ac. do TCA-Sul, de 20-04-2010, proferido no processo 03632/09.
[9] Ac. do TCA-Sul, de 16-03-2005, proferido no processo 00340/03.
[10] Entre outros, Ac. do TCA-Sul de 30-01-2007, proferido no processo 01486/06.
[11] Cfr. neste sentido o Ac. do TCA-Sul de 01-06-2004, proferido no processo 06615/02.
[12] Neste sentido, cfr. Acs. do TCA-Sul de 27/01/2009 (processo 02576/08) e de 24/03/2009 (processo 02794/08).
[13] Ac. do TCA-Sul de 07-02-2012, proferido no processo 04690/11.
[14] Cfr. Ac. do STA de 03-12-2003, proferido no processo 01283/03.
[15] Cfr. Ac. do TCA-Sul de 10-07-2012, proferido no processo 05303/12. No mesmo sentido os Acs. do mesmo Tribunal de 30-10-2012, proferido no processo 05400/12, e de 20-11-2012, proferido no processo 05335/12. Neste sentido, ainda, o Ac. também do TCA-Sul de 02-10-2012, proferido no processo 05284/12. Também o Ac. do STA de 18-02-2009, proferido no processo 0600/08, citado quer pela Requerente quer pela Requerida, refere, no seu corpo (transcrito na resposta da AT) que “Isto é, o encargo não estará devidamente documentado quando não houver a prova documental exigida por lei que demonstre que ele foi efectivamente suportado pelo sujeito passivo e a despesa será confidencial quando não for revelado quem recebeu a quantia em que se consubstancia a despesa.”.
[16] In “Fiscalidade”, 3 (2000), p. 86.
[19] Dizendo-se, mesmo, que as regras relativas às amortizações são “uma expressão do princípio da especialização dos exercícios”
[20] Ac. de 05-02-2003, proferido no processo 01648/02.