Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 731/2015-T
Data da decisão: 2016-05-23  IVA  
Valor do pedido: € 195.712,57
Tema: IVA – Regularização; reembolso
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Decisão Arbitral

 

Os Árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (designado pelos outros Árbitros), Prof.ª Doutora Clotilde Celorico Palma e Dr. Emanuel Augusto Vidal Lima, designados, respectivamente, pela Requerente e pela Requerida, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 24-02-2016, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

 

A..., LDA, NIPC..., com sede na Rua..., ..., ..., ...-... Sintra (doravante designada por “A...” ou “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação do acto de liquidação de IVA objecto da demonstração de liquidação n.º 2015... .

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT).

A Requerente designou como Árbitro a Prof.ª Doutora Clotilde Celorico Palma, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do RJAT.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 17-12-2015.

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 3 do RJAT, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como Árbitro o Dr. Emanuel Augusto Vidal Lima.

Os Árbitros designados pelas Partes acordaram em designar o Cons. Jorge Lopes de Sousa como árbitro presidente, que aceitou a designação.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 09-02-2016.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 24-02-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta, em que se suscitou a excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral e defendeu a improcedência do pedido.

Por despacho de 04-04-2016, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e as Partes estão devidamente representadas.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

É suscitada a excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral, que importa apreciar previamente.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

            Consideram-se provados os seguintes factos:

a)      A Requerente é uma sociedade por quotas, tendo como actividade principal a de “Indústrias do Leite e Derivados”, CAE..., e secundária de “Fabricação de sumo de frutos e de produtos hortícolas” CAE..., encontrando-se enquadrada para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade mensal (Relatório da Inspecção Tributária, que se dá por integralmente reproduzido);

b)     Ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2015..., foi efectuada uma inspecção à Requerente do qual resultou o relatório final datado de 2015-09-23, onde se refere que tal procedimento é decorrente do pedido de reembolso de IVA efectuado pelo sujeito passivo nos termos de Despacho Normativo n.º 18-A/2010, de 1 de Julho (alterado pelo Despacho Normativo n.º 11/2013, de 27 de Dezembro), na declaração periódica de IVA 201502;

c)      A Requerente é um sujeito passivo que em regra está numa situação de crédito de imposto, pelo facto de a maior parte das suas operações activas ser tributada à taxa reduzida, enquanto que os inputs com maior relevância na sua actividade (existências e aquisição de outros bens e serviços) estão sujeitos à taxa normal;

d)     O procedimento inspectivo foi desencadeado pelo facto do pedido de reembolso solicitado aquando da submissão da declaração referente ao mês de Fevereiro de 2015, ter sido gerado integralmente nesse período de imposto e apresentar um montante substancialmente superior ao do período anterior mercê das regularizações então evidenciadas de valor, igualmente, elevado;

e)      No Relatório da Inspecção Tributária refere-se, além do mais, o seguinte:

III.2.3.5.1. – Vales de desconto

(...)

i.                    A A... vende os seus produtos aas retalhistas.

ii.                  No âmbito de uma ação promocional de um determinado produto, a A... distribuiu vales de desconto aos consumidores finais. Os vales de desconto, ao serem apresentados junto dos retalhistas, conferem ao consumidor final um desconto na aquisição do produto pelo montante equivalente ao valor facial do vale.

iii.                Os retalhistas efetuam a venda do produto e liquidam IVA sobre o preço de venda ao público.

iv.                 Os consumidores finais entregam ao retalhista o vale de desconto e o remanescente (resultante da diferença entre o preço na venda ao público e o vale de desconto) em dinheiro.

Por exemplo, se o preço de venda ao público praticado pelo retalhista for de Eur 123,00 (IVA incluído à taxa de 23%) e for utilizado um vale de desconto de Eur 5.00, o consumidor final paga apenas Eur 118.00 (=Eur 123.00 - Eur 5.00). Na esfera do retalhista é realizada uma venda de Eur 100,00 e liquidado IVA no valor do Eur 23.00, recebendo Eur 118.00 do cliente reconhecendo um valor a receber da A... de Eur 5.00.

v.                   De forma a gerir a recolha dos vales de desconto e certificar o valor que deverá ser reembolsado aos retalhistas, a A... recorre a uma entidade externa “B..., Lda” (NlF:...).

vi.                 Para este efeito, os retalhistas enviam periodicamente à B... os vales de desconto apresentados pelos consumidores finais, para que possam ser reembolsados pela A... .

vii.               Após a conferência dos vales do desconto rececionados, a B... emite uma nota de débito à A... do valor total a reembolsar aos retalhistas, disponibilizando um ficheiro contendo a seguinte informação: identificação do retalhista, código de barras do vale, denominação do produto em que o vale foi utilizado, valor unitário do vale e o valor total a reembolsar.

viii.             O valor em causa é então entregue pela A... à B... e, subsequentemente, por cada um dos retalhistas.

 

Excecionalmente ocorrem situações em que os retalhistas enviam os vales de desconto diretamente para a A..., juntamente com uma nota do débito indicando o valor a ser reembolsado. Nestes casos, o reembolso do valor facial dos vales de desconto é efetuado diretamente pela A... aos retalhistas. Esta situação está-se a verificar com o Grupo C... o com o D... .

Na esfera da A... o valor dos descontos é reconhecido contabilisticamente como um desconto ao valor das vendas.

Os vales de desconto concedidos são reembolsados com a receção das notas de débito acompanhadas pelos respectivos vales, emitidos quer pela B... quer pelos outros retalhistas que debitam diretamente à A.... Estes vales são considerados descontos, pelo que de acordo com a al. b) do n.º 6 do art. 16.º do CIVA deverão os mesmos ser excluídos do valor tributável das transmissões de bens. As vendas dos bens aos diversos retalhistas relativamente aos quais foram dados vales de desconto para distribuição aos clientes finais não se encontram diminuídas do valor daqueles vales, tendo o IVA liquidado incidido sobre a totalidade do valor da venda, pelo que aquando do reembolso dos vales, para além da contabilização do desconto, deverá igualmente ser refletida uma regularização a favor da A....

Nos anos do 2012 o 2013, no que se refere às notas de débito emitidas pela B... e pelos outros retalhistas, a A... não reconheceu qualquer regularização e seu favor. Em Fevereiro de 2015, efetuou o reconhecimento da totalidade do imposto a regularizar respeitante àqueles anos, no valor de Eur 486,75 (Eur 473,56 (2012) e Eur 13,19 (2013)). Considerando que as notas de débito foram incorretamente contabilizadas, a retificação de imposto é facultativa mas apenas pode ser efetuada no prazo de dois anos, de acordo com o n.º3 do art. 78.ºdo CIVA. Deste modo, considerando que a retificação foi efetuada no período de Fevereiro do 2015, apenas poderemos aceitar as regularizações respeitantes a notas de débito datadas a partir de Fevereiro de 2013 inclusive. Deste modo, não se aceita a regularização do valor respeitante a documentos respeitantes a 2012. Já no que se refere ao ano de 2013, verifica-se que todas as notas de débito se reportam a períodos a partir de Fevereiro de 2013 pelo que se aceita a regularização do montante total.

Em conclusão, no que se refere às regularizações efetuadas a respeito de vales de desconto não é aceite a regularização de Eur 473,56 (2012) (anexo n.º 1)

 

III 2.3.5.2 – Bónus de quantidade

Da análise aos documentos de suporte às transmissões das mercadorias, verifica-se a existência de bónus de quantidade concedidos nos mesmos. Nos anos de 2012 e 2013, a A... tratou estes bónus de quantidade como ofertas, tendo por isso, procedido à liquidação do imposto de acordo com a al. b) do n.º 6 do art. 16.º do CIVA, e como já foi referido no ponto anterior, do valor tributável das transmissões de bens, deverão ser excluídos os descontos, abatimentos e bónus concedidos. Verifica-se assim que, aquando da contabilização das faturas, a A... deveria ter deduzido ao valor de venda dos produtos, os bónus de quantidade concedidos para apuramento do valor tributável das vendas, contudo não se verificou.

Em fevereiro de 2015, foi efetuada a regularização do valor do imposto correspondente aos bónus de quantidade atribuídos em 2012 e 2013. De acordo com o n° 3 do art. 78.º do CIVA, no caso de faturas inexatas que já tenham dado lugar ao registo referido no art. 45.º, a retificação é facultativa, quando houver imposto liquidado a mais, mas apenas pode ser efetuada no prazo de dois anos." Deste modo, e atendendo a que a retificação do Imposto foi efetuada em Fevereiro de 2015, e à semelhança do ponto anterior, apenas será da aceitar a regularização respeitante a faturas com data a partir do mês de fevereiro do 2013, inclusive.

Deste modo foi solicitado ao contribuinte (...) uma relação das faturas de 2012 e 2013, onde constasse a seguinte informação: número da fatura (onda se encontram identificados os bónus de quantidade), data da fatura, identificação do cliente, descrição dos bens que constituem os bónus, valor dos bens que constituem os bónus e valor do imposto regularizado. O contribuinte enviou a informação solicitada no dia 03-08-2015 (...). Por análise as listagens enviadas, verificamos que não se aceitam as regularizações respeitantes ao ano do 2012, no montante de Eur 187.690.17 (conforme anexo n.º 1), bem como as relativas ao mas de janeiro da 2013, no montante de Eur 7.548.84 (apuradas da listagem enviada no dia 03-08-2015 sob o n.º de entrada 2015E...).

III. 2.4 – Conclusões

O crédito de imposto decorre, por um lado, do facto da maior parte das suas operações ativas estarem sujeitas a liquidação do imposto à taxa reduzida enquanto que as operações passivas com maior relevância (existências à taxa normal e outros bens e serviços) estarem sujeitas a imposto à taxa normal. Esta diferença de taxas justifica parte do crédito de imposto. Por outro lado, neste período verificou-se a existência de uma regularização a favor do contribuinte, relativa a retificação de imposto respeitante aos anos de 2012 e 21013.

Conforme referido nos pontos III.2.3.5.1. e III.2.3.5.2. propõem-se as seguintes correções no período 201502:

 

A declaração onde foi efetuado o pedido de reembolso (201502) apurou um imposto a favor do contribuinte no montante do Eur 364.595,38. As correções propostas anteriormente conduzem a correção do mesmo para o montante de Eur 168.882,81, relativamente ao qual se propõem o deferimento total.

 

f)       Em carta datada de 10-07-2015, que enviou à Autoridade Tributária e Aduaneira, que consta da parte 4 do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, a Requerente refere, além do mais, que

– «Não obstante a Autoridade Tributária e Aduaneira entender que os bónus de quantidade podem ser antecipados e postecipados, a A..., por prudência, apenas considerou, para efeitos de recuperação do IVA liquidado, os bónus concedidos no próprio ano. Para o efeito, efetuou uma análise aos bónus concedidos por cliente e produto e às respetivas vendas por cliente e produto»;

«Tendo esta análise sido efetuada numa base anual, não é possível indicar por mês, o valor do IVA regularizado nem a respetiva taxa de imposto, mas sim o IVA liquidado em excesso»;

– «o total do IVA liquidado pela A... é inferior ao montante de IVA regularizado a seu favor uma vez que, por prudência, a A... apenas regularizou o IVA nas situações em que o total anual dos bónus de quantidade (por cliente e por produto) foram inferiores às vendas (por cliente e por produto) efetuadas nesse mesmo ano»;

 

g)      Na sequência da inspecção, em 22-10-2015, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu o documento com o n.º 2015..., com a denominação, «Demonstração de liquidação de IVA», com a indicação do número de liquidação 2015..., cuja cópia foi junta com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que, além do mais, se refere o valor a reembolsar de € 168.882,81 e se refere o seguinte:

Fica V. Ex.ª notificado(a) da liquidação de IVA relativa ao período a que respeitam as operações, em resultado da qual se verifica haver lugar a reembolso no montante apurado, conforme nota demonstrativa supra.

Informamos ainda V. Ex.ª que, de acordo com as instruções transmitidas ao Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, I.P., o reembolso concretizou-se por transferência para a conta relativa ao NIB acima identificado, constante do cadastro, pelo que qualquer esclarecimento sobre a mesma transferência deverá ser solicitado à instituição de crédito onde se encontra localizada a conta bancária identificada.

Da liquidação efectuada, poderá V. Exa. apresentar, no Serviço de Finanças competente, reclamação graciosa ou impugnação judicial nos termos dos art.ºs 70.º e 102.º do CPPT.

A Diretora-Geral,

h)     Em 05-12-2015, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

 2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo, não havendo controvérsia sobre eles.

 

 

3. Questão da incompetência material

 

3.1. Posições das Partes

 

Como questão prévia ao conhecimento do mérito nos presentes autos, a Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a incompetência parcial do presente tribunal arbitral, em razão da matéria.

Alega a Autoridade Tributária e Aduaneira, em suma, que

– a Requerente identifica como objecto do pedido de pronúncia arbitral que formula, o indeferimento parcial do pedido de reembolso no montante de € 195 712,57, embora formule o pedido de anulação do «ACTO DE LIQUIDAÇÃO DE IVA, OBJECTO DEMONSTRAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO N.º2015..., MELHOR IDENTIFICADO NOS ARTIGOS 54.º e 55.º DESTA PETIÇÃO»;

– nos artigos 54-.º e 55.º a Requerente refere o «documento com o n.º 2015..., com data de 23.10.2015, notificou a A... da demonstração da liquidação n.º2015 ...» e diz que «da liquidação resulta que apenas foi reconhecido o direito ao reembolso de € 168 882,81, que, entretanto, a AT lhe transferiu», «quando lhe deveria ter sido reconhecido o direito ao reembolso de € 364 595,38»;

– o objecto do presente pedido de pronúncia arbitral traduz-se no indeferimento parcial do reembolso que a Requerente havia formulado aquando da submissão da declaração periódica de Fevereiro de 2015, na qual solicitava o reembolso no montante global de € 364 595,38;

– o artigo 2.º do RJAT limita a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD à apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e pagamentos por conta, e pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;

– não estamos, pois, no que diz respeito a este pedido da Requerente face a um acto tributário de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta susceptível de ser apreciado por esta jurisdição arbitral;

– a demonstração da liquidação mais não é do que a demonstração do quantum do reembolso que foi indeferido.

 

A Requerente respondeu a esta excepção nas suas alegações, dizendo o seguinte: em suma:

– o acto atacado é o acto de liquidação a que a Requerida deu o n° 2015 ... e não um simples acto de recusa de um pedido de reembolso;–

– a Requerente procedeu a uma autoliquidação, da qual resultou, para a sua esfera jurídica, um crédito de imposto de 364.595,38 €;

– o reembolso é, para o sujeito passivo, uma forma de activar a posição credora decorrente da autoliquidação, em alternativa à compensação com o montante de que seja devedor ao Estado, nos períodos de imposto seguintes;

– enquanto a liquidação é o acto que conclui a fase constitutiva dos direitos e deveres que integram a esfera jurídica do sujeito passivo, a pretensão de reembolso está já na fase do cumprimento de tais direitos e deveres, nos casos em que o sujeito passivo assume, por uma vez, o lado activo da relação;

– o sujeito passivo pode manifestar a pretensão de reembolso logo na declaração em que procede à autoliquidação;

– ainda que juridicamente sejam momentos distintos, a autoliquidação pode coincidir temporalmente com a manifestação da pretensão de reembolso e, se abranger a totalidade do montante do crédito de imposto que resulta da autoliquidação, o valor que resulta da liquidação coincide com o montante a reembolsar;

– como alerta o acórdão tirado no processo arbitral n° 238/2013-T, não faltam vozes autorizadas a observar que "um reembolso contestado pela administração fiscal em tudo equivale a uma liquidação de imposto e os meios de reagir contra esse acto da administração, que nega ou revoga um reembolso, são idênticos aos que a lei põe à disposição dos contribuintes para anular, no todo ou em parte a liquidação de imposto";

– o que divide as partes não é a legalidade da pretensão de reembolso da Requerente - que pode revelar-se inviável mesmo que o crédito correspondente exista, como resulta do artigo 22°, n° 11, do CIVA -, mas sim a legalidade da autoliquidação de imposto;

– foi sobre essa autoliquidação que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu pronunciar-se através da liquidação (adicional) a que deu o n° 2015 ... e foi por a Requerente entender que é esta liquidação (adicional) - e não a sua - que está ferida de ilegalidade que sobre ela pediu pronúncia arbitral.

 

3.2. Apreciação da excepção

 

Como refere a Requerente, uma situação idêntica foi apreciada no processo n.º 238/2013-T, pelo que, concordando-se com essa jurisprudência, seguir-se-á de perto esse acórdão.

O artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, autorizou o Governo a legislar “no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária”, de modo a que o processo arbitral tributário constituísse um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.

O Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), concretizou a mencionada autorização legislativa com um âmbito mais restrito do que o inicialmente previsto, não contemplando designadamente uma competência alternativa à da acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, e “instituiu a arbitragem tributária limitada a determinadas matérias, arroladas no seu art.º 2.º” fazendo depender a vinculação da administração tributária de “portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos” ( [1] ).

O âmbito da jurisdição arbitral tributária está, assim, delimitado, em primeira linha, pelo disposto no artigo 2.º do RJAT que enuncia, no seu n.º 1, os critérios de repartição material da competência, abrangendo a apreciação de pretensões que se dirijam à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos ( [2] ).

            Dado o carácter voluntário da sujeição à jurisdição arbitral, numa segunda linha “a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que a Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o art. 4.º, n.º 1 do RJAT estabelece que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça” ( [3] ).

            Dispõe a citada Portaria, no seu artigo 2.º, que “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes: ...”, indicadas nas alíneas subsequentes do mesmo artigo.

Não se prevê expressamente a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciação da legalidade de actos de indeferimento de pedidos de reembolso de quantias pagas.

Porém, no caso em apreço, como se vê pelo documento reproduzido na alínea f) da matéria de facto fixada, foi a própria Autoridade Tributária e Aduaneira que efectuou uma operação de contabilização de IVA a reembolsar que denominou «DEMONSTRAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO IVA», a que atribuiu um «NÚMERO LIQUIDAÇÃO» e uma «DATA LIQUIDAÇÃO», e indicou, na parte final, que a Requerente «fica (...) notificado(a) da liquidação de IVA relativa ao período a que respeitam as operações, em resultado da qual se verifica haver lugar a reembolso no montante apurado, conforme nota demonstrativa supra» e «Da liquidação efectuada, poderá V. Exa. apresentar, no Serviço de Finanças competente, reclamação graciosa ou impugnação judicial nos termos dos art°s 70° e 102° do CPPT».

Ou seja: face aos elementos documentais disponíveis, dever-se-á concluir que, em concreto, bem ou mal, foi praticado um acto de liquidação. Tal acto, corporizado no documento notificado à Requerente integrante da demonstração de liquidação de IVA n.º 2015..., datada de 22-10-2015, será o objecto do presente processo, que é abrangido para pela previsão da alínea a) do artigo 2.º do RJAT.

O RJAT e a Portaria n.º 112-A/2011, definem a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD através do tipo de acto e não das questões tributárias que é necessário apreciar para apurar a sua legalidade,

 A legalidade de tal acto é susceptível de ser apreciada e enquadra-se, directamente, no âmbito das competências do tribunais arbitrais a funcionar no CAAD, pelo que a invocada excepção de incompetência absoluta, haveria de improceder.

De qualquer modo, relativamente a actos deste tipo, verifica-se inclusive que há doutrina, (JOSÉ XAVIER DE BASTO e GONÇALO AVELÃS NUNES), a defender que, «um reembolso contestado pela administração fiscal em tudo equivale a uma liquidação de imposto e os meios de reagir contra esse acto da administração, que nega ou revoga um reembolso, são idênticos aos que a lei põe à disposição dos contribuintes para anular, no todo ou em parte a liquidação do imposto» ( [4] ), tese esta que está em sintonia com a aplicação, determinada pelo artigo 22.º, n.ºs 11 e 13, do CIVA, aos actos de indeferimento de pedidos de reembolso dos meios de impugnação administrativa e contenciosa dos actos de liquidação de IVA, previstos no artigo 93.º do mesmo Código. ( [5] )

Assim, julga-se improcedente a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

4. Matéria de direito

 

4.1. Posições das Partes

A Requerente, na autoliquidação de IVA relativa ao período de Fevereiro de 2015, efectuou regularização de imposto relativo aos anos de 2012 e 2013, com fundamento em liquidação de IVA em excesso respeitante a vales de desconto e bónus de quantidade.

Quanto aos vales, a Autoridade Tributária e Aduaneira aceita que são considerados descontos, pelo que de acordo com a alínea b) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA deverão os mesmos ser excluídos do valor tributável das transmissões de bens.

No que concerne aos bónus de quantidade, quando efectuou a contabilização das facturas, a A... deveria ter deduzido ao valor de venda dos produtos, os bónus de quantidade concedidos para apuramento do valor tributável das vendas, o que não se verificou.

A Autoridade Tributária e Aduaneira está de acordo com a Requerente quanto ao excesso da liquidação de IVA efectuada naqueles anos de 2012 e 2013, quer quanto aos vales de desconto quer quanto aos bónus de quantidade, pelo que aceitou a regularização efectuada em Fevereiro de 2015 quanto aos períodos até Fevereiro de 2013, inclusive.

Quanto à regularização relativa a períodos anteriores a Janeiro de 2013, inclusive, a Autoridade Tributária e Aduaneira não a aceitou com fundamento em intempestividade, por entender que a situação se enquadra no n.º 3 do artigo 78.º do CIVA e já ter decorrido o prazo de dois anos aí previsto quando a Requerente apresentou a declaração relativa ao período de Fevereiro de 2015.

A Requerente defende no presente processo o seguinte, em suma:

 

– as facturas que incluíram bónus de quantidade em espécie não contêm qualquer inexactidão, pois nelas não foi liquidado IVA sobre os produtos alvo de bonificação;

– o registo de tais facturas na contabilidade da A... não padeceu de inexactidão;

– não houve qualquer incorrecção na contabilização das notas de débito resultantes dos vales de desconto;

– a A... incorreu, isso sim, em dois erros de direito, de enquadramento jurídico,   um ao tratar bónus de quantidade em espécie como ofertas e outro ao supor que o desconto que beneficiava o consumidor final, através dos vales de desconto, não podia ser excluído do valor tributável das transmissões de bens aos retalhistas;

– no primeiro caso, a A... subsumiu as suas acções promocionais com bónus de quantidade em espécie à hipótese da norma do artigo 3.º, n.º 3, alínea f), do CIVA, em vez de as subsumir à hipótese da norma do artigo 16.º, n.º 6, alínea b);

– no segundo caso, deixou de subsumir à hipótese da norma do artigo 16.º, n.º 6, alínea b), do CIVA, os descontos que atribuía através dos vales de desconto, por supor erroneamente que aí não se enquadravam;

– a situação enquadra-se no artigo 98.º, n.º 2, do CIVA, que estabelece o prazo de 4 anos após o pagamento em excesso, sem prejuízo de disposições especiais;

– disposições especiais, para efeitos da referida norma, são as dos n.ºs 3 e 6 do artigo 78.º do CIVA, que restringem o prazo a dois anos para os casos de rectificação de facturas inexactas, que já tenham dado lugar ao registo referido no artigo 45.º, e de correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º;

– a liquidação em crise assentou num erro sobre os pressupostos de facto, ao imputar às facturas e registos contabilísticos da A... inexactidões de que não enfermavam, ou, se assim não se entender num erro sobre os pressupostos de direito, por errónea interpretação dos artigos 98.º, n.º 2, e 78.º, n.º 3, e (talvez) n.º 6, do CIVA.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende a posição adoptada no Relatório da Inspecção Tributária, dizendo, em suma:

– apesar de o n.º 2 do artigo 98.º do IVA estabelecer que, sem prejuízo de disposições especiais, o direito ao reembolso do imposto entregue em excesso pode ser exercido até ao limite de quatro anos, o sujeito passivo de IVA não tem liberdade para determinar o momento de exercício desse direito, limitando-se aquela norma a fixar, apenas, um limite máximo de carácter geral, a partir do qual aquele direito não pode já ser exercido;

– caso contrário, as normas que prevêem prazos especiais não teriam qualquer sentido útil, já que sempre lhes sobreporia a norma que estabelece o prazo geral de quatro anos;

– a questão da especialidade do artigo 78.º do Código do IVA perante o artigo 98.º do Código do IVA não aparenta ser, sequer, controvertida para o presente Tribunal (processo n.º 117/2013-T, de 06-12-2013) e é aceite pelo Supremo Tribunal Administrativo (acórdão de 18-05-2011, processo 0966/10).

 

            4.2. Objecto do processo e poderes de cognição do Tribunal Arbitral em contencioso de anulação

 

O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].

Por isso, é irrelevante a fundamentação a posteriori, tendo os actos cuja legalidade é questionada de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. ( [6] )

            No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma liquidação em que a não satisfação da pretensão da Requerente de deduzir IVA no período de Fevereiro de 2015 teve os seguintes fundamentos, em suma:

– como fundamentos factuais relevantes foram referidos o facto de algumas das notas de débito relativas aos vales de desconto e facturas relativas aos bónus de quantidade estarem datadas de há mais de dois anos (com datas anteriores a Fevereiro de 2013) e o facto de se estar perante «faturas inexatas que já tenham dado lugar ao registo referido no art. 45.º» com datas anteriores a Fevereiro de 2013;

– como fundamento de direito para não aceitar a pretensão da Requerente foi invocado exclusivamente o n.º 3 do artigo 78.º do CIVA.

 

            Assim, é à face destes fundamentos que há que apreciar a legalidade do acto impugnado, sendo, designadamente irrelevante o palpite da Requerente de haverá no acto impugnado errónea interpretação, para além dos artigos 98.º, n.º 2, e 78.º, n.º 3, do CIVA, também «(talvez) n.º 6» deste artigo.

Aliás, a parte «VII – Infracções verificadas» do Relatório da Inspecção Tributária refere expressamente que «em sede de IVA foi infringido o arts. 78.º - n.º 3 do CIVA» e no Parecer do Chefe de Equipa refere-se que «Confirmo as correcções propostas, nos termos do n.º 3 do artigo 78.º do CIVA», pelo que não há suporte textual para entender que talvez tenha sido aplicado o n.º 6 do artigo 78.º ou o n.º 2 do artigo 98.º do CIVA.

 

4.3. Apreciação da questão da legalidade do acto que é objecto do pedido de pronúncia arbitral

 

            Os n.ºs 1 a 6 do artigo 78.º do CIVA estabelecem o seguinte:

 

1 - As disposições dos artigos 36.º e seguintes devem ser observadas sempre que, emitida a factura, o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto venham a sofrer rectificação por qualquer motivo.

2 - Se, depois de efectuado o registo referido no artigo 45.º, for anulada a operação ou reduzido o seu valor tributável em consequência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, pela devolução de mercadorias ou pela concessão de abatimentos ou descontos, o fornecedor do bem ou prestador do serviço pode efectuar a dedução do correspondente imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável.

3 - Nos casos de facturas inexactas que já tenham dado lugar ao registo referido no artigo 45.º, a rectificação é obrigatória quando houver imposto liquidado a menos, podendo ser efectuada sem qualquer penalidade até ao final do período seguinte àquele a que respeita a factura a rectificar, e é facultativa, quando houver imposto liquidado a mais, mas apenas pode ser efectuada no prazo de dois anos.

4 - O adquirente do bem ou destinatário do serviço que seja um sujeito passivo do imposto, se tiver efectuado já o registo de uma operação relativamente à qual o seu fornecedor ou prestador de serviço procedeu a anulação, redução do seu valor tributável ou rectificação para menos do valor facturado, corrige, até ao fim do período de imposto seguinte ao da recepção do documento rectificativo, a dedução efectuada.

5 - Quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução.

6 - A correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.

 

4.3.1. Questão relativa aos vales de desconto

                       

A situação fáctica é, essencialmente, a seguinte:

 

– a Requerente vende os seus produtos aos retalhistas distribuindo vales de desconto aos consumidores finais;

– os consumidores finais apresentam os vales de desconto aos retalhistas, beneficiando do respectivo desconto na aquisição, relativamente ao preço de venda ao público dos produto adquiridos;

– os retalhistas efectuam a venda do produto e liquidam IVA sobre o preço de venda ao público;

– os retalhistas enviam periodicamente à B... os vales de desconto apresentados pelos consumidores finais, que emite uma nota de débito à Requerente do valor total a reembolsar aos retalhistas;

– a Requerente paga à B... o valor da nota de débito, que esta, depois, envia aos respectivos retalhistas;

– a Requerente nas vendas aos retalhistas não diminuiu o valor dos vales, tendo o IVA sido liquidado sobre a totalidade do valor da venda;

– quando reembolsou os vales, a Requerente contabilizou-os, mas não efectuou regularização de IVA a seu favor.

 

Como resulta do texto do n.º 3, que foi a disposição em que se baseou a Autoridade Tributária e Aduaneira, o que nele se estatui aplica-se «nos casos de facturas inexactas que já tenham dado lugar ao registo referido no artigo 45.º».

            Nas facturas emitidas pela Requerente aos retalhistas não foi descontado o valor dos vales de desconto, nem este tinha de ser efectuado, pois os vales foram atribuídos aos consumidores finais e não aos retalhistas e, nesse momento, a concretização dos descontos era meramente hipotética, pois dependeria de ulteriores actos dos consumidores finais, que podiam ou não utilizar os vales de desconto que lhe foram atribuídos.

            Sendo assim, independentemente de a posição adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira poder ter cobertura numa outra disposição legal (questão que não importa apreciar em contencioso de mera anulação), tem de se concluir que não se está perante uma situação de «facturas inexactas» enquadrável no n.º 3 do artigo 78.º do CIVA.

            Por isso, o acto impugnado enferma de vício de violação de lei, nesta parte.

 

             4.3.2. Questão relativa aos bónus de quantidade

 

            A Requerente não excluiu do valor tributável os bónus de quantidade em espécie que concedeu e que deveria ser excluído do valor tributável quando procedeu à contabilização das facturas (o que a Autoridade Tributária e Aduaneira aceita).

Como explicou a Requerente, apenas regularizou o IVA nas situações em que o total anual dos bónus de quantidade (por cliente e por produto) foram inferiores às vendas (por cliente e por produto) efetuadas nesse mesmo ano».

Também aqui, não se está perante inexactidão de facturas, mas de diminuição da base tributável posterior ao seu registo.

Na verdade, como se vê pelas facturas juntas com o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente não liquidou IVA relativamente aos descontos efectuados.

Assim, também neste caso, não se está perante uma situação enquadrável no n.º 3 do artigo 78.º do CIVA, pelo que, independentemente de a posição adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira poder ter cobertura numa outra disposição legal, tem de se concluir que o acto impugnado também enferma de vício de violação de lei, nesta parte, ao indeferir a pretensão Requerente fazendo aplicação daquele n.º 3.

 

5. Decisão 

 

 Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)      Julgar improcedente a excepção de incompetência material suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira;

b)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

c)      Anular a liquidação de IVA n.º 2015... .

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 195.712,57.

 

 

Lisboa, 23-05-2016

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

(Clotilde Celorico Palma)

 

 

(Emanuel Augusto Vidal Lima)



( [1] ) Na redacção dada pela Lei n.º 64.º-B/2011, de 30 de Dezembro.

( [2] ) Neste sentido o Acórdão Arbitral, processo n.º 48/2012.

                      Determina o artigo 2.º do RJAT competir a estes tribunais a apreciação das seguintes pretensões:

“a)   A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b)      A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;

c)      revogada (pelo artigo 160.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2012).

( [3] ) Excerto do Acórdão Arbitral, processo n.º 48/2012.

( [4] ) Em «O que é a “garantia adequada” para efeitos do reembolso do IVA?», publicado em Estudos em Memória do Prof. Doutor J. L. Saldanha Sanches, volume IV, páginas 276-277.

( [5] ) Os n.ºs 11 e 13 do artigo 22.º do CIVA, na redacção da Lei n.º 2/2010, de 15 de Março, estabelecem o seguinte:

«11 - Os pedidos de reembolso são indeferidos quando não forem facultados pelo sujeito passivo elementos que permitam aferir da legitimidade do reembolso, bem como quando o imposto dedutível for referente a um sujeito passivo com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou que tenha suspenso ou cessado a sua actividade no período a que se refere o reembolso.

(...)

13 - Da decisão referida no n.º 11 cabe recurso hierárquico, reclamação ou impugnação judicial, nos termos previstos no artigo 93.º»

[6] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:

– de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em AP-DR de 12-4-2001, página 1207.

– de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em AP-DR de 10-2-2004, página 4289.

– de 09/10/2002, processo n.º 600/02.

– de 12/03/2003, processo n.º 1661/02.

                Em sentido idêntico, podem ver-se:

– MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 479 em que refere que é "irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto", e volume II, 9.ª edição, página 1329, em que escreve que "não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa".  

– MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, página 472, onde escreve que "as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade".