Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 657/2015-T
Data da decisão: 2016-05-09  Selo  
Valor do pedido: € 13.488,70
Tema: IS – Verba 28.1 daTGIS; Inutilidade da lide; Incompetência material do Tribunal Arbitral.
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DECISÃO ARBITRAL

 

1. RELATÓRIO

 

1.1              A…, S.A., com sede na Rua…, nº…, …, …, …-…, pessoa coletiva nº …, veio, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante RJAT) e da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a constituição de tribunal arbitral.

1.2              É Requerida nos autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

1.3              O conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou aa ora signatária para formar o Tribunal Arbitral Singular, disso notificando as partes, e o Tribunal foi constituído a 08 de Janeiro de 2016.

1.4               O pedido de pronúncia arbitral tem por objeto as liquidações de Imposto do Selo, referentes ao ano de 2014, números 2015…, 2015…, 2015… e 2015…, que estão melhor identificados no pedido da Requerente e nos documentos a ele juntos, para os quais aqui se remete.

1.5              A Requerente invoca a ilegalidade dos atos de liquidação, defendendo que a sujeição ao imposto do selo contido na verba nº 28.1 da TGIS, é determinado pela conjugação de dois factos: a afetação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a €1.000.000,00. Tratando-se de um prédio com as características descritas nos autos a sujeição a imposto do selo é determinada, não pelo VPT do prédio, mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões.

Mais peticiona a Requerente a condenação da Requerida ao reembolso das quantias pagas por força das liquidações em crise, acrescidas dos juros indemnizatórios sobre todas as quantias pagas vencidos contados até à data do reembolso.

 

1.6              A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA respondeu, defendendo-se por exceção e por impugnação. 

 

Por exceção, alegou a Requerida que as liquidações em crise já haviam sido anuladas e disso já havia sido notificada a Requerente, tudo antes da entrada do pedido de constituição do Tribunal Arbitral.

Pelo que inexistia, à data da entrada do pedido, qualquer ato tributário suscetível de impugnação, sendo, alega a Requerida, o Tribunal Arbitral incompetente para apreciar o pedido de devolução do imposto pago e o pedido de pagamento de uros indemnizatórios, que é, para a Requerida, meio idóneo o de execução de julgados previsto no n.º 3 do artigo 157.º do CPTA.

Conclui, pois, pela inutilidade original da lide quanto ao pedido principal de anulação das identificadas liquidações de imposto e pela inidoneidade do meio arbitral relativamente aos pedidos de restituição de imposto e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

Por impugnação, defendeu-se a Requerida alegando, em suma, que apenas a Requerente apenas regularizou a inscrição na matriz em momento posterior à emissão das liquidações em crise, o que prontamente levou à correção da matriz e correspondente anulação do imposto indevidamente liquidado. Pelo que as liquidações anuladas foram efetuadas co base em erro imputável, segundo a Fazenda, à própria Requerente inexistindo erro imputável aos Serviços para efeitos da aplicação do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, bem como a demora superior a um ano, para efeitos da aplicação da alínea c) do n.º 3 daquele artigo.

 Pelo que a Requerida conclui que devem ser julgados improcedentes os pedidos.

1.7      Notificada para se pronunciar sobre a defesa por exceção deduzida pela Requerida,     a Requerente nada disse.

1.8         Notificadas da intenção do Tribunal em dispensar a reunião do tribunal arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como as alegações, as partes não vieram opor-se.  Notificada para se pronunciar sobre a defesa por exceção deduzida pela Requerida, a Requerente nada disse.

 

 

2. SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.

 

O processo não sofre de quaisquer vícios que o invalidem.

 

Está colocada em questão a competência material do Tribunal Arbitral, cujo conhecimento, bem como das exceções de inutilidade originária e de inidoneidade deduzidas pela Requerida, se relega para a matéria de direito – questões decidendas, por se entender que é essencial se profira previamente decisão quanto à matéria de facto.

 

 

3. MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevância para a decisão de mérito, o Tribunal considera provada a seguinte factualidade:

 

1) A Requerente é proprietária do prédio urbano sito em Coimbra (…), na Rua…, freguesia de Coimbra (…), concelho de Coimbra, e União das freguesias de Coimbra (…, …, …e…), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo…;

 

2) O referido imóvel é constituído por quatro frações autónomas, que constituem unidades independentes, distintas e isoladas entre si, com saída própria, tendo, por escritura notarial, celebrada no Cartório Notarial de…, em 24 de Outubro de 2014, sido constituída a propriedade horizontal;

 

3) A Autoridade Tributária e Aduaneira, emitiu, com referência ao ano de 2014, as liquidações de Imposto do Selo em crise, referentes aos vários “andares” ou “frações” do referido imóvel;

 

4) A Requerente pagou os valores constantes das liquidações;

 

5) A Requerente apresentou o pedido para inscrição ou atualização de prédios na matriz (Mod. 1 de IMI) a 30.10.2014;

 

6) A 08.07.2015, a Requerente apresentou uma reclamação, que recebeu o número 2015…, através da qual comunicou a “passagem a propriedade horizontal”, juntando cópia da escritura de constituição;

 

7) A 28.07.2015, a Requerida emitiu as demonstrações de acerto de contas números 2015…, 2015…, 2015… e 2015…, estornando o valor correspondente às liquidações em crise, das quais a Requerente foi notificada a 20.08.2015.

 

 

Factos não provados

 

Não foram alegados pelas partes quaisquer outros factos essenciais, com relevo para a apreciação do mérito da causa, que não se tenham provado.

 

Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto

 

A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se nas alegações da Requerente e da Requerida não contraditadas pela parte contrária, sustentadas na prova documental junta quer pela Requerente quer pela Requerida, cuja autenticidade e correspondência à realidade também não foram questionadas.

 

4. MATÉRIA DE DIREITO - QUESTÕES DECIDENDAS

 

As questões essenciais a decidir são:

 

1)       Inexistindo ato de liquidação impugnável, é o Tribunal Arbitral meio idóneo para apreciar apenas do pedido de reembolso das quantias pagas e dos juros indemnizatórios?

 

2)      Com referência a prédios não constituídos em regime de propriedade horizontal, integrados por diversos andares e divisões com utilização independente, das quais algumas com afetação habitacional, o VPT relevante como critério de incidência do imposto é o correspondente ao somatório do valor patrimonial tributário atribuído às diferentes partes ou andares (VPT global) ou, antes, o VPT atribuído a cada uma das partes ou andares habitacionais?

 

 

3)      Sendo o ato ilegal, tem a Requerente direito a juros indemnizatórios calculados sobre as quantias pagas?

 

 

Cumpre decidir:

 

As questões relativas à competência são de conhecimento prioritário, como resulta do disposto no artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

 

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) - também limitada pelos termos em que Administração Tributária foi vinculada àquela jurisdição pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março - segundo a qual ela compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais (redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro).

 

Para além da apreciação direta da legalidade de atos deste tipo, incluem-se ainda nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competências para apreciar atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos, designadamente de atos que decidam reclamações graciosas e recursos hierárquicos, como resulta das referências expressas que se fazem no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT (que se reporta à impugnação judicial de decisões de reclamações graciosas) e à «decisão do recurso hierárquico».

 

O facto de a alínea a) do n.º 1 do art.º 10 do RJAT fazer referência aos n.ºs 1 e 2 do artº. 102 do CPPT, em que se indicam os vários tipos de atos que dão origem ao prazo de impugnação judicial, inclusivamente a reclamação graciosa, deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todos os tipos de atos passíveis de serem impugnados através processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles n.ºs 1 e 2, desde que tenham por objeto um dos tipos indicados naquele art. 2.º do RJAT.

 

Aliás, esta interpretação no sentido da identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral é a que está em sintonia com a referida autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se revela a intenção de o processo arbitral tributário constitua «um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» (n.º 2).

Este mesmo argumento que se extrai da autorização legislativa conduz à conclusão de que estará afastada a possibilidade de utilização do processo arbitral quando, no processo judicial tributário, não for utilizável a impugnação judicial ou a ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

 

Verdade que se tem vindo a entender, em sintonia com longa jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que, na sequência de declaração de ilegalidade de atos de liquidação, proferida em processo de impugnação judicial, podem ser proferidas decisões de condenação no pagamento de juros indemnizatórios bem como, por força do artigo 171.º, n.º 1, do CPPT, de condenação no pagamento de indemnizações por garantia indevida.

 

O certo é que não há qualquer suporte legal para permitir que sejam proferidas condenações de outros tipos, mesmo que sejam consequências, a nível executivo, da declaração de ilegalidade de atos de liquidação. E, a contrario, tais decisões não podem ser proferidas quando não sejam consequências de declarações de ilegalidade de atos de liquidação.

 

No caso em apreço, a anulação dos atos impugnados por iniciativa da administração tributária implica que estes inexistam na ordem jurídica, pelo que o pedido de pronúncia arbitral não tem, neste momento, objeto.

 

E não o tem, nos termos da matéria dada como provada, ab initio.

 

A pretensão da Requerente já fora satisfeita pela Requerida antes da dedução do pedido de constituição do Tribunal Arbitral, tratando-se, por isso, como bem alega a Requerida, não de uma inutilidade superveniente, mas de uma inutilidade originária.

 

Ambas conduzem à extinção da instância (nos termos do artigo 277º do CPC), mas a distinção importa para efeitos de custas [1].

 

Mais, não estando em causa, pois, a apreciação da legalidade de qualquer ato de liquidação, que seria o objeto imediato do pedido, na medida em que nenhum ato impugnável existe já na ordem jurídica, é manifesta a incompetência deste Tribunal Arbitral para apreciar de pedidos que lhe são consequentes, o mesmo é dizer, dos objetos mediatos, no caso, do pedido de reembolso das quantias pagas e da condenação em juros indemnizatórios.

 

Restringindo-se a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD ao campo de aplicação do processo de impugnação judicial, apenas se inserem nesta competência os pedidos que comportem a apreciação da legalidade de ato de liquidação.

 

A preocupação legislativa em afastar das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a apreciação da legalidade de atos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação, para além de resultar, desde logo, da diretriz genérica de criação de um meio alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, resulta com clareza da alínea a) do n.º 4 do art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se indicam entre os objetos possíveis do processo arbitral tributário «os atos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação», pois esta especificação apenas se pode justificar por uma intenção legislativa no sentido de excluir dos objetos possíveis do processo arbitral a apreciação da legalidade dos atos que não comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação.

 

 

As providências adequadas para o reconhecimento de direitos dos contribuintes que resultem de decisões emanadas da Administração Tributária favoráveis aos contribuintes e a que a Administração não dê a devida execução são as previstas no título “Do processo executivo” do CPTA, ex vi do n.º 1 do artigo 146º do CPPT.


Sendo assim, para impor à Administração Tributária a execução de atos firmes por ela praticados (atos consolidados, não impugnáveis), é adequado e aplicável o processo de execução de julgados, previsto no CPTA.

 

Tem, portanto, de se concluir pela incompetência deste Tribunal Arbitral para apreciar do pedido de reembolso e da condenação em juros indemnizatórios.

 

Na verdade, o Tribunal não poderá exercer os poderes que lhe são conferidos pela lei (designadamente, declarar a ilegalidade de atos de autoliquidação de tributos), na medida em que não há atos de liquidação a sindicar.

 

E muito embora a Requerida tenha configurado a exceção como de inidoneidade, o que se verifica, na verdade, é e exceção da incompetência material, que é do conhecimento oficioso e constitui obstáculo a apreciação do mérito da causa e justifica a absolvição da Autoridade Tributária e Aduaneira da instância [artigos 16.º, n.º 1, do CPPT e 278.º, n.º 1, alínea a), do CPC, subsidiariamente aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e), do RJAT].

 

Questões de conhecimento prejudicado

 

De harmonia com o exposto, sendo inútil a instância quanto ao pedido da declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de imposto de selo identificadas no pedido de constituição do Tribunal Arbitral, por já ter sido (antes da entrada do pedido) satisfeita pela AT a pretensão do sujeito passivo e sendo o Tribunal Tributal materialmente incompetente para conhecer dos pedidos de reembolso das quantias pagas pela Requerida e do pagamento de juros indemnizatórios sobre tais quantias, impõe-se absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no processo.

 

6. DECISÃO

 

Nestes termos e com a fundamentação supra, decide-se:

 

Declarar a originária falta de objeto e a consequente extinção da instância, por inutilidade da lide quanto ao pedido da declaração de ilegalidade e anulação das liquidações de imposto de selo identificadas no pedido de constituição do Tribunal Arbitral;

 

Julgar o Tribunal Arbitral materialmente incompetente para conhecer dos pedidos de reembolso das quantias pagas pela Requerida e do pagamento de juros indemnizatórios sobre tais quantias, e, em consequência, nessa parte absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância.

 

 

* * *

 

Fixa-se o valor do processo em 13.488,70 € (treze mil, quatrocentos e oitenta e oito euros e setenta cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC.

 

O montante das custas é fixado em 918,00€ (novecentos e dezoito euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerente, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT e 527.º do CPC.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 09 de Maio de 2016

 

O Árbitro

 

 

 

(Eva Dias Costa)

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

 

 

 



[1] Vide o Acórdão do TCA Sul de 25.11.2000, proferido no Proc. 0684/10, cujo texto integral está disponível em http://www.dgsi.pt.