Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 768/2015-T
Data da decisão: 2016-05-16  IRS  
Valor do pedido: € 383.584,14
Tema: IRS - Rendimentos de capitais; dúvidas sobre a existência de facto tributário
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Decisão Arbitral

 

            Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. A. Sérgio de Matos e Prof. Doutor Vasco Valdez, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 02-03-2016, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

            A..., e mulher B..., empresários, com domicílio fiscal na Rua..., n.º..., ...-... Lisboa, contribuintes número ... e ... respectivamente (doravante designados como «Requerentes»), vieram nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por «RJAT») requerer a «Constituição de Tribunal Arbitral para revisão do Ato Tributário, e consequente anulação da Declaração Mod. 3 de IRS de 2013, com o n.º ...-... -..., entregue via internet em 23.05.2014».

            A final, os Requerentes pedem que seja «anulada a Declaração Modelo 3 de IRS de 2013, com o n.º ...-... -... de 23.05.2014» e «verificando a referida liquidação lesa substancialmente os direitos subjetivos do contribuinte, a Administração Tributária encontra-se constituída no dever de anular a liquidação, independentemente de qualquer iniciativa deste, mesmo depois de já ter penhorado contas e prédios dos contribuintes, sem primeiro verificar corretamente o Ato Tributário».

             O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA em 04-01-2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 16-02-2016, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 02-03-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu suscitando as excepções de incompetência do Tribunal Arbitral e de intempestividade e defendendo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 11-04-2016 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações.

As Partes apresentaram alegações.

Tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira juntado um pedido de revisão oficiosa apresentado pelos Requerentes sobre a matéria dos autos, foram notificados os Requerentes para se pronunciarem, o que fizeram.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

É necessário apreciar prioritariamente as excepções suscitadas.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

a)      A 23-05-2014, os Requerentes entregaram a declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2013, com o n.º...-... -...;

b)      Nessa declaração foi incluído um anexo E (rendimentos de capitais), em cujo quadro B (Opção de englobamento de rendimentos), linha 450, foram referidos rendimentos no valor de € 693.650,10, relativos ao primeiro Requerente e em que foi indicado o n.º ... como «NIF da entidade devedora, registadora ou depositária» e indicado o código dos rendimentos «E1»;

c)      Naquela declaração, os Requerentes incluíram ainda um anexo G em que se referem apenas, nos campos 801 e 802 (referentes a «alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários – Artigo 10.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRS»), valores de realização de € 20.000,00 para cada um dos Requerentes e valores de aquisição € 20.000,00 e € 10.000,00, respeitantes ao primeiro e à segunda Requerente, respectivamente;

d)     No referido anexo G os Requerentes preencheram o campo 1 da parte final da parte 9, correspondente à palavra «SIM», relativamente à pergunta «Opta pelo englobamento dos rendimentos incluídos nos quadros 8 e 9?»; 

e)      Com base na referida declaração, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IRS n.º 2014..., com o valor total a pagar de € 383.584,14, datada de 07-06-2014, e com data limite de pagamento voluntário de 31-08-2014;

f)       Em 27-08-2014, os Requerentes apresentaram reclamação graciosa, que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que invocaram como fundamento uma errónea indicação de mais-valias, que não terá existido, existindo, antes, uma menos-valia no valor de € 375.294,58, fundamentando a sua pretensão nos seguintes termos:

1. Com Referência ao ano de 2013, os ora reclamantes apresentaram a competente declaração (pré-preenchida pela Autoridade Tributária - A.T.), em que erroneamente evidenciaram rendimentos de mais-valias, que conforme poderemos verificar são inexistentes, senão vejamos:

2. As supostas mais-valias, inexistentes, como será possível demonstrar infra, levaram a que a que os ora reclamantes, demonstrassem erroneamente, um Rendimento Global de 846.813,86 €, e ao consequente valor a pagar na Demonstração de Liquidação de ÍRS que agora se reclama, de 383.584,14€.

3. Valor este, totalmente injustificado, pois não existiu qualquer tipo de mais-valia.

4. Assim, vêm os ora Reclamantes, requerer a retificação da presente demonstração de liquidação de IRS, nos termos e com os seguintes fundamentos:

5. Os rendimentos de mais-valias, previamente preenchidos pela A.T., na Declaração de Rendimentos dos ora reclamantes, previstos na Alínea a) do n.º 1 do Art.º 9.º do Código de IRS, resultam nos termos do no Art.º 43.º do CIRS, do saldo apurado entre as mais-valias e as menos valias realizadas no mesmo ano.

6. Ora, não houve qualquer mais-valia, pois, conforme será possível apurar na exposição infra, e documentos anexos à presente, o que houve, foi de facto uma menos-valia no valor de 375.294,58 €.

7. A Declaração enviada pelo C..., em 20 de Janeiro de 2014, nos termos e para os efeitos do n. 1 alínea a) do Art.º 125.º do CIRS, induziu a A.T., em erro, e levou ao pré-preenchimento erróneo da declaração de rendimentos dos ora reclamantes e à entrega também errada da declaração de rendimentos por parte do colaborador, que não tinha conhecimento da proveniência/ transferência, da situação das Ações (Títulos do Banco C...– PT...), cfr. documento que se junta e se dá por integralmente reproduzido como doc. n.º 1.

8. No referido doc. n.º 1, é possível verificar que não estamos perante qualquer transação/aquisição, "ab initio", mas sim de uma transferência de títulos em 20.05.2013 para o Banco C..., proveniente de outra entidade bancária, mais concretamente uma transferência com mudança de titularidade a crédito (Trf. S/M. Tit. A Cré.), proveniente do D... (D...), conforme se poderá demonstrar infra.

9. Não houve qualquer Aquisição de ações em 20.05.2013, houve sim, uma transferência, sem qualquer relevância fiscal, para o Dossier de títulos n.º..., junto do Banco C..., em que o movimento é registado ao valor nominal (1,006) que é regra para todos os títulos não cotados em bolsa.

10. Os títulos/ações não cotadas, podem ser transferidas, não existindo qualquer relevância fiscal na sua transferência. Não houve qualquer movimento financeiro, o que existiu, foi uma entrada em espécie por transferência.

11. Acresce que, as referidas ações foram adquiridas/ compradas, em 30.10.2007 e 02.07.2008, conforme doc. n.º 2 e 3, que ora se juntam, e se dão por integralmente reproduzidos.

12. Em 30.10.2007, foram adquiridas, pelo ora reclamante, contribuinte com o NIF... , 782.640 (Títulos do Banco C... ...- PT...) ao preço de 2,200 € por ação, pelo preço de 1.721.808,00 € (cfr. doc. n.º 2).

13. Por sua vez, em 02.07.2008, foram adquiridas, pelo ora reclamante, 187.500 (Títulos do...), ao preço de 2,200 por ação, pelo preço de 412.500,00 €. (cfr. doc. n.º3).

14. Em 16.06.2010, foram transferidas (Trf. s/M. Tit. A Deb.), da conta do ora Reclamante no Banco C..., para a conta do mesmo no Banco E... (E...) 970.140 (782.640 + 187.500) títulos, cujo valor no referido momento era de 2.136.098,68 € (Cfr. doc. n.º 5 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzida).

15. Em 17.06.2010, os referidos títulos (as 970.140 ações não cotadas) foram transferidos do Banco de C..., S.A., para o Banco E... (Cfr. doc. n.º 6).

16. A 06.09.2010, os títulos, saíram por transferência, do E... para o D..., conforme documentos n.º 7 e n.º 8 que ora se juntam e se dão por integralmente reproduzidos, sem nunca ter havido mudança de titularidade.

17. Ou seja, os referidos títulos nunca saíram da titularidade do ora Reclamante, até finalmente serem vendidos em 24.05.2013, por um preço substancialmente inferior ao que foram comprados em 30.10.2007 e 02.07.2008.

18. Mais uma vez, no documento do Banco com a Ref.ª..., é possível verificar as entradas das referidas Ações ao portador (970.140) do Banco C..., (doc. n.º 8).

19. Por sua vez, em 1 de Junho de 2011, foram atribuídas a título gratuito, uma ação por cada dez ações detidas, pelo Banco D..., ao ora reclamante, ou seja, um acréscimo de 97.014 Acções do Banco C..., às 970.140, já detidas. (Cfr. doc. n.º 9).

20. Assim, o ora reclamante, conforme é do conhecimento de V.Exas., passou a deter as 1.067.154 (Ações não cotadas em Bolsa - Títulos do Banco C...), (documento n.º 10).

21. Ações estas que viriam a ser transferidas novamente para o Banco C..., em 20.05.2013, (doc. n.º 10) e transacionadas (vendidas) em 24.05.2013, ao preço de 1,65€ por Ação, pelo preço de 1.760.804,10 €.

22. Ora, conforme ficou descrito supra, não existiu qualquer mais-valia, pois, as ações foram compradas em 30.10.2007 e 02.07.2008, pelo preço de 2.136.098,68 €, e vendidas em 24.05.2013, pelo preço de 1.760.804,10 €. (cfr. doc. n.º 1 e n.º5)

23. O que realmente existe é uma menos-valia, no valor de 375.294,58 €.

24. Entre a aquisição e venda (transações com relevância fiscal), dos referidos títulos não cotados em bolsa, os Títulos do Banco C..., foram objeto de transferências entre os supra identificados bancos, transferências estas devidamente reportadas, e que não têm relevância fiscal.

25. Acresce que, desde o momento em que os títulos do Banco C..., foram adquiridos, em 30.10.2007 e 02/07/2008, até ao momento em que foram vendidas, em 24.05.2013, os referidos títulos nunca saíram da titularidade do ora reclamante, A... .

Termos em que, os ora reclamantes, solicitam a retificação da liquidação objeto da presente Reclamação Graciosa, tendo em consideração os fundamentos invocados, desde já se disponibilizando para proceder ao pagamento do imposto que efetivamente for devido.

 

g)       Por despacho de 17-11-2014, foi ordenada, para efeitos de exercício de direito de audição, a notificação aos Requerentes de um projecto de indeferimento da reclamação graciosa, que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

II-ANÁLISE DO PEDIDO

• O processo de reclamação graciosa é o meio próprio, de acordo com o artº 68.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), por remissão do n.º 1 do artº 140º do CIRS;

• Os Reclamantes têm legitimidade para o ato, conferida peio n.º 1 do artº 9.º do CPPT.

• A reclamação é tempestiva, nos termos do n.º 1 do art.º 70.º e da alínea a) do n.º 1 do art.º 102.º do CPPT, uma vez que a data limite de pagamento do imposto ocorreu em 31.08.2014 e a reclamação graciosa foi deduzida, via CTT, em 27.08.2014 (fls.3 e 42);

• Os reclamantes submeteram a declaração Mod. 3 de IRS em 23.05.2014, cujo nº é ...-2013-... -..., com anexos A - trabalho dependente e pensões, E - Rendimentos de capitais, F - Rendimentos prediais, G - Rendimentos de mais valias e H - Benefícios fiscais e deduções (fls. 33 a 40).

• Desta declaração resultou imposto a pagar no montante de €383.584,14 (fl.30).

• Contudo, alegam os reclamantes que a liquidação em causa não se encontra correta por motivo de terem sido consideradas mais valias relativas a 1.067.154 ações alienadas em / 24.05.2013 pelo Banco C..., no montante de € 1.760.804,10.

• Porém, analisado o anexo G das mais valias, nomeadamente o qd.8 referente à alienação de mais valias mobiliárias, encontram-se apenas inscritos valores de alienação de acões em nome da F..., SA, com o NIPC....

• Conclui-se que a liquidação de IRC ora reclamada se encontra correta, efetuada dentro dos preceitos legais, não se comprovando o alegado pela reclamante.

III - PROPOSTA DE DECISÃO

Atendendo aos elementos descritos propõe-se o indeferimento do pedido em apreço, de acordo com os fundamentos da presente informação.

 

h)      Os Requerentes pronunciaram-se no exercício do direito de audição, nos termos que constam do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, referindo, além do mais, o seguinte:

1.º

A Autoridade Tributária (A.T.), faz uma correta descrição do pedido, com base na declaração graciosa apresentada pelo ora signatário;

2.º

Na referida reclamação graciosa, o ora signatário, reclama, por lapso, da existência de uma possível mais-valia (Rendimentos da categoria G), que teria levado à consideração errónea do rendimento de € 846.813.86 e consequentemente ao valor a pagar de € 383.584,14.

3.º

Contudo, o ora signatário, baseou a sua reclamação graciosa, numa premissa errada, e na declaração errada, também de rendimentos classificados como rendimentos da Categoria E, senão vejamos:

O reporte pelo Banco C..., S. A., dos títulos do Banco C... – PT..., foi efetuado correctamente como sendo rendimentos da Categoria G. (conforme doc. n.º1l que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido);

5.º

O referido reporte, efetuado nos termos do Art.º 124.º e 125.º do CIRS, é coincidente com o registo dos referidos rendimentos na Autoridade Tributária, como decorre do doc. n.º 2, que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido.

6.º

Ora, conforme V.Exas., poderão facilmente constatar, não só pelo reporte do Banco C..., S. A., mas também pelo registo dos referidos títulos (código de valor mobiliário PT...), documentos ora anexos à presente, a natureza da operação reportada, e a natureza da operação registada é exactamente a mesma, (09 - outras; 10 - Alienação de valores mobiliários);

7.º

Natureza da operação, referido reporte e registo efectuada de acordo com a Portaria n.º 373/2013 de 27 de Dezembro, e Portaria n.º 415/2012, de 17 de Dezembro (revogada pela 1ª);

8.º

Ora, "A declaração modelo 13 destina-se a dar cumprimento à obrigação declarativa a que se refere o Art. º 124.º do CIRS" Portaria 373/2013, de 27 de Dezembro.

9.º

A Portaria 373/2013, de 27 de Dezembro, que regula as instruções de preenchimento do modelo 13, determina claramente, no campo 11, que o código da designação do valor ou instrumento, seria in caso, o código 02 - Ações, ou 09 - Outros valor mobiliários (isto se considerarmos os referidos títulos - acções não cotadas em bolsa, como outros valores mobiliários);

10.º

Nestes termos, face ao exposto supra, e em sede de reclamação graciosa os rendimentos, deveriam ter sido declarados como rendimentos da Categoria G, e não como rendimentos da Categoria E, como foram declarados por erro.

11.º

A título de conclusão, somente por erro ou lapso na declaração de rendimentos objeto da reclamação graciosa e da presente audição prévia, rendimentos reportados e declarados no modelo 13, como rendimentos da Categoria G, podem vir a aparecer na referida declaração, como rendimentos da Categoria E1, no montante de € 694.650,10.

12º

É incompreensível, somente por lapso se poderá entender, que a entidade reporta, neste caso, o Banco C..., S.A. (NIF...), reporta no modelo 13, como rendimentos da Cat. G, e os mesmos aparecem declarados como Rendimentos da Cat. E.

13.º

Não obstante, como ficou demonstrado em sede de reclamação graciosa, não existiu qualquer tipo de mais-valia, ou incremento patrimonial do sujeito passivo, nos termos da alínea a) do n.º 1 do Artº 9.º do CIRS, e do Art.º 10.º do CIRS.

14.º

 Sem prescindir, importa contudo, ressalvar que a Autoridade Tributária, poderá ter atenter ao disposto na Informação Vinculativa Processo n.º …/2011, (informação vinculativa … . com despacho concordante do substituto legal do Diretor-Geral. datado de 1/10/2012), no sentido de classificar os referidos títulos do Banco C...- PT..., como rendimentos da Cat. E.

15.º

Não obstante, como ficará demonstrado, mesmo neste caso, só o diferencial positivo apurado no momento do reembolso, constituirá um rendimento da aplicação de capitais, e consubstanciar-se-á "na diferença positiva apurada no momento do reembolso, e o custo de aquisição dos títulos".

16.º

Diferença essa abrangida pela alínea p) do n.º 2 do Artº 5.º do CIRS, a saber "quaisquer outros rendimentos derivados da simples aplicação de capitais''.

17.º

Ora, como ficou demonstrado na reclamação graciosa, "(..,) as ações foram compradas em 30.10.2007, e 02.07.2008, pelo preço de € 2.136.098,68, e vendidas em 24.05.2013, pelo preço de € 1.760.804,10". (doc. n.º 1 e n.º 5 anexos à referida reclamação graciosa).

18.º

Mesmo sendo considerado como um rendimento da Cat. E, nos termos do Art.º 5.º do CIRS. "O rendimento de capital a considerar nesses casos, consubstanciar-se-á, na diferença, positiva apurada no momento do reembolso (...) e o custo de aquisição dos títulos. "

19.º

Nestes termos, face ao exposto em sede de reclamação graciosa, e no presente exercício de audição, podemos concluir que não houve qualquer tipo de diferença positiva, que consubstancie um ganho para o sujeito passivo, ora reclamante, a qualquer título. Nem como rendimentos da Cat. G, nem como rendimentos da Cat. E.

20.º

Em anexo ao presente exercício de audição prévia, segue como documento n.º 3, simulação da declaração de rendimentos de 2013, com o resumo do Cálculo do Imposto; Documento único de cobrança do imposto apagar (doc.4), no montante de € 11.900.05 e respectivo comprovativo de pagamento (doe.5).

21.º

Sem prescindir ainda caso V.Exas., considerem necessário, consideramos que a notificação do Banco C..., S. A., no sentido de apurar, e consequentemente comprovar, tudo o que ficou exposto em sede de Reclamação Graciosa, e no presente exercício de audição prévia, seria proveitoso e certamente afastaria qualquer dúvida relativa à questão sub iudice.

Termos em que solicita que sejam revistas as conclusões retiradas dos elementos factuais analisados pela Direção de Finanças, no projeto de decisão de indeferimento, analisados os fatos aqui expostos no exercício do direito de audição, sejam revistas as referidas conclusões, e concedido o devido diferimento.

 

i)         Em 29-09-2015, foi proferido pelo Senhor Director de Finanças Adjunto despacho de indeferimento da reclamação, manifestando concordância com o projecto de decisão e com um parecer, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

III. INFORMAÇÃO COMPLEMENTAR

Realizada a instrução do processo, foi o correspondente projeto de decisão comunicado aos reclamantes através do ofício n.º ... de 2014-11-18, sendo este simultaneamente notificado para o exercício do direito de audição prévia previsto no art.º 60º da LGT.

O reclamante exerceu o referido direito em 2014-12-04, onde apresentou o articulado escrito que consta das fls. 56 a 60 do processo, com os seguintes fundamentos:

III.1. Na petição inicial reclama-se, por lapso, da existência de uma possível mais-valia (rendimentos da categoria G), que teria levado à consideração errónea do rendimento de €846.813,86 e consequente valor a pagar de €383.584,14.

III.2. Contudo, a reclamação graciosa foi baseada numa premissa errada e na declaração errada, também de rendimentos classificados da categoria E.

III.3. Entendem os reclamantes que os rendimentos deveriam ter sido considerados como categoria G e não categoria E, como foram declarados por erro.

III.4. Somente por erro ou lapso na declaração de rendimentos objeto da presente reclamação, rendimentos da categoria G, podem vir a aparecer na referida declaração como rendimentos da categoria El, no montante de €694.650,10.

III.5. As ações foram compradas em 2007-10-30 e 2008-07-02, pelo preço de €2.136.098,68 e vendidas em 2013-05-24, pelo preço de €1.760.804,10.

III.6. Mesmo sendo considerado como rendimento da categoria E, nos termos do art.º 5º do CIRS, "O rendimento de capital a considerar nesses casos, consubstanciar-se-á, na diferença positiva apurada no momento do reembolso (...) e o custo de aquisição dos títulos".

III.7. Assim concluem os reclamantes que não houve qualquer tipo de diferença positiva, que consubstancie um ganho para os sujeitos passivos ora reclamantes.

Analisada a argumentação aludida pelo reclamante, cumpre-nos informar:

III.8. Na petição inicial vêm os reclamantes alegar que, por lapso, consideraram rendimentos da categoria G que não obtiveram e que, consequentemente, foram tributados indevidamente.

III.9. Após analise do pedido e ainda em projeto de decisão, verificou-se que os alegados rendimentos não se encontravam inclusos na liquidação contestada, pelo que não assistia razão aos reclamantes.

III.10. Vêm agora os reclamantes, no exercício do direito de audição prévia alterar a fundamentação do pedido, ou seja, alterar a causa de pedir.

III.11. Atendendo à alínea e) do art.º 2º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), conjugado com o atual art.º 260º do Código de Processo Civil (CPC), o pedido deve manter-se quanto às pessoas, pedido e causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.

Nestes termos, propõe-se a manutenção do indeferimento do pedido com os fundamentos anteriormente descritos.

 

j)        Em 23-11-2015, os Requerentes apresentaram uma declaração de substituição, como o n.º ...-...-..., cuja cópia juntaram com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que não incluíram anexo E, mas acrescentam ao anexo G duas situações em que se produzem menos-valias, mas com montantes diferentes do valor que anteriormente tinham incluído no anexo E;

k)      Em 21-12-2015, às 10:58 horas, os Requerentes apresentaram o pedido de revisão oficiosa da liquidação ...-... -... de 23-05-2014, cuja cópia foi junta pela Autoridade Tributária e Aduaneira com as suas alegações, cujo teor se dá como reproduzido;

l)        Dão-se como reproduzidos os documentos que constam do ficheiro informático denominado «Reporte - Doc. 3 e 4» junto com o pedido de pronúncia arbitral, de que consta além do mais uma impressão de «Consultas Obrigações Acessórias – Detalhe – Por Sujeito Passivo» que inclui o seguinte:

 

m)    Em 21-12-2015, às 18:58 horas, os Requerentes apresentaram o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo;

n)       No formulário do CAAD com que apresentaram o pedido de constituição de tribunal arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, os Requerentes indicaram na parte relativa ao «Objecto do pedido»:

Imposto - IRS (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares)

Pretensão - Art.º 2.º n.º 1 alínea a) – A declaração de ilegalidade de actos de:

- Liquidação de tributos

- Autoliquidação

Art.º 2.º n.º 1 alínea b) – A declaração de ilegalidade de actos de:

- Determinação da matéria colectável

Acto(s) - Liquidação nº ...  de 2013 (Serviço de Finanças Lisboa-...)

Valor económico - € 383.584,14

Árbitro - Opta por não designar árbitro

Artigos em causa e observações - Art.º 99.º alínea a) do CPPT; "Errónea qualificação e quantificação dos rendimentos". No caso vertente, a venda de ações nacionais ao portador, foram por erro declarados Rendimentos da Cat. E, que são efetivamente Rendimentos da Cat. G..

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se no processo administrativo e nos documentos juntos pelos Requerentes.

Não se provou qual a origem do valor referido como rendimentos de capitais no anexo E da declaração modelo 3 de IRS, pois nenhum dos documentos juntos refere tal valor nem se vê forma de o calcular com base neles.

Não se provou que a primeira declaração modelo 3 de IRS já viesse pré-preenchida pela Autoridade Tributária e Aduaneira com o anexo E e o valor nele indicado. A Autoridade Tributária e Aduaneira afirma que não e os Requerentes não apresentam qualquer prova da afirmação que fazem.

 

3. Excepções

 

Cumpre apreciar, antes de mais, as excepções, começando pela incompetência, que é logicamente prioritária, como está reconhecido no artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2002, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

 

3.1. Excepção da incompetência

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a questão da incompetência por duas razões:

– os Requerentes dirigem o pedido de pronúncia arbitral contra a primeira declaração que apresentaram e não contra o acto de liquidação e não está nos poderes do Tribunal Arbitral anular ou alterar uma declaração tributária;

– o pedido é dirigido à Autoridade Tributária e Aduaneira e não ao Tribunal Arbitral.

 

O pedido de pronúncia arbitral apresenta-se em termos adequados a um pedido de revisão oficiosa dirigido à Autoridade Tributária e Aduaneira e não a um pedido de apreciação jurisdicional, designadamente o uso das expressões «revisão do acto tributário» e de «anulação da Declaração Mod. 3 de IRS de 2013», cuja utilização se compreende melhor na sequência da pertinente junção aos autos pela Autoridade Tributária e Aduaneira de um pedido de revisão oficiosa apresentado na mesma data em que foi apresentado o pedido de constituição do tribunal arbitral, sendo o pedido de pronúncia arbitral quase total reprodução textual do pedido de recurso, apenas sendo diferentes o cabeçalho e o artigo 1.º.

Inclusivamente, há afirmações no pedido de pronúncia arbitral que são textualmente interpretáveis como próprias de um pedido dirigido à Administração Tributária e não ao Tribunal Arbitral.

Mas, o que releva para definir o objecto de um processo jurisdicional, não é a terminologia utilizada na formulação do articulado nem na formulação do pedido, mas antes a percepção da pretensão a que se chega por via interpretativa.

Há mais de meio século que ALBERTO DOS REIS ensinou que os termos utlizados são irrelevantes quando se detecta a pretensão do autor: «O autor exprimiu o seu pensamento em termos inadequados, servindo-se de linguagem tecnicamente defeituosa, mas deu a conhecer suficientemente qual o efeito jurídico que pretendia obter? A petição será uma peça desajeitada e infeliz, mas não pode qualificar-se de inepta». ( [1] )

O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a pronunciar-se essencialmente nessa linha, desde há muito. ( [2] )

«Não impondo a lei os termos ou expressões a utilizar na formulação do pedido, haverá que afastar a exigência de fórmulas sacramentais, rígidas ou insubstituíveis em tal matéria. Neste ponto, de exigir é apenas que o autor, depois de descrever a sua pretensão, expondo os respectivos fundamentos e objecto, exprima a vontade de que o tribunal actue em ordem a proferir uma sentença de conteúdo favorável à pretensão manifestada». ( [3] )

«A petição inicial deve ser interpretada, como qualquer articulado das partes, segundo os princípios comuns à interpretação das declarações negociais e das leis, devendo prevalecer o sentido que um declaratário normalmente diligente pode e deve apreender dos seus termos verbais, postergando interpretações meramente ritualistas e formais». ( [4] )

Mais do que observar regras de interpretação, será de dar prioridade à liberdade de interpretação, desde que se comprove que o réu, por se ter apercebido da vontade real do autor, não é prejudicado pelas deficiências da petição, limite este imposto pelo princípio da proibição da indefesa, que é corolário do princípio da tutela judicial efectiva (art. 20.º, n.º 1, da CRP).

No caso em apreço, constata-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira apercebeu-se de que a pretensão dos Requerentes é a anulação da liquidação, ao referir-se no artigo 39.º da sua Resposta «à anulação da liquidação sugerida e não totalmente explicita no seu petitório» e ao defender, nos artigos seguintes, que a caducidade do direito de liquidação teria ocorrido em 29-11-2014, 90 dias depois data limite de pagamento voluntário indicada na demonstração de liquidação.

No artigo 44.º da Resposta a Autoridade Tributária e Aduaneira confirma que percebeu que os Requerentes formularam um pedido contra a referida liquidação, apesar de dizer que ele «apenas se pode presumir em face dos autos, porquanto o petitório é nessa matéria nada claro e deficitário».

Mas, é certo que, pelo menos, se pode presumir que os Requerentes formularam um pedido contra a referida liquidação e, por essa via, foi possível à Autoridade Tributária e Aduaneira identificar a pretensão anulatória que os Requerentes formulam.

Porém, o pedido de pronúncia arbitral não foi a única peça apresentada pelos Requerentes para formularem a sua pretensão, pois, por força do disposto no artigo 10.º, n.º 2, do RJAT, ele é apresentado por via electrónica, e o formulário que tem de ser preenchido nesse momento é a primeira peça do processo electrónico, de que foi dado conhecimento à Autoridade Tributária e Aduaneira em 22-11-2015 (nos termos do n.º 3 do mesmo artigo), peça essa que consta do processo electrónico sob a designação «Pedido».

Ora, no caso em apreço, o que consta desse «Pedido» de que foi dado conhecimento à Autoridade Tributária e Aduaneira é, além do mais, o seguinte:

 

Objecto do Pedido

 Imposto - IRS (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares)

Pretensão - Art.º 2.º n.º 1 alínea a) – A declaração de ilegalidade de actos de:

- Liquidação de tributos

- Autoliquidação

Art.º 2.º n.º 1 alínea b) – A declaração de ilegalidade de actos de:

- Determinação da matéria colectável

Acto(s) - Liquidação nº...de 2013 (Serviço de Finanças Lisboa-...)

Valor económico - € 383.584,14

Árbitro - Opta por não designar árbitro

Artigos em causa e observações - Art.º 99.º alínea a) do CPPT; "Errónea qualificação e quantificação dos rendimentos". No caso vertente, a venda de ações nacionais ao portador, foram por erro declarados Rendimentos da Cat. E, que são efetivamente Rendimentos da Cat. G..

 

Como se vê, é feita indicação expressa de que o acto que é objecto do pedido de declaração de ilegalidade a liquidação nº ... de 2013 e o fundamento do pedido é o «Art.º 99.º alínea a) do CPPT; "Errónea qualificação e quantificação dos rendimentos". No caso vertente, a venda de ações nacionais ao portador, foram por erro declarados Rendimentos da Cat. E, que são efetivamente Rendimentos da Cat. G.».

Assim, neste contexto, apesar de deficiências evidentes do pedido de pronúncia arbitral na alusão à declaração de rendimentos como acto a anular, conclui-se do conjunto de actos referidos através dos quais os Requerentes manifestaram a sua pretensão que pretendem que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade da liquidação n.º 2014..., referente a IRS do ano de 2013, por errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, traduzida em «a venda de ações nacionais ao portador, foram por erro declarados Rendimentos da Cat. E, que são efetivamente Rendimentos da Cat. G.».

Quando muito, se fosse necessário, poderia convidar-se os Requerentes a corrigir o pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do RJAT, para a sua terminologia ficar em consonância com a utilizada no «Pedido» que foi inicialmente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. Mas, tendo sido feita esta notificação e sendo inequívoca a intenção dos Requerentes manifestada no formulário de anulação da liquidação e seus fundamentos, não se está perante uma situação em que fosse imprescindível a correcção.

Aliás, o facto de Autoridade Tributária e Aduaneira vir defender a caducidade do direito de liquidação com base na data de termo do prazo de pagamento voluntário fixado o documento através do qual foi notificada a liquidação confirma que a Autoridade Tributária e Aduaneira percebeu que é esse o acto que os Requerentes pretendem impugnar, e, embora considerem «o petitório nada claro e deficitário», conseguiu presumir que o pedido é «contra a liquidação» (artigo 44.º da Reposta), o que, decerto, poderia apurar sem uso de presunções, em face do teor expresso do «Pedido» que electronicamente lhe foi notificado.

De qualquer modo, na parte final das alegações, os Requerentes referem explicitamente que pretendem que seja «o ato de liquidação n.º 2014..., referente a IRS do ano de 2013, declarado ilegal, e por errónea qualificação e quantificação dos rendimentos», em perfeita sintonia com o que declararam inicialmente no «Pedido» que foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que é pelo menos duvidoso que, com boa-fé, se possa aludir a nas alegações se faz «alteração substantiva da instância» ou alteração do pedido, como, com manifesto erro de interpretação, defende a Autoridade Tributária e Aduaneira na página 2 das suas alegações.

Sendo esta a interpretação que se faz do pedido de pronúncia arbitral, integrado pelo conjunto de actos processuais praticados pelos Requerentes no processo desde a apresentação electrónica até às alegações, conclui-se que se está perante um pedido que se enquadra nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, pois os Requerentes pretendem que seja «o ato de liquidação n.º 2014..., referente a IRS do ano de 2013, declarado ilegal, e por errónea qualificação e quantificação dos rendimentos», traduzida em «a venda de ações nacionais ao portador, foram por erro declarados Rendimentos da Cat. E, que são efetivamente Rendimentos da Cat. G.».

No que concerne à afirmação da Autoridade Tributária e Aduaneira de que, se não se entender como ela diz entender, que o Tribunal Arbitral é incompetente, há «violação dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), que vinculam o legislador e toda a actividade da AT», para além de ser manifesta a insuficiência de alegação, por a Autoridade Tributária e Aduaneira nem sequer esboçar uma explicitação sobre as razões que podem levar a entender que ocorrem violações de qualquer um desses princípios, é também evidente o erro da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre o princípio da separação de poderes e a função que nele desempenham os Tribunais.

Na verdade, num Estado de direito os Tribunais (inclusivamente aos arbitrais, que são constitucionalmente reconhecidos pelo artigo 209.º, n.º 2, da CRP) são independentes e apenas estão sujeitos à lei (artigo 203.º da CRP), pelo que compete aos Tribunais desenvolver a sua actividade autonomamente, interpretando as peças processuais apresentadas pelas partes e definindo o direito aplicável nos litígios que são submetidos a sua apreciação.

A interpretação e a aplicação do direito por um Tribunal efectuada num processo jurisdicional em sentido divergente das Partes não pode constituir uma violação dos princípios da separação dos poderes e do Estado de direito, pois é, antes, uma materialização desses princípios. Com efeito, quando estão a interpretar peças processuais e a interpretar a lei para a aplicar aos litígios submetidos à sua apreciação, os Tribunais arbitrais não estão a desenvolver uma actividade de natureza legislativa ou de natureza administrativa, mas sim a exercer o poder jurisdicional, pelo que não tem qualquer fundamento aludir a violação do princípio da separação dos poderes.

Da mesma forma, quanto ao princípio da legalidade, é manifesto que, ao adoptarem a interpretação da lei que entendem adequada para a aplicarem aos litígios que lhes compete apreciar, os tribunais arbitrais estão a dar-lhe execução, pois todas as normas legais carecem de interpretação e é aos tribunais que cabe fazê-la nos processos da sua competência. Num Estado de direito, em que os tribunais apenas estão sujeitos à lei, não há espaço jurídico para a fixação de uma interpretação supralegal da lei efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira cuja violação possa considerar-se incompatível com o princípio da legalidade. 

Pelo exposto, improcede a excepção da incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, ficando esclarecido que o acto impugnado é a liquidação n.º 2014..., referente a IRS do ano de 2013, que os Requerentes pretendem que seja declarada ilegal, e por errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, consubstanciada em que «a venda de ações nacionais ao portador, foram por erro declarados Rendimentos da Cat. E, que são efetivamente Rendimentos da Cat. G.».

Improcede, assim, a excepção de incompetência invocada.

 

3.2. Excepção da caducidade do direito de acção

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que ocorreu a caducidade do direito de liquidação, por entender que o prazo se conta a partir do termo do prazo de pagamento voluntário.

No entanto, no caso em apreço, houve reclamação graciosa, tempestivamente apresentada (no prazo previsto no artigo 70.º, n.º 1, do CPPT).

O acto que é impugnável num processo arbitral, quando uma reclamação graciosa é totalmente indeferida, é o acto primário de liquidação, pois é ele apenas o acto lesivo que afecta a esfera jurídica do contribuinte. É manifestamente a esse acto que se refere o artigo 2.º n.º 1, alínea a), do RJAT.

Mas, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, «o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado (...) no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma».

O artigo 102.º, n.º 2, que estabelecia um prazo especial para impugnação das decisões de reclamações graciosas, foi revogado pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, pelo que à impugnação de decisões deste tipo aplica-se o prazo de 90 dias previsto na alínea e) do n.º 1 do mesmo artigo, já que as decisões de reclamações são actos susceptíveis de impugnação autónoma, como decorre dos artigos 95.º, n.º 2, alínea d), da LGT e 97.º, n.º 1, alínea c), do CPPT.

Assim, o prazo de 90 dias para apresentar o pedido de pronúncia arbitral contra o acto de liquidação que foi objecto de reclamação graciosa indeferida conta-se da notificação da decisão de indeferimento da reclamação.

No caso em apreço, a decisão da reclamação graciosa foi proferida em 29-09-2015 e o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 21-12-2015, pelo que, mesmo sem considerar a data da notificação, tem de se concluir que este pedido foi apresentado dentro do prazo de 90 dias, previsto naquela alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.

Improcede, assim, a excepção da caducidade.

 

4. Matéria de direito

 

O vício que os Requerentes imputam à liquidação impugnada é o de «classificação/qualificação errónea de um Rendimento da Cat. G., tratado indevidamente como se tratasse de um Rendimento da Cat. E., dando origem a uma liquidação indevida de imposto no montante de €383 584,14».

Como resulta da matéria de facto fixada, foram os Requerentes que apresentaram à Autoridade Tributária e Aduaneira uma declaração modelo 3 de IRS em que incluíram um anexo E em que indicaram, na parte B, relativa a «Opção de englobamento de rendimentos», no campo 450 o valor de € 693.650,10, o n.º ... como «NIF da entidade devedora, registadora ou depositária» e o código dos rendimentos «E1».

De harmonia com as instruções de preenchimento da Declaração Modelo 3 relativa aos rendimentos de 2013, aprovadas pela Portaria n.º 365/2013, de 23 de Dezembro, o código de rendimento E1 corresponde aos seguintes rendimentos:

- Lucros e adiantamentos por conta de lucros devidos por entidades residentes (incluindo dividendos);

- Rendimentos resultantes de partilha ou amortização de partes sociais sem redução de capital;

- Rendimentos que o associado aufira da associação à quota e da associação em participação.

 

Nas referidas instruções de preenchimento indica-se ainda sobre o preenchimento do Quadro 4B:

QUADRO 4B - OPÇÃO DE ENGLOBAMENTO DE RENDIMENTOS

Neste quadro devem ser identificados os rendimentos que foram sujeitos a retenção na fonte a taxas liberatórias, para os quais se encontra prevista a opção de englobamento no n.º 6 do artigo 71.º do Código do IRS, e nos artigos 22.º, 23.º e 24.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

Para que a opção seja válida é necessário remeter ao serviço de finanças da área do domicílio fiscal o documento comprovativo dos rendimentos e do imposto retido, emitido pela entidade pagadora. Se a declaração for entregue via Internet, estes documentos devem ser remetidos ao serviço de finanças da área do domicílio fiscal até ao final do mês de maio do ano seguinte àquele a que respeitam os rendimentos.

Uma vez exercida a opção pelo englobamento, deve ser declarada a totalidade dos rendimentos referidos no n.º 6 do artigo 71.º (rendimentos de capitais). Esta opção determina ainda a tributação por englobamento das mais-valias respeitantes a valores mobiliários, bem como dos rendimentos prediais auferidos nos anos de 2013 e seguintes, como dispõe o n.º 5 do artigo 22.º do Código do IRS.

 

Como resulta destas instruções, o preenchimento do quadro 4B significa opção pelo englobamento de rendimentos de capitais.

Esta opção resulta necessariamente da opção pelo englobamento que os Requerentes fizeram na parte final da parte 9 do anexo G, ao assinalarem o campo 1 («SIM») à pergunta «Opta pelo englobamento dos rendimentos incluídos nos quadros 8 e 9?».

Na verdade, como resulta do disposto no artigo 22.º, n. 5, do CIRS, «quando o sujeito passivo exerça a opção referida no n.º 3, fica, por esse facto, obrigado a englobar a totalidade dos rendimentos compreendidos nos n.ºs 6 do artigo 71.º, 8 do artigo 72.º e 7 do artigo 81.º, e demais legislação, quando esta preveja o direito de opção pelo englobamento».

A alínea b) do n.º 3 deste artigo 22.º, para que se remete no n.º 5, refere «os rendimentos referidos nos artigos 71.º e 72.º auferidos por residentes em território português, sem prejuízo da opção pelo englobamento neles previsto», pelo que a opção pelo englobamento efectuada no anexo G implica o englobamento de rendimentos de capitais previstos no artigo 71.º e a indicar no quadro 4B do anexo E.

Este regime, aliás, consta das indicações de preenchimento do quadro 9 do anexo G, que consta da Portaria n.º 421/2012, de 21 de Dezembro, cuja aplicação à declaração modelo 3 relativa aos rendimentos de 2013 é determinada no artigo 4.º, alínea c) da Portaria n.º 365/2013, de 23 de Dezembro:

 

No caso em apreço, não se apurou se o anexo E foi pré-preenchido, nem se os Requerentes tiveram ou não rendimentos englobáveis no anexo E nesse ou noutro montante, mas os documentos apresentados pelos Requerentes, particularmente o que aparenta ser uma impressão efectuada com base no Portal das Finanças com a designação «Consultas Obrigações Acessórias – Detalhe – Por Sujeito Passivo», geram, pelo menos, dúvidas, sobre se o valor de € 693.650,10, que consta daquele Anexo E corresponde a rendimentos que devam ser considerados rendimentos de capitais.

Na verdade, o facto de que das operações relativas a valores mobiliários registadas como efectuadas em 20-05-2013 e 24-05-2013 resultou uma diferença de € 693.650,10, exactamente igual ao valor declarado no anexo E, aponta no sentido de serem essas operações que estão na origem da determinação do referido valor e corresponder à realidade a tese apresentada pelos Requerentes, que nem sequer é minimamente contrariada pela Autoridade Tributária e Aduaneira. Com efeito, a Autoridade Tributária e Aduaneira nem neste processo arbitral nem no de reclamação graciosa imputa falsidade aos documentos apresentados pelos Requerentes, nem em qualquer dos processos faz alguma alegação no sentido de suscitar dúvidas sobre os movimentos de acções que os Requerentes referem, apesar de a lei lhe reconhecer amplo acesso a informações bancárias, inclusivamente as relativas ao registo ou depósito de valores mobiliários, que lhe são obrigatoriamente fornecidas, nos termos do artigo 125.º do CIRS.

Assim, se é certo que os referidos documentos juntos pelos Requerentes não são de interpretação inequívoca e, por isso, não permitem dar como provados todos os factos afirmados pelos Requerentes, também o é que geram no Tribunal Arbitral fortes dúvidas sobre a qualificação dos movimentos de valores mobiliários de que resultou o valor de diferença de € 693.650,10, em qualquer das categorias a que se destina o quadro 4B do anexo E da declaração modelo 3. Na verdade, não há qualquer indício de aquela quantia provenha de «Lucros e adiantamentos por conta de lucros devidos por entidades residentes (incluindo dividendos)», ou «Rendimentos resultantes de partilha ou amortização de partes sociais sem redução de capital» ou «Rendimentos que o associado aufira da associação à quota e da associação em participação» que são as categorias de rendimentos a que, nos termos das instruções de preenchimento, se destina o referido quadro. Pelo contrário, os documentos referidos indiciam que aquele valor de € 693.650,10 tem origem em registos de movimentos de valores mobiliários.

Pelo exposto, conclui-se que resultam da prova produzida fundadas dúvidas sobre a obtenção pelos Requerentes no ano de 2013 de rendimentos no montante de € 693.650,10 de qualquer dos tipos que devem ser incluídos no referido quadro 4B do anexo E da declaração modelo 3.

Assim, por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT [aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT], que estabelece que «sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado», aquelas dúvidas justificam a anulação da liquidação n.º 2014... .

 

3. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)      Julgar improcedente a excepção da incompetência material deste Tribunal Arbitral;

b)      Julgar improcedente a excepção da caducidade do direito de acção;

c)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular a liquidação n.º 2014... .

 

4. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 383.584,14, indicado no formulário de apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral, que não é questionado pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

5. Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT fixa-se o montante das custas em € 6.426,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 16-05-2016

 

Os Árbitros

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

(A.  Sérgio de Matos)

 

(Vasco Valdez)

 

 

 



[1]                Comentário ao Código de Processo Civil, volume 2.º, páginas 364-365.

[2]              Entre outros, podem ver-se os seguintes acórdãos: de 4-10-1995, processo n.º 019501, Apêndice ao Diário da República de 14-11-97, página 2205s: de 10-12-1997, processo n.º 022048, AP DR 30-3-2001, página 3320; de 19-2-2003, processo n.º 01059/02, Apêndice ao Diário da República de 25-3-2004, página 318; de 14-3-2007, processo n.º 0907/06; de 26-4-2007, processo n.º 01202/06

[3]              Acórdão do STA de 4-10-1995, processo n.º 019501, Apêndice ao Diário da República de 14-11-97, página 2205.

                No mesmo sentido, podem ver-se os acórdãos do STA de 14-3-2007, processo n.º 0907/06, e de 29-10-2008, processo n.º 0541/08.

[4]              Acórdão do STA de 13-10-2010, processo n.º 0241/09.