Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 635/2015-T
Data da decisão: 2016-05-02  IUC  
Valor do pedido: € 2.725,56
Tema: Imposto Único de Circulação – Incidência Subjetiva.
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Decisão Arbitral

 

 

I – Relatório

 

1. No dia 12.10.2015, a Requerente, A…, LDA., sociedade  com sede na Avenida…, n.º…, em Lisboa, com o número único de matrícula e de pessoa coletiva…, na sequência  das decisões de indeferimento que recaíram sobre as reclamações graciosas n.º …2015…, n.º …2015…, n.º …2015… e n.º …2015…, deduzidas contra as autoliquidações de Imposto Único de Circulação (IUC) respeitantes aos anos de 2013, 2014 e 2015, acrescidas de juros compensatórios, veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alínea a), 6.º, n.º 1, 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR com vista à anulação das referidas decisões e à declaração de ilegalidade dos atos tributários melhor identificados nos quadros que se seguem:

 

Quadro I – Vendas – Reclamação graciosa n.º …2015…

Nº da liquidação

Ano do
Imposto

Ano da
 matrícula

Mês da
matrícula

Matrícula

valor

2014…

2014

2003

Setembro

…-…-…

52,00

2014 …

2014

2003

Setembro

…-…-…

32,00

2014 …

2014

2000

Setembro

…-…-…

32,00

2014 …

2014

2002

Setembro

…-…-…

65,17

2014 …

2014

2002

Setembro

…-…-…

52,00

2014 …

2014

2004

Setembro

…-…-…

32,00

2014 …

2014

2004

Setembro

…-…-…

52,00

2014 …

2014

2006

Outubro

…-…-…

32,00

2014 …

2014

2006

Outubro

…-…-…

32,00

2014 …

2014

2006

Outubro

…-…-…

32,00

2014 …

2014

2009

Outubro

…-…-…

52,00

2014 …

2014

2004

Outubro

…-…-…

52,00

2014 …

2014

2004

Outubro

…-…-…

32,00

2014 …

2014

2004

Outubro

…-…-…

32,00

2014 …

2014

2004

Outubro

…-…-…

52,00

2014 …

2014

2000

Outubro

…-…-…

35,41

2014 …

2014

2002

Outubro

…-…-…

32,00

2014 …

2014

2003

Outubro

…-…-…

41,72

2014 …

2014

2005

Outubro

…-…-…

52,00

2014 …

2014

2003

Outubro

…-…-…

32,00

2014 …

2014

2003

Outubro

…-…-…

52,00

2014 …

2014

2003

Outubro

…-…-…

20,78

2014 …

2014

2004

Outubro

…-…-…

52,00

2014 …

2014

1999

Outubro

…-…-…

140,34

2014  …

2014

2001

Outubro

…-…-…

41,72

2014 …

2014

2008

Novembro

…-…-…

95,23

2014 …

2014

2002

Novembro

…-…-…

52,00

2014 …

2014

2005

Novembro

…-…-…

32,00

2014 …

2014

2004

Novembro

…-…-…

32,00

2014 …

2014

2007

Novembro

…-…-…

32,00

2014 …

2014

2003

Novembro

…-…-…

32,00

2014 …

2014

2003

Novembro

…-…-…

32,00

2014 …

2014

2002

Dezembro

…-…-…

41,72

2014 …

2014

2002

Dezembro

…-…-…

32,00

2014 …

2014

2002

Dezembro

…-…-…

32,00

2014 …

2014

2002

Dezembro

…-…-…

32,00

2014 …

2014

2002

Dezembro

…-…-…

32,00

2014 …

2014

2009

Dezembro

…-…-…

32,00

2014 …

2014

2009

Dezembro

…-…-…

52,00

2014 …

2014

2008

Dezembro

…-…-…

32,00

2014 …

2014

2003

Dezembro

…-…-…

32,00

2015 …

2014

2003

Dezembro

…-…-…

52,00

2014 …

2014

2000

Dezembro

…-…-…

32,00

2014 …

2014

2000

Dezembro

…-…-…

32,00

2014 …

2014

2004

Dezembro

…-…-…

52,00

2014 …

2014

2004

Dezembro

…-…-…

32,00

2014 …

2014

2004

Dezembro

…-…-…

52,00

2014 …

2014

1999

Dezembro

…-…-…

32,00

2014 …

2014

2005

Dezembro

…-…-…

32,00

2015 …

2015

2003

Janeiro

…-…-…

55,31

 

 

Quadro II – Vendas – Reclamação graciosa n.º …2015…

Nº da liquidação

Ano do
Imposto

Ano da
 matrícula

Mês da
matrícula

Matrícula

Montante
 pago

2013 …

2013

2002

Dezembro

…-…-…

33,36

2013 …

2013

2003

Dezembro

…-…-…

33,35

2013 …

2013

2002

Dezembro

…-…-…

33,35

2013 …

2013

2002

Dezembro

…-…-…

33,35

2013 …

2013

2008

Dezembro

…-…-…

33,35

2013 …

2013

2002

Dezembro

…-…-…

33,35

2013 …

2013

2002

Dezembro

…-…-…

36,54

2015 …

2015

2006

Dezembro

…-…-…

52,00

 

                                                          

Quadro III – Furtos – Reclamação graciosa n.º …2015…

Nº da liquidação

Ano do
Imposto

Ano da
matrícula

Mês da
matrícula

Matrícula

Montante
pago

2014…

2014

2003

Outubro

…-…-…

17,64

2014…

2014

2007

Outubro

…-…-…

52,00

2014 …

2014

2009

Dezembro

…-…-…

94,50

2015 …

2015

2000

Janeiro

…-…-…

52,00

 

 

Quadro IV – Sinistros – Reclamação graciosa n.º …2015…

Nº da liquidação

Ano do
Imposto

Ano da
matrícula

Mês da
matrícula

Matrícula

Montante
pago

2013 …

2013

2003

Dezembro

…-…-…

18,21

2013 …

2013

2006

Dezembro

…-…-…

53,16

 

 

 

A Requerente peticiona, ainda, o reconhecimento do direito ao  reembolso dos montantes que considera ter  indevidamente pago respeitantes às liquidações, acrescido de juros indemnizatórios.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em  5.01.2016.

 

3. Verificando-se a inexistência de  qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada  a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis.

 

4. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, sinteticamente, os seguintes:

 

a.       A Requerente é uma sociedade comercial que exerce a atividade de aluguer de veículos automóveis e a prestação de serviços conexos.

b.      No âmbito da sua atividade, a Requerente celebra contratos de aluguer de veículos e, no termo do contrato, procede diversas vezes à sua venda aos clientes.

c.       Os veículos indicados no “Quadro I” e no “Quadro II” supra foram objeto de venda a clientes da Requerente.

d.      Aquelas vendas ocorreram em data anterior ao facto gerador do imposto nos anos de 2013 a 2015.

e.       Por sua vez, no que concerne aos veículos indicados no “Quadro III”, os mesmos foram objeto de furtos na vigência dos contratos de aluguer dos veículos, tendo sido considerados pelas seguradoras como “Perda Total”, conforme cópia das respetivas faturas e correspondência que se juntam.

f.       Já os veículos indicados no “Quadro IV” foram objeto de sinistros (acidentes) na vigência dos contratos de aluguer dos veículos, tendo sido considerados pelas seguradoras como “Perda Total” e a estas alienados os respetivos “salvados”, conforme cópia das faturas e correspondência das seguradoras que se juntam.

g.      Rececionadas as referidas comunicações pelas seguradoras, a Requerente procedeu à entrega de toda a documentação legal necessária ao cancelamento, por estas, das matrículas dos veículos junto das autoridades rodoviárias competentes, nos termos do disposto no artigo 41.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto e do artigo 119.º, n.º 8, do Código da Estrada.

h.      As situações em causa também ocorreram em data anterior ao facto gerador do imposto nos anos de 2013 a 2015.

i.        No decurso dos anos de 2012, 2013 e 2014 a Requerente foi sendo notificada de várias liquidações adicionais de IUC respeitantes a veículos que alienara a clientes antes da data do respetivo facto gerador do imposto.

j.        Na origem das referidas liquidações adicionais estava o entendimento da administração tributária de a ora Requerente se encontrar registada no Registo Automóvel como proprietária dos veículos em apreço, o que, para os serviços da administração tributária, é quanto basta para que a Requerente deva ser considerada proprietária dos veículos e, como tal, o sujeito passivo do IUC.

k.      Confrontada com a situação descrita, não obstante discordar do entendimento da administração tributária por não ser o sujeito passivo do IUC devido e antecipando a emissão de futuras liquidações adicionais de IUC, procedeu a Requerente, à cautela, à autoliquidação e entrega ao Estado do IUC respeitante aos veículos acima identificados.

 

5. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se, em síntese, com os fundamentos seguintes:

 

POR EXCEÇÃO

Da cumulação ilegal de pedidos

 

a.       No âmbito do pedido de pronúncia arbitral vem a Requerente cumular os pedidos em causa alegando que a procedência destes depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação das normas legais acerca da incidência subjetiva do IUC.

b.      Salvo douta opinião em contrário, não poderemos concordar com a tese sustentada pela Requerente, porquanto determina o artigo 3.º/1 do RJAT que «a cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.»

c.       Porém, no caso vertente não se encontra verificada a existência das mesmas circunstâncias de facto dado que, ainda que se possa alvitrar que os procedimentos factuais possam ser transversais a todas as liquidações, o que é certo é que estamos perante veículos diferentes, com datas de transmissão diferentes, a proprietários totalmente diferentes, por valores completamente diferenciados e, sobretudo, com fundamentos de transmissão diferentes (vendas versus furtos versus veículos sinistrados).

d.      Consequentemente, a cumulação efetuada pela Requerente é ilegal, não devendo ser a mesma admitida por parte do Tribunal Arbitral, o qual deverá notificar a Requerente nos termos e para os efeitos do artigo 47.º/5 do Código de Processo nos Tribunais  Administrativos, sob cominação de absolvição da instância.

 

À cautela e sem conceder,

 

Da extemporaneidade parcial do pedido de pronúncia arbitral

 

e.       Suscita-se também a exceção da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral

deduzido pela Requerente no que tange a um dos procedimentos graciosos, a saber a Reclamação Graciosa n.º …2015… .

f.       Com efeito, naquele procedimento administrativo a Requerida procedeu à notificação da Requerente da decisão de indeferimento por ofício datado de

2015-07-02 (cfr. fls. 159 do Processo Administrativo referente à Reclamação Graciosa n.º …2015…) tendo tal notificação foi recebida pela Requerente a 2015-07-10.

g.      Nos termos do artigo 10.º/1-a) do RJAT, o pedido de pronúncia arbitral deve ser apresentado no prazo de 90 dias a contar da notificação da decisão de indeferimento da  Reclamação Graciosa.

h.      Considerando que, nos termos da lei, o prazo se iniciou no dia seguinte ao da notificação (i.e.,a 2015-07-11), forçoso é concluir que o pedido de pronúncia arbitral deveria ter sido apresentado até 2015-10-08.

i.        Porém, tal não sucedeu no que tange à Reclamação Graciosa n.º …2015…, porquanto o pedido de pronúncia arbitral apenas foi apresentado no Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) a 2015-10-12.

j.        Assim, não tendo a Requerente deduzido atempadamente o pedido de pronúncia arbitral relativamente àquela Reclamação Graciosa gerou-se a consolidação definitiva na ordem jurídica da respetiva decisão de indeferimento, pois ‘tempus regit actum’.

k.      Como tal, fica agora vedada à Requerente a possibilidade de ver sindicada nestes autos a legalidade dos atos tributários subjacentes àquela reclamação e ora por si colocados em crise, sob pena de fraude à lei.

 

Sem conceder,

 

POR IMPUGNAÇÃO,

 

l.        Salvo o devido respeito, entendemos que as alegações da Requerente não podem de todo proceder, porquanto faz uma interpretação e aplicação das normas legais subsumíveis ao caso sub judice notoriamente errada.

m.    Efetivamente, o entendimento propugnado pela Requerente incorre não só de uma enviesada leitura da letra da lei, como da adoção de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal e decorre ainda de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC.

n.      Com efeito, estabelece o n.º 1 do artigo 3.º do CIUC que «São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados».

o.      Nestes termos, é imperativo concluir que, no caso dos presentes autos de pronúncia arbitral, o legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que se consideram como tais [como proprietários ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas] as pessoas em nome das quais os mesmos [os veículos] se encontrem registados, porquanto é esta a interpretação que preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal.

p.      Todavia, ainda que assim não se entenda – o que somente por mera hipótese académica se admite – e aceitando-se ser admissível a ilisão da presunção à luz da jurisprudência já entretanto firmada neste centro de arbitragem, o certo é que dos documentos constantes dos autos e juntos pela Requerente não resulta a prova dos factos alegados tendentes à ilisão da presunção.

 

 

6. Na sequência das exceções suscitadas pela Requerida  a Requerente respondeu por escrito, em síntese, do modo seguinte:

 

a.       No que respeita à exceção de cumulação ilegal de pedidos invoca-se na douta Resposta que o pedido de pronúncia arbitral não cumpre com os pressupostos estabelecidos no artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, porquanto “(…) não se encontra verificada a existência das mesmas circunstâncias de facto (…)” (cf. artigo 8.º da Resposta) mas,  salvo o devido respeito, não assiste razão à Requerida.

b.      Desde logo, o artigo 3.º do RJAT não exige, contrariamente ao que surge alegado, a existência das mesmas circunstâncias de facto.

c.       Efetivamente, a norma em causa admite a cumulação de pedidos sempre que a “(…) a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito” (sublinhado nosso).

d.      A este respeito, refere JORGE LOPES DE SOUSA que “Não é necessário, para ser viável a cumulação de pedidos e a coligação de autores, que haja uma identidade absoluta das situações fácticas, bastando que seja essencialmente idêntica a questão jurídico-fiscal a apreciar e que a situação fáctica seja semelhante nos pontos que relevem para a decisão” (cf. Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, p. 147).

e.       Assim, para que a cumulação de pedidos seja admitida, é suficiente que a questão jurídico-fiscal a apreciar seja a mesma, bem como semelhante a situação fáctica relevante para a decisão e  estes requisitos encontram-se verificados no caso sub judice pois que  em qualquer uma das situações apresentadas nos autos, a questão jurídico-fiscal a decidir é a de saber se, incidindo o IUC sobre os proprietários do veículo à data do facto gerador do imposto e tratando-se a regra prevista no artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC de uma presunção legal ilidível mediante prova em sentido contrário, a demonstração pela Requerente de que já não é proprietária dos veículos em causa desde data anterior à verificação do facto gerador do imposto nos anos em causa é quanto basta para concluir não ser o sujeito passivo do imposto.

f.       Não se verifica, pois, contrariamente ao invocado pela Requerida, qualquer cumulação ilegal de pedidos.

g.      Razão pela qual deve ser julgada improcedente a invocada exceção de cumulação ilegal de pedidos.

 

 

h.      Invoca-se ainda na douta Resposta a extemporaneidade parcial do pedido de pronúncia arbitral apresentado, relativamente à contestação da decisão e respetivos atos tributários objeto do procedimento de reclamação graciosa n.º …2015… .

i.        De acordo com a entidade Requerida, a Requerente foi notificada em 10.07.2015 da decisão de indeferimento da referida reclamação graciosa, pelo que o pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 12.10.2015, deve ser julgado intempestivo no que respeita à contestação da legalidade da decisão e respetivos atos tributários, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT (cf. artigos 14.º a 17.º da Resposta).

j.        Salvo o devido respeito, face ao invocado e concretamente evidenciado pela Requerida, não pode a Requerente concordar com a exceção arguida.

k.      Com efeito, compulsado o processo administrativo instrutor junto aos autos, constata-se que do mesmo não consta qualquer cópia do aviso de receção que terá sido assinado pela Requerente, ao qual alude a Requerida no artigo 14.º da sua Resposta.

l.        Enquanto se mantiver a falta de junção aos autos de cópia do aludido aviso de receção, e uma vez que a cópia do registo postal disponível na Internet que a Requerida junta à sua Resposta não é clarificadora quanto à identidade de quem assinou o aviso de receção – tal cópia alude, apenas, à receção por parte de “B…” 

 

 

7. Notificadas as partes para o efeito a Requerida apresentou alegações escritas, nas quais manteve, no essencial, o alegado em sede de resposta.

A Requerente não apresentou alegações.

 

8. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

9. Cumpre solucionar  as seguintes questões:

a) Exceção de  cumulação ilegal de pedidos

b) Exceção de  extemporaneidade parcial do pedido de pronúncia arbitral

c) Se são ilegais e em consequência devem ser anuladas as liquidações objeto do presente processo.

d) Se deve a  Requerida ser condenada a restituir à Requerente  as quantias pagas, correspondentes às liquidações objeto do presente processo.

e) Se deve a Requerida ser condenada a pagar à Requerente juros indemnizatórios.

 

II. Saneamento

 

10. Exceção de  cumulação ilegal de pedidos

 

O artigo 3.º do RJAT admite a cumulação de pedidos sempre que a “(…) a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.

 

A este respeito, refere JORGE LOPES DE SOUSA que “Não é necessário, para ser viável a cumulação de pedidos e a coligação de autores, que haja uma identidade absoluta das situações fácticas, bastando que seja essencialmente idêntica a questão jurídico-fiscal a apreciar e que a situação fáctica seja semelhante nos pontos que relevem para a decisão” (cf. Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, p. 147).

 

Também na decisão do processo 3/2015-T que correu neste Centro de Arbitragem se pode ler que:

Segundo o entendimento da requerida, a cumulação de pedidos tem um alcance limitado pressupondo identidade de circunstâncias de facto.

Não é esse, todavia, o espírito da norma em causa, o que resulta, desde logo, da expressão “essencialmente” de que aquele preceito se socorre, do que decorre que o que se exige é que haja semelhança dos pontos fácticos da questão jurídica-fiscal a apreciar.”

 

Segundo o Ac. STA de 06-03-2013 – Proc. 0327/12, a propósito da coligação de pedidos na impugnação judicial são: “exigências de racionalidade de meios, da celeridade da decisão e até para evitar decisões contraditórias, que tudo aponta também no sentido das liquidações em causa serem analisadas na mesma acção, devendo o art. 104º do CPPT ser interpretado à luz do princípio pro actione, corolário do direito à tutela judicial efectiva”.

 

No caso em apreço, é  a mesma, no essencial,  a questão jurídica-fiscal a apreciar, ou seja, apurar o alcance da aplicação do n.º 1 do art. 3º do CIUC, no caso de ter ocorrido a perda da  propriedade dos veículos automóveis por parte do proprietário inscrito no registo automóvel, sem o correspondente  registo automóvel.

É, por isso, legal, a cumulação de pedidos efetuada pela requerente, improcedendo a exceção invocada pela requerida.

 

11. Exceção de  extemporaneidade parcial do pedido de pronúncia arbitral

 

A Requerida suscita a exceção da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral

deduzido pela Requerente no que à Reclamação Graciosa n.º …2015… alegando que a  notificação da Requerente da decisão de indeferimento foi feita por ofício datado de 2015-07-02 e que notificação foi recebida pela Requerente a 2015-07-10.

 

Nos termos do artigo 10.º/1-a) do RJAT, em conjugação com o art. 102º, nº 2, do CPPT,  o pedido de pronúncia arbitral deve ser apresentado  no prazo de 90 dias a contar da notificação da decisão de indeferimento da  Reclamação Graciosa.

 

Adianta  a Requerida, considerando que, nos termos da lei, o prazo se iniciou no dia seguinte ao da notificação ( 2015-07-11) e que  o pedido de pronúncia arbitral deveria ter sido  apresentado  no prazo de 90 dias a contar da notificação da decisão de indeferimento da  Reclamação Graciosa, que é de  é concluir que o pedido de pronúncia arbitral deveria ter sido apresentado até 2015-10-08 (quinta feira), o que não ocorreu, porquanto o pedido de pronúncia arbitral apenas foi apresentado no Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) a 2015-10-12.

 

Todavia, como bem salienta a Requerente, compulsado o processo administrativo instrutor junto aos autos, constata-se que do mesmo não consta qualquer cópia do aviso de receção que terá sido assinado e, por outro lado, a cópia do registo postal disponível na Internet que a Requerida junta à sua Resposta não é clarificadora quanto à identidade de quem assinou o aviso de receção – tal cópia alude, apenas, à receção por parte de “B…”.

 

Ora, como refere Jorge Lopes de Sousa “A notificação da sociedade por carta registada, com ou sem aviso de recepção, deverá ser feita em nome da própria sociedade, mas tem de ser feita em  determinadas pessoas físicas[1].

Ora, não pode ter-se por provada  a notificação da requerente , quando o único documento constante dos autos a tal respeito menciona  que a receção foi feita por outra pessoa coletiva, no caso o “B…”.

De resto, decorre do nº 4, do art. 39º, do CPPT, que nas notificações com aviso de receção o distribuidor do serviço postal procederá à notificação das pessoas referidas no número anterior  por anotação do bilhete de identidade ou de outro documento oficial, o que não se demonstra ter ocorrido no caso em apreço, bem pelo contrário.

Nestas condições a notificação em causa não se pode ter como validamente efetuada em 10.07.2015 pelo que, em consequência, improcede a exceção de caducidade do direito de ação suscitada pela Requerida.

 

 

III – A matéria de facto relevante

 

12. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a) A Requerente é uma sociedade comercial que exerce a atividade de aluguer de veículos automóveis e a prestação de serviços conexos.

 

b) No âmbito da sua atividade, a Requerente celebra contratos de aluguer de veículos e, no termo do contrato, procede diversas vezes à sua venda aos clientes.

 

c) A Requerida efetuou as liquidações indicadas  nos quadros I, II, III e IV, acima descritos, tendo como sujeito passivo a Requerente:

 

d) As liquidações constantes do quadro I  foram objeto da  Reclamação graciosa n.º …2015…, apresentada pela Requerente.

 

e) As liquidações constantes do quadro II  foram objeto da  Reclamação graciosa n.º  …2015…, apresentada pela Requerente.

 

f)  As liquidações constantes do quadro III foram objeto da  Reclamação graciosa n.º …2015…, apresentada pela Requerente.

 

g) As liquidações constantes do quadro  IV foram objeto da  Reclamação graciosa n.º …2015…, apresentada pela Requerente.

 

h) Na data dos factos tributários em causa os veículos automóveis identificados nos quadros acima mencionados estavam inscrito no registo automóvel em nome da Requerente.

 

i)  As liquidações objeto do presente processo foram pagas pela Requerente.

 

FACTOS NÃO PROVADOS

 

13. Com relevância para a decisão da causa não que provaram os seguintes factos:

 

- Que os veículos indicados no “Quadro I” e no “Quadro II” tenham sido  objeto de venda a clientes da Requerente,  em datas anteriores às dos correspondentes factos tributários.

-  Que os veículos indicados no “Quadro III” tenham sido objeto de furtos na vigência dos contratos de aluguer dos veículos tendo sido considerados pelas seguradoras como “Perda Total” em datas anteriores às dos correspondentes factos tributários a que respeitam as liquidações  e  que a Requerente tenha recebido  indemnização.

- Que os veículos indicados no “Quadro IV” tenham sido  objeto de sinistros (acidentes) na vigência dos contratos de aluguer dos veículos, tendo sido considerados pelas seguradoras como “Perda Total” e a estas alienados os respetivos “salvados”.

-Que rececionadas as comunicações pelas seguradoras, a Requerente procedeu à entrega de toda a documentação legal necessária ao cancelamento, por estas, das matrículas dos veículos junto das autoridades rodoviárias competentes.

 

FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

 

14.Relativamente à matéria de facto provada a convicção do Tribunal fundou-se nos documentos constantes do processo e não impugnados pelas partes, sendo de salientar inexistir controvérsia,  relativamente à ocorrência dos mesmos.

No que concerne à matéria de facto dado como não provada, relativamente  aos veículos automóveis identificados nos quadros I e II, a decisão da matéria de facto  baseia-se, relativamente à generalidade das alegadas faturas apresentadas para prova das invocadas transações, na circunstância das mesmas fazerem  referência ao Decreto-Lei nº 102/2008 e  a “Software em processo de certificação pela AT”, quando tais faturas foram supostamente emitidas em datas anteriores à aprovação do Decreto-Lei em causa, e à entrada em vigor do processo de certificação de software pela AT e relativamente  à totalidade das faturas apresentadas à circunstância de todas mencionarem “documento válido após boa cobrança”, sem que tenha sido feita qualquer prova da cobrança das quantias nelas inscritas, facto só por si bastante para excluir a produção de  prova da venda, por parte das faturas.

Assim sendo, embora, em tese, não se exclua que a fatura possa ser um documento idóneo para prova da ocorrência da venda de um veículo automóvel, no caso concreto, tal não se verifica, pelas razões apontadas.

 

Relativamente aos veículos indicados no quadro III, entende o Tribunal que a prova constante dos autos não é suficiente para criar a convicção da ocorrência dos mesmos. Designadamente, não foi junto pela Requerente qualquer fatura ou recibo respeitantes às alegadas indemnizações recebidas, mas apenas “movimentos  internos” e um “nota de crédito”, dirigidas às seguradoras mas sem indicação de emitente. Acresce que, apesar de constarem dos autos comunicações de companhias de seguros,  não consta  qualquer documento  representativo  de efetiva concretização de acordos de indemnização com tais companhias, nem qualquer documentos respeitante ao  abate dos veículos nos termos da lei.

 

Relativamente  às liquidações constantes do quadro  IV, ambas fazem referência ao Decreto-Lei nº 102/2008, sendo que a fatura referente à viatura …-…-… , com data de 01.01.2005, refere em detalhes “valor do salvado indemnização perda total”, constando ainda “documento válido após boa cobrança.Pagamento imediato por cheque” e “Software em processo de certificação pela AT”.

Relativamente à viatura …-…-… , a fatura é datada de 01.04.2011, constando também  em detalhes “valor do salvado indemnização perda total”, constando ainda “documento válido após boa cobrança. Pagamento imediato por cheque”.

Também relativamente a estas viaturas não foi feita qualquer prova da boa cobrança da quantia mencionada acrescendo, relativamente à viatura …-…-…, a circunstância da suposta fatura mencionar um Decreto-Lei qua apenas viria a ser aprovado muito tempo após a sua data, o que lhe reteria qualquer credibilidade.

Em todo o caso, nenhuma das faturas seria idónea a provar o transação em causa uma vez que não foi feita prova do pagamento que, nos termos das mesmas, eram condição da sua própria validade. Acresce que,  também não foi produzida qualquer prova de que a Requerente procedeu à entrega de toda a documentação legal necessária ao cancelamento, pelas seguradoras, das matrículas dos veículos junto das autoridades rodoviárias competentes.

 

 

-IV- O Direito aplicável

 

15. Nos termos do artigo 3.º, n.º 1 do Código do IUC, “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.”[2]

 

A questão que se coloca, face a este preceito, prende-se com a questão de saber se a pessoa em nome de quem está registada a propriedade dos veículos, poderá provar, apesar de tal circunstância, que não era proprietária do mesmo à data do facto tributário, para efeitos de afastar a qualidade de sujeito passivo do imposto.

 

16. A jurisprudência arbitral tributária  é pacífica no sentido de que o art. 3º, nº 1, do CIUC consagra uma presunção ilidível, posição que acompanhamos.

Neste sentido, entre muitas outras, foram as decisões proferidas nos processo arbitrais números 26/2013-T, 27/2013-T, 14/2013-T, 170/2013-T, 256/2013-T, 286/2013-T e 289/2013-T, 140/2014-T, 228/2014-T, 230/2014-T, 333/2014-T, 366/2014-T, 350/2014-T e 680/2014-T[3]

 

 

17.No caso em apreço, as autoliquidações foram feitas, atendendo ao  facto base da presunção.

A Requerente propôs-se ilidir a mesma, com a demonstração de que já não seria proprietária dos  veículos automóveis em causa, na  data  dos factos tributários. Acontece, porém, que tal prova não foi feita, como resulta da decisão proferida em sede de matéria de facto.

Assim sendo,  não tendo sido ilidida a presunção estabelecida no art. 3º, nº 1, do CIUC, inexiste o fundamento invocado no pedido de pronúncia arbitral  para a anulação dos atos de liquidação em causa, o que acarreta, necessariamente, a improcedência das demais pretensões da Requerente.

 

 

-IV- Decisão

 

 

Assim, decide o Tribunal arbitral não decretar a anulação das liquidações ajuizadas e, em consequência,  julgar totalmente improcedente o pedido de pronuncia arbitral.

 

Valor da ação: € 2.725,56 (Dois mil, setecentos e vinte e cinco euros e cinquenta e seis cêntimos),  nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A,n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

 

Custas pela Requerente no valor de 612€ (seiscentos e doze euros) nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

 

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, CAAD, 2 de Maio de 2016

 

 

O Árbitro

 

Marcolino Pisão Pedreiro

                       

 



[1]                      Código de Procedimento  e  Processo Tributário anotado, 4ª Ed., Vislis, 2003, pag. 234.

[2]                      Dispõe, ainda,  o nº 2 do mesmo artigo que “São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”.

[3]                      Consultáveis em  https://www.caad.pt/tributario/tributario-jurisprudencia.