Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 703/2015-T
Data da decisão: 2016-05-18  IRC  
Valor do pedido: € 43.745,83
Tema: Tributação dos Fundos de Investimento Imobiliário - art. 22º, n..º 6, al. a) do E.B.F.
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Decisão Arbitral

                                                             

O árbitro Dr. André Festas da Silva, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral singular, constituído em 05 de Fevereiro de 2016, decide o seguinte:

 

I. RELATÓRIO

I.1

 

  1. Em 26 de Novembro de 2015 o A…, NIF…, com sede na Rua…, n.º…, Dtº, …-… Lisboa, requereu, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.

2.      O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 04 de Dezembro de 2015.

3.      A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n.º1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos. 

4.      A AT apresentou a sua resposta em 04 de Março de 2016.

5.      Por despacho datado de 04.03.2016 a Requerente foi notificada para, querendo, pronunciar-se sobre as exceções invocadas pela Requerida.

6.      A Requerente pronunciou-se em 14.03.2016 sobre as exceções invocadas pela Requerida.

7.      Por despacho de 15.03.2016, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, foi indeferido o pedido de produção de prova testemunhal formulado, por inexistir controvérsia relativamente aos factos essenciais para a boa decisão da causa e por a questão a dirimir ser de direito, e foi decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

8.      Em 13.04.2016 a Requerente apresentou as suas alegações de direito.

9.      Em 26.04.2016 a Requerida apresentou as suas alegações de direito.

10.  Pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade do ato de autoliquidação de IRC efetuado através da declaração de retenções na fonte IRS/IRC e IS n.º…, que seja ordenada a substituição da declaração de retenção na fonte de IRC por outra no valor de € 402.487,24, ordenado o reembolso do excesso de IRC no montante de € 43.745,83, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, vencidos desde 30 de Agosto de 2015 até integral reembolso desta importância.

 

I.A. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:

 

  1. A Requerente procedeu à autoliquidação de IRC pelos rendimentos auferidos em 2012.
  2. A requerente pagou o montante apurado.
  3. No apuramento do imposto a requerente não teve em consideração os encargos com o IMI, em oposição ao definido no art. 22º, n.º6. al. a) do EBF.
  4. Porquanto, a requerente liquidou e pagou IRC superior ao devido.

 

I.B Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:

 

  1. O proprietário dos prédios, fonte do rendimento sujeita a IRC, é o A… e não a sociedade B…, S.A..
  2. A requerente B…, S.A. é a entidade gestora do A… .
  3. O A…, embora não possua personalidade jurídica possui personalidade judiciária.
  4. Porquanto quem possui legitimidade é o A… e não a Requerente.
  5. Face ao exposto deve a exceção (art. 576º, n.º1 e n.º2 do CPC) ser julgada procedente e absolvida a requerida da instância (art. 89º, n.º1, al. d) do CPTA e art. 278º, n.º1, al. d) do CPC).
  6. Prossegue a Requerida alegando que a aplicação do art. 131º, n.º1 do CPPT pressupõe a apresentação de uma declaração de rendimentos que incorpora a autoliquidação de um imposto.
  7. O documento identificado com o n.º … apresentado pela Requerente não corresponde a um ato de autoliquidação, mas sim, uma mera declaração de pagamento.
  8. Porquanto, o objeto da reclamação graciosa e da presente petição inicial não se subsume no art. 131º, n.º1 do CPPT.
  9. O prazo para a requerente reclamar graciosamente era de 120 dias e não de dois anos.
  10. Assim, a reclamação graciosa é intempestiva.
  11. Mais, o valor do IMI a deduzir é apenas o referente ao ano de 2011, não devendo incluir outros pagamentos de IMI relativos a anos anteriores, mesmo que o pagamento seja efetuado em 2012.
  12. Por fim, a Requerida alega que o erro na entrega da declaração é imputável à requerente.
  13. Por conseguinte, não podem ser devidos juros indemnizatórios.

 

I.C A Requerente respondeu à exceção da seguinte forma:

 

  1. Face ao articulado apresentado, a B…, S.A. não está a atuar por si mas sim na qualidade de entidade gestora do A… .
  2. O Fundo tem personalidade judiciária tributária, mas não possui capacidade judiciária.
  3. O suprimento desta incapacidade judiciária é feito por representação da B…, S.A..
  4.  O ato impugnado é uma autoliquidação, mesmo que tenha sido efetuada por um terceiro.
  5. Pelo que, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado tempestivamente.

 

II. SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

O processo é o próprio.

É invocada uma exceção de ilegitimidade da Requerente que cumpre apreciar previamente.

 

Alega a Requerida que tendo o pedido de constituição do tribunal arbitral sido formulado pela sociedade B…, S.A. ela não possui legitimidade processual. Tendo o Fundo de Investimento (A…) personalidade judiciária deveria ser este a intervir processo.

 

Quid Juris?

 

O momento relevante para a aferição do preenchimento dos pressupostos processuais é o da propositura da ação em juízo. Sendo por isso relevante a legislação em vigor à data da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral.

Quanto à exceção da ilegitimidade, nos termos do art. 30º, n.º1 do CPC (ex vi art. 29º, n.º1, al. e) do RJAT) o autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar.

A legitimidade determina-se pela utilidade (ou prejuízo) que da procedência (ou da improcedência) da ação pode advir para as partes (art. 30º, n.º2 do CPC), face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido e a causa de pedir, têm na relação controvertida, tal como a apresenta o autor.

Sobre a legitimidade o art. 9º do CPPT estatui o seguinte:

1 - Têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.

2 – (…).

3 –(…).

4 - Têm legitimidade no processo judicial tributário, além das entidades referidas nos números anteriores, o Ministério Público e o representante da Fazenda Pública.

 

No processo judicial tributário tem legitimidade qualquer contribuinte que suporta o encargo ou o sacrifício patrimonial do imposto.

A legitimidade do A… (doravante apenas A…) não é posta em causa. Alega a AT que de acordo com a p.i. a parte identificada como requerente é a B…, S.A., sendo que a relação material tributária controvertida diz respeito ao A… . Assim, no entender da AT, só este é que possui legitimidade ativa para demandar a AT.

Impõe-se em primeiro lugar analisar o formulário preenchido pela Requerente ao dar entrada do seu pedido de constituição do tribunal arbitral. Este é um requerimento eletrónico disponível no sítio do CAAD. A informatização deste pedido permite-nos identificar sem margem para dúvidas os elementos exigidos no art. 10º, n.º2 do RJAT. Um dos elementos é a identificação do sujeito passivo, incluindo o seu NIF. Neste, os campos de identificação da requerente e do seu representante legal foram preenchidos respetivamente com a identificação do A…, NIF … e da sociedade B… SA., NIF… .

No pedido de constituição do tribunal arbitral não há qualquer dúvida que o Requerente identificado foi o A… . Não obstante, o pedido de constituição do tribunal não se confunde com o pedido de pronúncia arbitral, devendo este ser remetido em anexo em documento autónomo ao pedido de constituição do tribunal arbitral (art. 10º, n.º2, al. c) do RJAT).

No pedido de pronúncia está indicado que a sociedade B…, S.A é a entidade gestora do A… . É verdade que na praxis corrente costuma-se indicar primeiro o fundo e de seguida costuma-se indicar a sociedade gestora.

Contudo, tendo em conta o articulado apresentado afigura-se-nos de excessivo formalismo concluir que a Requerente no caso em apreço não é o fundo mas sim a entidade gestora. Ao longo de toda a p.i. a Requerente indicada e a relação material tributária controvertida dizem respeito ao Fundo. Veja-se a título de exemplo os arts. 5º, 11º e 13º da p.i..

O direito à tutela jurisdicional efetiva é um direito fundamental, que deve levar-nos a afastar interpretações meramente ritualistas e formais (art. 20º, n.º1 da CRP). A reforma da justiça administrativa condenou expressamente o excesso de formalismo (art. 7º do CPTA). As normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas.

Igual filosofia é seguida pelo CPC “ (…) que visa, sempre que possível, a prevalência do fundo sobre a forma, bem como a sanação das irregularidades processuais e dos obstáculos ao normal prosseguimento da instância, tendo em vista o máximo aproveitamento dos actos processuais” In Ac. do TRC de 24.02.2015, proc. n.º 1530/12.7 TBPBL.C1

O fundo é um património autónomo sem personalidade jurídica (art. 2º, n.º2, al. u) da Lei n.º16/2015 de 24.02). Não obstante, o fundo pode ser sujeito de relações jurídicas tributárias (art. 15º da LGT), ou seja, é titular de direitos e obrigações tributárias, possui personalidade judiciária tributária (art. 3º do CPPT) e, assim, é suscetível de ser parte em processos judiciais tributários. Deste modo, o A… pode intervir judicialmente.

Uma vez que o A… possui personalidade tributária, possui também capacidade tributária, nos termos do art. 16º, n.º2 da LGT. Deste modo, o A… pode exercer pessoal e livremente atos que produzam consequências na relação jurídica tributária. Contudo, a administração e representação do A… é efetuada pela sociedade gestora (art.66º, n.º1, al. b) da Lei n.º16/2015 de 24.02). Por isso esta costuma ser indicada também no pedido de pronúncia, o que ocorreu no caso em apreço.

Acresce que, em resposta a esta exceção foi indicado, sem margem para dúvidas, o A… como a entidade requerente.

Porquanto, afigura-se-nos que a requerente identificada no processo é o A…, o qual possui legitimidade, personalidade judiciária e está devidamente representado pela sociedade B…, S.A.

Face ao exposto, nos termos do art. 9º, n.º1 e n.º4 do CPPT e art. 20º, n.º1 da CRP, o Tribunal conclui que o A… é a entidade Requerente e possui legitimidade, improcedendo, portanto, a invocada exceção.

 

É invocada também a exceção da caducidade do direito por a reclamação graciosa prévia ao pedido de constituição do tribunal arbitral ter sido apresentada fora de prazo. Para o efeito, a AT alega que o ato sindicado não é uma autoliquidação, mas sim, uma mera declaração de pagamento sujeito ao prazo previsto no art. 70º, n.º1 do CPPT e não ao prazo previsto no art. 131º, n.º1 do CPPT.

Quid Juris?

Devemos em primeiro lugar analisar o ato sindicado para podermos aferir a sua natureza (declaração de pagamento, autoliquidação ou retenção na fonte). O ato em apreciação tem como denominação do seu formulário “declaração de retenção na fonte IRS/IRC e IS” e possui o numero… .

O ato foi apresentado pela sociedade gestora da requerente por imposição do art. 22º, n.º6, al. a) do EBF em vigor à data dos fatos (2012). De acordo com a norma citada:

 

a) Tratando-se de rendimentos prediais, que não sejam relativos à habitação social sujeita a regimes legais de custos controlados, há lugar a tributação, autonomamente, à taxa de 20 %, que incide sobre os rendimentos líquidos dos encargos de conservação e manutenção efectivamente suportados, devidamente documentados, bem como do imposto municipal sobre imóveis, sendo a entrega do imposto efectuada pela respectiva entidade gestora até ao fim do mês de Abril do ano seguinte àquele a que respeitar, e considerando-se o imposto eventualmente retido como pagamento por conta deste imposto;

 

Será que estamos perante uma situação de retenção na fonte tal como está denominado o documento apresentado?

Nos termos do art. 20º, n.º1 da LGT a substituição verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte. No caso em apreço o pagamento não é feito pelo sujeito passivo, mas sim, pela entidade gestora do fundo.

Contudo, nos termos do art. 20º, n.º2 da LGT a substituição é efetivada através do mecanismo da retenção na fonte do imposto devido. Esta é uma técnica utilizada essencialmente nos impostos sobre o rendimento, como no caso em apreço. Assim o mecanismo de retenção na fonte efetiva a substituição tributária.

Contudo, para que possamos qualificar esta situação como de retenção na fonte é necessário que exista uma dedução dos rendimentos sujeitos a tributação do sujeito passivo. «A retenção na fonte é o fenómeno que se verifica quando a lei, aproveitando a circunstância da existência de pagamento de um para outro sujeito e cuja constituição está conexionada com a existência dos factos tributários, atribui a obrigação de reter uma certa quantia a título de imposto e de a entregar nos cofres do Estado a uma pessoa diferente (o substituto) daquela em relação à qual se verificam esses factos tributários (o substituído)» In Lei Geral Tributária comentada e anotada, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Encontro da Escrita Editora, 4.ª edição, anotação 7 ao art. 95.º, pág. 826.

No caso em apreço a dedução não ocorreu porque a entidade que procedeu à entrega do imposto nada deve ao sujeito passivo. Pelo que, não estamos perante uma situação de retenção da fonte.

Será uma autoliquidação?

A liquidação é “ (…) um acto administrativo, de aplicação de norma de incidência e da respectiva taxa de quotidade, à matéria colectável prévia ou supostamente determinada; da expressão aritmética do valor pecuniário da obrigação tributária correspondente, e da sua imputação à pessoa do contribuinte; e da declaração substantiva e formal, de tal operação e sua notificação ao contribuinte (…) ” In O Estatuto do Contribuinte, Victor Faveiro, Coimbra Editora, 2002, pág. 683

De acordo com Casalta Nabais, o procedimento de liquidação compreende as seguintes operações: i) lançamento subjetivo, que visa a determinação ou identificação do contribuinte ou do sujeito passivo; ii) lançamento objetivo, que se traduz na determinação da matéria tributável ou coletável e da taxa aplicável; iii) liquidação em sentido estrito, que consiste na determinação da coleta, mediante a aplicação da taxa à matéria tributável ou coletável; iv) deduções à coleta, caso existam. Cfr. Direito Fiscal, 5ª Ed., Coimbra Editora, 2009, pág. 321

 

A autoliquidação é o ato de aplicação material tributária aos factos pelo próprio sujeito passivo do imposto a que os mesmos respeitam e da consequente verificação-declaração da sua obrigação de imposto”. In Lei Geral Tributária comentada e anotada, Ob. Cit., pág. 826

No caso das autoliquidações “ (…) a qualificação e quantificação da matéria tributável está nas mãos do próprio que a aufere – ou de alguém que com ele mantenha relações relevantes -, resultando o montante do tributo a pagar ou a receber daquilo que ele próprio avalia e estima.” In Lições de Procedimento e Processo Tributário, Joaquim Freitas da Rocha, Coimbra Editora, 3ª Edição, pág. 185

No caso em apreço o ato sindicado não foi apresentado pelo sujeito passivo, mas sim pela entidade gestora. A autoliquidação é aquela que é feita por um particular e não pela AT. Pelo que, o facto de não ter sido apresentada pelo sujeito passivo, não afasta a eventual qualificação como autoliquidação.

Neste sentido veja-se o Ac. do STA de 15.02.2006, proc. n.º 026622:

 I - Autoliquidação é a liquidação de um tributo que não é feita pela Administração Tributária, mas pelo sujeito passivo, seja ele o contribuinte directo, o substituto legal ou o responsável legal (artºs 82º, nº 1, 84º, nº 2, e l8º, nº 3, da Lei Geral Tributária);

           

Tendo o ato sido entregue pelo responsável legal do A…, poderá ser o mesmo qualificado como autoliquidação.

No caso em apreço para apurar o valor a pagar exige-se que previamente se proceda:

a)      Ao apuramento do rendimento;

b)      À dedução dos encargos de conservação e manutenção;

c)      À dedução do IMI pago;

d)     À aplicação de uma taxa de 20%.

Deste modo, face às definições de liquidação e auto-liquidação atrás expostas somos da opinião que estamos perante um ato de autoliquidação. É uma autoliquidação porque não é feita pela AT e porque a determinação do imposto a pagar exigiu o apuramento antecedente da matéria coletável, tendo previamente sido calculado o rendimento e deduzidos os encargos de conservação e manutenção. De seguida o particular apurou a taxa, aplicou e em consequência apurou o imposto a pagar. Destarte, estamos perante uma autoliquidação.

O ato sindicado não se trata de um mero documento de pagamento porque exigiu que previamente fossem desenvolvidas as tarefas atrás referidas as quais permitem qualificar o ato como uma autoliquidação.

A autoliquidação foi entregue em 20.05.2013. Ao abrigo do art. 131º, n.º1 do CPPT a Requerente tinha um prazo de dois anos para reclamar graciosamente. O prazo foi cumprido porque a reclamação graciosa foi apresentada no dia 30.04.2015, ou seja, antes de concluídos os dois anos.

Face ao exposto, nos termos do art. 131º, n.º1do CPPT, o Tribunal conclui que a reclamação graciosa prévia ao pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentada tempestivamente, improcedendo, portanto, a invocada exceção de caducidade.

 

Face ao atrás decidido, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias.

As partes são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Inexistem outras questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.

Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.

 

III. – Thema Decidendum

 

A Requerente pode deduzir o valor do IMI pago ao rendimento predial obtido?

 

IV. – MATÉRIA DE FACTO   

IV.1. Factos provados

 

Antes de entrar na apreciação da questão principal, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respectiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental, o processo administrativo tributário junto e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:

  1. A Requerente é um fundo de investimento imobiliário fechado de subscrição particular.
  2. Em 20/05/2013 a entidade gestora do Fundo procedeu à autoliquidação de IRC sobre os rendimentos auferidos no ano de 2012, pelo Fundo, tendo declarado um rendimento líquido de encargos de conservação de €2.236.434,23.
  3. A autoliquidação entregue não teve em conta os encargos do IMI.
  4. Em resultado da autoliquidação a Requerente pagou a quantia de €446.233,07.
  5. No ano de 2012 a requerente pagou o IMI, referente aos prédios que tinham gerado os rendimentos tributados, no montante de €218.729,12.
  6. No dia 30.04.2015 a Requerente apresentou uma reclamação graciosa contra a autoliquidação previamente apresentada.
  7. A requerida não apreciou de forma definitiva a reclamação graciosa apresentada.

 

IV.2. Factos dados como não provados

 

Não existem factos dados como não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados. 

 

IV.3. Motivação da matéria de facto

 

Os factos dados como provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.

Os factos que constam dos números 1 a 8 são dados por assentes por análise do processo administrativo, pelos documentos juntos pela Requerente (docs. 1 a 10 do pedido de constituição do Tribunal Arbitral) e pela posição assumida pelas partes.

 

V. Aplicação do direito aos factos

 

1.      A Requerente pode deduzir o valor do IMI pago ao rendimento predial obtido?

Está em causa o disposto no art. 22º, n.º6, al. a) do EBF, em vigor à data de 2012:

“a) Tratando-se de rendimentos prediais, que não sejam relativos à habitação social sujeita a regimes legais de custos controlados, há lugar a tributação, autonomamente, à taxa de 20 %, que incide sobre os rendimentos líquidos dos encargos de conservação e manutenção efectivamente suportados, devidamente documentados, bem como do imposto municipal sobre imóveis, sendo a entrega do imposto efectuada pela respectiva entidade gestora até ao fim do mês de Abril do ano seguinte àquele a que respeitar, e considerando-se o imposto eventualmente retido como pagamento por conta deste imposto;”

 

As leis fiscais interpretam-se como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (art. 9º, do C.C. e art.11º, da L.G.T.). O art. 20º, n.º6, al. a) do EBF é por demais clarividente não havendo espaço para dúvidas interpretativas (in claris cessat interpretatio).

Assim, a tributação deve incidir sobre o rendimento líquido do valor do IMI suportado, ou seja, o IMI pago deve ser deduzido ao rendimento e só depois deve ser aplicada a taxa de 20%.

Destarte, nesta parte, devem proceder as pretensões da requerente.

Contudo, a AT alega que parte das despesas indicadas pela Requerente dizem respeito a exercícios anteriores, não devendo por isso ser deduzidas ao rendimento.

Está em causa o princípio da especialização dos exercícios previsto no art. 18º do CIRC:

1 — Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

 

Os proveitos e os custos devem ser imputados ao período a que respeitam, independentemente do seu recebimento ou pagamento, o que significa que em determinado exercício, devem ser contabilizados os proveitos, e também os custos, que nele efetivamente tenham sido realizados. Neste sentido Cfr. Ac. do STA de 09.05.2012, proc. n.º 0269/12. “Contabilizam-se créditos e débitos e não pagamentos e recebimentos.” In Apontamentos ao IRC, Rui Morais, Almedina, 2007, pág. 64

Contudo, o montante do IMI pago em 2012 referente a anos anteriores (2010), sempre deveria ter sido deduzido ao rendimento da contribuinte. A AT não teve qualquer prejuízo no erro do contribuinte, porque aquele gasto deveria sempre ser deduzido nos exercícios anteriores.

A principal prejudicada foi a própria requerente que poderia ter deduzido o valor do IMI nos anos anteriores e acabou por o fazer apenas em 2012. Assim, o princípio da justiça impõe que tais gastos sejam agora tidos em conta. O princípio da justiça emanado do art. 266º, n.º2 da CRP e do art. 55º da LGT aplica-se mesmo nos casos em que a AT atua sob poderes vinculados. Neste sentido Cfr. Ac. do STA de 19.11.2008, proc. n.º 325/08:

 

Na ponderação dos valores em causa (por um lado o princípio da especialização dos exercícios que é uma regra legislativamente arbitrária de separação temporal, para efeitos fiscais, de um facto tributário de duração prolongada e, por outro lado, o princípio da justiça, que reflecte uma das preocupações nucleares de um Estado de Direito), é manifesto que, numa situação de incompatibilidade se deve dar prevalência a este último princípio.

 

O princípio da especialização dos exercícios deve ser temperado com a invocação do princípio da justiça, o que constitui jurisprudência reiterada do STA. Cfr.:

Ac. do STA de 25.06.2009, proc. n.º 291/08

 I - Em matéria de custos, o princípio da especialização dos exercícios – artigo 18.º do CIRC – traduz-se na consideração, como custo de determinado exercício, dos encargos que economicamente lhe sejam imputáveis.

II - Não põe em causa tal princípio a imputação, a um exercício, de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios.

III - Tal postulado é exigido pelo princípio da justiça, consagrado nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP, e 50.º da LGT.

 

Ac. do STA de 02.04.2008, proc. n.º 807/07

I - O princípio da especialização dos exercícios visa tributar a riqueza gerada em cada exercício e daí que os respectivos proveitos e custos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e não à medida que o respectivo recebimento ou pagamento ocorram.

II - Contudo esse princípio deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios.

 

Citando o Dr. António Moura Portugal ”Daí que o princípio da especialização de exercícios não possa ser visto como algo absoluto, não devendo nomeadamente, prevalecer sobre o princípio fundamental da tributação do rendimento real.”In A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, Pág. 187

 

Acresce que, a AT não alega que a dedução tardia do IMI tem como propósito a manipulação de resultados, não se nos afigurando por isso inadmissível a subtração do IMI, relativo a exercícios anteriores, ao rendimento a tributar. Neste sentido Cfr. Ac. do STA de 09/05/2012, proc. n.º 269/12:

VI - Também não existe violação ao princípio da especialização dos exercícios, uma vez que em nenhuma das situações se verificou a imputação de proveitos ou de encargos que não tenham tido lugar nos respectivos exercícios, e não consta do probatório, nem do relatório da inspecção, nem tão pouco vem alegado pela Fazenda pública, que as operações realizadas tenham tido em vista a manipulação de resultados, de modo a permitir o deferimento no tempo dos lucros, fraccionar os lucros ou concentrar o lucro num exercício para se poder efectivar deduções mais avultadas (ex. por reporte de prejuízos ou por incentivos fiscais).

 

Deste modo, por constituir uma flagrante injustiça deve imperar o consagrado nos arts. 266º, n.º2 e 55º da LGT (princípio da justiça) em detrimento do disposto no art. 18º do CIRC (especialização dos exercícios)[1].

Face ao exposto, deve a autoliquidação impugnada ser anulada e ao valor do rendimento de 2012 deverá ser deduzido o IMI pago, no valor total de €218.729,12.

 

  1. Juros indemnizatórios

 

Nos termos do n.º 1 do art.º 43º da LGT, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

A autoliquidação não foi feita pela AT, pelo que esse erro não lhe pode ser assacado, pelo mesmo desde a data da sua entrega.

Contudo, é inquestionável que após a apresentação da reclamação graciosa a AT possuía todos os elementos de fato e de direito para repor a legalidade da tributação. A AT nada fez e a reclamação foi indeferida tacitamente em 30.08.2015 (art. 57º, n.º5 da LGT).

À AT cabe repor a legalidade (art. 55º da LGT), não lhe podendo ser indiferente a manutenção de um ato ilegal. Mais, a AT tem o dever de rever os atos tributários caso detete uma situação de cobrança ilegal de tributos (art. 266.º, n.º 2, da C.R.P. e 55.º da LGT), dentro dos limites temporais do art. 78º da LGT.

Indeferida a reclamação o erro passa a ser imputável à AT. Neste sentido Cfr. Ac. do TCAS de 16.01.2014, proc. n.º 05306/12:

3)Havendo excesso na delimitação da base tributável, a partir do momento em que a AF, estando na posse de todos os elementos necessários, podia ter corrigido o erro, e ainda assim não procedeu, ou seja, desde a data do esgotamento do dever de decidir a reclamação graciosa, o erro determinante da cobrança ilegal do imposto em apreço é imputável aos serviços.

No mesmo sentido o Venerando Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa assevera do seguinte: “ (…) o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos.” In CPPT Anotado, Vol. I, Áreas Editora, 2011, Pág. 537

Destarte procede, pois, o pedido de juros indemnizatórios, que deverão ser contados, à taxa apurada de harmonia com o disposto no artigo 43.º, n.º 4, da LGT, desde 30.08.02015 até à restituição do imposto pago em excesso.

 

VI. DECISÃO

 

Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:

a)      Julgar improcedentes as arguidas exceções de incompetência do Tribunal Arbitral e de ilegitimidade passiva da Requerida;

b)      Julgar procedente, por violação de lei, a impugnação parcial da legalidade da autoliquidação de IRC efetuada através da declaração de retenções na fonte IRS/IRC e IS n.º…, relativa ao exercício de 2012, admitindo-se que seja deduzido ao rendimento a quantia de €218.729,12, anulando-se, nessa parte, a auto-liquidação;

c)      Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde 30.08.2015 até ao momento da restituição das quantias indevidamente liquidadas e pagas.

 

Fixa-se o valor do processo em €43.745,83 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.142,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

Lisboa, 18 de Maio de 2016  

 

 

André Festas da Silva



[1] Neste sentido Cfr. Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, LGT Anotada, 4ª Ed., 2012, Encontro da Escrita, pág. 453