DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
A..., na qualidade de cabeça de casal da Herança Indivisa aberta por óbito de B..., NIF..., com domicílio na Rua..., n.º..., ..., em Lisboa (doravante, a “Requerente”), requereu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em 30 de outubro de 2015, a constituição de tribunal arbitral em matéria tributária, nos termos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação de Imposto do Selo ("IS") referentes ao ano de 2014, a que correspondem os documentos n.º:
i. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €203,03 (duzentos e três euros e três cêntimos);
ii. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €219,46 (duzentos e dezanove euros e quarenta e seis cêntimos);
iii. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €217,30 (duzentos e dezassete euros e trinta cêntimos);
iv. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €203,03 (duzentos e três euros e três cêntimos);
v. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €201,00 (duzentos e um euros);
vi. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €217,30 (duzentos e dezassete euros e trinta cêntimos);
vii. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €201,00 (duzentos e um euros);
viii. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €217,30 (duzentos e dezassete euros e trinta cêntimos);
ix. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €201,00 (duzentos e um euros);
x. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €219,46 (duzentos e dezanove euros e quarenta e seis cêntimos);
xi. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €203,03 (duzentos e três euros e três cêntimos);
xii. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €192,16 (cento e noventa e dois euros e dezasseis cêntimos);
xiii. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €201,00 (duzentos e um euros);
xiv. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €203,03 (duzentos e três euros e três cêntimos);
xv. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €219,46 (duzentos e dezanove euros e quarenta e seis cêntimos);
xvi. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €217,30 (duzentos e dezassete euros e trinta cêntimos); e
xvii. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €219,46 (duzentos e dezanove euros e quarenta e seis cêntimos);
no valor global de €3.555,32 (três mil quinhentos e cinquenta e cinco euros e trinta e dois cêntimos).
A Requerente optou por não designar árbitro.
O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 2 de novembro de 2015 e automaticamente notificado à AT na mesma data.
A Signatária foi designada pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro de tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, tendo comunicado a aceitação do encargo, no prazo legal, nos termos do disposto no artigo 4.º do Código Deontológico do CAAD.
As Partes foram notificadas da designação da Signatária, em 24 de janeiro de 2016, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) do RJAT, não se tendo oposto à mesma.
O tribunal arbitral singular ficou, assim, regularmente constituído em 9 de fevereiro de 2016, de acordo com o disposto na alínea c) do n.º1 do artigo 11.º do RJAT.
A AT foi notificada do despacho arbitral de 12 de fevereiro de 2016, para apresentar resposta no prazo de 30 (trinta) dias.
A AT apresentou a sua Resposta em 14 de março de 2016.
Por despacho arbitral de 28 de março de 2016, o Tribunal Arbitral determinou a notificação da Requerente para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre as exceções invocadas pela Requerida na sua Resposta, ao abrigo do disposto no artigo 16.º alíneas a), b) e c) do RJAT e a notificação da Requerida para juntar decisão arbitral anterior invocada como relevante para os autos.
A Requerida apresentou a decisão supra referida em 31 de março de 2016.
A Requerente não se pronunciou.
Por despacho de 15 de abril de 2016, o Tribunal Arbitral considerou, analisados os factos e os elementos trazidos pelas Partes aos autos, e ao abrigo do disposto no artigo 16.º, alíneas c) e e) do RJAT, dispensável a audição da testemunha indicada pela Requerente, bem como a reunião do artigo 18.º do RJAT. Mais fixou o prazo para prolação da decisão arbitral até ao dia 13 de maio de 2016.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de vícios que o invalidem.
II. Pedido da Requerente
A Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação de IS referentes ao ano de 2014, identificados supra.
A Requerente fundamenta o seu pedido nos termos que de seguida se indicam:
i. Os atos de liquidação de IS referem-se ao prédio urbano sito na freguesia de..., concelho de Lisboa, com o artigo matricial...;
ii. O prédio urbano identificado encontra-se em propriedade total, e as liquidações em causa referem-se a cada um dos respetivos fogos suscetíveis de utilização independente;
iii. O valor patrimonial tributário do prédio que deverá servir de base à liquidação do imposto correspondente à verba 28.1 da TGIS, por remissão do CIMI, é o valor patrimonial vigente a 31 de dezembro do ano a que respeita;
iv. A 31 de dezembro de 2014, nenhum dos fogos suscetíveis de utilização independente tinha valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.000,00;
v. Assim, não se verifica um dos pressupostos do facto tributário subsumível à verba 28.1 da TGIS;
vi. A liquidação em causa enferma assim de nulidade, por inexistência de um pressuposto legal para a sua emissão;
vii. Se assim não se entender, a liquidação enferma de erro, pois o prédio não está constituído em propriedade horizontal;
viii. Nestes termos, a liquidação não pode incidir sobre cada andar ou divisão suscetível de utilização independente;
ix. O critério utilizado pela AT viola os princípios da legalidade e igualdade fiscal, e o da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal;
x. O prédio em questão é composto por dois blocos, um com quatro pisos, e estabelecimentos no piso térreo e outro com cinco andares, com oito andares ou divisões suscetíveis de utilização independente dos quais uma grande parte está afeta a habitação;
xi. O legislador pretendeu com esta inovação legislativa tributar prédios urbanos com afetação habitacional de elevado valor (de luxo);
xii. Considerando que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respetivo IMI, bem como o novo IS, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, não oferece qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem que ser o mesmo;
xiii. Logo, se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas de prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do novo imposto;
xiv. Assim, só haveria lugar a imposto se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a €1.000.000,00, o que não sucede;
xv. Não pode a AT considerar então como valor de referência para a incidência do IS o valor total do prédio;
xvi. O critério usado pela AT não encontra sustentação legal e é contrário ao que resulta aplicável em sede de IMI e, por remissão, em sede de IS;
xvii. É ilegal e inconstitucional considerar como valor de referência o correspondente ao somatório dos VPT de cada parte, andar ou divisão com utilização independente, porque tal seria uma nítida violação do princípio da igualdade e da proporcionalidade em matéria fiscal;
xviii. Se o prédio se encontrasse em propriedade horizontal, nenhuma das suas frações habitacionais sofreria incidência do novo imposto;
xix. Mais, a norma do artigo 12.º n.º3 do CIMI releva para efeitos de inscrição na matriz predial a autonomia que, dentro do mesmo prédio, pode ser atribuída a cada uma das suas partes, económica e funcionalmente independentes;
xx. Ora, tal não se afigura coerente com a decisão da AT tributar as partes habitacionais de um prédio em propriedade vertical, em função do VPT global do prédio;
xxi. A posição da AT é mesmo contraditória, pois para efeitos de liquidação de IS considera o prédio como um todo, mas para efeitos de execução de falta de pagamento desse mesmo IS emitiu 27 liquidações, uma por cada fogo avaliado como unidade autónoma, deixando nesse caso de haver um todo;
xxii. Em consequência, a discriminação operada pela AT traduz uma discriminação arbitrária e ilegal;
xxiii. A AT não pode distinguir entre duas situações (propriedade horizontal e vertical) onde o próprio legislador entendeu não o fazer;
xxiv. As liquidações em causa enfermam portanto de nulidade ou, se assim não se entender, deverão ser anuladas por preterição de formalidades legais, erro sobre os pressupostos de facto e falta de fundamentação;
xxv. Caso não seja pago o imposto em prazo, o órgão de execução fiscal poderá instaurar os competentes processos de cobrança e, nesse caso, a Requerente desde já indica que pretende solicitar emissão de garantia bancária para a sua suspensão;
xxvi. E a AT deverá ser condenada a ressarcir todos os montantes suportados pela Requerente na sequência de tal pedido de suspensão.
III. Resposta da Requerida
A Requerida apresentou a sua resposta alegando quanto, de seguida, sucintamente, se indica:
i. A Requerente apresenta o seu pedido exclusivamente com referência à segunda prestação do ano de 2014;
ii. Por exceção, a Requerida alega que o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar a legalidade de uma prestação do ato de liquidação, que não é em si nenhum ato tributário, não havendo qualquer dúvida, até pelo valor do processo e por todos os documentos a ele juntos, que a Requerente impugna, exclusivamente, as notas de cobrança que constituem as 2.ªs prestações do imposto relativas ao imóvel em apreço;
iii. A Requerida cita, para justificar o seu entendimento, decisão arbitral em que se escreve:
“Outra das exceções invocadas pela AT é a da incompetência do tribunal arbitral para a decisão do litígio, com o fundamento de que “a Requerente não impugna um ato tributário, mas impugna, antes, o pagamento de uma prestação de um ato tributário constante de uma nota de cobrança”, ou seja, que “o objeto do processo é a anulação não de um ato tributário, mas sim de uma nota de cobrança para o pagamento da 2.ª prestação de um imposto, matéria esta que não consta, em absoluto, do conjunto da norma que delimita a competência dos tribunais arbitrais tributários, constante do art.º 2.º do RJAT”.
“A competência dos tribunais arbitrais tributários que funcionam junto do CAAD é fixada pelos artigos 2.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1, do RJAT.”
“Concretamente, refere o artigo 2.º, n.º 1, a alínea a), do RJAT, que tal competência compreende a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, enquanto a alínea a) do n.º 1 do seu artigo 10.º, estabelece o prazo de 90 dias para apresentação do pedido de constituição do tribunal, “contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico”.
“Determinar da competência do tribunal arbitral para a decidir da pretensão objeto dos presentes autos, passará, necessariamente, por averiguar se o pedido de declaração e ilegalidade e consequente anulação de uma das prestações de uma liquidação de Imposto do Selo, efetuada ao abrigo da verba 28, da TGIS, equivale a um pedido de anulação total ou parcial da mesma liquidação ou, não equivalendo, se uma daquelas prestações poderá configurar um ato suscetível de impugnação autónoma.”
“Quanto à primeira questão, poderá afirmar-se que uma prestação não equivale a uma liquidação de imposto, porquanto, nos termos do n.º 7, do artigo 23.º, do Código do Imposto do Selo, na redação que lhe foi dada pelo artigo 3.º, da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, “7 - Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI” (sublinhado nosso).
“Ora, a expressão “o imposto é liquidado anualmente” indicia que é efetuada uma única liquidação anual, embora a mesma possa ser dividida, para efeitos de pagamento, em prestações, e não tantas liquidações quantas as prestações em que o débito deva ser satisfeito – a divisão de uma liquidação em prestações não passará, assim, de uma mera técnica de arrecadação de receitas.”
“Por outro lado, a questão de saber se uma prestação pode ser havida como parte autonomamente impugnável da liquidação, remete-nos para a da divisibilidade do ato tributário de liquidação e consequente possibilidade da sua anulação parcial.”
“A este respeito, tem a jurisprudência entendido que a liquidação é um ato divisível, quer por natureza, por respeitar a uma obrigação de natureza pecuniária, quer por definição legal, uma vez que o artigo 100.º, da Lei Geral Tributária (LGT) admite a “procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo”, situação em que a administração fiscal, fica obrigada “à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.
“No entanto, para que haja anulação parcial do ato tributário, necessário se torna que a ilegalidade o afete apenas em parte (cfr., neste sentido, o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, proferido em 10 de abril de 2013, no recurso n.º 0298/12, disponível em http://www.dgsi.pt, em cujo sumário se lê:”
“Sumário: I - O ato tributário, enquanto ato divisível, tanto por natureza como por definição legal, é suscetível de anulação parcial. II - O critério para determinar se o ato deve ser total ou parcialmente anulado passa por determinar se a ilegalidade afeta o ato tributário no seu todo, caso em que o ato deve ser integralmente anulado ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.” (Sublinhado nosso).”
“Assim, nos casos em que o ato tributário é divisível, “se for pedida a anulação parcial de um ato tributário, o tribunal não poderá, em princípio, anulá-lo totalmente” SOUSA, Jorge Lopes de, “Código de Procedimento e de Processo Tributário – anotado e comentado” I Volume, Áreas Editora, 2006, pág. 875; se for pedida a sua anulação integral e o ato for apenas parcialmente anulável, o pedido será parcialmente improcedente.”
“Sobre a questão da indivisibilidade de uma liquidação de Imposto do Selo a que se refere a verba 28 da TGIS, já se pronunciou o CAAD, no processo n.º 205/2013-T (disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/), conforme o extrato que se transcreve:”
“11. Vem ainda a Requerida impugnar o valor da causa considerando que o mesmo é de 8.940,94€ e não de 28.822,80€, conforme indicado pela requerente.
Sustenta a requerente que “o ato impugnado nestes autos é o ato de liquidação com o nº ...de 22/02/2013, referente à primeira prestação de imposto de selo, do ano de 2012, no montante de € 8.940,94, junta pelo requerente ao pedido de pronuncia arbitral como Doc. 1”.
“Acontece, porém, que o valor da liquidação nº ... de 22/02/2013, como consta do referido documento é, na realidade, de 26.822,00 € e não de € 8.940,94.
Note-se que, não existe qualquer liquidação de € 8.940,94. Este valor é apenas a primeira prestação duma liquidação que foi desde logo efetuada e no valor indicado pela Requerente. Da circunstância do valor da liquidação poder ser pago em várias prestações, não decorre que existam três liquidações. Trata-se, diferentemente, duma liquidação que pode ser paga em várias prestações (sublinhado nosso), não estando o sujeito passivo impedido de impugnar a mesma devido ao facto de ainda só ter decorrido o prazo de pagamento de uma delas.
O sujeito passivo impugnou o ato de liquidação com o nº ... de 22/02/2013, no valor de 26.822,00€, que lhe havia sido notificada e é esse o valor correto da causa.”.
“Também o processo arbitral n.º 120/2012-T, que correu termos no CAAD (disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/) e do qual se extraem os fragmentos que seguem, se havia já pronunciado sobre a indivisibilidade de uma liquidação de IMI, matéria de aplicação subsidiária às liquidações de Imposto do Selo da verba 28, da TGIS, por remissão do n.º 2, do artigo 67.º, do Código do Imposto do Selo:
“De acordo com o disposto no artigo 113.º, n.º 2 do Código do IMI, a liquidação deste imposto é efetuada nos meses de fevereiro e março do ano seguinte àquele a que o imposto diz respeito. Nos termos do n.º 1 do artigo120.º do mesmo diploma, o imposto deve ser pago em duas prestações, nos meses de abril e setembro, desde que o seu montante seja superior a Euros 250, devendo o pagamento, no caso de esse montante ser igual ou inferior àquele limite, ser efetuado de uma só vez, durante o mês de Abril.” (…) “Conforme resulta, assim, do disposto nos referidos artigos, embora o ato autonomamente sindicável seja o ato de liquidação de IMI (sublinhado nosso), o prazo para contestar a sua legalidade apenas deverá ser contado a partir do termo do prazo de pagamento do imposto nele apurado. Devendo este ser pago, nos termos da lei, em mais do que uma prestação, apenas com o termo da última daquelas (pressupondo, naturalmente, a não verificação de situações de vencimento antecipado) é que se poderá assim iniciar a contagem do prazo referido no artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável, no âmbito do processo arbitral, ex vi o disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei nº. 10/2011, de 20 de Janeiro (“RJAT”).” (…) “Tal conclusão resulta, aliás, clara da natureza indivisível do ato de liquidação, bem como da necessidade – de resto, enfatizada pela própria Requerida – de, relativamente à mesma liquidação de IMI - que, nos termos da lei deva ser paga em duas prestações - não serem proferidas decisões administrativas ou judiciais contraditórias.” (sublinhado nosso) (…) “É que – reiteremos –, não sendo qualquer das prestações de pagamento de IMI autonomamente sindicável – mas apenas o ato de liquidação a que aquelas se refiram”. (sublinhado nosso).”
“As prestações de pagamento de uma liquidação de IMI ou, na situação em análise, de uma liquidação de Imposto do Selo, nos termos da Verba 28, da TGIS, não são autonomamente sindicáveis, por terem origem numa única obrigação anual, de acordo com a lição de Braz Teixeira: “É necessário não confundir as prestações periódicas, que, embora realizando-se por atos sucessivos, em momentos diversos, têm origem numa mesma obrigação e constituem as várias parcelas de uma mesma prestação que se cindiu, com as prestações que devem efetuar-se periodicamente, não devido a uma divisão da prestação global, mas sim ao nascimento, também periódico, de novas obrigações, pela permanência dos pressupostos de facto da tributação.” (TEIXEIRA, António Braz, “Princípios de Direito Fiscal”, Vol. I, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra,1995, págs. 243 e 244).”
“Concluindo-se que as prestações de uma liquidação de imposto não são autonomamente impugnáveis, por consubstanciarem parcelas de uma prestação global, com origem numa mesma obrigação, cumpre averiguar se uma daquelas prestações pode ser considerada como um “ato de impugnação autónoma”, a que se refere o artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, com remissão para os n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º, do CPPT.”
“Em anotação ao artigo 102.º, do CPPT, e relativamente à alínea e) do seu n.º 1, em que se prevê o termo inicial do prazo de impugnação judicial na data da “notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma nos termos deste Código”, escreve Jorge Lopes de Sousa: “(…) aplica-se esta regra não só aos casos de impugnação autónoma previstos neste Código [decisões de recurso hierárquico que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação (art. 76.º, n.º 2), atos de autoliquidação (art. 131.º), atos de retenção na fonte (art. 132.º) e atos de fixação de valores patrimoniais (art. 134.º), mas também aos outros casos de impugnação de atos de avaliação direta (artigo 86.º, n.º 1, da LGT)” (SOUSA, Jorge Lopes de, “Código de Procedimento e de Processo Tributário – anotado e comentado” I Volume, Áreas Editora, 2006, pág. 734).”
“O facto de a declaração de ilegalidade dos atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, os atos de determinação da matéria coletável e de fixação de valores patrimoniais, integrarem a competência dos tribunais arbitrais, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, devendo o pedido de constituição do tribunal arbitral, quanto a eles, ser apresentado no prazo de 30 dias a contar da data da respetiva notificação, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, leva à conclusão necessária de que os atos de impugnação autónoma a que se refere o artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, são os atos de liquidação, de autoliquidação e de pagamentos por conta, ainda que, relativamente a estes, tenha sido apresentada reclamação graciosa ou recurso hierárquico, expressa ou tacitamente indeferidos.”
“Tendo-se excluído a possibilidade de uma prestação configurar um ato tributário de liquidação, muito menos se lhe poderá atribuir a natureza de autoliquidação ou de pagamento por conta.”
“Não sendo cada uma das prestações das liquidações de Imposto do Selo identificadas nos autos autonomamente impugnáveis, pelos motivos antes expostos, estar-se-á perante um caso de incompetência do tribunal arbitral para apreciação e declaração da sua ilegalidade e consequente anulação.”
iv. A Requerida defende ainda a existência de inutilidade originária da lide, porquanto a Requerida havia já apresentado, com referência ao mesmo artigo matricial, a constituição de Tribunal Arbitral, tendo a decisão nesse caso, proferida em 20 de janeiro de 2016, julgado procedente a exceção dilatória de incompetência do tribunal arbitral aí invocada;
v. O objeto do pedido naquele processo correspondia à primeira prestação de imposto do selo;
vi. Mais alega que a Requerente deverá ser condenada em custas;
vii. E que o tribunal arbitral não pode apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida, na medida em que se trata de uma mera hipótese não concretizada;
viii. Termos em que deverá ser procedente a exceção de incompetência material do tribunal arbitral e a Requerida absolvida da instância e, se assim não se entender, deverá o pedido ser extinto por inutilidade da lide.
IV. Questões a decidir
Considerando os factos e a matéria de direito constantes do pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente e a resposta da Requerida, a questão substancial a decidir pelo Tribunal Arbitral é a de saber se o valor sobre o qual incide a verba 28.1 da TGIS é (i) o somatório do VPT de cada andar ou divisão suscetível de utilização independente, em caso de prédios em regime de propriedade total ou vertical (valor global), ou (ii) o VPT de cada andar ou divisão suscetível de utilização independente.
Para além do supra indicado, a Requerida alega verificarem-se exceções que, a serem assim consideradas, determinam a absolvição da instância e/ou a absolvição do pedido. Assim, proceder-se-á, em primeiro lugar, à apreciação, nos termos do disposto no artigo 29.º n.º1 alíneas a) e e) do RJAT, 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 608.º n.º1, do CPC:
1. Da inutilidade originária da lide, que a ser assim considerada, constitui exceção perentória, que determina a extinção da instância e a absolvição do pedido, ao abrigo do disposto nos artigos 89.º n.º3 do CPTA, e 287º alínea e) e 576.º do CPC;
2. Da incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade de uma prestação do ato de liquidação, que não é em si um ato tributário impugnável, e que, a ser assim considerada, constitui exceção dilatória que determina a absolvição da instância, nos termos do artigo 89.º n.º2 do CPTA e 577.º do CPC.
V. Matéria de Facto
Com relevância para a apreciação do pedido da Requerente, são os seguintes os factos que se dão por provados, com base nos documentos juntos ao processo, e não contestados pela Requerida:
1. A Requerente é proprietária do prédio urbano sito na freguesia de..., concelho de Lisboa, com o artigo matricial...;
2. O prédio urbano identificado encontra-se em propriedade total;
3. Nenhuma das partes ou divisões suscetíveis de utilização independente do prédio tem valor patrimonial tributário superior a €1.000.000,00;
4. O valor patrimonial total do prédio é de €1.114.850,00;
5. A Requerente foi notificada dos atos de liquidação da segunda prestação do IS referentes ao ano de 2014, a que correspondem os documentos n.º:
i. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €203,03 (duzentos e três euros e três cêntimos);
ii. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €219,46 (duzentos e dezanove euros e quarenta e seis cêntimos);
iii. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €217,30 (duzentos e dezassete euros e trinta cêntimos);
iv. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €203,03 (duzentos e três euros e três cêntimos);
v. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €201,00 (duzentos e um euros);
vi. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €217,30 (duzentos e dezassete euros e trinta cêntimos);
vii. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €201,00 (duzentos e um euros);
viii. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €217,30 (duzentos e dezassete euros e trinta cêntimos);
ix. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €201,00 (duzentos e um euros);
x. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €219,46 (duzentos e dezanove euros e quarenta e seis cêntimos);
xi. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €203,03 (duzentos e três euros e três cêntimos);
xii. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €192,16 (cento e noventa e dois euros e dezasseis cêntimos);
xiii. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €201,00 (duzentos e um euros);
xiv. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €203,03 (duzentos e três euros e três cêntimos);
xv. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €219,46 (duzentos e dezanove euros e quarenta e seis cêntimos);
xvi. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €217,30 (duzentos e dezassete euros e trinta cêntimos); e
xvii. 2015..., de 20.03.2015, no valor de €219,46 (duzentos e dezanove euros e quarenta e seis cêntimos);
no valor global de €3.555,32 (três mil quinhentos e cinquenta e cinco euros e trinta e dois cêntimos).
6. A Requerente não procedeu ao pagamento do imposto liquidado.
7. O imposto foi liquidado tomando como referência, para a determinação da incidência, o valor patrimonial tributário total dos andares ou divisões afetas à habitação.
8. O processo arbitral 395/2015-T apreciou o pedido de anulação de liquidações da primeira prestação de IS referentes a andares ou divisões suscetíveis de utilização independente também em apreciação nos autos, tendo decidido que não são autonomamente impugnáveis atos de cobrança do imposto em questão e, consequentemente, absolveu a AT da instância.
A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se na prova documental junta pelas Partes, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram questionadas.
Não existem, com relevância para o processo, outros factos que não se considerem provados.
VI. Matéria de Direito
Como resulta da matéria de facto, estão em causa liquidações de IS relativas ao ano de 2014, referentes à verba 28.1. da TGIS, a qual foi aplicada sobre o valor patrimonial tributário total dos andares ou divisões afetos à habitação propriedade da Requerente.
A AT considerou, para efeitos de aplicação daquela verba 28.1 da TGIS, o somatório do VPT de cada um dos respetivos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, somatório esse que determina um VPT superior a €1.000.000,00.
A Requerente considera que a AT não deveria ter considerado esse somatório, na medida em que o tratamento a dar a um prédio em regime de propriedade total não pode ser diferente daquele a dar a um prédio em regime de propriedade horizontal – se, neste último caso, o VPT a considerar é o de cada fração autónoma, no caso de propriedade total deverá ser, também, considerado o VPT de cada andar ou divisão suscetível de utilização independente. E, no caso concreto, cada andar ou divisão suscetível de utilização independente afeto a habitação tem um VPT inferior a €1.000.000,00.
Antes de entrar, no entanto, na apreciação do mérito da causa, importa conhecer das exceções invocadas pela Requerida.
A. Da inutilidade originária da lide
A Requerida alega, como indicado, que processo arbitral anterior havia já apreciado os atos de liquidação da primeira prestação de IS referentes ao prédio sobre o qual incidem as liquidações objeto do presente pedido. Naquele processo, a Requerida foi absolvida da instância. Consequentemente, o presente processo é inútil, por recair essencialmente sobre o mesmo objeto.
Salvo o devido respeito, não se concorda com o alegado pela Requerida. Em primeiro lugar, haveria que discutir se o objeto do pedido é inteiramente o mesmo, na medida em as liquidações então apreciadas não são inteiramente coincidentes quanto às divisões suscetíveis de utilização independente abrangidas. Considera-se, contudo, que nem se justifica tal discussão, perante o disposto no artigo 279.º n.º1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º RJAT e 1.º CPTA: “A absolvição da instância não obsta a que se proponha outra ação sobre o mesmo objeto.” Assim sendo, e ainda que se considerasse que o objeto é o mesmo, o que não é linear, seria sempre irrelevante em função dos efeitos que a lei atribui à absolvição da instância.
Assim, não se considera procedente a exceção invocada de inutilidade originária da lide.
B. Da incompetência do tribunal arbitral para conhecer do pedido
A Requerida alega que a Requerente não impugna um ato tributário, mas impugna, antes, o pagamento de uma prestação de um ato tributário constante de uma nota de cobrança, ou seja, que o objeto do processo é a anulação não de um ato tributário, mas sim de uma nota de cobrança para o pagamento da 2.ª prestação de um imposto, matéria esta que não consta, em absoluto, do conjunto da norma que delimita a competência dos tribunais arbitrais tributários, constante do art.º 2.º do RJAT.
O imposto em questão é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI (artigo 23.º n.º7 do CIS). Por força daquela remissão, a sua liquidação pode ser dividida em prestações, em função do respetivo valor, nos termos do disposto no artigo 120.º n.º1 do CIMI.
Sem prejuízo de resultar dos autos que a Requerente pretende a anulação das liquidações indicadas, também resulta do seu pedido e argumentação aduzida que, de facto, a Requerente pretende a anulação do ato de liquidação do imposto, sendo irrelevante se o faz através da impugnação de uma ou outra prestação do mesmo.
Na verdade, o que tem que ser objeto de impugnação é o ato de liquidação de imposto e não a cobrança a que o mesmo dá lugar pois, acompanhando de perto as decisões arbitrais citadas pela Requerida, “as prestações de uma liquidação de imposto não são autonomamente impugnáveis, por consubstanciarem parcelas de uma prestação global, com origem numa mesma obrigação”. E essas prestações não são autonomamente sindicáveis, como bem refere a Requerida. A sua relevância aferir-se-á, para efeitos de prazo para apresentação da impugnação do ato, o qual, nos termos do artigo 102.º n.º1 alínea a) do CPPT, aplicável ex vi o disposto no artigo 10.º n.º1 alínea a) do RJAT, apenas decorre a partir do termo do prazo de pagamento do imposto constante da última prestação cobrada.
Em função do exposto, e considerando quanto se indica, a questão – entende este Tribunal Arbitral – não passará tanto por definir se o ato impugnado nos presentes autos é uma prestação do imposto liquidado ou o ato de liquidação em si. Para este Tribunal Arbitral, e perante a justificação supra enunciada, a impugnação deverá sempre incidir sobre a liquidação do imposto, no seu todo. A questão central prender-se-á sim com o valor da causa.
A Requerente indica como valor da causa o montante de €3.555,32, correspondente ao somatório das liquidações juntas com o pedido. No entanto, para ser possível a apreciação do pedido de impugnação do ato de liquidação, o valor da causa não será este, mas sim o correspondente ao valor total da coleta, ou seja, €10.666,10.
Nos termos do artigo 97.ºA alínea a) do CPPT, o valor atendível, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, quando seja impugnada a liquidação, é o da importância cuja anulação se pretende. Assim, se apenas o ato de liquidação (e não uma sua prestação) pode ser impugnado, então o valor da ação terá que ser necessariamente o do valor total da coleta supra indicado.
Para este efeito, a lei processual civil – aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT e 31.º n.º4 do CPTA – determina, a respeito do poder das partes quanto à indicação do valor da causa, que no articulado em que deduza a sua defesa, pode o réu impugnar o valor da causa indicado na petição inicial, contanto que ofereça outro em substituição, e que nos articulados seguintes podem as partes acordar em qualquer valor (305º nº1 do CPC). A falta de impugnação por parte do réu significa que aceita o valor atribuído pelo autor.
Já sobre a fixação do valor da causa, o artigo 306º do CPC estipula, no seu nº1, que compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes. Esse valor da causa é fixado no despacho saneador, e não havendo saneador, é fixado na sentença. Ou seja, o juiz passa a ter sempre de fixar o valor da causa, sindicando o valor indicado pelas partes.
Voltando ao caso dos autos, o Tribunal Arbitral admite, ao abrigo do artigo 16.º alíneas c), e) e f) do RJAT, a impugnação do ato tributário, na sua globalidade, por entender que apenas essa é possível (não sendo impugnável, como referido, uma mera prestação do imposto liquidado) e que tal decorre de quanto é a argumentação aduzida pela Requerente com o seu pedido. No entanto, e por força do disposto no artigo 306º do CPC, fixa-se o valor da causa, para todos os efeitos, em €10.666,10 (dez mil seiscentos e sessenta e seis euros e dez cêntimos).
Improcede, assim, pelo menos parcialmente, a exceção invocada pela Requerida.
C. Do mérito da causa
Importa agora perceber se a AT agiu com erro nos pressupostos de facto ou de direito para aplicação, ao caso, da verba 28.1 da TGIS.
Para a apreciação da questão em causa importa, antes de mais, analisar as verbas nº 28 e 28.1 da TGIS:
“28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 Por prédio com afectação habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada e prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%”
A Requerente sustenta que não cabem nesta previsão normativa os prédios urbanos em propriedade total considerados como um todo, quando compostos por partes suscetíveis de utilização independente.
Impõe-se interpretar, para este efeito, o conceito de “prédio” constante daquela verba 28.1 da TGIS. Para compreender o seu conteúdo, deverão ser compulsados os conceitos de prédio constantes do CIMI (artigos 2.º a 6.º) – ao abrigo do disposto no artigo 67.º, n.º 2 do CIS, segundo o qual, às matérias não reguladas no CIS respeitantes à verba n.º 28 da TGIS, se aplica subsidiariamente o disposto no CIMI.
E tal interpretação deverá ser sempre realizada nos termos do disposto nos artigos 11.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 9.º do Código Civil, para o qual aquele remete, o que se fará.
O artigo 2.º do CIMI define o conceito de prédio, e estabelece, especificamente, no respetivo n.º4, que para efeitos deste imposto, cada fração autónoma, no regime da propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio. Este artigo nada refere quanto a prédios em propriedade total ou quanto a partes de prédios (andares ou divisões suscetíveis de utilização independente).
De uma interpretação literal do artigo 2.º do CIMI, dúvidas não restarão de que partes de prédios que não estejam em propriedade horizontal não integram, para efeitos de IMI, o conceito de prédio.
Já quanto à determinação do valor patrimonial tributário de cada prédio, rege o artigo 7.º do CIMI. De acordo com o n.º1 do mesmo, o valor patrimonial tributário dos prédios é determinado nos termos deste Código. Assim, e segundo o n.º2 alínea b) daquele artigo 7.º, o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos com partes enquadráveis em mais de uma das classificações atribuídas a prédios urbanos nos termos do artigo 6.º n.º1 do CIMI (a saber, habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros) determina-se como se descreve: “caso as diferentes partes sejam economicamente independentes, cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes”.
Consequentemente, também na determinação do valor patrimonial tributário de prédios, não parece existir qualquer referência que especificamente determine que as partes economicamente independentes são consideradas como constituindo, de per si, prédios. Pelo contrário, a interpretação literal da norma permite concluir em sentido oposto: o valor do prédio é a soma dos valores das suas partes.
Reitera-se então: o CIMI não equipara, para determinação do valor patrimonial tributário, partes de prédios suscetíveis de utilização independente a prédios. Pelo contrário, claramente separa os conceitos de “prédio” e de “parte de prédio”. Ora, voltando ao artigo 2.º do CIMI, as “partes de prédio” não são havidas como prédios (precisamente ao inverso do que especificamente se refere relativamente a frações autónomas, essas sim equiparadas a prédios).
No caso concreto, o prédio urbano é composto por partes (independentes) habitacionais e por partes (independentes) comerciais. Logo, o valor do prédio é, de acordo com as regras indicadas, a soma dos valores das suas partes.
Não existe, então, igualdade de tratamento no CIMI entre prédios em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com partes enquadráveis em mais de uma das classificações atribuídas a prédios urbanos. Quanto aos primeiros, as respetivas frações autónomas são, inequivocamente, prédios para efeitos de IMI, quanto aos segundos, as suas partes independentes não cabem naquele conceito. As partes compõem, no seu todo, o prédio.
Consequentemente, se as partes de prédios, para efeitos de IMI, não são prédios, então não o serão também para efeitos de IS. Logo, o facto tributário é a propriedade do prédio, no seu todo, conforme decorre do conceito constante do artigo 2.º do CIMI.
Não colhem, igualmente, no entendimento do Tribunal Arbitral, os argumentos em torno dos artigos 12.º n.º3 e 119.º do CIMI, respeitantes, respetivamente, ao conceito de matriz predial e à liquidação do imposto.
Na verdade, não é pela mera autonomização matricial determinada pelo artigo 12.º n.º3 que os andares ou divisões suscetíveis de utilização independente adquirem a qualidade de prédio que não lhe é conferida pelo artigo 2.º do mesmo CIMI.
As matrizes prediais são registos de que constam, designadamente, a caracterização dos prédios (artigo 12.º n.º1 CIMI). Dessa descrição fazem parte integrante, no caso de prédios em propriedade total, os andares ou partes de prédio suscetíveis de utilização independente, que a lei determina (n.º3 do mesmo artigo) sejam separadamente considerados na mesma inscrição matricial.
Já quanto aos prédios em regime de propriedade horizontal, a lei vai mais longe: o artigo 92.º do CIMI estabelece que a cada edifício em regime de propriedade horizontal corresponde também uma só inscrição, mas cada uma das frações autónomas que o compõe é pormenorizadamente descrita e individualizada pela letra que lhe competir.
E mesmo que se considerasse que, quanto à questão da inscrição matricial, o tratamento entre prédios em regime de propriedade total e prédios em regime de propriedade horizontal é substancialmente semelhante, tal não ultrapassaria, considera-se, o facto de partes de prédios não constarem especificamente do artigo 2.º do CIMI, ao contrário do que acontece com as frações autónomas.
Adicionalmente, por cada “prédio” inscrito na matriz é entregue uma caderneta predial ao respetivo proprietário (artigo 93.º n.º1 do CIMI). Ora, não existe, para cada andar ou divisão suscetível de utilização independente de prédio em propriedade total, uma caderneta predial autónoma, pela razão clara de não se subsumir no conceito de prédio definido em sede deste imposto.
Quanto à liquidação do IMI (artigo 119.º), o documento de cobrança contém, necessariamente, a discriminação dos prédios e suas partes suscetíveis de utilização independente. Tal porque, ao abrigo do disposto no artigo 7.º n.º 2 alínea b) do CIMI, cada parte suscetível de utilização independente tem o valor patrimonial tributário calculado separadamente, como se indicou anteriormente.
Consequentemente, não procede o pedido da Requerente de declaração de nulidade das liquidações em crise com base em falta de pressuposto legal do facto tributário: como se demonstrou, o facto tributário existe (a propriedade de prédio urbano com valor patrimonial tributário superior a €1.000.000,00).
Não procede igualmente o pedido de anulação das liquidações em crise fundado em erro nos pressupostos, de facto ou de direito, pois os pressupostos para a liquidação e cobrança do imposto claramente se verificam no caso em apreço.
Perante o decidido, não há lugar à anulação juros e encargos decorrentes das liquidações não pagas, sendo certo que nunca poderia ser decidida pelo tribunal a condenação da Requerida, mesmo que o pedido da Requerente fosse procedente, em ressarcimento de montantes indicados como mera hipótese não concretizada.
VII. Decisão
Nestes termos, e com base nos fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:
a. Julgar improcedente a exceção de inutilidade originária da lide;
b. Julgar improcedente a exceção de incompetência do tribunal arbitral para a decisão da causa;
c. Fixar o valor da causa em €10.666,10 (dez mil seiscentos e sessenta e seis euros e dez cêntimos);
d. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se as liquidações impugnadas.
Valor do processo: €10.666,10 (dez mil seiscentos e sessenta e seis euros e dez cêntimos)
Custas: Ao abrigo do disposto no artigo 22.º n.º 4 do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas em €918,00 (novecentos e dezoito euros), a cargo da Requerente.
Lisboa, 5 de maio de 2016
O árbitro
Ana Pedrosa Augusto