Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 524/2015-T
Data da decisão: 2016-05-02  Selo  
Valor do pedido: € 111.387,04
Tema: IS - Verba 28.1 da TGIS; terrenos para construção; juros indemnizatórios
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ACÓRDÃO ARBITRAL

 

 

1.      Relatório

 

A - Geral

 

1.1.            A…, FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO, contribuinte n.º…, gerido e representado por B…– Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliários, S.A., com sede na…, n.º …-…, …-… Lisboa, com o número único de pessoa colectiva e de registo na conservatória do registo comercial … (de ora em diante designado “Requerente”), apresentou, no dia 29.07.2015, um pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária, que foi aceite, visando, por um lado, a declaração de ilegalidade de três actos de liquidação de Imposto do Selo de 20.03.2015, respeitantes à verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (de ora em diante “TGIS”), relativos a prédios de que é proprietário, como adiante melhor se verá, no valor global de € 111.387,04 (cento e onze mil trezentos e oitenta e sete euros e quatro cêntimos), que deram origem às nota de cobrança n.º 2015…, n.º 2015 … e n.º 2015…, no valor global de € 37.129,02 (trinta e sete mil cento e vinte e nove euros e dois cêntimos), referentes à primeira prestação, e, por outro, o ressarcimento dos danos por si sofridos pelo pagamento indevido de prestações tributárias.

 

1.2.            Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitro-presidente a Senhora Conselheira Maria Fernanda Maçãs e como co-árbitros a Senhora Professora Doutora Nina Aguiar e o Dr. Nuno Pombo, não tendo as Partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.

 

1.3.            Por despacho de 07.09.2015, a Administração Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida”) procedeu à designação das Senhoras Dra. C… e Dra. D… para intervirem no presente processo arbitral, em nome e representação da Requerida.

 

1.4.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído a 28.10.2015.

 

 

B – Posição do Requerente

 

1.5.            O Requerente, à data de 31.12.2014, era proprietário de três terrenos para construção, a que correspondem as cadernetas anexas ao pedido como documentos n.ºs 3 a 5, cujo teor se tem por reproduzido (de ora em diante designados abreviadamente por “Prédios”), a saber:

 

1.5.1.      Um sito no…, freguesia de…, concelho de Loulé, com a área de 28.290 m2 (vinte e oito mil duzentos e noventa metros quadrados) e valor patrimonial tributário (VPT), à data, de € 5.080.766,67 (cinco milhões oitenta mil setecentos e sessenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos), inscrito na matriz da dita freguesia sob o artigo…;

 

1.5.2.      Outro também sito no…, freguesia de…, concelho de Loulé, com a área de 15.168 m2 (quinze mil cento e sessenta e oito metros quadrados) e VPT, à data, de € 4.822.497,13 (quatro milhões oitocentos e vinte e dois mil quatrocentos e noventa e sete euros e treze cêntimos), inscrito na matriz da dita freguesia sob o artigo…; e, por fim,

 

1.5.3.      Outro sito no Lugar da…, União das freguesias de … e…, concelho de Cascais, com a área de 31.015 m2 (trinta e um mil e quinze metros quadrados) e VPT, à data, de € 1.235.440,00 (um milhão duzentos e trinta e cinco mil quatrocentos e quarenta euros), inscrito na matriz da dita freguesia sob o artigo… .

 

1.6.            O Requerente foi notificado das liquidações de Imposto do Selo (de ora em diante designado “IS”) referidas em 1.1., cujos documentos de cobrança referentes à primeira prestação foram anexados ao pedido de pronúncia arbitral como documentos n.ºs 1 a 3, cujo teor se tem por reproduzido, as quais se basearam no art.º 1.º do Código do Imposto do Selo (de ora em diante o “CIS”) e na verba 28.1 da TGIS, aditada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.

 

1.7.            Nos Prédios, à data de 31.12.2014, nada havia construído ou em construção, não resultando eles de qualquer loteamento prévio de parcelas.

 

1.8.            A Câmara Municipal de … não emitira até à data de apresentação do pedido de pronúncia arbitral qualquer despacho ou deliberação final sobre o pedido de loteamento dos prédios mencionados em 1.7.1 e 1.7.2. ali pendente sob o número …/… 2004… nem a Câmara Municipal de Cascais emitira, até à mesma data, qualquer despacho ou deliberação final sobre qualquer pedido de operação urbanística ou qualquer alvará de loteamento ou construção referente ao prédio referido em 1.7.3., de que decorra a permissão para nele ser realizada qualquer operação urbanística.

 

1.9.            Entende o Requerente que a leitura que a Requerida faz da verba 28.1 da TGIS, com a redacção que lhe foi dada pelo art.º 194.º da Lei do Orçamento do Estado para 2014, considerando-a aplicável aos Prédios, é inconstitucional, por violação dos princípios do Estado de direito democrático (nas vertentes da tutela da confiança e da proporcionalidade), da igualdade e da irretroactivade da lei fiscal.

 

1.10.        Considera igualmente o Requerente que as liquidações ora impugnadas enfermam do vício de violação de lei e de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, uma vez que, à luz do que dispõe o CIMI, não pode dizer-se que os Prédios, sendo terrenos para construção, têm uma afectação habitacional, porquanto essa afectação sempre terá de ser presente e efectiva e não meramente potencial e futura, conclusão que a inovação normativa introduzida na verba 28.1. da TGIS pelo Orçamento do Estado para 2014 não contraria.

 

1.11.        Por último, julga o Requerente padecerem as liquidações ora impugnadas dos vícios de falta de fundamentação e de falta de audiência prévia, determinantes da sua ilegalidade.

 

1.12.        O Requerente, no dia 28.04.2015 procedeu ao pagamento dos montantes ilegalmente cobrados, referentes à primeira prestação, num total de € 37.129,02 (trinta e sete mil cento e vinte e nove euros e dois cêntimos) e no dia 01.07.2015 aos respeitantes à segunda prestação, no total de € 37.129,01 (trinta e sete mil cento e vinte e nove euros e um cêntimo), pelo que pede o ressarcimento dos danos por si sofridos com o pagamento indevido de prestações tributárias.

 

 

C – Posição da Requerida

 

1.13.        Advoga a Requerida não haver qualquer dúvida sobre serem os Prédios terrenos para construção, pelo que não pode deixar de aplicar-se à situação em apreço a redacção da verba 28.1 da TGIS introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que expressamente remete para o CIMI a definição de terreno para construção, tendo com essa nova redacção ficado sanadas as questões suscitadas relativamente à tributação dos terrenos para construção.

 

1.14.        Não se pode também ignorar que o alvará de licença para a realização de operações urbanísticas deverá conter, nos termos do art.º 77.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, a especificação de uma série de elementos, pelo que, muito antes da efectiva edificação, é possível apurar e determinar a afectação de terrenos para construção.

 

1.15.        A alteração legislativa que permite, sem tibiezas, tributar os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, visou alargar a base tributável, pela necessidade de corrigir o défice orçamental, com respeito pelos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva.

 

1.16.        Na verdade, contesta a Requerida a ideia de que as liquidações impugnadas violam princípios constitucionais, designadamente os princípios da igualdade (que não implica a proibição de quaisquer discriminações negativas ou positivas, mas apenas das que se afigurem destituídas de fundamento razoável) e da capacidade contributiva, sendo aceitável, no quadro depressivo da economia portuguesa, a limitação da incidência da tributação em causa a prédios habitacionais de luxo, com exclusão dos prédios com afectações estritamente económicas.

 

1.17.        Entende por fim a Requerida que não são devidos ao Requerente juros indemnizatórios, por não ter sido indevido o pagamento por ele realizado.

 

 

D – Conclusão do Relatório e Saneamento

 

1.18.        A Requerida, na sua resposta, pediu dispensa de junção do processo administrativo, da realização da reunião a que se refere o art.º 18.º do RJAT e da apresentação de alegações.

 

1.19.        No dia 04.12.2015 o Requerente pronunciou-se sobre o requerimento apresentado pela Administração Tributária e Aduaneira, opondo-se à dispensa da junção do processo administrativo e da apresentação de alegações, tendo no mesmo dia o tribunal arbitral dado à Requerida 10 (dez) dias para juntar aos autos o processo instrutor, que esta cumpriu.

 

1.20.        No dia 07.12.2015 a Requerida solicitou a junção aos autos do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 590/2015, de 11 de Novembro, pretensão que foi deferida pelo tribunal arbitral.

 

1.21.        No dia 22.12.2015, o Requerente pronunciou-se sobre a junção aos autos do Acórdão do Tribunal Constitucional referido em 1.20 e, simultaneamente, requereu a junção aos autos de um relatório e contas relativo ao exercício de 2014.

 

1.22.        No dia 08.01.2016, a Requerida exerceu contraditório sobre o requerimento atrás referido e pediu ainda a junção aos autos da Decisão arbitral proferida no processo n.º 515/2015-T, tendo o tribunal arbitral oferecido a possibilidade do Requerente, querendo, exercer o contraditório.

 

1.23.        Por despacho de 24.01.2016, o tribunal arbitral, dando sem efeito o despacho proferido em 18.12.2015, indeferiu o pedido de junção aos autos do Relatório e Contas apresentado pelo Requerente por entender que o documento em causa não versa sobre a matéria factual controvertida, dispensou a realização da reunião referida no art.º 18.º do RJAT, fixando prazo para cada uma das partes produzir alegações, estabelecendo ainda o dia 27.04.2016, como prazo limite pra a prolação do acórdão arbitral.

 

1.24.        No dia 09.02.2016, o Requerente solicitou a junção aos autos dos comprovativos do pagamento da terceira prestação do imposto impugnado (docs. n.ºs 12 a 15, seguindo a ordem dos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

1.25.        As Partes apresentaram as suas alegações, em linha do expendido já por cada uma no pedido de pronúncia arbitral e na respectiva resposta.

 

1.26.        No dia 19.04.2016,  o Árbitro Presidente, com a concordância dos co-árbitros, proferiu despacho de prorrogação do prazo da arbitragem por dois meses, indicando como data limite para ser proferida a decisão o dia 27.06.2016.

 

1.27.        As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

1.28.        A cumulação de pedidos efectuada no presente pedido de pronúncia arbitral, em homenagem ao princípio da economia processual, justifica-se uma vez que os actos de liquidação contestados assentam na mesma base factual e apelam à aplicação das mesmas regras de direito, sendo igualmente de aceitar, em tese, o pedido de indemnização formulado porquanto o art.º 3.º do RJAT, ao admitir expressamente a possibilidade de “cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos”, acomoda, sem abuso hermenêutico, a apreciação de um pedido que decorre, em termos necessários, do juízo que o tribunal arbitral sufrague quanto à validade das liquidações postas em crise.

 

1.29.        O processo não padece de qualquer nulidade nem foram suscitadas excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa, pelo que está o tribunal arbitral em condições de prolatar o respectivo acórdão.

 

2.       Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

2.1.1.      À data do pedido de pronúncia arbitral, o Requerente era o único proprietário dos Prédios (docs. n.ºs 4 a 6, juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.2.      Os Prédios estavam descritos como terrenos para construção com afectação habitacional (docs. n.ºs 4 a 6, juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.3.      Ao Prédio referido em 1.7.1., à data dos factos, foi atribuído o VPT de € 5.080.766,67 (cinco milhões oitenta mil setecentos e sessenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos) (doc. n.º 4, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.4.      Ao Prédio referido em 1.7.2., à data dos factos, foi atribuído o VPT de € 4.822.497,13 (quatro milhões oitocentos e vinte e dois mil quatrocentos e noventa e sete euros e treze cêntimos) (doc. n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.5.      Ao Prédio referido em 1.7.3., à data dos factos, foi atribuído o VPT de € 1.235.440,00 (um milhão duzentos e trinta e cinco mil quatrocentos e quarenta euros) (doc. n.º 6, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.6.      O Requerente foi notificado das liquidações de IS a que se referem as notas de cobrança da primeira prestação juntas ao pedido de pronúncia arbitral como documentos n.ºs 1 a 3, no valor global de € 111.387,04 (cento e onze mil trezentos e oitenta e sete euros e quatro cêntimos).

 

2.1.7.      O Requerente, no dia 20.04.2015, procedeu ao pagamento da primeira prestação do que lhe foi liquidado, no montante global de € 37.129,02 (trinta e sete mil cento e vinte e nove euros e dois cêntimos) (docs. nºs 7 a 9, juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.8.      O Requerente, no dia 01.07.2015, procedeu ao pagamento da segunda prestação do que lhe foi liquidado, no montante global de 37.129,01 (trinta e sete mil cento e vinte e nove euros e um cêntimo) (docs. nºs 10 a 12, juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.9.      O Requerente, no dia 10.11.2015, procedeu ao pagamento da terceira prestação do que lhe foi liquidado, no montante global de 37.129,01 (trinta e sete mil cento e vinte e nove euros e um cêntimo) (docs. nºs 13 a 15, juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.2.            Factos não provados

 

Não ficou provado que a Câmara Municipal de…, bem como a Câmara Municipal de …tenham emitido qualquer despacho ou deliberação final de qualquer pedido de operação urbanística (informação prévia, licenciamento, comunicação prévia), nem qualquer alvará de loteamento ou construção, relativamente aos prédios urbanos de … e de…, respectivamente.        

Não se demostrou, assim, que, à data dos factos, os prédios em causa tivessem projectos aprovados para a construção, nem que existiam quaisquer outros títulos constitutivos do direito de construir para habitação.

 

Não há outros factos relevantes para a apreciação do mérito da causa que hajam sido dados como não provados.

 

2.3.            Fundamentação dos factos provados e não provados

 

A fundamentação dos factos dados como provados e não provados fundou-se na posição assumida pelas partes e nos documentos juntos aos autos.

 

3.       Matéria de direito

 

3.1.            Questões a decidir

 

Resulta do que acima se deixou dito que as questões a decidir são, no fundo:

 

a)      A de saber se os Prédios são terrenos para construção “cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI” para efeitos da aplicação do art.º 1.º do CIS e da verba 28.1 da TGIS, com a redacção que lhe foi dada pela pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro; e

 

b)      Sendo dada resposta positiva à pergunta anterior, a de descortinar se é inconstitucional a dita verba 28.1 da TGIS, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de Dezembro, se interpretada no sentido de o facto tributário relevante assentar numa expectativa de afectação à habitação, por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva; e, ainda, 

 

c)      A de esclarecer se, caso se julgue procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação das liquidações contestadas, o Requerente, no âmbito do presente processo arbitral, poderá obter a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios relativamente às quantias por si entregues para satisfação do imposto por esta ilegalmente exigido.

 

3.2.            A verba 28.1. da TGIS

 

O princípio da legalidade, entendido num sentido amplo (da juridicidade da administração), constitui pressuposto e fundamento de toda a actividade administrativa, sendo que só excepcionalmente pode haver actividade administrativa directamente vinculada à Constituição[1].

 

Assim, importa em primeiro lugar averiguar se os actos tributários de liquidação objecto do presente pedido de pronúncia arbitral se acham conformes com o parâmetro imediato a que está subordinada a Administração Tributária e Aduaneira, a saber a verba 28.1 da TGIS, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de Dezembro.

 

3.2.1.      Evolução e enquadramento da verba 28.1. da TGIS

 

Vale a pena citar o Acórdão do STA de 9/4/2014 (proc. n.º 1870/13)[2], que, a par de outros arestos do mesmo tribunal, procede a uma síntese histórica e cronológica da evolução e enquadramento da verba 28.1 da TGIS.

 

“O conceito de «prédio (urbano) com afectação habitacional» não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei) remete, a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação –, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.

 

Esta alteração – a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros)”. (Fim de citação.)

 

Antes da alteração legislativa promovida pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, que passou a incluir a referência expressa aos terrenos para construção, era necessário apurar se tais terrenos, mau grado a inexistência de menção expressa, poderiam ser incluídos no âmbito de incidência objectiva da verba 28. Seguimos com os ensinamentos do aresto que vimos citando:

 

“[Nada] esclarecendo [o legislador] em relação às situações pretéritas [i.e., liquidações anteriores a 2014], como a que está em causa nos presentes autos, não parece poder perfilhar-se [quanto a estas] a interpretação do recorrente, porquanto não resulta inequivocamente, nem da letra, nem do espírito da lei, que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos em matéria – de incidência tributária – em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.

 

E do seu «espírito», apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44 [...]) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza «mais poupadas» no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de «prédios (urbanos) com afectação habitacional», porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido – como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD –, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros» (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, «os prédios (urbanos) habitacionais», em linguagem corrente «as casas», e não outras realidades.

 

[...]. [...] referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com «afectação habitacional», sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.

 

Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos «habitacionais» e «terrenos para construção», não podem estes ser considerados como «prédios com afectação habitacional» para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.” (Fim de citação.)

 

Parece claro, portanto, que a nova redacção da verba 28.1 da TGIS, dada pelo artigo 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de Dezembro (e aplicável aos presentes autos), pretendeu alargar, de forma inovadora, o âmbito de incidência objectiva da norma, ao incluir-se, de uma forma explícita, os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista edificação para habitação.

 

3.2.2.      A noção de “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”

 

Dispõe a verba 28.1 da TGIS (com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de Dezembro, aplicável ao caso dos presentes autos) o seguinte: “Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.

 

Importa, portanto, à luz da letra da norma hoje em vigor, surpreender o sentido e o alcance do que deve entender-se por “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”

 

“No que se refere a terrenos para construção, quer estejam, ou não, localizados dentro de um aglomerado urbano, tal como vem definido no art. 3.º/4 do presente diploma [CIMI], devem, como tal, ser considerados os terrenos relativamente aos quais tenha sido concedida: - licença para operação de loteamento; - licença de construção; - autorização para operação de loteamento; - autorização de construção; - admitida comunicação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção; emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, bem assim como; - aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, devendo ter-se em atenção que, também para esse efeito, apenas deve relevar o título aquisitivo com a forma preceituada pela lei civil, ou seja, a escritura pública ou o documento particular autenticado referidos no art. 875.º CC.” [vd. ANTÓNIO SANTOS ROCHA / EDUARDO JOSÉ MARTINS BRÁS – Tributação do Património. IMI-IMT e Imposto do Selo (Anotados e Comentados). Coimbra, Almedina, 2015, p. 44].

 

Forçoso é concluir que os requisitos acima elencados – que parecem explicitar as exigências legais e administrativas necessárias à consideração de quaisquer terrenos para construção como terrenos abrangidos pela verba 28.1 da TGIS – não se encontram reunidos em nenhum dos Prédios sobre os quais recaíram os actos tributários de liquidação em apreço.

 

Na verdade, não foram presentes a este tribunal quaisquer documentos que atestem ou sequer sugiram que as liquidações ora contestadas incidiram sobre prédios com projectos aprovados para construção afecta a habitação, ou sobre prédios que se localizem em zona onde esteja prevista a construção para a habitação (com as mencionadas comunicações prévias ou informações prévias favoráveis à realização de operações de loteamento ou de construção). Ora, falhando essa demonstração, como sucede no caso vertente, não poderá considerar-se que os Prédios, para efeitos da aplicação da verba 28.1. da TGIS têm “edificação, autorizada ou prevista, para habitação, nos termos do CIMI”. 

 

Embora os Prédios estejam matricialmente inscritos como “terrenos para construção”, essa inscrição não importa a inelutável aplicação da verba 28.1 da TGIS, já que ela não constitui, por si só, demonstração cabal de que um prédio tem uma edificação para habitação prevista.

 

Tanto é assim que, como bem referem ANTÓNIO SANTOS ROCHA e EDUARDO JOSÉ MARTINS BRÁS (ob. cit., p. 46), “os imóveis situados em zonas urbanizadas ou incluídas em áreas abrangidas por planos de urbanização já aprovados [...] apenas deve[re]m ser considerados como terrenos para construção quando, por acção desencadeada pelo respectivo proprietário, se verifiquem, em alternativa, a emissão de qualquer daqueles documentos [«concessão de licenças, autorizações de construção ou loteamento, comunicações ou informações prévias favoráveis para o mesmo desiderato»]”.

 

Acrescentam os citados autores (vd. ibidem) – reforçando o entendimento, já aqui expresso, segundo o qual, sem licenças ou autorizações de construção, a mera inscrição dos imóveis como terrenos para construção não legitima, por si, a aplicação da verba 28.1 da TGIS –, o seguinte:

 

“Os imóveis já descritos na matriz como terrenos para construção, relativamente aos quais se verifique a caducidade do loteamento, da licença ou autorização de construção, e nos quais não tenha, sequer, sido iniciada qualquer operação de edificação, devem, por via do instituto da caducidade, recuperar a natureza anterior”.

 

No mesmo sentido, veja-se, igualmente, JOSÉ MANUEL FERNANDES PIRES, (Lições de Impostos sobre o Património e do Selo. Coimbra, Almedina, 3.ª ed., 2015, págs. 110 a 112): “O direito a construir não está ínsito no direito de propriedade, mas só nasce ex novo no património do proprietário quando um ato administrativo da entidade pública competente reconhece e autoriza o proprietário a construir ou a lotear. [...] só quando esse direito se constitui na esfera jurídica do proprietário é que o Código do IMI estabelece que estamos perante um terreno para construção. Sendo esse ato constitutivo praticado pela entidade pública a requerimento do proprietário, então a classificação de um prédio como terreno para construção depende sempre da vontade do proprietário.”

 

Assim, parece claro que para a verificação da previsão normativa não basta a mera inscrição matricial de um prédio como terreno para construção afecto a habitação, porquanto o recorte da incidência objectiva ora em apreço não abdica da demostração de uma efectiva potencialidade de edificação, necessariamente revelada pela existência dos suportes documentais supra mencionados). O mesmo é dizer que a incidência do imposto, para efeitos do disposto na verba 28.1, só se materializa com a verificação da “afectação efectiva”, para utilizar a feliz expressão de JOSÉ MANUEL FERNANDES PIRES (ob. cit., p. 507). No mesmo sentido, cfr., entre outros, o Acórdão do CAAD proferido no processo n.º 467/2015-T.

 

Sem a demonstração dessa efectiva potencialidade de edificação – que, como se disse, não ocorreu no caso aqui em análise –, não se mostra aplicável a verba 28.1 da TGIS, razão pela qual se conclui que as liquidações impugnadas, incorrem no erro invocado pelo Requerente, pelo que não são válidas.

 

3.3.            Dos juros indemnizatórios

 

A alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º do RJAT dispõe que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

Não se ignora que a autorização legislativa concedida ao Governo pelo art.º 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, na base da qual foi aprovado o RJAT, determina que o processo arbitral tributário constitua um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária. Ainda que as alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT fundem a competência dos tribunais arbitrais em “declarações de ilegalidade”, parece razoável o entendimento segundo o qual se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo certo que nos processos de impugnação judicial, para além da anulação de actos tributários, podem ser apreciados pedidos de indemnização, desde logo relativos a juros indemnizatórios.

 

Com efeito, o princípio da cognoscibilidade dos pedidos de indemnização, em reclamação graciosa ou em processo judicial, justifica-se sempre que o dano que se pretende ver ressarcido resulte de facto imputável à Administração Tributária e Aduaneira. Encontramos manifestações desse princípio no n.º 1 do art.º 43.º da Lei Geral Tributária e no art.º 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

 

Assim, justifica-se a apreciação do pedido de pagamento de juros indemnizatórios feito pelo Requerente.

 

São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

Ora, tendo o Requerente pago o tributo que pelas liquidações reclamadas lhe foi, por erro imputável aos serviços, exigido, tem ele direito não apenas ao reembolso de tudo quanto pagou mas ainda a perceber juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento de cada uma das prestações, até ao seu integral reembolso. 

 

3.4.            Questões prejudicadas

 

O Requerente suscitou a questão da inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, se interpretada no sentido de que o imposto do selo ali previsto poderia incidir sobre os Prédios. Uma vez que o tribunal arbitral não acolheu essa interpretação da dita verba, surge prejudicada e processualmente inútil a apreciação dessa questão e bem assim a de quaisquer outros vícios que pudessem enfermar as liquidações impugnadas.

 

 

4.       Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

a)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação das liquidações impugnadas, com todas as consequências legais, desde logo o reembolso ao Requerente dos montantes por ele pagos, relativamente às liquidações ora anuladas;

b)      Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, sendo eles contados desde a data do pagamento de cada uma das três prestações relativas aos tributos ora declarados indevidos até ao seu integral reembolso.

 

 

5.       Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 306.º do CPC, no art.º 97.º- A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 111.387,04 (cento e onze mil trezentos e oitenta e sete euros e quatro cêntimos).

 

 

6.       Custas

 

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00 (três mil e sessenta euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.

 

 

Lisboa, 2 de Maio de 2016

 

Os Árbitros,

 

 

 (Fernanda Maçãs)

 

 

 

(Nina Aguiar)

 

 

 

(Nuno Pombo)

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art.º 131.º do CPC, aplicável por remissão da al. e) do n.º 1 do art.º 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e com a grafia anterior ao dito Acordo Ortográfico de 1990.

 

 



[1] Cfr. GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA – Constituição da República Portuguesa, Anotada. Coimbra, Coimbra Editora, 4.ª ed., 2014, págs. 798 segs..

[2] V. Acórdão arbitral proferido no processo 467/2015-T, que igualmente refere este esclarecedor acórdão do STA, cujas conclusões ora se acolhem.