Decisão Arbitral
I – Relatório
1. No dia 18.11.2015. a Requerente, A... S.A., com sede na avenida de..., nº ..., ..., Lisboa, com o número de identificação fiscal..., requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à declaração de nulidade ou, caso assim se não entenda, à anulação, das seguintes liquidações referentes à aquisição do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo U-...-... sito na rua... , ..., ... a..., da freguesia de ... :
a) Liquidação de IMT, no valor de € 1.015,93, a que corresponde o documento nº... .
B) Liquidações de imposto de Selo, no valor de € 776,00 a que corresponde o documento nº... .
A Requerente peticiona ainda o reembolso do valor das liquidações, que considera ter pago indevidamente, bem como os respetivos juros indemnizatórios.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 22.01.2016.
3. Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis.
4. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, sinteticamente, os seguintes:
a. O prédio U-...-... sito na rua..., ..., ... a ..., inscrito na matriz urbana da freguesia de ..., a que se referem os atos tributários em causa integrava o património da Requerente, à data da entrada em vigor da Lei nº 83-C/20133, de 31 de Dezembro.
b. As isenções de IMT e de imposto de Selo, constantes, respetivamente, dos números 7, alínea a), e 8 do art. 8º do Regime Tributário dos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional, haviam sido reconhecidas a requerimento do Requerente nos termos do art. 10º do Código do IMT, em momento anterior ao do ingresso do prédio no Fundo B... .
c. O facto objeto da tributação é, quer em sede de IMT, quer em sede de IS, a aquisição da propriedade dos prédios relevantes pelo Fundo B... não sendo as isenções de IMT e IS, à data em que ingressaram no património do Fundo B..., condicionadas à verificação ulterior de quaisquer factos ou circunstâncias nem, tampouco, sujeitas a qualquer regime de caducidade.
d. Assim é manifesto que a imposição posterior aos facto tributário de qualquer factos ou circunstâncias condicionantes da isenção enferma de inconstitucionalidade por violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal, consagrado no art. 103º, nº 3, da constituição da República Portuguesa.
5. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se, em síntese, com os fundamentos seguintes:
Por exceção,
a. Entende a Requerida que o Tribunal Arbitral é incompetente para efetuar uma fiscalização abstrata quer da legalidade, quer da constitucionalidade do artigo 236.º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro.
b. A incompetência do Tribunal Arbitral para proceder à apreciação abstrata da constitucionalidade consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto no artigo 576.º/1 e 2 e no artigo 577.º-a) do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º/1-e) do RJAT.
POR IMPUGNAÇÃO
c. Resulta evidente que a partir de 1 de janeiro de 2014 a isenção de IMT dos imóveis integrados no Fundo tendo em vista o arrendamento foi alargada até 2015, contudo para efeitos de cumprimento do pressuposto de afetação dos imóveis a habitação passou a ser exigida prova da existência de contrato de arrendamento para habitação permanente.
d. Importa em primeiro lugar referir que a lei não estabeleceu nenhum novo requisito, mas apenas concedeu um prazo para cumprimento desse requisito, prazo esse, que apenas se inicia após a entrada em vigor da lei nova.
e. Não se trata, pois, de alterar os pressupostos, condições de atribuição ou de reconhecimento de um benefício fiscal, mas tão só e apenas, regular o período de tempo para efeitos de comprovação do cumprimento de um requisito previamente estabelecido.
f. Não estamos em sede de uma situação de reconhecimento de direitos, mas apenas de procedimentos de prova de direitos cuja atribuição está anteriormente regulada.
g. Em obediência ao princípio constitucional da irretroatividade dos impostos, as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, em consonância com o princípio geral da aplicação das leis no tempo segundo o qual, na ausência de atribuição expressa de eficácia retroativa, a lei só dispõe para o futuro (art.º 103.°, n.° 3, da CRP; art.º 12.°, n.° 1, da LGT; art.º 12.°, n.° 1, do CCivil).
h. Na verdade, a alteração legislativa ora em apreço não altera a relação jurídica tributária, mas apenas estabelece as condições de prova, condições essas apenas se aplicam para o futuro.
i. Donde, não se verifica no caso em apreço qualquer situação de retroatividade da lei fiscal.
j. A atuação da entidade Requerida, encontrar-se sempre balizada em função da sua subordinação à lei, não podendo desaplicar uma norma em função da sua inconstitucionalidade, caso essa inconstitucionalidade se verificasse, o que por mera hipótese académica se concede.
k. Improcede assim o pedido de pagamento de juros indemnizatórios pois não se verifica qualquer erro na atuação da entidade requerida, muito menos um erro imputável aos serviços, ficando assim afastada a aplicação do artigo 43.º da LGT.
6. Por despacho de 14.04.2016, devidamente notificado às partes, foi julgada improcedente a exceção de incompetência do Tribunal arbitral suscitada pela Requerida.
7. As partes apresentaram alegações escritas, tendo, no essencial, sustentado as posições já expostas nos articulados.
8.O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.
O processo não padece de vícios que o invalidem.
9. Cumpre solucionar as seguintes questões:
a) Se são ilegais as liquidações objeto do presente processo.
b) Em caso afirmativo se deve ser reconhecido ao Requerente o direito à restituição dos impostos alegadamente pagos, bem como juros indemnizatórios sobre tais quantias.
II – A matéria de facto relevante
10. Consideram-se provados os seguintes factos:
1. A Requerida procedeu, em 19.08.2015, às seguintes liquidações referentes à aquisição pela Requerente do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo ...-... sito na rua..., ..., ... a..., da freguesia de...:
a) Liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, no valor de € 1.015,93, a que corresponde o documento nº... .
B) Liquidações de imposto de Selo, no valor de € 776,00 a que corresponde o documento nº ... .
2. O prédio U-...-... sito na rua..., ..., ... a..., inscrito na matriz urbana da freguesia de..., a que se referem os atos tributários em causa integrava o património da Requerente, à data da entrada em vigor da Lei nº 83-C/20133, de 31 de Dezembro, por ter sido adquirido a titulo oneroso em data anterior.
3.As isenções de IMT e de imposto de Selo, constantes, respetivamente, dos números 7, alínea a), e 8 do art. 8º do Regime Tributário dos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional, haviam sido reconhecidas a requerimento do Requerente nos termos do art. 10º do Código do IMT, em momento anterior ao do ingresso do prédio no Fundo B..., como Fundo de investimento imobiliário para arrendamento habitacional.
4. Das liquidações em causa consta que:
e
e
4. As liquidações foram pagas em 20 de Agosto de 2015, data limite para o efeito constante dos documentos emitidos pela Requerida.
Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados
11. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, bem como dos articulados apresentados, e ainda da circunstância de ocorrer total concordância das partes relativamente à matéria de facto, cingindo-se o desacordo à matéria de direito.
-III- O Direito aplicável
12. A Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro, aprovou o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional.
No seu artigo 8º estabeleceu-se o regime tributário aplicável aos fundos de investimento imobiliário. No que se refere ao Imposto Municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, foi estabelecido no nº 7 do mencionado art. 8º, o seguinte:
“7 — Ficam isentos do IMT:
a) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;
b) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.”
Por sua vez, a lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro, aditou ao referido art. 8º os números 14º a 16º com a seguinte redação:
“14 — Para efeitos do disposto nos nºs 6 a 8, considera--se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.
15 — Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.os 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.
16 — Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.”
A lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro, veio, ainda, consagrar no seu artigo 236º, o seguinte regime transitório:
“1 — O disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64 -A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.
2 — Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64 -A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando -se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014.”
13. Face a este quadro legislativo a questão jurídica que cumpre solucionar é a de saber se à luz do nº 2, do art. 236º, da lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro e dos nºs 14º, 15º e 16º da Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro, na redação daqueloutro diploma, a aquisição do imóvel em causa, ocorrida antes de 1 de Janeiro de 2014, pode ser tributada por o imóvel ter sido vendida antes de decorrido o prazo de três anos contado a partir de 1 de Janeiro de 2014. E, por outro lado, em caso afirmativo, se tal solução legal é conforme com o art. 103º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa, que determina que “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos (…) que tenham natureza retroactiva (…)”
14. É indubitável que, face às normas ordinárias transcritas, um Fundo de investimento imobiliário para arrendamento habitacional, que a partir de 1.01.2014 venda um imóvel adquirido em ano anterior, que tenha beneficiado de isenção por o imóvel ser destinado a habitação e que o venda antes de decorridos 3 anos após 1.01.2014, fica sujeito a imposto por força da lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro.[1]
Note-se que, no caso “sub judice”, o facto tributário em causa (a aquisição da propriedade por parte do Requerente) verificou-se inteiramente ao abrigo da lei antiga.
É também indubitável que o facto tributário em causa é sujeito a tributação face à lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro, mas não o era face à Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro, na sua redação originária.
15. Escreve Sérgio Vasques que “A consagração da proibição expressa do art. 103º, nº 3, da Constituição da República, serve essencialmente para deixar claro que a retroactividade, forte ou fraca, está por princípio, vedada ao legislador fiscal, que só poderá socorrer-se dela a título excepcional. Em face do art. 103º, nº 3, da CRP, uma lei fiscal retroactiva afirgurar-se-á sempre, e à partida, lei inconstitucional, não sendo necessária qualquer ponderação casuística para se chegar a esta primeira conclusão. Mas isto não obsta a que, num segundo momento, concluamos que a segurança jurídica deve [ser] sacrificada a outros valores constitucionais que no caso concreto se mostrem mais relevantes e que em circunstâncias excepcionais se considere legítima a lei fiscal retroactiva, como pode acontecer em caso de guerra, catástrofe natural, epidemia ou grave crise financeira”.[2]
Ainda na doutrina, diz-nos Ana Paula Dourado que “Nos casos dos impostos de obrigação única (por exemplo, a compra e venda de um imóvel, sujeito a IMT) a proibição da retroatividade implica o respeito pelos factos tributários passados, ou seja a não aplicação da lei nova a esses factos, pois a obrigação tributária nasceu e está concluída.”[3]
16. Em linha com a qualificada doutrina acabada de referir, poder ler-se no acórdão nº 617/2012, de 19 de dezembro de 2012, Processo n.º 150/12, do Tribunal constitucional:
“Com efeito, o facto gerador da obrigação fiscal (….) ocorre indubitavelmente antes da publicação da lei nova, não sendo possível entender que se está perante um facto jurídico-fiscal complexo de formação sucessiva.
A aplicação da nova lei a este facto ocorrido anteriormente à sua aprovação envolve, pois, uma retroactividade autêntica.
O que releva, face aos princípios constitucionais enunciados, não é o momento de liquidação de um imposto, mas sim o momento em que ocorre o ato que determina o pagamento desse imposto. É esse ato que vai dar origem à constituição de uma obrigação tributária, pelo que é nessa altura, em obediência ao princípio da legalidade, na vertente fundamentada pelo princípio da proteção da confiança, que se exige, como medida preventiva, que já se encontre em vigor a lei que prevê a criação ou o agravamento desse imposto, de modo a que o cidadão possa equacionar as consequências fiscais do seu comportamento.
(…)
Ora, tendo já ocorrido o facto que deu origem à obrigação tributária posteriormente agravada por lei nova, as razões que presidiram à consagração da regra de proibição da retroatividade neste domínio estão integralmente presentes, uma vez que importa prevenir o risco abstrato de que a lei publicada com retroação de efeitos provoque agravos financeiros desrazoáveis, pela impossibilidade em que se encontravam os contribuintes afetados, vinculados a tais factos já ocorridos, de prever e prover quanto às suas consequências tributárias, determinadas por lei futura.”
17. De acordo com o exposto, e na linha da doutrina e jurisprudência citadas é inequívoco que o nº 2, do art. 236º da lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro, em conjugação com o nº 16º do art. 8º da Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro, na redação da lei 83-C/2013, estabelece uma tributação retroativa (retroatividade autêntica), violadora do art. 103º, nº 3, da Constituição da Republica Portuguesa, pelo que não pode o tribunal deixar de desaplicar as mesmas, em obediência à norma consagrada no art. 204º da CRP, ficando as liquidações de imposto em causa sem base legal, tendo como consequência a anulação das mesmas.[4]
18. Veio, ainda, a Requerente pedir a condenação da Requerida a restituir as quantias pagas correspondentes à liquidação objeto do presente processo, bem como os respetivos juros indemnizatórios.
Vejamos.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que “a Administração Tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
Embora o artigoº 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.[5]
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se retira do artigoº 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigoº 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.
Assim, o n.º 5 do artigoº 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.
No que concerne aos juros indemnizatórios, cabe ainda apreciar esta pretensão à luz do artigo 43º da Lei Geral Tributária.
Dispõe o nº 1 daquele artigo que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Sufragamos o entendimento de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa que sustentam que “O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação judicial dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte” (LEI GERAL TRIBUTÁRIA, Anotada e Comentada, encontros da escrita, 4ª Edição, 2012, pág. 342).
No caso “sub judice”, não sendo o erro que deu origem às liquidações, ora anuladas, imputável ao Requerente, não poderá deixar de proceder o pedido de condenação da Requerida quanto aos juros indemnizatórios.
Assim, deverá a Autoridade Tributária e Aduaneira dar execução à presente decisão, nos termos do artigoº 24.º, n.º 1, do RJAT, restituindo as importâncias pagas pela Requerente relativamente às liquidações anuladas, com juros indemnizatórios, à taxa legal.
Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (artigoº 61.º, n.º 5, do CPPT).
-IV- Decisão
Assim, decide o Tribunal arbitral, julgando procedente o pedido de pronúncia arbitral:
a) Decretar a anulação das liquidações objeto do presente processo.
b) Condenar a Requerida a restituir ao requerente os montantes pagos com juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde a data do pagamento pelo requerente até à do processamento da nota de crédito.
Valor da ação: € 1791,93 (mil setecentos e noventa e um euros e noventa e três cêntimos) nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A,n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Custas pela Requerida, no valor de € 306 (trezentos e seis euros), nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, CAAD, 20 de Maio de 2016
O Árbitro
Marcolino Pisão Pedreiro
[1] E isto é assim, aliás, independentemente de já terem decorrido 3 anos contados desde a data em que o imóvel havia sido adquirido pelo fundo.
[2] MANUAL DE DIREITO FISCAL, Almedina, 2011, pag 295.
[3] DIREITO FISCAL, Lições, Almedina, 2015, pag. 175
[4] E não declaração de nulidade, dado que, no caso “sub judice”, não se vislumbra a ocorrência de ofensa “do conteúdo essencial de um direito fundamental”.
Como se pode ler no sumário do acórdão de 23.10.2013, proferido no proc. 0579/13 (Relatora Isabel Marques da Silva) “O acto de liquidação efectuado em aplicação de deliberação autárquica nula, inexistente ou inconstitucional padece de ilegalidade abstracta – arts. 286.º, n.º 1, al. a) do CPT e 204.º, n.º 1 do CPPT -, que, nos casos de cobrança coerciva, pode ser invocada até ao termo do prazo de oposição à execução fiscal, mesmo que posteriormente ao de impugnação de actos anuláveis mas nunca, consequentemente, a todo o tempo.” (destaque nosso).
Sobre esta questão também Jorge Lopes de Sousa nos diz que “Há, porém, fundamentos que são invocáveis tanto como fundamento de oposição à execução fiscal como de impugnação judicial.
(…)
Cabem aqui os casos de normas que violem normas de hierarquia superior como as normas constitucionais (…).
A ilegalidade é abstracta porque. Afectando a própria lei, não depende do acto que faz a sua aplicação em concreto.
Estando prevista como fundamento de oposição à execução fiscal, esta ilegalidade abstracta constitui também um vício de violação de lei, pois a liquidação terá feito aplicação de uma norma que não é válida à face de uma regra de hierarquia superior.” (CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO Anotado, 4ª Ed., Vislis, 2003, pag. 443-444, destaque nosso).
[5] Sobre esta questão veja-se Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in GUIA DA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, págs. 110-116).