Decisão Arbitral
A…, contribuinte n.º…, e B…, contribuinte n.º…, ambos com domicílio fiscal na Rua…, n.º…, …-… Vila Nova de Gaia, apresentaram pedido de pronúncia arbitral visando a anulação da liquidação de IRS, relativa ao ano de 2010, n.º 2015…, no valor de € 590.837,81, bem como a da liquidação de juros compensatórios n.º 2015…, no valor de € 87.700,38, das quais resultou um valor global a pagar de € 675.650,38.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
A Requerente, nos termos legais, optou por designar árbitro, indicando para exercer tais funções o Sr. Prof. Rui Duarte Morais. A Requerida designou como árbitro o Sr. Dr. Jorge Carita, tendo o árbitro presidente, Sr. Desembargador Macaísta Malheiros, sido designado por consenso entre aqueles.
O tribunal arbitral ficou constituído em 07/08/2015.
A AT apresentou, oportunamente, a sua resposta.
Teve lugar, em 07/01/2015, a reunião prevista no art.º 18º do RJAT, bem como a audição das testemunhas arroladas pela Requerente, cujos depoimentos ficaram gravados. Por motivo de doença, a audição da testemunha arrolada pela Requerida apenas teve lugar, por videoconferência, em 5/02/2016, o que determinou a prorrogação do prazo para a decisão por dois meses (cf. respetiva ata).
Por consenso das partes, seguiram-se alegações escritas, sucessivas, o que determinou a prorrogação do prazo para a prolação da decisão arbitral para 6-04-2016 (cf. ata da inquirição de testemunhas em 5/02/2016), a que se seguiu nova prorrogação, até 7/06/2016 (despacho arbitral de 7/04/2016).
I- Relatório
A liquidação de imposto ora impugnada resulta de a AT entender que o regime fiscal de neutralidade na permuta de participações sociais, previsto no art.º 77.º do CIRC, não é aplicável à permuta realizada pelo Requerente, por considerar que esta não teve como principal objetivo a reestruturação ou racionalização das atividades das sociedades envolvidas, mas sim motivações de ordem fiscal que se materializaram e demonstram na clara vantagem fiscal obtida com a alienação da quota em 2011, apurando-se uma mais-valia substancialmente inferior à realizada com a operação de permuta (2010), não estando, por isso, aqui em causa, um mero diferimento na tributação das mais-valias (2010 e 2014), mas sim a redução efetiva e significativa dessa tributação, o que determinou a aplicação do disposto no n.º 10 do artigo 73.º do Código do IRC, por remissão da alínea b) do n.º 9 do artigo 10.º do Código do IRS.
Os Requerentes imputam à liquidação de imposto impugnada os seguintes vícios, cada um deles suscetível, no seu entender, de determinar a sua anulação:
a) Caducidade do direito à instauração de procedimento especial visando a aplicação de uma cláusula antiabuso;
b) Caducidade do direito à liquidação;
c) Erro na subsunção dos factos ao disposto no n.º 10 do art.º 73.º do CIRC
d) Inconstitucionalidade da interpretação de tal norma, tal como feita pela AT.
e) Falta de fundamentação da decisão de aplicação de tal cláusula específica antiabuso.
Invocam, também, a
f) Ilegalidade da liquidação de juros compensatórios.
Pedem ainda a condenação da AT no pagamento da indemnização devida em razão da prestação de garantia indevida e o reembolso da parte do imposto pago, acrescida de juros indemnizatórios.
Analisaremos, a propósito de cada uma destas questões, os argumentos carreados pelas partes.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, as partes são legítimas e estão devidamente representadas, não existem nulidades ou exceções de que cumpra conhecer.
II - Factos Provados
Consideram-se provados os seguintes factos, reputados de interesse para a boa decisão da causa:
II. 1- Relativos ao procedimento inspetivo
a) As liquidações impugnadas resultaram de procedimento inspetivo classificado pela AT como tendo natureza externa, inicialmente de âmbito parcial, através da Ordem de Serviço n.º OI2014…,que teve início no dia 3 de Setembro de 2014, com a finalidade de verificar o cumprimento das correspondentes obrigações tributárias no exercício de 2010;
b) Na mesma data, a Requerente foi pessoalmente notificada para remeter aos Serviços determinados esclarecimentos/documentos, nomeadamente a demonstração comprovada das razões económicas subjacentes à entrada em espécie para a realização do capital social da C…, SGPS, mediante a entrega de partes sociais da D…, SA, e a demonstração documentalmente justificada de que, sendo caso disso, continuou a valorizar para efeitos fiscais, as novas partes sociais pelo valor das antigas, ao que deu cumprimento.
c) Uma vez que os Requerentes verificaram um lapso na indicação do valor das suas participações sociais, enviaram aos serviços inspetivos um novo documento, no sentido de retificarem o lapso cometido e pedindo, em consequência, que fosse considerado, em vez do primeiro, o novo quadro que por aquele meio foi apresentado, disponibilizando ainda as cópias dos contratos de compra e venda de 1.500 ações da D…, S.A. (Cfr. artigo 21.º e documento n.º 7 e 8, constantes do Pedido Arbitral);
d) Em 13 de novembro de 2014, os Requerentes foram notificados da “alteração do procedimento externo de inspeção tributária que se encontra em curso de parcial – em sede de IRS – para geral”, conforme nova Ordem de Serviço;
e) Por iniciativa da Requerente B…, os contactos e entregas de documentos foram feitos em instalações da AT ou via email.
f) As diligências inspetivas terminaram em 14 de Janeiro de 2015;
g) Em 19 de Janeiro de 2015, os Requerentes foram notificados do Projeto de Relatório, tendo exercido o direito de audição prévia, tendo posteriormente junto depoimentos escritos de testemunhas que naquela haviam indicado, alegando a impossibilidade de as apresentar na data para tal lhes havia sido notificada;
h) Os Requerentes foram notificados do Relatório Final da Inspeção em 26/02/ 2015, nos termos do art.º 232º do CPC, a que se seguiu o envio de cartas registadas em 4 de Março de 2015;
i) No âmbito da ação inspetiva supra referenciada, a AT apurou procedeu ao cálculo de IRS que considerou em falta, tendo concluindo que os Requerentes deixaram de liquidar e não entregaram nos cofres do Estado o montante de € 590.837, 81 acrescido de € 87.700,38, a título de juros compensatórios, o que deu origem às liquidações ora impugnadas, datadas de 10/03/2015;
j) A aplicação do disposto no n.º 10 do art.º 73.º do CIRC (cláusula antiabuso setorial) não foi precedida do procedimento regulado no art.º 63.º do CPPT
II.2 - Relativos às liquidações impugnadas
a) A E…, Lda, com capital social de 150.000 euros, foi constituída, em 29 de Setembro de 2000, por A… e por F…, detendo cada um deles 50%, tendo como objeto social a fabricação, comercialização, importação e exportação, representação, colocação de equipamentos ambientais, elaboração e gestão de projetos ambientais e gestão de resíduos;
b) Em Novembro de 2007, foi a E… foi transformada em sociedade anónima, com o capital social de 240.000 euros, integralmente detido, em parte iguais, por A… e por F…;
c) O Requerente A… era, em 2010, titular de 17% das participações representativas do capital da sociedade de direito espanhol G…, SL;
d) A G… foi constituída pelo Requerente, pelo já referido F… e por dois outros sócios espanhóis, H… e I…, detendo, respetivamente, 17%, 17%, 49% e 17% do capital social;
e) A G… era titular de uma participação representativa de 100% do capital social de uma outra sociedade, também de direito espanhol, J…, SL.;
f) Em 6 de Maio de 2008, A… e F… venderam as participações sociais que detinham no capital social da G… à D…, S.A;
g) Em 18 de Agosto de 2010, foi constituída entre o Requerente A… e F… uma sociedade por quotas, sob a firma “K…, SGPS, LDA.”, NIPC…, com o capital social, integralmente subscrito e realizado, de € 6.000.000,00, representado por duas quotas iguais de € 3.000.000,00 cada, tituladas por cada um dos sócios F… e A…;
h) A O capital social foi realizado mediante a entrega da totalidade das 240.000 ações detidas pelos signatários, em partes iguais, representativas do capital social da sociedade D…, SA., NIPC…;
i) As referidas acções, com o valor nominal de 240.000 euros, foram valorizadas em € 12.000.000,00 (doze milhões de euros), a que correspondeu um prémio de emissão de €6.000.000,00 (seis milhões de euros), em resultado de uma avaliação efetuada por L…– SROC, realizada em 16 de Junho de 2010;
j) O critério de avaliação utilizado assentou nos “rendimentos previsíveis futuros da sociedade”, estimados calculados a partir dos “resultados dos últimos dois exercícios”, sendo que foi assumido “que os proveitos da mesma serão continuados (em 2010 e 2011), estimam-se as vendas, respetivamente, em 12,6M€ e 13,6M€ e, as prestações de serviços em 1,4M€ e 2,8M€, mantendo-se constantes nos anos seguintes e os custos variáveis indexados aos proveitos”. O valor de tais ações foi estimado em € 12.123.809,00, valor intermédio entre os resultantes de uma avaliação pelo cash –flows sobre o valor terminal na ótica do investidor e na ótica da empresa;
k) A… e F…, em razão das divergências entre eles existentes, decidiram pôr fim às suas relações societárias;
l) Pelo que, em 30 de Setembro de 2011, na sequência de um contrato promessa de cessão de quotas outorgado em 14 de setembro, foi celebrado um contrato de divisão e cessão de quotas, pelo qual a quota de F…, representativa de 50% do capital social da K… SGPS, Lda., foi dividida em duas quotas – uma com o valor nominal de € 2.400.000,00 e uma outra com o valor nominal de € 600.000,00 – que, ato contínuo, foram cedidas a A…, pelo valor de 1.000.000 Euros, com reserva de propriedade até integral cumprimento do previsto em tal contrato, nomeadamente quanto ao pagamento integral do preço;
m) Na mesma data, A… cedeu a M…, pelo preço de € 1.300.000, a quota com o valor nominal de € 2,4 milhões que adquirira a A… pelo preço de € 800.0000,00;
n) Em 01/08/2014, A… dividiu a quota da qual era titular com o valor nominal de € 3.000.000,00 em duas novas quotas: uma com o valor nominal de € 1.562.604,00, que cedeu à sociedade N… AD (sociedade de direito búlgaro) pelo preço de € 182.304,00; e outra, com o valor nominal de € 1.437.396,00, que reservou para si;
o) De seguida, os sócios da C…, SGPS deliberaram aumentar o capital social da sociedade de € 6.000.000,00 para € 7.550.000,00, mediante novas entradas em dinheiro, tendo A… realizado uma entrada de € 182.303,77, correspondente à subscrição de uma nova quota de igual valor nominal;
p) Em 04/08/2014, A… cedeu à sociedade “N… AD” uma quota com o valor nominal de € 122.310,00, resultante da divisão da quota de € 182.303,77 da qual era titular, pelo preço de € 50.000,00, tendo reservado para si o restante (€ 59.993,77);
q) A C…, SGPS, foi constituída com vista à concentração de todas as participações detidas pelo Requerente A… e pelo já indicado F…, numa única sociedade, tendo em vista a reestruturação e racionalização das respectivas actividades;
r) A C… SGPS adquiriu as seguintes participações sociais: em 11/02/2011, 50% da O..., P…, , Ltda; em 27/04/ 2012 e 22/06/ 2012, respetivamente, 30% e 70% da Q…, Lda; em 10/07/ 2012, 51% da R…, SL; em 14/01/ 2013, 74,9% da S…, SL.;
s) Era ainda sua intenção que os sócios da G…, referidos em c), viessem a participar no capital da C…, SGPS, eventualmente através de outra permuta, o que permitiria a integração daquela sociedade e da sua subsidiária J… (acima referida em d) ) no grupo .
t) A permuta de participações foi a forma escolhida para a capitalização inicial da C…, SGPS, por não implicar qualquer necessidade de financiamento adicional por parte de A… e F… e, tendo ainda em conta ainda a racionalidade fiscal, através do aproveitamento do regime da neutralidade fiscal da permuta de participações sociais.………
u) A permuta permitia ainda, que a C…, SGPS fosse constituída com um elevado capital social, em virtude da (re) avaliação que para o efeito foi feita das participações sociais no capital da D…, SA.;
v) A actividade da D…, SA no Abu Dhabi tinha um peso significativo, por se tratar de um mercado em franca expansão;
w) A maioria da faturação da D…,SA, em 2010, era resultado da sua atividade no Abu Dabi;
x) No início de 2011, a valorização da D…, SA sofreu uma grande redução com as restrições impostas aos seus clientes nacionais pelo programa de assistência económica e financeira e com o incumprimento do cliente do Abu Dhabi;
A declaração de IRS do Requerente A… referente ao ano de 2014, não foi apurada qualquer mais-valia relativamente à alienação onerosa de parte da participação social detida na C…, SGPS com origem na D…, SA.
Os factos dados como provados relativos ao procedimento inspetivo (II.1), bem como os acima enumerados em a) a r) estão documentalmente provados e resultam confirmados pelo relatório da inspeção tributária.
A prova dos factos s) a x) de II.2 resulta de documentação junta aos autos e do depoimento das testemunhas arroladas pelas requerentes, as quais, no entender do Tribunal Arbitral, responderam com isenção, verdade e clareza.
Não foram dados como não provados factos relevantes para apreciação da causa.
II – Ordem de conhecimento dos vícios das liquidações impugnadas
Sendo apontados às liquidações impugnadas vários vícios, todos eles suscetíveis, no entender dos Requerentes, de conduzir à sua anulação, fica ao prudente critério do julgador a ordem da sua apreciação, devendo conhecer prioritariamente aqueles cuja procedência determine mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos (art.º 124º do CPPT).
Entende-se, assim, que se deve começar por apreciar o “ erro na subsunção dos factos ao disposto no n.º 10 do art.º 73.º do CIRC”, uma vez que esta é a causa de pedir que mais diretamente se refere à legalidade das liquidações impugnadas.
III - A subsunção dos factos ao disposto no artigo 73.º, n.º 10, do CIRC
Dispunha o artigo 73.º, n.º 10, do Código do IRC, na versão à data dos factos, que o regime especial estabelecido não se aplica, total ou parcialmente, quando se conclua que as operações abrangidas pelo mesmo tiveram como principal objetivo ou como um dos principais objetivos a evasão fiscal, o que pode considerar-se verificado, nomeadamente, nos casos em que as sociedades intervenientes não tenham a totalidade dos seus rendimentos sujeitos ao mesmo regime de tributação em IRC ou quando as operações não tenham sido realizadas por razões económicas válidas, tais como a, reestruturação ou a racionalização das atividades das sociedades que nelas participam, procedendo-se então, se for caso disso, às correspondentes liquidações adicionais de imposto.
O legislador fiscal português pretendeu, com esta cláusula, combater as situações de evasão fiscal no âmbito de operações ao abrigo do regime da neutralidade fiscal. Isto, porque porquanto o artigo 10.º, n.º 8, do CIRS consagra um regime especial de neutralidade fiscal que afasta de tributação as mais-valias obtidas com a alienação de partes sociais prevista na alínea b) do nº 1 do mesmo normativo legal, de que resulte a atribuição aos sócios de títulos representativos do capital social da sociedade adquirente aos sócios da sociedade adquirida.
Importará frisar que esta norma não se aplica apenas às permutas de partes sociais, mas também às fusões, cisões e entradas de ativos ou seja, às diferentes operações previstas na subsecção IV da secção VI capítulo III do CIRC, como, algo desnecessariamente, veio a ser clarificado por redação posterior da norma.
Por sua vez, o art.º 77.º do CIRC, dispõe no seu n.º 1: a atribuição, em resultado de uma permuta de partes sociais, tal como esta operação é definida no artigo 73.º, dos títulos representativos do capital social da sociedade adquirente, aos sócios da sociedade adquirida, não dá lugar a qualquer tributação destes últimos se os mesmos continuarem a valorizar, para efeitos fiscais, as novas partes sociais pelo valor atribuído às antigas, determinado de acordo com o estabelecido neste Código.
A lei portuguesa resulta da transposição da Diretiva 2009/133/CE, do Conselho, de 19 de outubro de 2009, conhecida por Diretiva Fusões-Cisões, muito embora abranja outras operações, no que nos interessa as permutas de participações sociais.
O objetivo de tal Diretiva (e, em consonância, da lei portuguesa) é facilitar as reorganizações societárias, eliminando os obstáculos fiscais a que tal aconteça, uma vez que estas operações conduzem frequentemente ao apuramento de variações patrimoniais positivas, tributáveis nas esferas dos intervenientes.
A solução encontrada foi a da não atribuição de quaisquer efeitos fiscais às operações de reorganização societária aí previstas. Tal neutralidade não significa não tributação, mas sim o diferimento de tributação, a qual apenas acontece no momento em que as participações sociais recebidas por força da permuta forem alienadas. Então, as mais-valias realizadas serão tributadas, correspondendo tal ganho, grosso modo, à diferença entre o valor da venda de tais participações e o valor dos títulos “antigos”, ou seja, os dados em permuta.
Porém, foi introduzida uma cláusula específica antiabuso, o já reproduzido n.º 10 do art.º 73.º do CIRC.
Tal norma estabelece duas situações em que se presume que a operação em causa como principal objetivo ou como um dos principais objetivos a evasão fiscal:
- as sociedades intervenientes não tenham a totalidade dos seus rendimentos sujeitos ao mesmo regime de tributação em IRC;
- as operações não tenham sido realizadas por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou a racionalização das atividades das sociedades que nelas participam, procedendo-se então, se for caso disso, às correspondentes liquidações adicionais de imposto.
Importa, pois, averiguar, se verifica, no caso concreto, algum destes condicionalismos:
A) Razões económicas válidas
Tal como dado por provado, com a constituição da C…, SGPS, A… e F… pretendiam assegurar a gestão integrada das participações de que eram detentores e das que viessem a adquirir no futuro; era ainda sua intenção que os sócios da G… viessem a participar no capital da C…, SGPS, eventualmente através de outra permuta, o que permitiria a integração daquela sociedade e da sua subsidiária J… no grupo; a permuta de participações foi a forma escolhida para a capitalização inicial da C…, SGPS, por não implicar qualquer necessidade de financiamento adicional por parte de A… e F…; a permuta permitia ainda, que a C…, SGPS fosse constituída com um elevado capital social, em virtude da (re) avaliação que para o efeito foi feita das participações sociais no capital da D…, SA.
Nenhuma dúvida parece existir de que quer os objetivos que presidiram à criação da C…, SGPS coincidem com os apontados pelo legislador ao criar a figura jurídica das sociedades gestoras de participações sociais: proporcionar aos empresários um quadro jurídico que lhes permita reunir numa sociedade as suas participações sociais, em ordem à sua gestão centralizada e especializada (preâmbulo do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30-12-1988).
Também nenhuma dúvida parece existir quanto ao facto de que a atividade da C…, SGPS, se ter reconduzido ao que legislador aponta a tais sociedades, ou seja a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas, para mais de uma forma crescente, através da aquisição, após a sua constituição, de participações em quatro outras sociedades (para além da D…, SA, aquisição de participações no capital social da O… Brasil, da Q…, da R… e da S…).
A própria AT não nega que à constituição da D…, SA, tenham presidido razões económicas válidas. Transcrevemos, da resposta da AT apresentada neste processo:
“65- Quanto às alegadas razões económicas válidas inerentes ao processo de reestruturação ou reorganização empresarial, refira-se que, em sede de procedimento de inspeção, não foi colocada em causa a eventual existência de tais razões.
66. Nesse sentido, e ao contrário do alegado na P.I., as correções propostas no relatório de inspeção não se fundamentam em qualquer "veículo", "artifício", "estratagema" ou "expediente" utilizado pelos Requerentes.
67. Acresce que, ainda que assim não se entenda, o reconhecimento da eventual existência de razões económicas válidas na perspetiva das entidades envolvidas, não obsta à conclusão de que a operação praticada teve como principal objetivo (ou como um dos principais objetivos) uma motivação de índole predominantemente fiscal.”
B) Não sujeição da totalidade dos rendimentos das sociedades intervenientes ao mesmo regime de tributação em IRC.
Esta presunção legal de a operação ter tido como principal objetivo ou como um dos principais objetivos a evasão fiscal surge invocada pela AT como um dos fundamentos da liquidação de imposto ora impugnada: estando a D…, SA, e a C…, SGPS, sujeitas a diferentes regimes de tributação em IRC, por esta última aproveitar do então disposto no art.º 32.º do EB, estaria verificada esta presunção legal do carácter fiscalmente abusivo da permuta em causa.
Importa começar por evidenciar o erro de raciocínio em que incorre a AT: quer a D…, SA, quer a C…, SGPS, não foram intervenientes na operação de permuta em causa. Tal operação envolveu participações no capital social de ambas as sociedades, ou seja, estas foram, indiretamente, objeto de tal negócio, mas não partes no mesmo.
Na realidade, os únicos intervenientes no negócio jurídico que a lei fiscal qualifica como permuta foram A… e F…, o que resulta bem claro do facto de terem sido eles, em nome pessoal, a outorgar o contrato que deu origem à constituição da C…, SGPS.
O erro da AT resulta do facto de raciocinar como se estivesse em causa um contrato de permuta tal como entendido para efeitos da lei civil, o qual, não obstante a falta de definição legal, podemos considerar, de forma intencionalmente simples, ser uma forma de alienação onerosa que consiste na troca de um bem por outro bem (e não por dinheiro).
O que acontece é que o conceito fiscal de permuta, para efeitos de aplicação do regime de neutralidade fiscal, tem um âmbito mais vasto, não envolvendo necessariamente uma verdadeira “troca”.
Nos termos do n.º 5 do art.º 73.º do CIRC, considera-se permuta de partes sociais a operação pela qual uma sociedade (sociedade adquirente) adquire uma participação no capital social de outra (sociedade adquirida), que tem por efeito conferir-lhe a maioria dos direitos de voto desta última (…),
No caso, a permuta (em sentido fiscal) constituiu numa entrada em espécie, efetuada por A..., para o capital social da C…, SGPS, concretizada através da transferência para o património desta sociedade das ações que detinha na D…, SA, ou seja, pela “substituição” de uma participação direta no capital desta sociedade por uma participação indireta, de igual valor.
Uma vez que a aplicação do art.º 73.º do CIRC, no caso concreto, resulta da remissão operada pela alínea b) do n.º 9 do artigo 10.º do CIRS, temos que onde está sociedade deveremos ler pessoa singular.
Ou seja, a aplicabilidade do disposto no n.º 5 do art.º do art.º 73.º do CIRC só aconteceria se as “novas” participações sociais de que A… se tornou titular (as da C…, SGPS) passassem ser sujeitas, em IRS, a um regime de tributação diferente daquelas a que estavam sujeitas as ações “antigas”, ou seja as da D…, SA, o que não acontece.
Como já tivemos oportunidade de referir, o segmento do n.º 10 do art.º 73.º do CIRC - segundo o qual se presume que operações tiveram como principal objetivo ou como um dos principais objetivos a evasão fiscal quando as sociedades intervenientes não tenham a totalidade dos seus rendimentos sujeitos ao mesmo regime de tributação em IRC - não consta da Diretiva Fusões e Cisões e é aplicável às fusões, cisões, entradas de ativos e permutas de partes sociais.
Ora, relativamente a fusões e cisões, as intervenientes serão sempre duas sociedades, podendo-o o ser ou não em operações de entradas de ativos e permutas de partes sociais. Ou seja, há operações de permuta (fiscal) em que os intervenientes podem ser uma ou mais pessoas singulares ou até só uma sociedade.
Mais, entender que é inaplicável o regime fiscal da neutralidade nas permutas de partes sociais sempre que alguém, pessoa singular, participa na constituição de uma SGPS através da entrega das participações sociais que, em nome individual, detinha noutra sociedade (que não uma outra SGPS), seria criar um obstáculo fiscal de monta quer ao propósito da Diretiva Fusões e Cisões, o qual é, precisamente, o de obstar a que tais operações não aconteçam pelas consequências fiscais que, de outro modo, poderiam ter lugar (por darem lugar a rendimentos imediatamente tributáveis), e frustraria ainda, de forma frontal, os objetivos do legislador nacional ao criar o regime legal das SGPS, o qual, no dizer do já citado preâmbulo do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro visa, em conformidade aos empresários um quadro jurídico que lhes permita reunir numa sociedade as suas participações sociais, em ordem à sua gestão centralizada e especializada. Ou seja, há que concluir que o legislador teve claramente em vista incentivar os empresários (desde logo, pessoas singulares) a criarem SGPS, o que claramente não aconteceria em razão de tal constituição fossem tributados por mais-valias não realizadas.
Temos, pois, que no caso concreto, não é possível presumir a intencionalidade de evasão fiscal ao abrigo do disposto no n.º 10 do art.º 73.º do IRC, no que este dispõe quanto ao diferente regime fiscal das sociedades intervenientes.
b) A vantagem fiscal obtida pelo Requerente
Não estando preenchidas as hipóteses das presunções legais do caráter fiscalmente abusivo do negócio, tal não impede que a AT prove diretamente factos que devam levar a concluir nesse sentido, relativamente à permuta de participações sociais em causa nos presentes autos.
Não existindo qualquer vantagem de A… (não tendo tal, sequer, sido alegado) relativamente aos rendimentos (dividendos) que venha a obter em razão da titularidade das quotas representativas da C…, SGPS, comparativamente ao que aconteceria se a operação de permuta não se tivesse realizado (i. e., se continuasse a ser detentor de ações da D…, SA), há que saber se obteve ou poderá obter uma qualquer vantagem fiscal no momento em que alienar tais participações.
Ou seja, repete-se, não está em causa comparar o regime fiscal da C…, SGPS, relativamente ao da D…, SA, mesmo no tocante à alienação de participações sociais de que sejam detentoras, desde logo porque estas sociedades não são parte neste processo.
Como ficou provado, A…, posteriormente a 2010, alienou parte das participações no capital social da C…, SGPS (e ainda outra, posteriormente adquirida) por valor inferior ao que lhes havia sido atribuído para efeitos da permuta. Porém, não cabe no âmbito deste processo apreciar se tais valores de alienação se mostram corretos (vg., se correspondem ao respetivo valor de mercado, ao tempo), se existem as discrepâncias evidenciadas pela AT entre o preço declarado nessas várias operações, nem mesmo se A… cumpriu com as obrigações declarativas que sobre ele recaíam relativamente aos rendimentos obtidos com a alienação de tais ações. Tal poderia ser, eventualmente, fundamento para liquidações adicionais de IRS relativas aos anos em que cada uma das alienações aconteceu.
O que está em causa neste processo é apenas o alegado carácter fiscalmente abusivo da permuta de participações realizada em 2010. Os factos posteriores apenas relevam na medida em possam levar a concluir que aquela operação foi um “primeiro passo” em ordem à obtenção de uma vantagem fiscal abusiva.
Ora, é bom de ver que A… não obteve nem obterá qualquer vantagem fiscal em razão da permuta realizada se, aquando do cálculo da mais-ou menos valia realizada no momento da alienação das quotas da C…, SGPS, não lhes atribuir um valor fiscal (“valor de aquisição”) mais elevado que aquele que os títulos permutados (as ações da D…, SA) tinham imediatamente antes da permuta. Se A… o fez ou não é, algo, que como dissemos, não cabe no âmbito deste processo, sendo, para mais, certo que os dados carreados para o processo não permitem qualquer conclusão segura sobre este ponto.
Pressupondo que esta condição se verificará, temos que para A… resultará totalmente indiferente, sob o ponto de vista fiscal, a alienação das participações na C…, SGPS, ou a alienação das participações que teria na D…, SA, caso a permuta não tivesse tido lugar.
Em ambos os casos, a mais ou menos valia realizada corresponderá, grosso modo, à diferença entre o valor histórico das ações da D…, SA, que, por permuta, deram origem as quotas da D…, SA, alienadas e o preço recebido pela alienação. Aliás, verifica-se que em todos os casos de alienação das quotas da D…, SA, que advieram à titularidade de A… em razão da operação de permuta houve a realização de uma mais-valia tributável.
Assim sendo, pergunta-se: qual a objeção da AT, qual a razão pela qual considera a permuta “fiscalmente abusiva”?
A resposta é simples: a AT entende que se A…, em lugar de ter realizado em espécie (através da “entrega” das ações da D…, SA) a sua entrada no capital social da C…, SGPS, o tivesse feito em dinheiro e, depois, a C…, SGPS, tivesse adquirido as ações da D…, SA, pelo montante correspondente ao valor pelo quais tais ações foram valorizadas para efeito de permuta, teria realizado uma mais-valia muito mais elevada, o imposto que teria sido liquidado seria muito mais elevado (no montante da liquidação ora impugnada).
A AT pretende, no fundo, que o valor fiscal das quotas da C…, SGPS, a considerar para efeitos do cálculo das mais-valias obtidas por A…, não deve ser o valor pelo qual estas foram efetivamente alienadas, mas sim o valor que lhes foi atribuído no momento da permuta. Para atingir tal desiderato, pretende desconsiderar o regime de neutralidade fiscal ao abrigo do qual a permuta foi realizada e, portanto, tributar, de imediato (com referência a 2010), a título de mais-valias, a diferença entre o valor histórico das ações da C… e o valor que lhes foi atribuído para efeitos de permuta.
Importará ter aqui em consideração ainda o seguinte:
Primeiro, nunca poderá ser considerada fiscalmente abusiva a atuação de um contribuinte que, visando obter um determinado resultado económico e dispondo para tal da possibilidade de celebrar de diferentes negócios jurídicos, opte pela celebração do negócio que, por intencionalidade expressa do legislador, é fiscalmente menos oneroso.
Ou seja, mesmo que ao Requerente fosse, na prática, possível constituir a C…, SGPS através de entradas em dinheiro e, depois, esta sociedade adquirir as suas participações na D…, SA (veja-se, a este propósito, o dado com provado em u), o certo é que não pode ser fiscalmente reprovada a sua opção pela realização de uma permuta, mesmo que tal se deva apenas ao objetivo de obter um diferimento temporal na tributação das mais - valias. Isto porquanto, como deixámos salientado, quer a transferência de participações sociais de empresários individuais para uma SGPS, quer a neutralidade fiscal desta operação correspondem a opções expressas do legislador, que pretendeu estimular a constituição de tal tipo de sociedades por detentores, a título individual, de participações sociais e, para tal, removeu os obstáculos fiscais que, de outro modo existiriam.
Segundo, como vimos, o valor contabilístico de participações sociais objeto de permuta, no momento em tal negócio aconteceu, é fiscalmente irrelevante na perspetiva da tributação dos ganhos obtidos pelo respetivo detentor quando de uma subsequente alienação. Ou seja, há que não confundir o valor fiscal das participações em causa com o seu valor contabilístico em determinado momento.
Terceiro, a valorização, feita por avaliação, de uma participação social feita em determinado momento, não significa que esse valor não se venha a alterar em momento posterior em razão de circunstâncias várias, nomeadamente relativas à realidade do prosseguimento da atividade da empresa. É o que sucedeu no caso concreto, atento o dado como provado em x) e y), isto independentemente de quaisquer juízos sobre montante do respetivo valor de mercado no momento da alienação.
Finalmente, não podemos ignorar que é princípio básico do nosso sistema de tributação das mais-valias em IRS que apenas se tributam mais-valias realizadas e nunca mais-valias potenciais. Isto porquanto, para além de outras razões, a tributação de mais-valias potencias implicaria sempre a restituição do imposto pago, caso o valor de realização (de alienação a terceiros) se viesse a revelar inferior.
Acolher a tese da AT equivaleria a tributar os requerentes por uma mais-valia potencial que nunca se concretizou (que não se pode realizar) em razão da desvalorização do negócio da D…, SA (da sociedade que constituía ao tempo o único património da C…, SGPS).
A tese da AT equivale à pretensão de tributar alguém por uma capacidade contributiva que, como ficou provado, nunca existiu, legitimar uma tributação baseada num rendimento (ganho) teórico e não no ganho realmente auferido, que apenas pode ser apurado quando da efetiva transação do bem.
Uma tal interpretação do n c) Erro na subsunção dos factos ao disposto no n.º 10 do art.º 73.º do CIRC quando aplicado por remissão às pessoas singulares, resultaria manifestamente inconstitucional por violação do princípio da capacidade contributiva, pois que se estaria a tributar um «ganho» quantificado num valor que não teria qualquer correspondência com o efetivamente obtido.
IV - Inutilidade de conhecimento das demais causas de pedir
Uma vez que, no entender do Tribunal Arbitral, as liquidações impugnadas sofrem de erro de direito por não se verificarem os pressupostos que determinariam a aplicabilidade do disposto no n.º 10 do art.º 73.º do CIRC -, o que, sem mais, determina a sua anulação total -, resulta inútil o conhecimento das demais causas de pedir invocadas pelos Requerentes.
V- Indemnização pela prestação da garantia indevida
Peticionam os Requerentes a indemnização prevista no artigo 171º do CPPT e no art.º 53.º da LGT, caso venha a ser julgada indevida qualquer garantia que a impugnante possa ter apresentado ou venha a apresentar com vista à suspensão do processo de execução fiscal instaurado em virtude da dívida cuja legalidade ora se contesta.
Dispõe o art.º 53º, n.º 1 a 3, da LGT:
1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3 - A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
Estando em causa liquidações adicionais (portanto, da exclusiva iniciativa dos serviços), agora integralmente anuladas, verifica-se que houve “erro imputável aos serviços” o que confere aos Requerentes o direito a serem totalmente indemnizados, dentro do limite legal, pelos custos suportados com as garantias que hajam oferecido para suspender a execução fiscal.
Porém, uma vez que a informação constante dos documentos juntos pelos Requerente em 23/09/2015, relativa aos custos suportados com a prestação de garantia está, necessariamente, desatualizada, a questão terá, necessariamente, que ser relegada para execução de sentença.
O mesmo se diga relativamente ao pagamento parcial, no valor de €180.000,00, que os Requerentes terão efetuado (cfr. requerimento por eles apresentado em 29/06/2015), de que têm direito a ser reembolsados, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios (art.º 43º da LGT).
VI – Decisão
Termos em que o Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar ilegais as liquidações impugnadas, anulando-as na totalidade, com todas as consequências legais, nomeadamente no relativo ao reembolso da parte do imposto paga, acrescida de juros indemnizatórios e à indemnização por prestação de garantia indevida, em valores a serem apurados em execução de sentença.
Fixa-se o valor do processo em € 675.650,38.
Custas pela Requerente, nos termos do art.º 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Lisboa, 27 de Maio de 2016
Os Árbitros
Macaísta Malheiros (junta declaração de voto)
Rui Duarte Morais (Relator)
Jorge Carita (vencido, nos termos da declaração de voto que junta)
Declaração de voto
Votei a decisão por estar plenamente de acordo com a sua fundamentação e ainda porque a mesma concretiza, com base nos factos apurados, os princípios consagrados no artigo 104.º, n.ºs 1 e 2 da CRP e nos artigos 5.º, n.º 2 e 11.º, n.º 3 da LGT.
M L Macaísta Malheiros
Voto de vencido
Com o devido respeito, que é muito, discordo da decisão maioritariamente tomada pelo Tribunal, e fundamentalmente, pelos seguintes motivos:
O regime de neutralidade fiscal, acolhido pelo legislador português com a aprovação e publicação do Código do IRC (Decreto-lei n.º 422-B/88, de 30 de Novembro), ganha dimensão comunitária com a Directiva Fusões (Directiva n.º 90/434/CEE do Conselho, de 23 de Julho de 1990), conferindo aos Estados membros, aquando da sua transposição para o direito interno, liberdade de escolha quanto à forma e aos meios através dos quais vão prescrever o seu regime fiscal especial aplicável às operações de reestruturação internas (cfr. artigo 288.º TFUE – harmonização positiva).
Neste contexto, ao abrigo da actual redacção do artigo 15.º da Directiva Fusões, os Estados membros podem, excepcionalmente, e em casos específicos, recusar aplicar, no todo ou em parte, o disposto nesta Directiva ou retirar o benefício de tais disposições – benefício que, na legislação portuguesa, será o da não consideração na determinação do lucro tributável de qualquer resultado resultante da transferência dos elementos patrimoniais em consequência das operações de reestruturação definidas no artigo 73.º do Código de IRC, senda adiada a tributação para o momento em que as entidades beneficiárias venham, elas próprias, a alienar os elementos patrimoniais recebidos, fora do âmbito daquelas operações – sempre que a operação de fusão, cisão, cisão parcial, entrada de activos ou permuta de partes sociais, tenham como principal objectivo ou como um dos principais objectivos a fraude ou a evasão fiscais, ainda que os requisitos previstos na lei estejam cumpridos (cfr. artigo 15.º, n.º 1, alínea a), da Directiva Fusões).
Para este efeito, o legislador português adopta a cláusula antiabuso prevista no n.º 10 do artigo 73.º do Código do IRC.
Tendo em conta a situação dos presentes autos, a aplicação de neutralidade fiscal a uma operação de permuta de partes sociais, pressupõe, por definição, que os sócios da sociedade alvo continuem a valorizar, para efeitos fiscais as partes de capital recebidas pelo mesmo valor das antigas (cfr. artigo 10.º, n.º 8 do Código do IRS). Ou seja, que a parte de capital detida na K…, SGPS, Lda. (50%), realizada mediante a entrega de 120.000 acções detidas pelo Requerente representativas de 50% do capital social da D…, S.A. no valor de € 6.000.000,00 a que correspondeu um prémio de emissão de € 3.000.000,00, de acordo com a valorização efectuada por L… – SROC, em 16 de Junho de 2010, continue a ser assim valorada.
O que, no caso concreto, de acordo com os factos provados, não aconteceu. Na verdade, desde a data da realização da avaliação em 16 de Junho de 2010, que previa a continuação dos proveitos dos anos de 2010 e 2011, estimados em 12,6M€ e 13,6M€, respectivamente, no que às vendas diz respeito e, em 1,4M€ e 2,8M€ para as prestações de serviços, e a data do fim das relações societárias entre o Requerente e o seu sócio em 30 de Setembro de 2011, não se verificou a manutenção, para efeitos fiscais, do valor de aquisição originário que deve ser aferida pelos sócios. Ainda assim, há que ter em conta que nenhuma das aquisições descritas em l) a p) do probatório reflectiram qualquer valorização, pois contrariamente, verificamos uma discrepância inexplicável relativamente ao montante do respectivo valor de marcado no momento de tais alienações.
Para além do cumprimento das condições formais e de valorização acabadas de enunciar, nos termos do n.º 10 do artigo 73.º do Código do IRC, o regime de neutralidade fiscal deixará de se aplicar, procedendo-se às correspondentes liquidações adicionais de imposto, quando se conclua que as operações de reestruturação abrangidas pelo regime tiveram como principal ou como um dos principais objectivos a evasão fiscal. A previsão da cláusula antiabuso pelo legislador português prendeu-se com o facto de acautelar a tributação que, em circunstâncias normais, seria devida, uma vez que por força da aplicação do regime de neutralidade fiscal suspende-se, até à posterior transmissão dos elementos patrimoniais objecto da operação de reestruturação, a tributação, não podendo tal diferimento de tributação converter-se numa falta total ou parcial do imposto que seria devido caso o regime de neutralidade fiscal não fosse aplicado.
O disposto no n.º 10 do artigo 73.º do Código do IRC constitui assim uma norma antiabuso, idêntica à redacção vigente do Direito da União Europeia imposta pela Directiva Fusões no seu artigo 15.º, que permite a recusa do regime de neutralidade, ainda que os requisitos na lei estejam cumpridos, sempre que for evidente que a operação de fusão, cisão entrada de activos ou permuta de partes sociais tem como principal objectivo ou como um dos principais objectivos, a fraude ou evasão fiscais, o que poderá considerar-se verificado quando a operação não tiver sido realizada por motivos económicos válidos (cfr. Caso Foggia, Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 10 de Novembro de 2011, processo n.º C-126/10, in Jornal Oficial da União Europeia, de 28 de Janeiro de 2012, quanto à ausência de razões económicas válidas).
As razões económicas válidas apresentadas pelo Requerente, com a constituição da K…, SGPS, Lda, prendem-se com o intuito de concentrar todos as participações detidas, juntamente com F…, numa única sociedade, tendo em vista a reestruturação e racionalização das respectivas actividades, e ainda pela intenção dos sócios da G…, referidos em c), do probatório, virem a participar, eventualmente, no capital da K…, SGPS, SA, o que permitiria a integração daquela sociedade e da sua subsidiária J…. Desde já, dificilmente se compreende tal intenção quando, em 6 de Maio de 2008, o Requerente e F…, venderam as participações sociais que detinham precisamente no capital da G… à D…, SA, quando os sócios da G… podiam, desde logo, participar na constituição da K…, SGPS, Lda, integrando, deste modo, a J….
Ainda assim, podemos reconhecer que os objectivos que presidiram à criação da K…, SGPS, Lda. coincidem com os apontados pelo legislador, isto é, a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas.
Não podemos é negar que a permuta das partes sociais na D…, SA não teve como principal objectivo ou como um dos principais objectivos a fraude ou evasão fiscais, quando, em 2010, não se tributou a mais-valia resultante da operação de permuta realizada a 18 de Agosto de 2010, correspondente à diferença entre o valor histórico de aquisição das 120.000 acções detidas na D…, S.A. entregues em troca da participação no capital social da C…, SGPS e o valor da nova participação social atribuída ao Requerente. Ou seja, a diferença entre € 120.000,00 (120.000 acções com o valor nominal de € 1,00 cada) como sendo o valor de aquisição, e € 6.000.000,00 quanto ao valor de realização, nestes termos, € 5.880.000,00 como sendo o ganho de mais-valias de acordo com o relatório apresentado pela SROC (facto i)).
Precisamente pela desconsideração assinalada, o legislador fiscal sentiu a necessidade de criar cláusulas antiabuso, como a que presentemente nos ocupa. Não podemos ignorar a explicação de Lima Guerreiro“(…) fazendo prevalecer sobre a certeza e segurança das relações jurídico-tributárias interesses de natureza pública que no caso se desenham de relevo claramente superior, pois a sua lesão poria em causa os fundamentos da tributação em geral”. Neste contexto, referindo-se à cláusula geral antiabuso, sendo o princípio similar à que resulta do n.º 10 do artigo 73.º do Código do IRC, defende que “a cláusula anti-abuso não representa qualquer ofensa ao princípio da tipicidade. A garantia constitucional da tipicidade deve continuar a ser respeitada em relação ao acto ou negócio jurídico de resultado económico equivalente, cuja frustração o autor da conduta pretendeu evitar”[1].
Ora, o raciocínio defendido nesta decisão arbitral, de que “nunca poderá ser considerada fiscalmente abusiva a actuação de um contribuinte que, visando obter determinado resultado económico e dispondo para tal da possibilidade de celebrar diferente negócios jurídicos, opte pela celebração do negócio que, por intencionalidade expressa do legislador, é fiscalmente menos oneroso” incorre num claro vício de violação de lei, uma vez que impediria qualquer aplicação de qualquer cláusula antiabuso pois, ou a conduta está expressamente proibida por lei, ou bastaria haver uma lacuna/disposição menos clara, que o contribuinte poderia “manipular” a teleologia da norma.
Lê-se no Acórdão do TCA Sul, processo n.º 04255/10, de 15/02/2011 que a razão de ser das normas antiabuso está fundada na necessidade de estabelecer meios de reacção adequados para garantir o cumprimento do princípio da igualdade na repartição da carga tributária e na prossecução da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas (nos termos do art.º 103, n.º 1, da CRP).
Na perspectiva da existência de direitos conflituantes, refere ainda que, por muito que se respeite a liberdade de opção dos sujeitos passivos quanto às formas de gestão empresariais visando obter todas as vantagens fiscais possíveis, nunca aquela liberdade pode e deve prevalecer face ao relacionamento social que se pretende justo e equilibrado face à óbvia constatação da existência de direitos conflituantes (cfr. art°.18, n°.2, da CRP).
Concluindo que, “Um dos limites à liberdade de gestão empresarial, é o da subsistência e manutenção do sistema fiscal visando a satisfação das necessidades financeiras do Estado e demais entidades públicas no quadro de uma repartição justa do rendimento e da riqueza criados (cfr.art°.103, n°.1, da Constituição da República), estabelecendo a lei, para tanto, mecanismos de planeamento fiscal, ao mesmo tempo que visa prevenir a ocorrência de situações de evasão e fraude fiscais por razões de justiça social nessa medida se justificando a adopção de decisões de limitação legítima de direitos, liberdades e garantias em confronto.”.
Na verdade, a operação de permuta das partes de capitais em referência não respeitou a continuidade de valorização, pelo Requerente, para efeitos fiscais, das partes de capital recebidas pelo mesmo valor das antigas.
Ainda assim, não podemos conceber que pela aplicação do regime da neutralidade fiscal, a mais-valia gerada em resultado da operação de permuta se converta num diferimento de tributação porque se inserem no âmbito de uma reestruturação, até, quem sabe, passar o prazo de caducidade do direito à liquidação!!!
Por tudo isto, com o devido respeito pela posição assumida maioritariamente, voto vencido esta pronúncia arbitral.
[1] LIMA GUERREIRO, Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, págs. 186 a 188.