Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 740/2015-T
Data da decisão: 2016-05-16  IRC  
Valor do pedido: € 4.383.109,23
Tema: IRC - Tributações autónomas; benefícios fiscais
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Decisão Arbitral

 

Os Árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Dr. João Taborda da Gama e Prof.ª Doutora Ana Maria Rodrigues, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 17-02-2016, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

 

A... SGPS S. A., (anteriormente denominada B..., SGPS, S.A.) NIPC..., com sede na Rua..., nº... ..., Edifício..., Lisboa, doravante designada por “A... SGPS” ou “Requerente”), apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (doravante RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa que apresentou da autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2012, no que respeita ao montante de taxas de tributação autónoma em IRC de € 4.383.109,23, com a sua consequente anulação nesta parte, por afastamento indevido das deduções à colecta, bem como o reembolso desta quantia acrescido de juros indemnizatórios desde 01-09-2013, até integral reembolso.

Subsidiariamente, caso se entenda que o artigo 90.º do CIRC não se aplica às tributações autónomas, deverá então ser declarada a ilegalidade das liquidações das tributações autónomas (e serem consequentemente anuladas) por ausência de base legal para a sua efectivação, com o consequente reembolso do mesmo montante de € 4.383.109,23 e o pagamento de juros indemnizatórios contados também de 01-09-2013.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 17-12-2015.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 02-02-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 17-02-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 29-03-2016, decidiu-se dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações.

As partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, é competente e as Partes estão devidamente representadas.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)      A Requerente é a sociedade dominante do Grupo Fiscal C...;

b)      A Requerente entregou no dia 30-05-2013 a declaração de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2012 do seu Grupo Fiscal tendo apurado um montante de tributações autónomas em IRC de € 5.192.691,74 (Documentos n.ºs 2 e 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

c)      Por acórdão arbitral de 01-09-2014, foi declarada a ilegalidade de tributações autónomas relativas ao exercício de 2012, no montante de € 809.582,51, pelo que o seu montante ficou reduzido a € 4.383.109,23 (Documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

d)     O valor do IRC (incluído derrama estadual), incluindo tributações autónomas, e da derrama municipal consequente, autoliquidado, encontra-se pago (campo 368 do quadro 10 dos referidos Documentos n.ºs 2 e 3);

e)      O sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira impediu que fosse deduzido ao valor das tributações autónomas os montantes de benefício fiscal reconhecido às empresas do grupo fiscal ao abrigo do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE) e do Regime Especial de Apoio ao Investimento (RFAI), na modalidade de crédito de imposto dedutível à colecta de IRC;

f)       No exercício de 2012, a Autoridade Tributária e Aduaneira não apurou o lucro tributável da Requerente por métodos indirectos (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

g)      Em 29-05-2015, a Requerente apresentou uma reclamação graciosa contra a autoliquidação de tributações autónomas do exercício de 2012 (processo administrativo);

h)      Em 11-09-2015 a Requerente foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa por despacho de 09-09-2015 proferido pelo Senhor Director da Unidade dos Grandes Contribuintes (Documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

i)        O despacho de indeferimento da reclamação graciosa manifestou concordância com a Informação n.º …-AIR/2015, cuja cópia consta do documento n.º 5, em que se refere, além do mais, o seguinte:

Após apreciação dos argumentos invocados pela Contribuinte, aqui Reclamante, na sua petição inicial, foi, por parte desta Unidade dos Grandes Contribuintes, elaborado o competente "Projeto de Decisão" junto aos autos, consubstanciado na nossa anterior Informação n.º …-AIR1/2015.

3. Através de ofício emanado por esta Unidade dos Grandes Contribuintes, a Contribuinte, ora Reclamante, foi devidamente notificada para, querendo, exercer o seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 60.º da Lei Geral Tributária, por sua vez conjugado com o preceituado no art.º 122.º do Código do Procedimento Administrativo.

4. Decorrido o prazo então concedido para o exercido do seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, nem a Contribuinte, aqui Reclamante, por um lado, veio aos autos acrescentar outros elementos que não tivessem já sido dirimidos aquando do nosso anterior "Projeto de Decisão", nem esta Unidade dos Grandes Contribuintes, por outro, descortinou também quaisquer outros elementos suscetíveis de colocar em causa as conclusões anteriormente propostas.

Nestes termos,

5. Considerando-se a permanência da validade dos pressupostos que, de facto e de direito, alicerçaram o nosso anterior "Projeto de Decisão", somos então a entender pela definitividade do mesmo, com todas as consequências legais.

§ II. DA CONCLUSÃO

Em conformidade com o anteriormente exposto e compulsados todos os elementos dos autos, designadamente o nosso anterior "Projeto de decisão" e as peças processuais carreadas pela Contribuinte, aqui Reclamante, nomeadamente a petição inicial e o seu requerimento de direito de audição, porquanto se demonstrar vedado a esta Unidade dos Grandes Contribuintes outro entendimento que não o até aqui referido, parece-nos de indeferir o pedido inserto nos autos, em conformidade com o teor do "quadro-síntese" mencionado no intróito desta nossa Informação, com todas as consequências legais, designadamente, sendo o caso, no que tange ao preceituado no art.º 163.º do Código do Procedimento Administrativo e, bem como, ao cumprimento do determinado pelo art.º 100.º da Lei Geral Tributária.

 

j)        Na Informação n.º …-AIR1/2015, que consta do processo administrativo (documento «Processo …-2015 (pág. 88-142)»), cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais, o seguinte:

§ IV. DA ANÁLISE DO PEDIDO

10. Compulsado o teor da petição inicial apresentada pela Contribuinte, ora Reclamante, e considerando que, nos autos, está em causa dirimir se o ato tributário a sindicar enferma ou não dos vícios de ilegalidade que lhe são apontados, somos então a aferir da bondade dos argumentos nesta sede trazidos ao nosso conhecimento.

11. O thema decidendum em causa nos presentes autos de procedimento administrativo de reclamação graciosa gira, conforme se vê, em torno da dedução de valores resultantes de determinados benefícios fiscais à coleta apurada em sede de tributação autónoma, com todas as consequências legais que ao caso caibam.

Dito isto,

§ IV . Do cálculo de imposto

§ IV.I. Da dedução de benefícios fiscais à coleta de tributação autónoma

§ IV.II. Dos argumentos da Reclamante

12. Não obstante o ato tributário de liquidação, porque de "autoliquidação", resultar da avaliação direta desde logo promovida pela própria Contribuinte, aqui Reclamante, ainda assim esta de modo algum se conforma com o mesmo na parte respeitante à coleta apurada em sede de tributação autónoma ao abrigo da norma atualmente prevista no art.º 88.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.

13. A Contribuinte, aqui Reclamante, entende que, tal como sucede com a coleta de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, também aqui, em sede do núcleo da coleta por via das despesas autonomamente tributadas, devem igualmente aproveitar os benefícios fiscais relativos quer ao "Regime Fiscal de Apoio ao Investimento" ("SIFIDE"), quer ao "Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial" ("RFAI").

14. Partindo do pressuposto - errado - de que a tributação autónoma é também imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, a Contribuinte, aqui Reclamante, entende que o valor dos benefícios fiscais dedutíveis a coleta daquele, que, num primeiro momento, deixaram de ser deduzidos por insuficiência desta, poderão, em segunda instância, ser deduzidas ao montante da coleta apurada agora em sede de tributação autónoma.

15. Desse modo, por sua vez considerando que a sua coleta de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurada por referência ao período de tributação respeitante ao ano civil de 2012 era insuficiente para o "consumo" dos benefícios em questão, deveria então o montante "não consumido" naquela sede ser por sua vez deduzido à coleta apurada em matéria de tributação autónoma.

16. Para fundamentar esta sua ilação, a Contribuinte, ora Reclamante, invoca desde logo o disposto no art.º 90.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, na redação vigente à data dos factos, no que tange às regras da dedução relativa aos benefícios fiscais, mais concretamente ao "SIFIDE II" e ao "RFAI", a ponto de concluir pela possibilidade de o valor aproveitado por efeito desses mesmos benefícios ser deduzido à coleta de tributação autónoma.

17. Partindo destes pressupostos, a Contribuinte, ora Reclamante, afirma que, a respeito da coleta de tributação autónoma é perfeitamente possível a sua dedução do valor dos benefícios fiscais apurados - in casu "SIFIDE II" e "RFAI" - e ainda não deduzidos por insuficiência da coleta na estrita cédula do principal, atendendo à natureza dessas mesmas tributações autónomas, tendo por assente que, em sua tese, a tributação autónoma têm a natureza de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

18. Neste seu sentido, entende portanto a Contribuinte, ora Reclamante, que, sendo por isso devida a título desse imposto, e que a coleta engloba para além deste também a tributação autónoma, tal implica que igualmente à coleta destas - face ao citado normativo - são dedutíveis os benefícios fiscais que operem por dedução à coleta como é precisamente o caso dos benefícios aqui trazidos à colação.

Nestes termos,

19. Conclui a Contribuinte, ora Reclamante, requerendo, a título primeiro, que tendo por base o montante dos benefícios fiscais que se encontravam por deduzir e, bem como, o valor da coleta de tributação autónoma apurado no âmbito de todo o perímetro fiscal, dever-lhe-á ser então restituído o montante de € 4.383.109,23 (quatro milhões, trezentos e oitenta e três mil, cento e nove euros e vinte e três cêntimos) correspondente ao total agregado do benefício fiscal em sede de "RFAI" e de "SIFIDE".

20. Por sua vez a título de subsidiário, e em caso de improcedência do pedido principal, a Contribuinte, ora Reclamante, formula ainda o pedido de anulação da "autoliquidação", na parcela referente à tributação autónoma, por entender que tal montante não é devido.

21. Por fim, adicional e complementarmente, a Contribuinte, ora Reclamante, formula igualmente um pedido de juros indemnizatórios, atendendo a que o imposto se encontra integralmente pago e que se encontra verificado o pressuposto essencial do "erro imputável aos serviços" contido no n.º 1 do art.º 43.º da Lei Geral Tributária.

§ IV. III. Da apreciação

22. Conforme resulta nos termos expressos na sua petição inicial, a Contribuinte, ora Reclamante, contesta requerendo então que as importâncias que lhe cabem como "crédito" de imposto por força do aproveitamento dos benefícios fiscais respeitantes ao "SIFIDE" e ao "RFAI" sejam por sua vez deduzidos ã coleta determinada e apurada por via da tributação autónoma de determinadas despesas e encargos nos termos do mecanismo estatuído no disposto no art.º 88.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, na redação em vigor à data dos factos ora sob exame.

Ora,

23. Compulsados os autos e considerando o regime legal vigente à data dos factos aqui sob exame, parece-nos de improceder o pedido formulado nos presentes autos, pois a coleta apurada em sede de tributação autónoma não pode - nem deve - ser confundida com a coleta que resulta no estrito âmbito do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, com todas as consequências legais, designadamente no que diz respeito ao mecanismo da dedução à coleta de quaisquer quantias resultantes do aproveitamento de valores decorrentes de benefícios fiscais como os aqui em apreço.

Aliás,

24. No que concerne às tributações autónomas previstas no art.º 88.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, facilmente se vê que estas são apuradas de forma distinta, e igualmente autónoma, face ao processamento aludido pelo art.º 90.º do mesmo diploma legal, este, consabido, inerente ao núcleo da estrita tributação do rendimento e não ao da tributação na cédula da despesa como sucede ao nível da tributação autónoma. Isto por um lado.

25. Por outro, não se olvide dos alicerces que conduziram à estatuição legal quer, por um lado, da tributação autónoma quer, por outro, dos benefícios fiscais, ambas realidades distintas e com interesses imediatos e mediatos igualmente dispares a ponto de impedir a sua respetiva convergência, mormente, no que tange á dedução à primeira do valor respeitante a estes últimos.

Passamos a explicar:

(...)

41. Com a consagração desta tipologia, sublinhadamente antiabuso, indireta, marcadamente intencional no que tange aos propósitos de combate à fraude e evasão fiscais e de firmamento do princípio da capacidade contributiva por conexão ao princípio da tributação do rendimento real das empresas, o legislador fiscal procurou promover, tanto quanto possível, que os sujeitos passivos reduzissem estas despesas que afetam de maneira negativa a coleta e, consequente, receita fiscal, designadamente, em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

42. O mecanismo imprimido por força do artº 88.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, através da tributação autónoma das diferentes realidades aí previstas, procura, primordialmente, acautelar os equilíbrios gerais do próprio sistema fiscal e, bem como, do próprio imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, fazendo-o designadamente por balanceamento de interesses.

43. A consignação da tributação autónoma visou, antes de mais, impedir que da revelação reiterada de encargos e despesas, tais como os elencados naquela norma, se promovesse o adulteramento do resultado fiscal, maxime da própria receita fiscal final, tudo através de censuráveis condutadas de evitamento e mitigação de imposto, desequilibrando o pêndulo no que concerne à ideia geral de justiça e sobre o dever fundamental de pagar impostos.

44. Ao invés do que sucede ao nível da intrínseca cédula de "IRC", que contempla a tributação do rendimento, a tributação autónoma de despesas e encargos, por seu turno, mais não é do que uma realidade instrumental, acessória e essencial à obtenção do resultado daquele, na justa medida em que foi em função (e proteção) do imposto sobre o rendimento que deu azo à conceção destas e em que, contas feitas, se radica a sua própria raison d'être.

45. A tributação autónoma busca a sua incidência objetiva em despesas e encargos e não em rendimentos, ficando, por isso, distanciada do "IRC" em sentido estrito, embora, consabido, esteja universalmente ligada a este para efeitos, diga-se, "operacionais" e "funcionais".

46. Como exemplo disso, e não indo para além do próprio Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, este, no n.º 1 do seu art.º 12.º, desde logo realça a relação de "operacionalidade" e de "funcionalidade" entre a tributação do rendimento e a tributação autónoma de certas despesas ou encargos, sem prejuízo de ainda assim, obviamente, reiterar a distância entre essas mesmas realidades.

47. Igualmente espelhando esse vinculo de "operacionalidade" e de "funcionalidade", e, por seu turno, também sem desviar a respetiva distinção, vêm abonar, entre outros, a alínea a) do n.º 1 do atual art.º 23.º-A, o n.º 1 do art.º 65.º e, bem como, os n.ºs. 4 e 10 do art.º 88.º, todos do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, os quais sobremaneira sublinham a interdependência, fazendo-o ainda assim sem qualquer prejuízo para a respetiva destrinça.

Nestes termos,

48. Atento o âmago da tributação autónoma e os traços que tanto, por um lado, a identificam com o próprio imposto sobre o rendimento como, por outro, e paradoxalmente, a afastam deste, estas, "protegendo" por forma indireta a componente objetiva da tributação do rendimento, visam eliminar ou mitigar a vantagem fiscal que aquele género de despesas e encargos, pela sua natureza, potência.

49. Não pode, portanto, a própria coleta apurada em sede de tributação autónoma, ela mesma, por sua vez, servir de atenuante no âmbito do procedimento de determinação da matéria coletável do imposto sobre o rendimento, precisamente aquele que a primeira tem como desiderato manter incólume diante determinadas condutas tendencialmente nefastas sob o ponto de vista tributário. Isto por um lado.

50. Por outro, outrossim importante para o caso sub juditio, por não se inscrever na estrita cédula da concreta tributação do rendimento mas sim no da ótica inversa (a da despesas), não pode, portanto, a tributação autónoma e, bem como, a respetiva coleta, aproveitar de benefícios fiscais cuja enfatização se verifica apenas e tão só no estrito e concreto âmbito do rendimento e nunca no da despesa, como sucede nos conhecidos casos respeitantes aos benefícios tais como o "SIFIDE" ou o próprio "RFAI".

51. Ainda mais grave, tudo sob pena da contra legem promoção do paradoxo correspondente ao esvaziamento da coleta autónoma por força da sua redução por aproveitamento de quantias concedidas por razões e interesses que ab initio brigam com os propósitos da estatuição legal da primeira, beneficiando fiscalmente precisamente aqueles a que o legislador quis providenciar desde logo uma "penalização" fiscal por intermédio de um mecanismo (acessório) que tributa não rendimento mas sim despesa, eliminando ou reduzindo por via indireta qualquer vantagem fiscal que seja no estrito perímetro da tributação do rendimento e, em consequência, na respetiva coleta e receita final.

Destarte,

52. Atento aquilo que foi por nós até aqui referido, que não converge com o argumentado pela Contribuinte, ora Reclamante, parece-nos, com efeito, de promover a improcedência integral não só do pedido principal mas também do pedido subsidiário, ficando, claro está, por inerência, igualmente prejudicado o reconhecimento de quaisquer juros indemnizatórios em razão da ausência de preenchimento dos respetivos pressupostos exigidos pela norma contida no art.º 43.º da Lei Geral Tributária.

§ V. DA CONCLUSÃO

Em conformidade com tudo o anteriormente exposto, porquanto se demonstrar vedado a esta Unidade dos Grandes Contribuintes outro entendimento que não o até aqui referido, somos de propor que o pedido formulado nos autos seja integralmente indeferido de acordo com o teor do "quadro-síntese" desde logo melhor identificado no intróito desta nossa informação, com todas as consequências legais. Mais se propõe que, igualmente em caso de Concordância Superior, se promova a notificação da Contribuinte, aqui Reclamante, de acordo com as normas insertas nos art.ºs 35.º a 41º, todos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, através de ofício a remeter sob registo, para, querendo, no prazo de 15 (quinze) dias, exercer o seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, nos termos d o disposto no art.º 60.º da Lei Geral Tributária, por sua vez conjugado com a regra contida no art.º 121.º, este do Código do Procedimento Administrativo, ex w da alínea c) do art.º 2.º também da Lei Geral Tributária. É tudo quanto cumpre por ora informar.

 

k)      Em 09-12-2015, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não se deu como provado que corresponda à realidade a afirmação da Requerente de que as empresas integrantes do grupo na origem do SIFIDE não são e não eram então entidades devedoras ao Estado e à segurança social de quaisquer impostos ou contribuições.

Designadamente as certidões que constam do documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral não podem considerar-se suficientes para esse efeito, pois algumas datam de 2011 e de 2012 e apenas uma delas, relativa à empresa D..., S.A. tem período de validade abrangendo a data em foi apresentada declaração modelo 22.

 

 2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo, não havendo controvérsia sobre eles.

No que concerne ao facto da alínea e) dos factos provados, relativa ao sistema informático, a Autoridade Tributária e Aduaneira não questiona o que é afirmado pela Requerente nos artigos 15.º a 17.º do pedido de pronúncia arbitral, antes defende que esse é o funcionamento adequado (artigos 139.º a 142.º da resposta).

 

3. Matéria de direito

 

A questão que é objecto do presente processo é a se saber se, relativamente ao exercício de 2012, os benefícios fiscais que operam por de dedução à colecta de IRC, designadamente os previstos no SIFIDE II ([1]) e no RFAI ([2]) são dedutíveis à colecta de tributações autónomas.

A Requerente formula um pedido subsidiário para a hipótese de se aceitar que o artigo 90.º do CIRC não é aplicável à liquidação de tributações autónomas, a autoliquidação de 2012 deverá ser anulada por não haver base legal para a sua liquidação.

Convém começar por esta última questão, pois a sua solução é relevante para a resolução da primeira.

 

3.1. Questão da aplicação do artigo 90.º do CIRC à liquidação de tributações autónomas

 

Os artigos 89.º e 90.º do CIRC estabelecem o seguinte, na redacção dada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, vigente em 2012:

 

Artigo 89.º

Competência para a liquidação

 

A liquidação do IRC é efectuada:

a) Pelo próprio sujeito passivo, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º;

b) Pela Direcção-Geral dos Impostos, nos restantes casos.

 

Artigo 90.º

Procedimento e forma de liquidação

 

1 - A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria colectável que delas conste;

b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada;

c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.

2 – Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

a) A correspondente à dupla tributação internacional;

b) A relativa a benefícios fiscais;

c) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;

d) A relativa a retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.

 

3 – (Revogado pela da Lei n.º 3-B/10)

4 – Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efectuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.

5 – As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respectivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria colectável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.

6 – Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efectuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.

7 – Das deduções efectuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.

8 – Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efectuadas nos termos dos n.ºs 2 a 4.

9 – Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efectuadas anualmente liquidações com base na matéria colectável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria colectável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.

10 – A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.

 

Estes artigos 89.º e 90.º do CIRC, bem como outras normas deste Código, como as relativas as declarações previstas nos artigos 120.º e 122.º, são aplicáveis às tributações autónomas.

Desde logo, é hoje pacífico, na sequência de inúmera jurisprudência arbitral e das posições assumidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC. ([3]) De resto, para além da unanimidade da jurisprudência, o artigo 23.º-A n.º 1, alínea a), do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não deixa hoje margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código.

Ora, o artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10).

Por isso, aquele artigo 90.º aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, na sequência da apresentação ou não de declarações, não havendo qualquer outra disposição vigente em 2012 que previsse termos diferentes para a sua liquidação.

Assim, as diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o resultante do lucro tributável restringem-se à determinação da matéria tributável e às taxas aplicáveis, que são as previstas nos Capítulos III e IV do CIRC para o IRC que tem por base o lucro tributável e no artigo 88.º do CIRC para o IRC que tem por base a matéria tributável das tributações autónomas e as respectivas taxas.

Mas, as formas de liquidação que se prevêem no Capítulo V do mesmo Código são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC.

No entanto, a circunstância de uma autoliquidação de IRC, efectuada nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, poder conter vários cálculos parciais com base em várias taxas aplicáveis a determinadas matérias colectáveis, não implica que haja mais que uma liquidação, como resulta dos próprios termos daquela norma ao fazer referência a «liquidação», no singular, em todos os casos em que é «feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º», tendo «por base a matéria colectável que delas conste» (seja a determinada com base nas regras dos artigos 17.º e seguintes seja a determinada com base nas várias situações previstas no artigo 88.º).

De resto, não são apenas as liquidações previstas no artigo 88.º que podem englobar vários cálculos de aplicação de taxas a determinadas matérias colectáveis, pois o mesmo pode suceder nas situações previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 87.º. ([4])

De qualquer forma, sejam quais forem os cálculos a fazer, é unitária a autoliquidação que o sujeito passivo ou a Autoridade Tributária e Aduaneira devem efectuar nos termos dos artigos 89.º, alínea a), 90.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e 120.º ou 122.º, e com base nela que é calculado o IRC global, sejam quais forem as matérias colectáveis relativas a cada um dos tipos de tributação que lhe esteja subjacente.

Aliás, como bem refere a Requerente ao formular o seu pedido subsidiário, se este artigo 90.º não fosse aplicável à liquidação das tributações autónomas previstas no CIRC, teríamos de concluir que, em 2012, não haveria qualquer norma que previsse a sua liquidação, o que se reconduziria a ilegalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a liquidação de impostos se faça «nos termos da lei».

Não há mesmo controvérsia sobre a aplicabilidade do artigo 90.º do CIRC à liquidação das tributações autónomas, pois a Autoridade Tributária e Aduaneira, no artigo 26.º da sua Resposta refere que há «dois cálculos distintos que, embora processados, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º do mesmo código, são efectuados com base em parâmetros diferentes, pois cada uma se materializa na aplicação das suas próprias taxas, previstas nos artigos 87.º ou no 88.º do CIRC, às respectivas matérias colectáveis determinadas igualmente de acordo com regras próprias».

Refira-se ainda a nova norma do n.º 21 aditada ao artigo 88.º do CIRC pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, independente de ser ou não verdadeiramente interpretativa, em nada altera esta conclusão, pois aí se estabelece, no que concerne à forma de liquidação das tributações autónomas, que ela «é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores».

Com efeito, se é certo que esta nova norma vem explicitar como é que se calculam os montantes das tributações autónomas (o que já decorria do próprio texto das várias disposições do artigo 88.º) e que a competência cabe ao sujeito passivo ou à Administração Tributária, nos termos do artigo 89.º (o que também era incontroverso), é também claro que não se afasta a necessidade de utilizar o procedimento previsto no n.º 1 do artigo 90.º, designadamente nos casos previstos na sua alínea c) em que a liquidação cabe à Administração Tributária e Aduaneira, com «base os elementos de que a administração fiscal disponha», que abrangerão a possibilidade de liquidar com base em tributações autónomas, se não for apresentada declaração pelo sujeito passivo e a Autoridade Tributária e Aduaneira dispuser de elementos que comprovem os seus pressupostos.

Por isso, quer antes quer depois da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, o artigo 90.º, n.º 1, do CIRC é aplicável à liquidação de tributações autónomas, embora com base em matéria tributáveis e taxas distintas, tanto nas várias situações referidas no artigo 87.º do CIRC, como nas previstas no artigo 88.º deste Código.

 

3.2. Questão da dedutibilidade de despesas de investimento previstas no SIFIDE II às quantias devidas a título de tributações autónomas

 

Em 2011, vigorava o Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial II (SIFIDE II) que foi aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro.

Este diploma estabelece o seguinte, nos seus artigos 4.º e 5.º:

 

Artigo 4.º

Âmbito da dedução

1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação de 1 de Janeiro de 2011 a 31 de Dezembro de 2015, numa dupla percentagem:

a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período;

b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000.

 

2 - Para os sujeitos passivos de IRC que sejam PME de acordo com a definição constante do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, que ainda não completaram dois exercícios e que não beneficiaram da taxa incremental fixada na alínea b) do número anterior, aplica-se uma majoração de 10 % à taxa base fixada na alínea a) do número anterior.

3 - A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.

4 - As despesas que, por insuficiência de colecta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao sexto exercício imediato.

5 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, quando no ano de início de usufruição do benefício ocorrer mudança do período de tributação, deve ser considerado o período anual que se inicie naquele ano.

6 - A taxa incremental prevista na alínea b) do n.º 1 é acrescida em 20 pontos percentuais para as despesas relativas à contratação de doutorados pelas empresas para actividades de investigação e desenvolvimento, passando o limite previsto na mesma alínea a ser de (euro) 1 800 000.

7 - Aos sujeitos passivos que se reorganizem, em resultado de actos de concentração tal como definidos no artigo 73.º do Código do IRC, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

 

Artigo 5.º

Condições

 

Apenas podem beneficiar da dedução a que se refere o artigo 4.º os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições:

 

a) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indirectos;

b) Não sejam devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer impostos ou contribuições, ou tenham o seu pagamento devidamente assegurado.

 

A Requerente defende, em suma, que se a colecta das tributações autónomas é considerada colecta de IRC, ela releva para dedução dos créditos fiscais do SIFIDE II, no ano de 2012.

Como se referiu, o artigo 90.º do CIRC reporta-se também à liquidação das tributações autónomas.

E, como também se disse, não há suporte legal para afirmar que, na eventualidade de terem de ser efectuados numa declaração vários cálculos para determinar o IRC, seja efectuada mais que uma autoliquidação.

O diploma que aprovou o SIFIDE não refere que os créditos dele proveniente são dedutíveis a toda e qualquer colecta de IRC, antes define o âmbito da dedução aludindo, no seu n.º 1 do artigo 4.º, «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência».

O n.º 3 do mesmo artigo 4.º confirma que é ao montante que for apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC que releva para concretizar a dedução ao dizer que «a dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior».

Assim, por mera interpretação declarativa, conclui-se que o artigo 4.º, n.º 1, do SIFIDE II, ao estabelecer a dedução «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência», implica a dedução ao montante das tributações autónomas que são apuradas nos termos desse artigo 90º.

O facto de o artigo 5.º do SIFIDE II afastar o benefício quando o lucro tributável seja determinado por métodos indirectos e nas tributações autónomas se incluírem situações em que se visa indirectamente a tributação de lucros (designadamente, não dando relevância ou desmotivando factos susceptíveis de os reduzirem) não tem qualquer relevância para este efeito, pois o conceito de «métodos indirectos» tem um alcance preciso no direito tributário, que é concretizado no artigo 90.º da LGT (para além de normas especiais), reportando-se a meios de determinar o lucro tributável, cuja utilização não se prevê para cálculo da matéria colectável das tributações autónomas previstas no artigo 88.º do CIRC.

Por outro lado, se é a necessidade de fazer uso de métodos indirectos que afasta a possibilidade de usufruir do benefício, não se pode justificar esse afastamento em relação à colecta das tributações autónomas, que é determinada por métodos directos.

Para além disso, não pode ver-se, na eventual natureza de normas antiabuso que assumem algumas tributações autónomas ([5]) uma explicação para o seu afastamento da respectiva colecta do âmbito da dedutibilidade do benefício do SIFIDE II, pois não há qualquer suporte legal para afastar a dedutibilidade à colecta proporcionada por correcções baseadas em normas de natureza indiscutivelmente antiabuso, como, por exemplo, as relativas aos preços de transferência ou subcapitalização.

Por outro lado, o facto de a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE II ser limitada à colecta do artigo 90º do CIRC, até à sua concorrência, não permite concluir que o crédito fiscal só seja dedutível caso haja lucro tributável, pois o que aquele facto exige é que haja colecta de IRC, que pode existir mesmo sem lucro tributável, designadamente por força das tributações autónomas.

Assim, apontando o teor literal do artigo 4.º do SIFIDE II no sentido de a dedução se aplicar também à colecta de IRC derivada de tributações autónomas e apurada nos termos do artigo 90.º do CIRC, só por via de uma interpretação restritiva se poderá afastar a aplicação do benefício fiscal à colecta de IRC proporcionada pelas tributações autónomas.

            A viabilidade de uma interpretação restritiva encontra, desde logo, um obstáculo de ordem geral, que é o de que as normas que criam benefícios fiscais têm a natureza de normas excepcionais, como decorre do teor expresso do artigo 2.º, n.º 1, do EBF, pelo que, na falta de regra especial, devem ser interpretadas nos seus precisos termos, como é jurisprudência pacífica. ([6]) No caso dos benefícios fiscais, prevê-se explicitamente a possibilidade de interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), mas não de interpretação restritiva, pelo que, em regra, o benefício fiscal não deve ser interpretado com menor amplitude do que a que, em uma interpretação declarativa, resulta do teor da norma que o prevê.

De qualquer modo, uma interpretação restritiva apenas se justifica quando «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva. O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquela ratio. O argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)» ([7]).

Como fundamento para uma interpretação restritiva poderá aventar-se o facto de que algumas tributações autónomas visam desincentivar certos comportamentos dos contribuintes susceptíveis de afectarem o lucro tributável, e, consequentemente, diminuírem a receita fiscal, e a sua força desincentivadora será atenuada com a possibilidade de a respectiva colecta poder ser objecto de deduções.

Mas, o desincentivo desses comportamentos é justificado apenas pelas preocupações de protecção da receita fiscal e os benefícios fiscais concedidos, por definição, são «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).

E, no caso dos benefícios fiscais do SIFIDE II, as razões de natureza extrafiscal que justificam a sua sobreposição às receitas fiscais são, na perspectiva legislativa, de enorme importância, como se infere da fundamentação no Relatório do Orçamento do Estado para 2011.

 

II.2.2.4.4. Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento
Empresarial II (SIFIDE)


Tendo em conta que uma das valias da competitividade em Portugal passa pela aposta na capacidade tecnológica, no emprego científico e nas condições de afirmação no espaço europeu, a Proposta de Orçamento do Estado para 2011 propõe renovar o SIFIDE (Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial), agora na versão SIFIDE II, para vigorar nos períodos de 2011 a 2015, possibilitando a dedução à colecta do IRC para empresas que apostam em I&D (capacidade de investigação e desenvolvimento).

Dado o balanço positivo dos incentivos fiscais à I&D empresarial, e considerando também a evolução do sistema de apoio dos outros países, foi decidido rever e reintroduzir por mais cinco períodos de tributação este sistema de apoio. A I&D das empresas é um factor decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo, facto, aliás, expressamente reconhecido no Programa do XVIII Governo, assim como em vários relatórios
internacionais recentes.

É neste contexto que, no panorama internacional, a OCDE considera desde 2001 Portugal como um dos três países com um avanço mais significativo na I&D empresarial. Sendo o sistema nacional vigente, comparativamente aos demais sistemas que utilizam a dedução à colecta e a distinção entre taxa base e taxa incremental, é um dos mais atractivos e competitivos.

 

Sendo a investigação e desenvolvimento das empresas «um factor decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo», compreende-se que se tenha dado preferência ao incentivo da aposta na capacidade tecnológica, no emprego científico e nas condições de afirmação no espaço europeu, que, a prazo se reconduzem à obtenção de maiores receitas fiscais.

A importância que, na perspectiva legislativa, foi reconhecida a este benefício fiscal previsto no SIFIDE II, é decisivamente confirmada pelo facto de ele ser indicados como estando especialmente excluído do limite geral à relevância de benefícios fiscais em IRC, que se indica no artigo 92.º do CIRC.

             Por isso, é seguro que se está perante benefícios fiscais cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais, inferindo-se daquele artigo 92.º que a intenção legislativa de incentivar os investimentos em investigação e desenvolvimento previstos no SIFIDE II é tão firme que vai ao ponto de nem sequer se estabelecer qualquer limite à dedutibilidade da colecta de IRC, apesar de este regime fiscal ter sido criado e aplicado num período de notórias dificuldades das finanças públicas.

            Assim, não se vê fundamento legal, designadamente à face da intenção legislativa que é possível detectar, para, com fundamento numa interpretação restritiva, afastar a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE II à colecta das tributações autónomas que resulta directamente da letra do artigo 4.º, n.º 1, do respectivo diploma, conjugado com o artigo 90.º do CIRC.

            Por outro lado, a eventual limitação da aplicação do benefício fiscal a empresas que apresentassem lucro tributável em 2012 reconduzir-se-ia a uma fortíssima restrição do seu campo de aplicação, já que, como é facto público, grande parte das empresas, nesse ano e nos anteriores, apresentava prejuízos fiscais, embora pagasse IRC por outras vias.

Na verdade, segundo a estatística publicada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no ano de 2011 (último ano cujos dados estariam disponíveis quando foi apresentada a Proposta de Orçamento do Estado para 2012, por isso, é de supor que tenha sido considerado na ponderação do alcance do benefício fiscal), mais de metade das declarações de IRC apresentavam valor líquido negativo e no período de tributação de 2011 apenas 26% dos sujeitos passivos apresentaram IRC Liquidado (Quadro 7), e cerca de 71% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC (Quadro 8), por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.). ([8]).

Por isso, é manifesto que a aplicabilidade do benefício fiscal a empresas que, embora apresentassem prejuízos fiscais, pagavam IRC, inclusivamente a título de tributações autónomas, ampliava fortemente o número de empresas potencialmente beneficiárias e, consequentemente, compagina-se melhor com a intenção legislativa subjacente ao SIFIDE II do que a defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Por outro lado, como se referiu, não se pode olvidar que as tributações autónomas visam proteger ou aumentar as receitas fiscais e que os benefícios fiscais concedidos são, por definição, «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).

Isto é, no caso em apreço, ao estabelecer um benefício fiscal por dedução à colecta de IRC, o legislador optou por prescindir da receita fiscal que este imposto poderia proporcionar, na medida da concessão do benefício fiscal. Para esta ponderação relativa dos interesses em causa (receita fiscal versus estímulo forte ao investimento) é indiferente que essa receita provenha de cálculos efectuados com base no artigo 87.º ou no artigo 88.º do CIRC. Na verdade, seja qual for a forma de cálculo dessa receita fiscal, está-se perante dinheiro cuja arrecadação o legislador considerou ser menos importante do que a prossecução da finalidade económica referida. Das duas alternativas que se deparavam ao legislador relativamente ao incentivo aos investimentos previstos no SIFDE II, que eram, por um lado, manter intactas as receitas provenientes de IRC (incluindo as de tributações autónomas) e não ver incentivado o investimento e, por outro lado, concretizar esse incentivo com perda de receitas de IRC, a ponderação que necessariamente está subjacente ao SIFIDE II é a da opção pela criação do inventivo com prejuízo das receitas. E, naturalmente, sendo a criação do incentivo ao investimento melhor, na perspectiva legislativa, do que a arrecadação de receitas, não se vislumbra como possa ser relevante que as receitas de IRC que se perdem para concretizar o incentivo provenham da tributação geral de IRC prevista no n.º 1 do artigo 87.º ou das tributações a taxas especiais previstas nos n.ºs 4 a 6 do mesmo artigo, ou das tributações autónomas previstas no artigo 88.º: em todos os casos, a alternativa é a mesma entre criação do incentivo e arrecadação de receitas de IRC e a ponderação relativa que se pode fazer dos interesses conflituantes é idêntica, quaisquer que sejam as formas de determinar o montante de IRC de que se prescinde para criar o incentivo.       

E, no caso do benefício fiscal do SIFIDE II, as razões de natureza extrafiscal que justificam o incentivo com perda de receita são fortíssimas, pois considera-se que os investimentos incentivados são um factor decisivo na competitividade futura do país.

            Por isso, é seguro que se está perante benefício fiscal cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais provenientes de IRC, seja qual for a base do seu cálculo, pois o que está em causa sempre prescindir ou não de determinada quantia em dinheiro para criar um incentivo ao investimento.

            Neste contexto, a natureza das tributações autónomas e as soluções legislativamente adoptadas, em geral, em relação a elas, não têm qualquer relevância para a apreciação desta questão, pois esta tem de ser apreciada à face dos específicos interesses que na sua ponderação se entrechocam.

Na verdade, o que está em causa é, exclusivamente, determinar o alcance do SIFIDE II, que estabelece um regime de natureza excepcional, que visou prosseguir determinados interesses públicos, e não contribuir para a decisão de qualquer questão conceitual sobre a natureza das tributações autónomas, matéria sobre a qual não se vislumbra quer no texto da lei, quer no Relatório do Orçamento para 2011, a menor preocupação legislativa.

Pela mesma razão de que o que está em causa é interpretar o alcance do diploma de natureza especial que é o SIFIDE II, não pode ser atribuída relevância, para este efeito, à norma do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, na parte em que se refere que não são «efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado», apesar da pretensa natureza interpretativa que lhe foi atribuída.

Na verdade, não há qualquer sinal, nem na Lei n.º 7-A/2016, nem no Relatório do Orçamento para 2016, nem na sua discussão, de que com o aditamento no artigo 88.º do CIRC de uma norma geral proibindo deduções ao montante global apurado de tributações autónomas, se pretendesse interpretar restritivamente a expressão «deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC» que consta de uma norma especial de um diploma avulso, como e o SIFIDE II.

E, na falta de uma intenção inequívoca em sentido contrário, vale a regra de que a lei geral não altera lei especial (artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil), que tem a justificação o facto de que «o regime geral não inclui a consideração das condições particulares que justificaram justamente a emissão da lei especial». ([9])

Para além disso, as referidas regras do SIFIDE II têm em vista incentivar os sujeitos passivos de IRC a efectuarem investimentos no período entre 01-01-2011 e 31-12-2015, pelo que, sendo o benefício fiscal uma contrapartida da adopção do comportamento legislativamente desejado e incentivado, seria incompaginável com o princípio constitucional da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP), não reconhecer a esses comportamentos os efeitos fiscais favoráveis previstos na lei vigente no momento em que eles ocorreram. Por isso, se hipoteticamente a Lei n.º 7-A/2016 pretendesse eliminar, total ou parcialmente, os efeitos fiscais favoráveis que o SIFIDE II prometeu aos contribuintes que, com justificada confiança, adoptassem o comportamento aí previsto, seria materialmente inconstitucional, por violação daquele princípio.

Pelo exposto, convergindo os elementos literal e racional da interpretação do artigo 4.º do SIFIDE II no sentido de que as despesas de investimento nele previstas são dedutíveis à «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência», é de concluir que elas são dedutíveis à globalidade dessa colecta, que engloba, para além, da derivada da tributação dos lucros em cada período fiscal, a que resulta do pagamento especial por conta e de outras componentes positivas do imposto, designadamente de tributações autónomas, derrama estadual e IRC de períodos de tributação anteriores.

            Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão.

 

3.3. Questão da dedutibilidade de despesas de investimento previstas no RFAI às quantias devidas a título de tributações autónomas

 

O Regime Fiscal de Apoio ao Investimento realizado em 2009 (RFAI 2009), foi aprovado pela Lei n.º 10/2009, de 10 de Março.

Foi mantido em vigor no ano de 2012 pelo artigo 162.º da Lei n.º 64.°-B/2011, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2012).

No que concerne ao IRC, o referido regime traduziu-se num benefício fiscal previsto no artigo 3.º daquela Lei, que estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 2.º

Âmbito de aplicação e definições

 

1 - O RFAI 2009 é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam, a título principal, uma actividade:

a) Nos sectores agrícola, florestal, agro-industrial, energético e turístico e ainda da indústria extractiva ou transformadora, com excepção dos sectores siderúrgico, da construção naval e das fibras sintéticas, tal como definidos no artigo 2.º do Regulamento (CE) n.º 800/2008, da Comissão, de 6 de Agosto;

 

b) No âmbito das redes de banda larga de nova geração.

 

2 - Para efeitos do presente regime, consideram-se como relevantes os seguintes investimentos desde que afectos à exploração da empresa:

 

a) Investimento em activo imobilizado corpóreo, adquirido em estado de novo, com excepção de:

i) Terrenos, salvo no caso de se destinarem à exploração de concessões mineiras, águas minerais naturais e de nascente, pedreiras, barreiros e areeiros em projectos de indústria extractiva;

ii) Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo se forem instalações fabris ou afectos a actividades administrativas;

iii) Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas;

iv) Mobiliário e artigos de conforto ou decoração, salvo equipamento hoteleiro afecto a exploração turística;

v) Equipamentos sociais, com excepção daqueles que a empresa seja obrigada a ter por determinação legal;

vi) Outros bens de investimento que não estejam directa e imprescindivelmente associados à actividade produtiva exercida pela empresa;

 

b) Investimento em activo imobilizado incorpóreo, constituído por despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, 'saber-fazer' ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente.

 

3 - Podem beneficiar dos incentivos fiscais previstos no presente regime os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições:

 

a) Disponham de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade;

b) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indirectos;

c) Mantenham na empresa e na região durante um período mínimo de cinco anos os bens objecto do investimento;

d) Não sejam devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer contribuições, impostos ou quotizações ou tenham o pagamento dos seus débitos devidamente assegurado;

e) Não sejam consideradas empresas em dificuldade nos termos da comunicação da Comissão - orientações comunitárias relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação a empresas em dificuldade, publicada no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 244, de 1 de Outubro de 2004;

f) Efectuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período de dedução constante dos n.ºs 2 e 3 do artigo 3.º

 

4 - No caso de sujeitos passivos de IRC que não se enquadrem na categoria das micro, pequenas e médias empresas, tal como definida no anexo i do Regulamento (CE) n.º 800/2008, da Comissão, de 6 de Agosto, as despesas de investimento a que se refere a alínea b) do n.º 2 não podem exceder 50 % dos investimentos relevantes.

5 - Considera-se investimento realizado em 2009 o correspondente às adições, verificadas nesse exercício, de imobilizações corpóreas e bem assim o que, tendo a natureza de activo corpóreo e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições às imobilizações em curso.

6 - Para efeitos do número anterior, não se consideram as adições de imobilizações corpóreas que resultem de transferências de imobilizado em curso transitado de exercícios anteriores, excepto se forem adiantamentos.

 

Artigo 3.º

Incentivos fiscais

 

1 - Aos sujeitos passivos de IRC residentes em território português ou que aí possuam estabelecimento estável, que exerçam a título principal uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola abrangida pelo n.º 1 do artigo anterior que efectuem, em 2009, investimentos considerados relevantes, são concedidos os seguintes benefícios fiscais:

a) Dedução à colecta de IRC, e até à concorrência de 25 % da mesma, das seguintes importâncias, para investimentos realizados em regiões elegíveis para apoio no âmbito dos incentivos com finalidade regional:

                    i) 20 % do investimento relevante, relativamente ao investimento até ao montante de (euro) 5 000 000;

ii) 10 % do investimento relevante, relativamente ao investimento de valor superior a (euro) 5 000 000;

(...)

2 - A dedução a que se refere a alínea a) do número anterior é efectuada na liquidação respeitante ao período de tributação que se inicie em 2009.

3 - Quando a dedução referida no número anterior não possa ser efectuada integralmente por insuficiência de colecta, a importância ainda não deduzida pode sê-lo, nas mesmas condições, nas liquidações dos quatro exercícios seguintes.

(...)

5 - O montante global dos incentivos fiscais concedidos nos termos dos números anteriores não pode exceder o valor que resultar da aplicação dos limites máximos aplicáveis ao investimento com finalidade regional para o período de 2007-2013, em vigor na região na qual o investimento seja efectuado, constantes do artigo 7.º

           

Como se vê pela alínea a) do n.º 1 deste artigo 3.º o benefício fiscal concretiza-se através de «dedução à colecta de IRC».

Há acordo das Partes em que esta expressão não tem alcance substancialmente diferente da que é utilizada no SIFIDE II que é «montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC». ([10])

Pelo que já atrás se referiu, a colecta derivada de tributações autónomas previstas no CIRC é «colecta de IRC», pelo que a expressão utilizada no RFAI não exclui a dedução dos investimentos elegíveis à colecta proporcionada por aquelas tributações.

Também em relação a este benefício fiscal vale o que atrás se referiu sobre

 

– a natureza excepcional das normas que preveem este benefício fiscal;

– a prevalência dos interesses que o benefício fiscal visa atingir sobre o interesse na obtenção de receitas fiscais;

– a relevância da colecta derivada das tributações autónomas para dar ao benefício fiscal uma dimensão considerável, atenta a diminuta colecta de IRC que provém da liquidação com base no lucro tributável;

– a inadmissibilidade, à face do princípio constitucional da confiança, de uma hipotética interpretação restritiva a posteriori do alcance de um diploma que criou um benefício fiscal concretizado através de uma vantagem fiscal que é uma contrapartida de um determinado comportamento do contribuinte.

 

Por isso, também quanto a esta questão, procede o pedido de pronúncia arbitral.

 

 

3.4. Conclusão

 

Como resulta do exposto, a decisão da reclamação graciosa é ilegal ao ter adoptado o entendimento de que os investimentos abrangidos pelos SIFIDE II e pelo RFAI não podiam ser deduzidos à colecta de tributações autónomas.

No que concerne à autoliquidação, não se pode afirmar, sem mais, a sua ilegalidade por não se ter considerado demonstrado que a Requerente preenchesse todas as condições previstas nesses diplomas para poder beneficiar dos regimes previstos naqueles diplomas.

No entanto, a autoliquidação é ilegal na medida em que, por errada interpretação da lei, assentou no pressuposto de que os benefícios fiscais em causa não são dedutíveis à colecta das tributações autónomas, pressuposto este que está ínsito na inviabilidade de efectuar essa dedução que resulta do sistema informático de apresentação da declaração modelo 3.

Por isso, procede o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de declaração de ilegalidade da decisão da reclamação graciosa e procede quanto ao pedido de declaração de ilegalidade da autoliquidação, sem prejuízo de a Autoridade Tributária e Aduaneira, em execução do presente acórdão, poder apurar se se verificam ou não as condições previstas no artigo 5.º alínea b) do SIFIDE II e artigo 2.º, n.º 3, alínea d), do RFAI, de que depende a possibilidade de usufruir dos benefícios fiscais.

 

4. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

 

A Requerente pede o reembolso da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

Como resulta do exposto, a decisão da reclamação graciosa é ilegal, por erro sobre os pressupostos de direito, ao afastar o direito de a Requerente deduzir os investimentos susceptíveis de serem abrangidos pelo SIFIDE II e pelo RFAI ao montante das tributações autónomas.

No entanto, pelo que se referiu na fundamentação da matéria de facto, não ficou demonstrado que a Requerente estivesse em condições previstas no artigo 5.º alínea b) do SIFIDE II e artigo 2.º, n.º 3, alínea d), do RFAI, de que depende a possibilidade de usufruir dos benefícios fiscais.

Por isso, sem prejuízo de os direitos a reembolso e juros indemnizatórios poderem vir a ser reconhecidos em execução de julgado, não podem ser julgados procedentes no presente processo.

 

            5. Decisão

 

            Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

– julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de declaração de ilegalidade da decisão da reclamação graciosa e anulá-la;

– julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da autoliquidação, sem prejuízo de a Autoridade Tributária e Aduaneira em execução de julgado, poder apurar se se verificam ou não as condições previstas no artigo 5.º alínea b) do SIFIDE II e artigo 2.º, n.º 3, alínea d), do RFAI, de que depende a possibilidade de usufruir dos benefícios fiscais;

– julgar improcedentes os pedidos de reembolso e de pagamento de juros indemnizatórios, sem prejuízos do os respectivos direitos serem reconhecidos em execução de julgado.

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 4.383.109,23.

 

            6. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 55.386,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 16-05-2016

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

(João Taborda da Gama)

 

 (Ana Maria Rodrigues)

 



[1]              Previsto inicialmente no artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, alterado pelos artigos 163.º e 164.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, e depois integrado pelo Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17 de Junho, no Código Fiscal do Investimento.

[2]              Aprovado pelo artigo 13.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de Março, e, no que aqui interessa, mantido em vigor em 2012, pelo artigo 162.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, e integrado pelo Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17 de Junho, no Código Fiscal do Investimento.

[3]              A Autoridade Tributária e Aduaneira refere expressamente na informação em que se baseia a decisão da reclamação graciosa «que o facto das tributações autónomas terem natureza de IRC não significa que se possa aplicar a esta figura todo o bloco legal previsto no Código deste imposto».

[4]              O n.º 6 do artigo 87.º do CIRC foi revogado pela Lei n.º 55/2013, de 8 de Agosto, o que não tem relevância para este efeito de demonstrar que fora do âmbito das tributações autónomas havia e há cálculos parciais de IRC com base em taxas especiais aplicáveis a determinadas matérias colectáveis.

[5]              Actualmente apenas em relação a algumas tributações autónomas se poderá encontrar a natureza de normas antiabuso, pois, como ensina CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 543, «é, porém, evidente que o alargamento e agravamento de que tais tributações autónomas têm presentemente uma finalidade clara de obter mais receitas fiscais».

 [6]             Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2000, processo n.º 025446, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 501, páginas 150-153, em que se cita abundante jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do Supremo Tribunal de Justiça.

                Este Boletim do Ministério da Justiça está disponível em:

http://www.gddc.pt/actividade-editorial/pdfs-publicacoes/BMJ501/501_Dir_Fiscal_a.pdf

[7]              BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso legitimador, página 186.

[8]              Este texto está disponível em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/70E81137-189A-440E-AF11-88B4A6CC1C9A/0/Notas_Previas_IRC_20092011.pdf.

De resto, há já vários anos que apenas uma minoria de contribuintes pagava IRC com base no lucro tributável do respectivo exercício, como se pode ver nos documentos estatísticos publicados em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/dgci/divulgacao/estatisticas/estatisticas_ir/:

– 29% no período de tributação de 2010, em que cerca de 76% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.).;

– 31% no período de tributação de 2009, em que de 77% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de  IRC por via do  Pagamento  Especial  por Conta, das Tributações Autónomas e  do  IRC de  exercícios anteriores;

– 34% no período de tributação de 2008, em que  79% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores;

– 36% no período de tributação de 2007, em que  80% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores.

 

[9]              OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito – Introdução e Teoria Geral, página 260.

[10]             A Autoridade Tributária e Aduaneira manifesta concordância com a Requerente nos artigos 72.º e 73.º da sua Resposta em que refere que «como é evidente, concorda-se com a Requerente, a respeito de que as variantes redaccionais utilizadas em diferentes normativos do Código Fiscal do Investimento, do Estatuto dos Benefícios Fiscais e de legislação extravagante, que regulam os benefícios fiscais visam alcançar o mesmo resultado – dedução ao IRC liquidado nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do respectivo Código – e, portanto, não introduzem qualquer diferença na delimitação do seu real conteúdo».