Decisão arbitral
1. Relatório
A…, contribuinte nº…, residente na Rua …, nº…, …-… …, em ..., veio, ao abrigo do artigo 2º nº 1, alínea a), e dos artigos 10º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, apresentar pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade do ato de liquidação de IRS nº 2015…, referente ao ano de 2011, bem como do indeferimento da reclamação graciosa (…2015…) dele apresentada.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 11-12-2015.
O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 27-01-2016, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 11-02-2016.
Devidamente notificada, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido, defendendo-se unicamente por impugnação.
No dia 05-04-2016, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, tendo-se procedido então à inquirição das testemunhas arroladas pelo Requerente, B…, C…, D…e E…, seguida da produção de alegações orais pelas partes, pronunciando-se estas sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respetivas posições jurídicas.
Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação da decisão final.
Pretende o Requerente que seja declarada a ilegalidade e inerente anulação da liquidação do IRS nº 2015…, referente ao ano de 2011, bem como do indeferimento da reclamação graciosa (…2015…) que apresentou, alegando em síntese:
a) O Requerente adquiriu em 12.10.1990, pelo valor de € 12.831,58, à data omisso na matriz predial, o lote de terreno para construção situado em…, freguesia da…, concelho de ..., que veio a ser inscrito na matriz sob o artigo… .
b) Neste imóvel foi construída a habitação inscrita na matriz predial em 1994 sob o artigo urbano …da freguesia de…, a que foi atribuído o valor patrimonial de € 50.278,83.
c) Este imóvel foi alienado pelo requerente a 27.07.2011, pelo montante de € 265.000,00.
d) O Requerente entregou a declaração de rendimentos modelo 3, referente a IRS de 2011, indicando no respetivo anexo G a alienação onerosa a que procedeu, em 07/2011, do imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o art…., de…, concelho de ..., pelo montante de € 265.000,00, nela manifestando a intenção de reinvestir a totalidade do valor de realização na aquisição de nova habitação própria e permanente.
e) Tal reinvestimento não veio a ser, contudo e por mero lapso, devidamente identificado no anexo G da declaração de IRS do ano de 2012.
f) O Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes da AT revela que até 03.04.2008 o Requerente tinha o seu domicílio fiscal na…, … -…, …-… Lisboa; de 03.04.2008 a 25.07.2011 teve domicílio fiscal na Rua…, nº…, 5º Esq, …-… Lisboa; e após 25.07.2011, foi domiciliado fiscalmente na Urbanização…, …, …- … Ericeira.
g) O mesmo sistema refere que a mulher do Requerente tem o seu domicílio fiscal na Rua …nº…, 5º Esq, …-… Lisboa.
h) Ambos sempre apresentaram conjuntamente declarações de IRS na situação de casados.
i) A AT entendeu proceder à correção oficiosa da declaração de rendimentos apresentada pelo Requerente pelo facto de este, nas declarações de rendimentos dos anos subsequentes a 2011, não ter procedido à identificação do reinvestimento das mais-valias geradas com a alienação do imóvel declarada em sede de IRS de 2011 (artigo … da freguesia de…, ...).
j) Desta liquidação oficiosa veio o Requerente reclamar graciosamente em 31.08.2015 sustentando que:
- Alienou em Julho de 2011, pelo valor de € 265.000,00, o imóvel gerador das mais-valias, onde tinha a sua habitação própria e permanente;
- Reinvestiu o valor da venda desse imóvel na aquisição, em Maio de 2012, pelo valor de €227.500,00, de outro imóvel sito na Rua…, nº…, freguesia de…, concelho de ..., também para habitação própria e permanente;
- Na declaração modelo 3 do ano de 2011, o Requerente manifestou a intenção de reinvestir o valor da venda do imóvel alienado em 2011;
- Por mero lapso, devido ao desconhecimento desse requisito, o Requerente não declarou, aquando do preenchimento da declaração de IRS do ano de 2012, o reinvestimento efetuado na aquisição de imóvel para habitação própria e permanente, facto este do conhecimento da Autoridade Tributária e Aduaneira.
k) A reclamação graciosa acabou por merecer despacho de indeferimento por a AT, em erro de análise e de interpretação da lei, considerar que o Requerente não tinha habitação própria e permanente no imóvel alienado em 2011, pelo facto de não ter aí tido, até dois dias antes da respetiva alienação, o seu domicílio fiscal e por o seu cônjuge não ter domicílio fiscal no prédio adquirido.
l) O erro da AT, que consubstancia o vício de violação de lei, é, assim, o de considerar os conceitos de habitação própria e permanente e de domicílio fiscal obrigatoriamente coincidentes.
m) É indiscutível que o Requerente tinha a sua residência própria e permanente no imóvel alienado em 2011 – e aí teve o seu domicílio fiscal na data de alienação do imóvel – e passou posteriormente a ter a sua habitação própria e permanente no imóvel adquirido em 2012 com o produto de venda daquele, e para onde alterou depois o seu domicílio fiscal, assim preenchendo os requisitos de que depende a aplicação do nº 5 do art. 10º do CIRS.
n) O Requerente apenas mudou o seu domicílio fiscal para o prédio alienado a 25.07.2011 por ter sido alertado para essa necessidade no âmbito dos procedimentos burocráticos inerentes à venda do imóvel, julgando até então tratar-se de uma alteração meramente burocrática e formal e que não se justificava nem tinha necessidade de fazer.
o) Acresce que a lei não estatui qualquer prazo mínimo de existência do domicílio fiscal no imóvel cuja alienação é geradora de mais-valias nem tão pouco impõe qualquer período mínimo durante o qual qualquer cidadão tenha a obrigatoriedade de habitar de forma própria e permanente o mesmo imóvel.
Por seu turno, a Requerida veio em resposta alegar, em síntese:
a) Apesar de o Requerente ter declarado as mais-valias obtidas em 2011, com a alienação onerosa de um imóvel na correspondente declaração de rendimentos modelo 3, manifestando a intenção de reinvestimento para efeitos do nº 5 do art. 10º do CIRS, não comunicou o mesmo, no prazo legal, razão pela qual a AT emitiu a liquidação adicional de IRS em crise, correspondente a mais-valias cuja tributação ficara suspensa, acrescida de juros compensatórios.
b) Em sede administrativa, no decurso da reclamação graciosa apresentada, o Requerente não efetuou prova, nomeadamente em sede de audição prévia, de que à data da alienação do imóvel sito na freguesia de…, concelho de ..., o mesmo estivesse afeto à habitação própria e permanente do seu agregado familiar.
c) Relativamente ao imóvel adquirido em 2012, também não comprovou a afetação do mesmo à habitação própria e permanente do agregado familiar, sendo que, tal como consta na informação que serviu de fundamento ao indeferimento da reclamação, “o cônjuge do reclamante encontra-se até hoje domiciliado fiscalmente na Rua…, nº…, 5º esq., …-… Lisboa (...)”.
d) O alegado reinvestimento, cuja intenção foi manifestada pelo Requerente na sua declaração modelo 3 de IRS de 2011 não era do conhecimento da AT.
e) Os dados que o Requerente diz serem revelados pelo Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes são, justamente, as moradas que o Requerente comunicou aos Serviços como sendo o seu domicílio fiscal, comunicações efetuadas nas datas ali indicadas, para efeitos do art. 19º da LGT.
f) Trata-se, portanto, da comunicação efetuada pelos Requerentes do seu domicílio fiscal, sendo que as correspondentes declarações de alteração de domicílio fiscal se presumem verdadeiras, por força do disposto no nº 1 do art. 75º da LGT.
g) A alteração de domicílio fiscal a 25/07/2011 não é suscetível de gerar a presunção pretendida pelo Requerente, sob pena de se cair num formalismo que não acautela a intenção do legislador e que o próprio Requerente já manifestou não apoiar.
h) O conceito de domicílio fiscal é, de harmonia com o consignado na al. a) do art. 19º da LGT, em articulação com o art. 82º e 88º do CC, “o local de residência habitual”.
i) Porque assim é, não se compreende como pretende o Requerente retirar da alteração de domicílio fiscal que efetuou dois dias antes da escritura uma presunção de habitualidade, a qual há - de pressupor ou um período efetivo de tempo maior ou, no mínimo, a intenção de vir a habitar com habitualidade, sendo que nem esta intenção podia existir uma vez que já estava agendada a venda do imóvel para dois dias depois.
j) Da articulação do nº 9 do art. 46º do EBF, com o art. 19º da LGT, resulta que para efeitos do nº 5 do art. 10º do CIRS, se presume que o contribuinte tem o seu local de residência habitual no local do domicílio fiscal, a menos que se realize prova em contrário.
k) Alegando o Requerente que o local de residência habitual do seu agregado familiar não coincide com o domicílio fiscal, e porque lhe incumbe provar os pressupostos de que depende o benefício fiscal a cujo direito se arroga, é ao Requerente que incumbe efetuar essa prova o que não consegue com os documentos que apresenta.
l) Sustenta que a liquidação controvertida é de manter, devendo o pedido arbitral ser julgado improcedente.
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e foi regularmente constituído.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (artigos 4º e 10º, nº 2, do mesmo diploma e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas exceções.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
II. Decisão
1. Matéria de facto
1.1.Factos dados como provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) O Requerente adquiriu em 12.10.1990, pelo valor de € 12.831,58, o lote de terreno para construção situado em…, freguesia da…, concelho de ..., omisso na matriz predial, que veio a ser inscrito na matriz sob o artigo urbano… .
b) Neste imóvel foi construída uma habitação, inscrita na matriz predial urbana em 1994, sob o artigo …da freguesia de…, concelho de ..., a que foi atribuído o valor patrimonial de € 50.278,83.
c) O Requerente destinou esse imóvel à sua habitação própria e permanente bem como do seu agregado familiar (cônjuge mulher), dele fazendo o centro da sua vida familiar, tal como resulta quer das declarações prestadas pelas testemunhas apresentadas pelo Requerente quer da documentação junta, em particular das faturas da EDP de que resulta a constância dos consumos mensais ao longo do ano.
d) Este imóvel foi alienado pelo Requerente a 27.07.2011, pelo montante de € 265.000,00.
e) O Requerente entregou a declaração de rendimentos modelo 3, referente a IRS de 2011, indicando no respetivo anexo G a alienação onerosa, em 07/2011, do imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o art…., de…, concelho de ..., pelo montante de € 265.000,00, nela manifestando a intenção de reinvestir a totalidade do valor de realização.
f) Em resultado da apresentação daquela declaração modelo 3, foi emitida a liquidação nº 2012…, relativa a IRS de 2011, a qual não considerou as mais-valias obtidas com aquela alienação em virtude de o Requerente ter declarado a intenção de reinvestimento.
g) A 18.05.2012, o Requerente adquiriu outro imóvel, sito na Rua…, nº…, …, …, pelo montante de € 227.500,00, que destinou a sua habitação própria e permanente e do seu agregado familiar habitação própria e permanente, como resultou da prova testemunhal e consta da respetiva escritura publica de aquisição junta aos autos;
h) Até 03.04.2008, o Requerente teve o seu domicílio fiscal na…, … - 8º, …-… Lisboa;
i) de 03.04.2008 a 25.07.2011 teve domicílio fiscal na Rua…, nº…, 5º Esq, …-…Lisboa;
j) após 25.07.2011, foi domiciliado fiscalmente na Urbanização…, …, …- … Ericeira;
k) atualmente tem domicílio fiscal na Rua…, nº…, …, ....
l) O cônjuge mulher mantem o domicilio fiscal na Rua…, nº…, 5º Esq, em Lisboa.
m) A 08.07.2015 foi emitida a liquidação nº 2015…, relativa a IRS de 2011, com imposto adicional e juros compensatórios, em consequência da não entrega de qualquer declaração subsequente de IRS, com referência aos anos de 2012, 2013 e 2014, com a indicação do referido reinvestimento.
n) A 31/08/2015 o Requerente reclama graciosamente daquela liquidação junto do Serviço de Finanças de … (…2015…), onde alegou que efetuara o aludido reinvestimento em 2012 mas, por lapso, omitiu-o na correspondente declaração, sem, no entanto, apresentar qualquer comprovativo do alegado.
o) Em sede administrativa, no decurso da reclamação graciosa apresentada, o Requerente não apresentou prova, nomeadamente em sede de audição prévia, de que à data da alienação do imóvel sito na Urbanização…, freguesia de…, concelho de ..., o mesmo estivesse afeto à sua habitação própria e permanente e à do seu agregado familiar.
p) A 22/09/2015, o Requerente foi notificado da decisão de indeferimento da reclamação apresentada (RD…PT), proferida por despacho de 17/09/2015 do Chefe do Serviço de Finanças de…, com o seguinte fundamento:
“Nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 10º do CIRS, constituem mais-valias os ganhos obtidos com a alienação onerosa de bens imóveis, estando estes ganhos sujeitos a tributação por força do art. 1º e nos termos do nº 3 do art. 43º, ambos do CIRS. (…)
De acordo com os fundamentos da presente reclamação, entende o reclamante não haver lugar à tributação das mais-valias dado que houve reinvestimento das mesmas. (…)
Da consulta ao Sistema de Gestão e Registo dos Contribuintes, (…), verifica-se que até 2008/04/03 o reclamante manteve a sua residência fiscal na … … – 8, …-… Lisboa. Desde aquela data até 2011/07/25 manteve o seu domicílio fiscal na Rua…, nº … – 5º Esq …-… Lisboa, tendo alterado, na data mencionada, o seu domicílio fiscal para a Urbanização…, nº … …-… Ericeira, correspondente à habitação (prédio) vendida em 2011/07/27.
O cônjuge do reclamante encontra-se, até hoje, domiciliado fiscalmente na Rua…, nº …- 5º Esq. …-… Lisboa (…).
Consultadas as declarações de IRS, afere-se que ao longo dos anos, o reclamante e respetivo cônjuge sempre apresentaram conjuntamente declaração de rendimentos como casados (…), presumindo-se como verdadeiros os elementos declarados, nos termos do art. 75º da Lei Geral Tributária (LGT). Dispõe o art. 13º do CIRS (atual al. a) do nº 4) que o agregado familiar é constituído pelos cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens e os seus dependentes. Assim, “temos que entender que a noção de agregado familiar (…) comporta em si a noção de família, que do ponto de vista restrito e enquanto resultante do casamento é dada pela lei civil”. (Ac. Do TCA Sul, de 18/12/2008, processo 01877/07). Nesta ótica veja-se o art. 1673º do Código Civil (C.C.), onde no nº 2 se refere explicitamente que salvo motivos ponderosos os cônjuges devem adotar a residência de família.
Assim devemos pressupor com base na legislação apontada que, existindo agregado familiar, este deve ter uma residência de família a ser escolhida em primeira linha de comum acordo. Nos termos do art. 19º da LGT, o domicílio fiscal do contribuinte é a sua residência habitual.
A exclusão de tributação nos termos do nº 5 do art. 10º do CIRS, depende do destino que foi dado ao imóvel gerador da mais-valia, sendo requisito fundamental este ter constituído habitação própria e permanente do agregado familiar, a qual terá de ser coincidente com o domicílio fiscal do agregado.
(…)
Perante os factos supra referidos, constata-se que:
1º - O reclamante não afetou o prédio agora vendido a sua habitação própria e permanente;
2º - Atendendo a que a venda do bem tem como consequência a entrega da coisa, o que ocorreu, como referido, em 2011/07/27, não se compreende aquela alteração de morada dois dias antes da venda;
3º - O cônjuge do reclamante nunca foi domiciliada fiscalmente no imóvel em referência.
Afigura-se assim, não estarem reunidas as condições previstas no nº 5 do art. 10º do CIRS, para que seja considerado o reinvestimento da mais-valia.”
q) Esta decisão originou a liquidação adicional nº 2015 … de 19/10/2015, relativa ao ano de 2011, que tributou as mais-valias obtidas com a referida alienação onerosa no montante de € 45.658,00 e cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 07.12.2015.
r) O presente pedido de pronúncia arbitral foi proposto em 01.12.2015.
1.2. Factos dados como não provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
1.3.Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos dados como provados baseiam-se na documentação junta pelas partes aos autos e considerados idóneos pelo Tribunal e na prova testemunhal produzida que se revelou segura, coerente e credível. As testemunhas inquiridas aparentaram depor com isenção e com conhecimento direto dos factos que referiram.
As testemunhas C…, D… e E…, amigos de longa data do Requerente e respetivo cônjuge, afirmaram inequivocamente e sem qualquer hesitação que aqueles habitaram no concelho de ..., na Urbanização…, nº…, na Ericeira até à venda do imóvel.
2. Do Direito
O Requerente adquiriu em 12.10.1990 um lote de terreno para construção situado na Urbanização…, nº…, na…, em ..., tendo aí construído uma habitação (imóvel de dois pisos) que veio a alienar em 2011. Em 2012, procedeu à aquisição de outro imóvel, sito na Rua…, …, …, também em ....
Pretende beneficiar do disposto no ar. 10º nº 5 do CIRS.
A questão controvertida que se coloca nos presentes autos é a de saber se o Requerente cumpriu com a exigência prevista no nº 5 do art. 10º do CIRS, ou seja, de que o imóvel que transmitiu onerosamente fosse destinado à sua habitação própria e permanente ou do seu agregado familiar, para, assim, obter o benefício da exclusão da tributação da mais-valia obtida como rendimento em sede de IRS.
O art. 10º nº 5 do CIRS estabelece que:
“São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas cumulativamente, as seguintes condições:
a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou na respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste ultimo caso, exista intercambio de informações em matéria fiscal;
b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;
c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação.”
Questiona-se então, no caso em apreço, qual o significado da exigência da afetação do imóvel alienado à “habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar” e a verificação de tal exigência.
A Autoridade Tributária e Aduaneira entende que o conceito de habitação própria e permanente coincide com o de domicílio fiscal do sujeito passivo. Para tal invoca o art. 19º da LGT que prevê na alínea a) do seu nº 1 que “ o domicílio fiscal é, para as pessoas singulares, o local da sua residência habitual”. Ora, analisando literalmente o preceito apenas podemos concluir que o domicílio fiscal é que terá de corresponder ao local de residência do sujeito passivo e não o contrário.
De facto, ao contrário do defendido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, a circunstância de determinado endereço constar como domicílio fiscal de um sujeito passivo não fará com que este tenha nesse endereço a sua residência habitual.
Neste sentido, já o Acórdão do CAAD de 25.11.2013 – Proc. 103/2013-T[1], defendeu que “a dissonância entre o que formalmente conste como domicilio fiscal de um sujeito passivo e o que efetivamente seja a sua residência habitual deverá ser resolvida alterando-se o primeiro e fazendo-o coincidir com a segunda e não o oposto, (…) aplicando-se, na medida em que se verifiquem os respetivos pressupostos, as sanções que no caso caibam aos responsáveis.”
Acresce que o invocado artigo 19º da Lei Geral Tributária alude a “residência habitual” enquanto o art. 10º, nº 5 do CIRS utiliza a expressão “habitação própria e permanente”, não existindo assim sequer coerência sistemática, em matéria de domicílio fiscal, que possa fundamentar satisfatoriamente uma relação entre as referidas disposições.
A Autoridade Tributária e Aduaneira invoca ainda para reforçar a sua posição o art. 46º, em particular o seu nº 9, do Estatuto dos Benefícios Fiscais respeitante à isenção de IMI.
Não nos parece que tal argumento seja de acolher porquanto se o legislador pretendesse que o requisito para obtenção do benefício do nº 5 do art. 10º do CIRS fosse o estabelecimento do domicílio fiscal no imóvel alienado, tê-lo-ia previsto expressamente, à semelhança do que fez naquela disposição do Estatuto dos Benefícios Fiscais[2].
Acresce que, à luz do citado acórdão do CAAD, referindo-se o artigo 10º, nº 5 do CIRS a “habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”, esta alternatividade apenas fará sentido na perspetiva de que a “habitação própria e permanente” possa não coincidir com o domicílio fiscal.
Como aí se explica, “O art. 13º/6 do CIRS refere que “As pessoas referidas nos números anteriores não podem, simultaneamente, fazer parte de mais de um agregado familiar nem, integrando um agregado familiar, ser consideradas sujeitos passivos autónomos. Ou seja, existindo um agregado familiar, haverá um domicílio fiscal do próprio agregado familiar, que será o relevante para efeitos de IRS, não podendo, pelo menos para efeitos deste imposto, o agregado familiar ter dois domicílios fiscais. Neste contexto, a apontada referência do art. 10º/5, al. a), do CIRS à “habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, apenas poderá ser compreendida como tendo o sentido de a habitação própria permanente poder divergir do domicilio fiscal. (…) a habitação própria permanente de um sujeito passivo, que é o que releva para esse artigo, pode ser distinta da do seu agregado familiar, quando o domicilio fiscal, para efeitos de IRS, pelo menos não poderá!”
Ainda que se admitisse a possibilidade de se considerar a “habitação própria e permanente” do sujeito passivo o respetivo domicílio fiscal, tal haveria de ter de se ver como uma presunção iuris tantum, que admite prova em contrário, presunção essa que o Requerente teria ilidido nos presentes autos, com a prova oferecida. É que, nos termos do disposto no art. 73º da LGT todas as presunções estabelecidas em matéria fiscal são ilidíveis.
De facto, o Requerente logrou afastar tal presunção ao demonstrar que tinha efetivamente a sua habitação própria e permanente bem como a do seu agregado familiar, constituído pelo cônjuge mulher, no imóvel sito no nº … da Urbanização…, na Ericeira.
Também, no sentido que defendemos, existe jurisprudência assente do Supremo Tribunal Administrativo, relativamente a situações similares, de acordo com a qual o conceito de domicílio fiscal não tem de coincidir obrigatoriamente com o de habitação própria e permanente.
É o caso do Acórdão do STA de 23 de Novembro de 2011 – proc. nº 0590/11, proferido em sede de IMI.
Como consta do sumário deste acórdão:
“II - O facto de os sujeitos passivos não terem comunicado a mudança de domicílio para o prédio relativamente ao qual pediram a isenção de IMI, por si só, não indicia que não têm habitação própria e permanente nesse prédio.
III – A morada em certo lugar, a habitatio, pode demonstrar-se através de “factos justificativos” de que o beneficiado fixou no prédio o centro da sua vida pessoal.”
Faz-se aqui uma distinção clara entre o conceito de residência própria e permanente e o de domicílio fiscal, verificando-se o primeiro, em relação a um determinado imóvel, quando o contribuinte nele organize “as condições de vida normal e do seu agregado familiar, de tal modo que se veja nele o local da sua habitação”.[3]
Assim sendo, “a tributação das mais-valias derivadas da alienação de habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar deverá assentar na não-verificação efetiva dos pressupostos da exclusão da tributação, e não no não preenchimento de meros deveres declarativos, e menos ainda quando se trate de declarar situações que nem sequer integram o fattispecie normativo.
Entender de outro modo (…) seria somente confundir o cumprimento de deveres principais (o de preenchimento do tipo legal) com o cumprimento de deveres acessórios (facilitadores da administração da relação tributária: seria, muito mais gravemente, muito mais perigosamente, converter um imposto numa sanção, confundindo a função tributária com a função sancionatória – duas funções que, por terem normalmente o mesmo sujeito ativo, devem ser estritamente, constantemente separadas no contexto do Estado de Direito.”
Esclarecido o conteúdo do conceito de “habitação própria e permanente”, resta decidir se esta exigência se verificou, para efeito de aplicação do nº5, do art.10º CIRS.
Ora, entendemos que o Requerente logrou provar pelos documentos juntos aos autos e pelo depoimento inequívoco das testemunhas arroladas por aquele o alegado no seu pedido arbitral.
De facto, resultou da prova produzida, com segurança, que o Requerente e cônjuge desenvolviam efetivamente no imóvel sito na Urbanização … nº…, Ericeira, o centro da sua vida. Ali pernoitavam habitualmente, tomavam as refeições, passavam os dias quando não iam trabalhar, frequentando os estabelecimentos locais, convivendo com os amigos que frequentemente recebiam em casa. Ficou provado igualmente que, após a alienação do dito imóvel e enquanto aguardavam a conclusão de obras no que adquiriram em 2012, sito na Rua…, nº…, …, habitaram temporariamente numa casa que as testemunhas, D… e E…, possuem também na Ericeira. É nesse imóvel da … que residem atualmente.
Considera-se, pois, que está demonstrada a fixação de habitação própria e permanente pelo Requerente não só no imóvel alienado em 2011, como também no imóvel adquirido para reinvestimento em 2012; a intenção de reinvestimento foi comunicada; e o reinvestimento foi efetuado no prazo legal.
Preenchidas todas as condições exigidas pelo art. 10º, nº 5 do CIRS, julga-se ser de excluir a tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa realizada pelo Requerente, procedendo, dessa forma, o pedido efetuado pelo Requerente nos autos.
3. Decisão
De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral:
a) Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegal a liquidação adicional de IRS nº 2015…, relativa ao ano de 2011, de que resultou um saldo global a pagar de € 45.658,00, anulando-a;
b) Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo nas custas do processo.
4. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 45.658,00, nos termos do artigo 305º, nº 2 do CPC e 97º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 29º do RJAT e do nº 2 do artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
5. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem a cargo da Requerida em € 2.142,00, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, nº 4, ambos do RJAT, e artigo 4º, nº 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.
Notifique-se.
Lisboa, 26 de Abril de 2016
O Arbitro Singular,
(Cristina Aragão Seia)
[1] O Tribunal Arbitral, neste processo, foi constituído pelo Dr. José Pedro Carvalho (arbitro principal pelo Prof. Doutor Fernando Borges de Araújo e pelo Dr. José Rodrigo de Castro.
[2] O art. 46º, nº 9 do EBF estatui que: “ (…) 9 – Para efeitos do disposto no presente artigo, considera-se ter havido afetação dos prédios ou partes de prédios à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, se aí se fixar o seu domicílio fiscal. (…) ”.
[3] Explica-se ainda que “é evidente que, sendo a residência habitual o local onde a pessoa normalmente vive e tem o seu centro de vida, não medeiam grandes diferenças entre o «domicílio fiscal» e a «habitação permanente»: há entre as duas figuras uma relação íntima, que se traduz em ambas pressuporem um lugar com o qual certa pessoa está em ligação, o local onde tem a sua existência organizada e que, como tal, lhe serve de base de vida. Mas, no plano conceitual, nem a residência habitual se identifica com a residência permanente, nem o domicílio coincide com a morada, ou seja, o local onde a pessoa tem a sua habitação, tal como se pode inferir dos dois números do artigo 82º do CCiv (cfr. Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 98 e Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. I, pág. 380 e 381). O pressuposto «habitação própria e permanente» é a situação de facto que condiciona a isenção do IMI. O requisito da permanência na “habitação” (a lei não utiliza o termo “residência”), deve ser entendido no sentido de habitualidade e normalidade e não propriamente no sentido cronológico absoluto de estadia sem qualquer solução de continuidade. Para se assegurar a finalidade subjacente à atribuição do benefício fiscal, que consiste em estimular e incentivar o acesso à habitação própria (cfr. al. c) do nº 2 do art. 65º da CRP), basta que o beneficiado organize no prédio as condições da sua vida normal e do seu agregado familiar, de tal modo que se veja nele o local da sua habitação.” Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Novembro de 2011 – proc. 590/11, Relator Conselheiro Lino Ribeiro.