Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 609/2015-T
Data da decisão: 2016-05-02  IRC  
Valor do pedido: € 339.394,43
Tema: IRC - Princípio da especialização dos exercícios; Preços de transferência.
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros Conselheiro José Baeta Queiroz (árbitro-presidente), Dr. Rui Ferreira Rodrigues e Professor Doutor João Ricardo Catarino, árbitros adjuntos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 02 de Fevereiro de 2015, acordam no seguinte:

 

 

 

I.     Relatório

1.      “A…,Portugal SA”, pessoa coletiva n.º …, com sede na Rua…, n.º…, …, concelho de Santa Maria da Feira, (doravante “Requerente”), apresentou, em 21 de setembro de 2015, pedido de constituição de tribunal arbitral coletivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 95.º da Lei Geral Tributária (LGT), 99.º, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), 137.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), 2.º e 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por «RJAT») e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

2.      A pretensão objeto do pedido de pronúncia arbitral consiste na apreciação da legalidade da liquidação adicional do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) n.º 2015…, de 23 de abril de 2015, referente ao ano de 2010, no montante total de 4 766,28 €, correspondendo 4 052,79 € a IRC e 713,49 € a juros compensatórios, da qual decorre uma dívida tributária no montante total de 5 804,42 €, constante da demonstração de acerto de contas a que se refere a compensação n.º 2015…, de 24 de abril de 2015 (doc.s n.ºs 1 e 2 juntos ao pedido de pronúncia arbitral).

3.      A Requerente peticiona que a correção de IRC, determinada na sequência da inspeção tributária interna n.º O12014…, no montante de 339 394,93 €, seja declarada ilegal, e na sequência da procedência do pedido:

i)     A anulação da mencionada liquidação, atenta a ilegalidade das referidas correções aritméticas;

ii)   A anulação da liquidação dos juros compensatórios por falta de preenchimento dos pressupostos legais previstos no artigo 35.º da LGT;

iii) A restituição do valor indevidamente pago no montante de 5 804,15 €;

iv) O pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT; e

v)   A condenação da AT ao pagamento das custas do processo arbitral.

4.      Ao pedido de pronúncia arbitral foram juntos dezanove documentos, numerados de 1 a 3 e 265 a 280.

5.      A Requerente protestou juntar 216 documentos com os n.ºs 4 a 264, cfr. artigo 9.º do pedido de pronúncia arbitral, o que não foi feito, até ao momento, apesar de nas suas alegações finais dito que os juntara à petição inicial, cfr. alínea v) da parte II, a pág. 3.

6.      O pedido de constituição de tribunal arbitral coletivo foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 01 de outubro de 2015.

7.      A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo.

8.      Em 17 de novembro de 2015, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo arguido qualquer impedimento, nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

9.      Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), n.º 1, artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo ficou constituído em 02 de dezembro de 2015.

10.  A Requerida foi notificada, por despacho arbitral de 02 de dezembro de 2015, para, nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do RJAT e no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional.

11.  Em 19 de janeiro de 2016 a Requerida juntou aos autos cópia do processo administrativo referido no n.º 2 do artigo 17.º do RJAT e n.º 1 do artigo 111.º do CPPT, constituído pelas folhas numeradas de 1 a 326.

12.  Em 20 de janeiro de 2016 a Requerida apresentou resposta em que se defendeu por impugnação, pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

13.  Requereu ainda a dispensa da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

14.  Face aos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidades processuais, ínsitos no n.º 2 dos artigos 19.º e 29.º do RJAT, e considerando que as Partes não requereram a produção de qualquer prova, foi dispensada a referida reunião, prosseguindo o processo com alegações escritas facultativas, de forma sucessiva para a Requerida.

15.  Em 03 de fevereiro de 2016, as Partes foram notificadas para, no prazo de vinte dias, apresentarem alegações finais escritas.

16.  O que a Requerente fez em 26-02-2016.

17.  E a Requerida em 29-03-2016.

18.  Foi ainda designada a data de 03 de junho de 2016 para a prolação da respetiva decisão arbitral final.

19.  As Partes foram notificadas desse despacho em 08 de abril de 2016.

 

 

 

 

II.  Saneamento

1.    As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e estão devidamente representadas.

2.    O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

3.    O processo não enferma de quaisquer nulidades.

    

 

 

III.             Posição das Partes

Incumprimento do princípio da especialização dos exercícios

 

Posição da Requerente:

- Como consta do Relatório da Inspeção Tributária, a Administração Tributária determinou uma correção no valor de 1 900,46 € ao lucro tributável do exercício de 2010 apurado pela Requerente, com fundamento no incumprimento do princípio da especialização dos exercícios.

 

- Tal correção refere-se aos custos de transporte suportados com a devolução de mercadoria documentada pela nota de crédito n.º …/…, de 26 de Fevereiro de 2010, e motivada por falhas em testes de controlo de qualidade levados a cabo nos Estados Unidos da América.

 

- Em 26 de Fevereiro de 2010, no âmbito da relação comercial mantida com a B…, a Requerente procedeu à emissão da referida nota de crédito, no valor de 168 295,00 €, relativa a mercadorias que chumbaram em testes de controlo de qualidade levados a cabo nos Estados Unidos da América pela C… USA INC e foram consequentemente objeto de devoluções por esta.

 

- Tais mercadorias haviam sido vendidas pela Requerente à B… e à D…, LTD. (posteriormente incorporada por fusão na E…) nos anos de 2008 e 2009, sendo destinadas ao mercado norte-americano.

 

- A referida mercadoria, objeto da nota de crédito n.º …/…, foi agrupada num único contentor e devolvidas dos Estados Unidos da América para Portugal, sendo expedida, a 21 de Outubro de 2009, por via marítima desde Houston, Texas, para o porto de Leixões, de onde foi subsequentemente transportada por via rodoviária para as instalações da Requerente em…, onde chegou a 24 de Novembro de 2009.

 

- Os custos incorridos com o transporte inerente à referida devolução física das mercadorias, no valor de 1 900,46 €, foram sendo objeto de débito à Requerente pelas suas Clientes, para que esta os suportasse, à medida que se verificaram os chumbos nos correspondentes testes de controlo de qualidade, sem prejuízo da devolução física ter ocorrido apenas, como acima referido, no final de 2009 e num só transporte contentorizado.

 

- Só após a receção e exame da mercadoria devolvida, a Requerente assumiu os respetivos custos de transporte e emitiu a correspondente nota de crédito n.º …/…, a 26 de Fevereiro de 2010, registando contabilisticamente tais custos também apenas nesse momento.

 

- Muito embora reconhecendo a Requerente ter registado os custos de transporte inerentes à devolução de mercadorias por referência ao momento da emissão da correspondente nota de crédito (início de 2010) e não ao momento da receção das mercadorias devolvidas (final de 2009) –, o princípio da especialização dos exercícios não pode deixar de ser matizado pelo princípio da justiça – com acolhimento constitucional e legal, respetivamente no artigo 266.º, n.º 2, da CRP e no artigo 55.º da LGT.

 

- Com efeito, o princípio da especialização dos exercícios não se reveste de uma rigidez total e absoluta, de tal modo a que conduza à penalização dos contribuintes que não causaram qualquer lesão ao erário público e que, pelo contrário, apuraram e pagaram IRC sobre proveitos antecipada e erroneamente – beneficiando indevidamente os cofres do Estado.

 

- Constata-se contudo que, na situação que está na origem da correção em apreço, essas despesas de transporte não foram pela Requerente relevadas como custo fiscal no mesmo ano em que a devolução teve lugar (2009), mas apenas no ano de emissão da nota de crédito que documentou a anulação da venda de mercadorias subjacente (2010).

 

- Significa isto que, no apuramento do resultado tributável para efeitos de IRC do exercício de 2010 foram relevados a título de custo 1 900,46 € que, em bom rigor, deveriam antes ter sido considerados no apuramento do resultado tributável para efeitos de IRC do exercício de 2009.

 

- Todavia, tal constatação implica também a conclusão de que o resultado tributável do exercício de 2009 permaneceu artificialmente elevado, na exata medida da redução do resultado de 2010 ocasionada pelo custo que a Administração Tributária pretende corrigir.

 

- Por outras palavras, como invocado pela Requerente em sede de audição prévia, o seu registo extemporâneo de custos em nada lesou a Fazenda Pública, antes pelo contrário: determinou o apuramento de matéria tributável de 2009 em excesso – situação cuja reparação tardia, apenas em 2010, só prejudicou patrimonialmente a Requerente –, motivo pelo qual a Administração Tributária se deveria abster de efetuar a correção projetada, sob pena de criar uma situação manifestamente injusta, de dupla penalização patrimonial da Requerente.

 

- Ora, atenta a situação em apreço, perante a constatação da consideração extemporânea de custos em 2010, ou a Administração Tributária corrigia também e correlativamente, estando em prazo, o exercício de 2009, ou se abstinha de promover qualquer correção ao exercício de 2010, por injusta.

 

- O que a Administração Tributária não pode pretender é desconsiderar, pura e simplesmente, a componente negativa do lucro tributável do ano de 2010, mantendo intocada a tributação em 2009, quando, desde logo perante a documentação apresentada em sede de direito de audição mas também à luz do teor do Relatório Final da Inspeção Tributária, não existe qualquer dúvida quanto à ocorrência e justificação dos custos em causa.

 

- Dessa forma, ao proceder à correção do referido montante de 1 900,46 €, a Administração Tributária violou o disposto no artigo 55.º da LGT e, sobretudo, no artigo 266.º, n.º 2, da CRP, nos termos do qual:

«os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no  exercício  das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé».

 

- O princípio da justiça impõe assim que a Administração Tributária se não alheie das consequências práticas que da sua própria atuação possam resultar, devendo abster-se da prática de atos de que resulte a violação de princípios constitucionalmente protegidos.

 

- Ao contrário do entendimento expressamente assumido no Relatório da Inspeção Tributária, é evidente que a Administração Tributária se encontra vinculada àqueles imperativos constitucionais e não apenas à estrita legalidade formal decorrente da legislação ordinária.

 

- Esta posição é, aliás, decorrente da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos da qual o princípio da especialização deverá, em situações excecionais, como a vertente, ceder perante o princípio da justiça.

 

- Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 291/08, de 25 de Junho de 2008, a respeito da rigidez do princípio da especialização: «a predita rigidez ainda por outros caminhos deve ser atenuada. O que tem tido eco tanto na doutrina como na jurisprudência e, até, na própria administração fiscal […].

Assim, sem pôr em causa a relevância fiscal do princípio da especialização dos exercícios, permite-se a imputação de custos a exercícios anteriores, quando ela não tenha resultado de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios […].

Tanto mais que, em princípio, do diferimento da contabilização dos custos só resultaram prejuízos para o contribuinte, pois só viu o lucro tributável desonerado de tais custos em momento posterior àquele em que tal deveria ter ocorrido».

 

- No mesmo sentido, importa atentar no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 1648/02, de 2 de Maio de 2003:

«Na verdade, há que ter em conta o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (vide artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT).

[…]

Por outro lado, é também evidente que o Estado não foi prejudicado pela atividade da recorrente, pois o que aconteceu é que esta contabilizou como custos as férias, só que não o fez corretamente. Ou seja, os quantitativos – certos embora – não foram levados aos exercícios correspondentes.

Mas daí, como se disse, não resulta prejuízo para o Estado.

Ora, e a seguir-se o entendimento sufragado pela Administração que mereceu o aval do Mm. Juiz, quem sairia intoleravelmente prejudicado seria o administrado, por isso que não poderia agora contabilizar como custos, aquilo que efetivamente suportou.

E, como vimos a AF limitou-se a corrigir o erro referente ao exercício aqui em questão, retirando os custos, mas não fazendo acrescer os efetivamente suportados, não corrigindo assim os exercícios atingidos pela correção, se levados às últimas consequências.

Ora, manifestamente não é justo beneficiar a administração e prejudicar o administrado».

- A referida jurisprudência encontra sustento na doutrina há muito defendida, nomeadamente, por LEITE DE CAMPOS, SILVA RODRIGUES e LOPES DE SOUSA, segundo a qual:

«Esta é uma situação em que o exercício de um poder vinculado (correcção da matéria colectável em face da violação do princípio da especialização dos exercícios) conduz a uma situação flagrantemente injusta e em que, por isso, se coloca a questão de fazer operar o “princípio da justiça”, consagrado nos arts. 266.º, n.º2 da C.R.P. e 50.º da L.G.T., para obstar à possibilidade de efectuar a referida correcção.

Há, nesta situação, dois deveres a ponderar, ambos com cobertura legal: um é o de repor a verdade sobre a determinação da matéria colectável dos exercícios referidos, dando execução ao princípio da especialização, reposição essa que a administração fiscal deve efectuar mesmo que não lhe traga vantagem; outro é o de evitar que a actividade administrativa se traduza na criação de uma situação de injustiça.

Entre esses dois valores, designadamente nos casos em que a administração fiscal não teve qualquer prejuízo com o erro praticado pelo contribuinte, deve optar-se por não efectuar a correcção, limitando aquele dever de correcção por força do princípio da justiça.

Por outro lado, é de notar que numa situação deste tipo não se verifica sequer qualquer interesse público na actuação da administração fiscal, pois não está em causa a obtenção de um imposto devido, pelo que, devendo toda a actividade administrativa ser norteada pela prossecução deste interesse, a administração deveria abster-se de actuar.

Consequentemente, são de considerar anuláveis, por vício de violação de lei, actos de correcção da matéria tributável que conduzam a situações de injustiça deste tipo.

[…]

O princípio da especialização dos exercícios é um instrumento para conseguir obter uma tributação justa, que não pode ser transformado numa armadilha que possibilite à administração tributária cobrar impostos que não são devidos», cfr. LEITE DE CAMPOS, SILVA RODRIGUES e LOPES DE SOUSA, “Lei Geral Tributária Comentada e Anotada”, Lisboa, 2012, Encontro da Escrita, páginas 453 e 454.

 

- Em suma, em face do exposto e com fundamento na violação do princípio da justiça consagrado nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT, deve ser considerada ilegal a correção em referência, o que se invoca para os devidos efeitos legais.

  

Nas alegações apresentadas em 26-02-2016, formula as suas conclusões, pugnando pela integral procedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

 

 

Posição da Requerida:

- A correção positiva efetuada ao lucro tributável, no montante de 1 900,46 €, respeita aos custos de transporte suportados com a devolução das mercadorias referenciadas na nota de crédito n.º …/…, de 26.02, tem como fundamento legal o n.º 1 do artigo 18.º do CIRC.

 

-A mercadoria abrangida pela nota de crédito n.º …/… foi devolvida às instalações da requerente em…, onde chegou em 24.11.2009, tendo sido só após a receção e exame da mercadoria devolvida que foram assumidos os custos de transporte e emitida a correspondente nota de crédito.

 

- A Requerente reconhece que a falta de relevação contabilística resultou de um erro, pois o gasto foi suportado em 2009 – ano da receção das mercadorias devolvidas – mas, invoca em sua defesa, que o princípio da especialização dos exercícios deve ser matizado com o princípio da justiça.

 

- É certo que o princípio da especialização dos exercícios já é encarado pelo legislador com algum grau de flexibilidade, refletida no n.º 2 do artigo 18.º, as admitir que gastos (e outras componentes negativas) relativos a exercícios anteriores possam ser aceites no exercício em que são contabilizados, quando na data do encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputados eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos.

 

- E, na verdade, esses pressupostos não se encontram preenchidos, permitindo, deste modo, concluir que o erro, intencional ou não, traduziu-se na inobservância do princípio da especialização dos exercícios, que poderia ter sido corrigido por iniciativa da requerente e não o foi, tanto mais que à data do encerramento das contas de 2009, já certamente tinha emitido a referida nota de crédito.

 

- Quanto à convocação do princípio da justiça e a sua projeção na aplicação do princípio da especialização dos exercícios, cabe notar que a jurisprudência citada – Acórdão do STA, de 25.06.2008, proc. n.º 291/08, retoma o entendimento administrativo vertido no ofício-circular C-1/84, de 18 de junho, criado ainda no domínio da Contribuição industrial, quando inexistia, na lei, qualquer dispositivo sobre o tratamento a conceder aos custos e proveitos de exercícios anteriores.

 

- Ora, a AT, por força do disposto no artigo 55.º da LGT, no exercício das suas atribuições, está vinculada ao respeito do princípio da justiça mas, antes de mais, ao princípio da legalidade, ou seja, deve pautar a sua atuação pelo estrito cumprimento das suas determinações legais, in casu, do n.º 2 do artigo 18.º do CIRC e foi nesse sentido que orientou a sua conduta ao proceder à correção do lucro tributável.

 

 Em 29-03-2016, apresentou as suas alegações pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

 

 

Incumprimento do regime dos preços de transferência

Posição da Requerente:

- Em 18 de Dezembro de 2014, e no contexto de inspeção tributária externa, a Requerente foi notificada através do ofício n.º…, de 15 de Dezembro de 2014, da Direção de Finanças de…, para a apresentação de um conjunto adicional de elementos contabilísticos e, bem assim, para, relativamente ao estudo de preços de transferência apresentado, explicar por que razão aí se concluiu que os termos e condições comerciais praticados pela Requerente com a sua Cliente B… (parte relacionada) no ano de 2010 se enquadraram no intervalo de referência de mercado.

 

- A 26 de Março de 2015, através do Ofício n.º…, de 23 de Março de 2015, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de…, expedido por via postal registada, a Requerente tomou conhecimento de Projeto de Relatório da Inspeção Tributária relativo ao seu exercício de 2010.

 

- Do teor do referido projeto de relatório constavam correções ao lucro tributável coletável da Requerente, relativas ao IRC do exercício de 2010, no total de EUR 339.394,93, discriminadas do seguinte modo:

a)            EUR 337.493,97, a título de incumprimento do regime de preços de transferência;

b)            EUR 1.900,46, a título de incumprimento do princípio da especialização dos exercícios;

Total:      EUR 339.394,43

 

- Bem como um conjunto de pontos que reproduziam o teor do Relatório Final da Inspeção Tributária realizada a coberto da ordem de serviço n.º OI2012… e que teve por objeto o exercício de 2009 – cfr. essencialmente Pontos II.3.10.1, II.3.10.2, II.3.10.5 e II.3.10.6 do Projeto notificado – e que pretendiam demonstrar a alegada instrumentalização da B… para desviar lucros de Portugal para a Irlanda, concluindo a Administração Tributária que:

«Comprovou-se assim que esta entidade [a B…] não possui substância económica nem justificação comercial, tendo sido utilizada unicamente com propósitos de natureza fiscal, sem qualquer intervenção efectiva nas transacções que ocorrem entre o contribuinte e as empresas do Grupo que ele fornece, a C…USA, a F… Austrália e a G…África do Sul»

 

- No exercício do seu direito de audição prévia, quanto ao alegado incumprimento do regime de preços de transferência nas vendas por si realizadas à B…, a Requerente rejeitou veementemente o entendimento da Administração Tributária, explicando em síntese que, como devidamente exposto no estudo apresentado, a análise de preços de transferência constante do seu dossier fiscal assentou numa seleção criteriosa e ponderada de empresas comparáveis em termos de dimensão e atividade à Requerente, sem operações com partes relacionadas.

 

- Por esse motivo todo o universo de 17 empresas identificado para comparação traduz o desenvolvimento da atividade de empresas comparáveis em condições de plena concorrência, devendo ser considerado para definição do intervalo de mercado (entre +9,48% e -2,19%) – como previsto no artigo 4.º, n.º 5, da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro –, não havendo qualquer base legal ou justificação racional para concluir que apenas a mediana do intervalo (5,76%) «configura a plena concorrência».

 

- Quanto às considerações tecidas relativamente suposta instrumentalização e falta de substância económica da B…, a Requerente invocou desde logo a ausência de demonstração concreta pela Administração Tributária das afirmações constantes do Projeto de Relatório da Inspeção Tributária relativas à relação comercial entre a B… e a C…USA INC e à margem de comercialização supostamente realizada pela primeira nas vendas à segunda, bem como ao valor acrescentado alegadamente nulo aportado pela B… .

 

- Como consta do Relatório da Inspeção Tributária, a Administração Tributária determinou uma correção no valor de EUR 337.493,97 ao lucro tributável apurado pela Requerente relativamente ao exercício de 2010 invocando que a Requerente, nas vendas de mercadorias à sua cliente B…– parte relacionada –, praticou preços inferiores aos que existiriam caso se tratasse de operações similares realizadas entre partes não ligadas por relações especiais.

 

- Quanto à fundamentação de Direito, a Administração Tributária invoca o disposto no artigo 63.º, n.º 1, do CIRC, nos termos do qual:

«Nas operações comerciais […] efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis».

 

 - Sucede que o escopo do regime de preços de transferência não é o de legitimar qualquer correção atenta a existência de relações especiais entre duas entidades, mas tão-somente o de determinar ajustamentos quando as condições praticadas entre essas entidades difiram das que existiriam caso não existissem tais relações (e apenas na medida dessa diferença).

 

- Ou seja, perante a constatação da existência de relações especiais entre duas entidades a Administração Tributária não pode simplesmente formar uma convicção, apriorística e arreigadamente, de que as condições praticadas são diferentes das que existiriam entre partes não relacionadas, furtando-se a uma análise factual ponderada e neutra da situação para concluir se se está ou não perante o estabelecimento de condições diferentes das condições que seriam normalmente acordadas.

 

- A Requerente, cumprindo a obrigação acessória que sobre si impendia de acordo com o artigo 63.º, n.º 6, do CIRC e, bem assim, com os artigos 13.º e seguintes da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, do Ministério das Finanças, procedeu a uma análise de preços de transferência – materializada num Relatório de Preços de Transferênciaque abrangeu, entre outras, as suas relações comerciais com a B…, apontando claramente essa análise para a conclusão de que as condições praticadas pela Requerente com aquela sua Cliente não diferiram das que existiriam entre entidades não relacionadas.

 

- Como desde logo explicado em sede de audição prévia, a análise constante do Relatório de Preços de Transferência visou a definição de um intervalo de mercado – tal como previsto no artigo 4.º, n.º 5, da referida Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro –, assentando numa seleção de empresas comparáveis à Requerente com relações comerciais semelhantes mas mantidas com partes não relacionadas.

 

- Em concreto, por pesquisa na base de dados de informação empresarial “SABI – BUREAU VAN DIJK”, foram selecionadas 6 empresas nacionais dedicadas à mesma atividade prosseguida pela Requerente, sem operações com partes relacionadas e com proveitos anuais superiores a EUR 3.000.000,00.

 

- Paralelamente, por consulta ao Anuário da Associação Portuguesa de Cortiça (“APCOR”), foram adicionalmente selecionadas 18 empresas, estabilizando-se assim um conjunto de 24 empresas comparáveis à Requerente.

 

- Subsequentemente, do referido universo de 24 empresas foram excluídas 3 empresas por não possuírem dados financeiros disponíveis no respetivo registo comercial e ainda outras 4 empresas com resultados considerados estatisticamente díspares e como tal passíveis de diminuir a fiabilidade da amostra, ficando assim definida uma amostra final de 17 empresas comparáveis à Requerente, a saber:

 

Empresa

Número de Pessoa

Colectiva

H…, LDA.

I…, LDA.

J…, LDA.

K…, S.A.

L…, LDA.

M…, LDA.

N…, LDA.

O…, LDA.

P…, LDA.

Q…, LDA.

R…, LDA.

S…, LDA.

T…, S.A.

U…, LDA.

V…, S.A.

W…, S.A.

X…, LDA.

 

 

- Relativamente a esse universo de 17 empresas, foi para cada uma apurada a margem líquida da operação dos últimos três anos anteriores a 2010 – 2007, 2008 e 2009 –, e a correspondente média, nos seguintes termos:

Empresa

Margem Líquida da Operação

2007

2008

2009

Média

2007-2009

H…, LDA.

2,19%

7,17%

7,92%

5,76%

I…, LDA.

3,76%

5,12%

4,91%

4,60%

J…, LDA.

6,24%

3,87%

18,16%

9,42%

k…, S.A.

5,54%

4,18%

4,38%

4,70%

L…, LDA.

4,64%

7,77%

-18,97%

-2,19%

M…, LDA.

9,94%

9,54%

8,30%

9,26%

N…, LDA.

9,33%

5,79%

5,36%

6,82%

O…, LDA.

7,13%

4,46%

4,85%

5,48%

P…, LDA.

1,03%

1,30%

0,61%

0,98%

Q…, LDA.

5,26%

4,36%

7,78%

5,80%

R…, LDA.

5,29%

5,72%

5,96%

5,66%

S…, LDA.

9,12%

7,82%

5,98%

7,64%

T…, S.A.

9,32%

8,85%

10,28%

9,48%

U…, LDA.

1,33%

3,26%

3,65%

2,75%

V…, S.A.

6,96%

9,24%

-15,95%

0,08%

W…, S.A.

6,37%

6,26%

5,56%

6,07%

X…,LDA.

3,55%

4,96%

9,53%

6,01%

 

 

- O resultado final da pesquisa efetuada foi a definição de um referencial de mercado de margem líquida da operação entre -2,19% e 9,48%, como média líquida operacional dos anos de 2007 e 2009:

 

 

Margem líquida da operação

(média 2007-2009)

Máximo:

9,48%

3º Quartil:

6,82%

Mediana:

5,76%

1º Quartil:

4,60%

Mínimo:

-2,19%

 

 

- No ano de 2010, a margem líquida da operação da Requerente nas vendas realizadas à B… foi de 2,91% – valor que se encontra dentro do intervalo de referência identificado –, motivo pelo qual se concluiu no Relatório de Preços de Transferência que nas vendas em causa foi respeitado o princípio de plena concorrência.

 

- A este respeito importa complementarmente também referir que, como assinalado no Relatório de Preços de Transferência, a margem de rentabilidade média da Requerente registou uma queda em 2010 por comparação aos anos anteriores – a que se referem os comparáveis utilizados no Relatório de Preços de Transferência por serem os disponíveis à data –, influenciada sobretudo pelo enquadramento macroeconómico nacional e internacional adverso que ditou um aumento generalizado do custo de matérias-primas.

 

- A existência dessa queda – atenta a respetiva causa, com probabilidade alta de ter ocorrido também nas margens operacionais das empresas tidas como comparáveis para delimitação do intervalo de mercado – não deixa de ser relevante para enquadrar adequadamente a comparação da margem da Requerente em 2010 com a margem média das empresas comparáveis nos três anos anteriores (2007, 2008 e 2009), oferecendo uma explicação simples para a margem de 2010 da Requerente ter um valor enquadrável na metade inferior do intervalo de mercado definido para comparação – mas ainda assim, note-se, perfeitamente dentro deste.

 

- Como resulta do Relatório Final da Inspeção, a Administração Tributária entendeu não desenvolver qualquer análise própria de preços de transferência, concordando (i) com o método adotado pela Requerente, (ii) com o universo de empresas identificado de comparáveis e até mesmo (iii) com o intervalo de referência resultante da análise desenvolvida pela Requerente.

 

- Com efeito, a Administração Tributária assenta a correção em causa na sua interpretação de que apenas a mediana de 5,76% corresponde a uma margem líquida operacional de mercado, motivo pelo qual determinou o ajustamento do valor das vendas realizadas pela Requerente à B… no ano de 2010 – de 2,91% para o referido valor de 5,76%.

 

- Essa interpretação da Administração Tributária é inaceitável e tecnicamente incorreta, lavrando num claro erro de compreensão: a análise desenvolvida visou a definição de um intervalo referencial de mercado e não o apuramento de um valor específico de margem operacional – o que bem se compreende, já que empresas não relacionadas, operando livremente no mercado, só por manifesto acaso terão margens líquidas operacionais idênticas.

 

- Assim, ao contrário do considerado pela Administração Tributária – e como decorre de uma leitura atenta do Relatório de Preços de Transferência com cujo teor aquela concorda –, todo o universo identificado de 17 empresas traduz o desenvolvimento da atividade de empresas comparáveis à Requerente em condições de plena concorrência.

 

- É importante notar que a definição de um intervalo de mercado dentro do qual se considera ter sido respeitado o princípio de plena concorrência é perfeitamente consistente com as diretrizes internacionais existentes sobre o assunto, nas quais aliás a Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, se inspirou:

«Em alguns casos será possível aplicar o princípio de plena concorrência para chegar a um valor exacto (e.g. preço ou margem) que é o mais fiável para determinar se os termos de uma operação respeitaram a plena concorrência.

Contudo, porque os preços de transferência não são uma ciência exacta, existirão também muitas ocasiões em que a aplicação do método ou métodos mais adequados produzirá um intervalo de valores todos igualmente fiáveis. Nestes casos, as diferenças dos valores que compõem o intervalo podem ser causadas pelo facto de, de um modo geral, a aplicação do princípio de plena concorrência produzir apenas uma aproximação das condições que existiriam entre parte independentes. É também possível que os diferentes pontos no intervalo se devam ao facto de empresas independentes em operações semelhantes e em circunstâncias comparáveis poderem não estabelecer exactamente o mesmo preço para a operação.

[…]

Se o valor relevante da operação vinculada (e.g. preço ou margem) está dentro do intervalo de plena concorrência, nenhum ajustamento deve ser feito.

Se o valor relevante da operação vinculada (e.g. preço ou margem) estiver fora do intervalo de plena concorrência definido pelas autoridades fiscais, o contribuinte deve ter a oportunidade de apresentar argumentos no sentido de a operação vinculada satisfazer o princípio de plena concorrência, e de que a operação vinculada se enquadra no intervalo de plena concorrência (i.e. que o intervalo de plena concorrência é diferente daquele definido pelas autoridades fiscais). Se o contribuinte for incapaz de demonstrar esse facto, as autoridades fiscais terão que determinar um ponto dentro do intervalo de plena concorrência para o qual farão o ajustamento da operação vinculada.

Na determinação deste ponto, quando o intervalo contém resultados de igual fiabilidade, é sustentável defender que qualquer ponto do intervalo satisfaz o princípio de plena concorrência»

[tradução nossa do original em língua inglesa; sublinhados nossos] – cfr. Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, “OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations”, Paris, 2010, OECD PUBLISHING, páginas 123 a 125.

 

- Por outras palavras, todo o intervalo definido estatisticamente entre +9,48% e -2,19% identificado no Relatório de Preços de Transferência deve ser considerado como traduzindo uma relação de mercado entre custos operacionais e resultados operacionais nos anos em causa, não havendo qualquer base legal ou justificação racional para concluir como a Administração Tributária que apenas a mediana do intervalo (5,76%) «configura a plena concorrência».

 

- A Requerente teve oportunidade de enfatizar isso mesmo em sede de audição prévia e, mesmo antes disso, a 8 de Janeiro de 2015, mediante esclarecimentos prestados no decurso da ação de inspeção e através da entrega de uma nota explicativa abordando precisamente esse ponto e destinada a esclarecê-lo – cfr. documento n.º 272 –, apontando claramente o artigo 4.º, n.º 5, da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, para a definição de intervalos referenciais de mercado e não para a fixação de um valor específico que traduza a plena concorrência.

 

- A esse respeito, a Administração Tributária em sede do Relatório Final da Inspeção admite expressamente a inexistência de base legal que determine o pretendido ajuste para a mediana, invocando apenas «regras estatísticas» e afirmando que das mesmas decorre necessariamente a convergência para o intervalo interquartis e em concreto para a mediana.

 

- A remissão genérica para tais supostas regras estatísticas não passa de um arremedo de argumento, importando frisar que a análise legalmente exigida em sede de preços de transferência – e desenvolvida pela Requerente – se basta com a definição de um intervalo de mercado através da identificação de pelo menos dois comparáveis de mercado (mínimo e máximo), o que no caso concreto foi feito respetivamente com a identificação das margens líquidas operacionais médias das empresas L…, LDA. e T…, S.A., traduzindo os conceitos de mediana e de 1.º e 3.º quartis tão-somente pontos intermédios desse intervalo, como melhor se passa a ilustrar:

Empresa

Margem Líquida da Operação

Média 2007-2009

(intervalo referencial de mercado)

2010

T…, S.A.

9,48%

máximo

?

J…, LDA.

9,42%

 

M…, LDA.

9,26%

 

S…, LDA.

7,64%

 

N…, LDA.

6,82%

3.º quartil

W…, S.A.

6,07%

 

X…, LDA.

6,01%

 

Q…, LDA.

5,80%

 

H…, LDA.

5,76%

mediana

R…, LDA.

5,66%

 

O…, LDA.

5,48%

 

K…, S.A.

4,70%

 

I…, LDA.

4,60%

1.º quartil

A Requerente:

   

2,91%

U…, LDA.

2,75%

 

?

P…, LDA.

0,98%

 

V…, S.A.

0,08%

 

L…, LDA.

-2,19%

mínimo

 

 

- O quadro constante do artigo anterior é impressivo também por dele decorrer claramente que o que a Administração Tributária pretende, afinal, é fazer coincidir a margem líquida operacional da Requerente do ano de 2010 com a média dessa mesma margem registada nos anos de 2007 a 2009 pela empresa H…, LDA., ignorando que todas as demais 16 empresas referidas operaram também em situação de plena concorrência e que, por isso, a utilização de todo o universo de empresas identificadas para definição do intervalo referencial de mercado não só proporciona necessariamente uma visão mais fidedigna da realidade de mercado, como configura a única abordagem consentânea com o disposto no artigo 4.º, n.º 5, da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro.

 

- Em face do exposto, nenhuma dúvida existirá que a Administração Tributária não satisfez minimamente o ónus que sobre si impendia de demonstrar que, ao contrário do concluído no Relatório de Preços de Transferência da Requerente, não foram no ano de 2010 observadas com a B… condições comerciais semelhantes às que existiriam caso se tratasse de entidades não relacionadas.

 

- Ou seja, a correção em causa reconduz-se ao recurso ilegal pela Administração Tributária à prerrogativa que lhe assiste à luz do artigo 3.º, n.º 2, da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, por falta de preenchimento dos respetivos pressupostos legais.

 

- Sem prejuízo desta conclusão, importa igualmente frisar a irrelevância das considerações tecidas pela Administração Tributária em torno da «Rentabilidade Fiscal das Vendas» da Requerente – cfr. página 9 do documento n.º 3 –, seja pela manifesta falta de fundamentação do que a esse respeito consta do Relatório Final da Inspeção, seja pela total inidoneidade de semelhante critério para promover qualquer correção em matéria de preços de transferência.

 

- Com efeito, relativamente ao aludido conceito de «Rentabilidade Fiscal das Vendas» não estão minimamente satisfeitos os requisitos de fundamentação legalmente exigíveis, porquanto inexiste qualquer indicação do valor de tal rentabilidade para os anos em referência (ou justificação da respetiva forma de obtenção), sendo apenas feita menção de aos «dados constantes da base de dados da AT».

 

- Com a parca fundamentação apresentada a Requerente está, não só impossibilitada de conhecer o concreto valor de «Rentabilidade Fiscal das Vendas» em referência, como se vê inclusive na posição de não poder sindicar a correção da conclusão retirada pela Administração Tributária, por desconhecimento dos exatos termos do seu cálculo e, bem assim, do concreto universo das empresas cujos dados terão sido utilizados para prover a base de dados da Administração Tributária, o que é suficiente para concluir pela manifesta falta da fundamentação legalmente exigível e se invoca para os devidos efeitos legais.

 

- Do mesmo modo, apresentam-se como irrelevantes – e em grande medida factualmente erradas – as considerações tecidas pela Administração Tributária a respeito da atividade da B…, do valor acrescentado pretensamente nulo gerado por esta e das relações mantidas com a C… USA INC.

 

- Alega a Administração Tributária que o preço de venda para a C… USA INC. praticado pela B… dos produtos adquiridos à Requerente é bastante superior ao preço de venda praticado por esta nas vendas à B… e, bem assim, que a margem de comercialização da B… é de 12,4%.

 

- Sem embargo de se frisar a irrelevância de semelhantes considerações para efeitos de sustentação pela Administração Tributária da correção por si concretamente promovida com base no regime de preços de transferência, a Requerente não pode simplesmente deixar passar em claro as mesmas.

 

- Antes de mais, assinala-se que o entendimento da Administração Tributária assenta na consideração de que a B… é uma sociedade sem substância económica ou justificação comercial, aceitando todavia como válida a informação obtida por troca de informações com as Autoridades Fiscais irlandesas de que aquela se trata de uma sociedade regularmente constituída e cumpridora das suas obrigações – mormente de natureza fiscal; cfr. páginas 20 a 23 do Relatório da Inspeção Tributária (documento n.º 3) –, e abstendo-se de questionar tais autoridades sobre a efetiva atividade da empresa, optando ao invés por tecer considerações vagas sobre o sistema fiscal da República da Irlanda em sede de fundamentação da correção determinada ao lucro tributável da Requerente – cfr. páginas 28 e 29 do Relatório da Inspeção Tributária (documento n.º 3), sem qualquer indicação da fonte utilizada.

 

- Adicionalmente, já no âmbito da inspeção tributária de que foi objeto quanto ao exercício de 2009 e no litígio subsequente, a Requerente juntou diversos elementos probatórios, da mais variada natureza, evidenciando tratar-se a B… de uma sociedade real, com existência e atividade efetivas, salientando-se a este respeito, não apenas as notas de encomenda e faturas emitidas pelas partes para documentação das suas transações, mas também os comprovativos dos contactos (telefónicos e presenciais) mantidos no ano de 2009 e, bem assim, os elementos enviados pela B… desde a Irlanda que demonstram a existência das respetivas instalações e de pessoal ao seu serviço.

 

- Quanto ao valor acrescentado pretensamente nulo aportado pela B…, é importante notar que a função desempenhada por esta para as suas Clientes não se resume a uma mera compra e venda indiscriminada de mercadorias.

 

- Com efeito, como invocado à saciedade pela Requerente junto da Administração Tributária, a B… tem presentes as necessidades e níveis de stock de mercadoria das suas Clientes, acautelando a satisfação daquelas de modo eficiente, designadamente tendo em devida consideração os tempos de transporte (por via marítima ou aérea) necessários para entrega dos produtos adquiridos – aspeto de boa gestão essencial para que a atividade de tais Clientes possa prosseguir equilibradamente: sem interrupções devido à falta de stock mas com o mínimo de custos de armazenagem –, função que de modo algum é desempenhada pela Requerente.

 

- Por outras palavras, a existir uma remuneração excessiva da B…, esta poder-se-á explicar pela valoração atribuída à função de assistência à gestão dos níveis de stocks desempenhada pela referida sociedade em benefício das suas Clientes C… USA INC, à F… AUSTRALIA e à G… SOUTH AFRICA, o que todavia não se reconduz a qualquer pretenso desvio de lucros de Portugal para a Irlanda mas antes a uma análise da aceitação fiscal de custos respetivamente nos Estados Unidos da América, na Austrália e na África do Sul.

 

- Adicionalmente, importa sublinhar que tratando-se a B… de uma entidade distinta da Requerente esta desconhece (e não tem obrigação de conhecer) quais os proveitos realizados por aquela nas vendas de mercadorias à C… USA INC no ano de 2010, nem o Relatório Final da Inspeção notificado é acompanhado de qualquer elemento documental que possa constituir prova de tais valores.

 

- Em concreto, é falso que essa informação resulte de quaisquer documentos anexos ao Relatório Final da Inspeção – a informação obtida das Autoridades Fiscais norte-americanas relativamente ao valor e quantidade dos supostos fornecimentos efetuados à C… USA INC pela B… não tem qualquer valor probatório já que se limita a listagens (para mais parcialmente ilegíveis) de valores de faturas e notas de crédito, desacompanhadas de quaisquer cópias dos respetivos documentos de suporte e sem sequer conterem uma especificação mínima das mercadorias concretas a que se reportarão.

 

- Desconhecendo a Requerente em absoluto – sem ter obrigação de conhecer – os dados relativos às aquisições de mercadorias realizadas pela C… USA, INC à B… no ano de 2010, a análise dos documentos de suporte com base nos quais tais listagens terão sido preparadas seria imprescindível para sindicar a respetiva exatidão e, em concreto, para apurar se a totalidade dos valores referidos se refere de facto a mercadoria por si vendida à B… no ano em causa.

 

- Efetivamente, desacompanhadas de cópias dos respetivos documentos de suporte, as listagens em questão não são mais que tabelas, aparentemente elaboradas em folha de cálculo, sem autoria expressa ou qualquer texto ou legenda de enquadramento dos dados apresentados, sendo que qualquer análise minimamente rigorosa tendente a identificar por que valores a B… terá vendido à C… USA, INC parte das mercadorias adquiridas à Requerente no ano de 2010 teria que passar pelo confronto efetivo das faturas emitidas pela Requerente àquela sua Cliente com as faturas emitidas por esta à C… USA, INC no mesmo período – exercício esse a que a Administração Tributária inaceitavelmente se furtou.

 

- Perante a invocação expressa pela Requerente, em sede de audição prévia, da falta de demonstração concreta das considerações tecidas pela Administração Tributária, esta optou inadmissivelmente por ignorar a participação da Requerente na decisão, mantendo obstinadamente a sua posição aludindo sem mais à existência de relações especiais entre entidades:

Finalmente relativamente às considerações efetuadas sobre as relações comerciais com a B…, as margens de comercialização e o valor acrescentado gerado, contrariamente ao que é afirmado, não são destituídas de sentido, nem descontextualizadas nem despropositadas, pois todos conhecemos as ligações de domínio entre as empresas A…, B…e C…USA .

 

- Em suma, a Administração Tributária acaba por pretender fundamentar a correção em causa meramente num juízo subjetivo quanto à ausência de substância económica e justificação comercial da B… e ao valor acrescentado gerado por esta, o que não pode de modo algum ser admitido como base para qualquer ajustamento de preços de transferência.

 

- Em face do exposto e tudo ponderado, nenhuma dúvida subsiste quanto à ilegalidade da correção em referência, seja por falta de fundamentação, seja por erro nos respetivos pressupostos de facto e de Direito e, nessa medida, da liquidação n.º 2015…, o que se invoca para os devidos efeitos legais.

 

Nas alegações apresentadas em 26-02-2016, a Requerente formula as seguintes conclusões, pugnando pela integral procedência do pedido de pronúncia arbitral.

- A correção determinada por incumprimento do regime de preços de transferência é ilegal, seja por falta de fundamentação, seja por erro nos respetivos pressupostos de facto e de Direito, e nessa medida a liquidação de IRC n.º 2015… deve ser anulada;

 

- A Requerente cumpriu a obrigação que sobre si impendia de proceder a uma análise de preços de transferência que abrangeu as suas relações comerciais com a B…, adotando o «método da margem líquida da operação» para aferir se as condições praticadas nessas operações em 2010 foram comparáveis às que teriam sido adotadas em operações entre entidades não relacionadas;

 

- O resultado final da pesquisa efetuada foi a definição de um referencial de mercado de margem líquida da operação entre -2,91% e 9,49%, como média líquida operacional dos anos de 2007 a 2009;

 

- A margem líquida da operação da Requerente nas vendas realizadas à B… em 2010 ascendeu a 2,91%, encontrando-se dentro do intervalo de referência dos valores registados nas operações entre partes não relacionadas;

 

- A Administração Tributária concordou (i) com o «método da margem líquida da operação» adotado pela Requerente, (ii) com o universo de empresas comparáveis identificado e (iii) com o intervalo de referência resultante da análise constante do Relatório de Preços de Transferência da Requerente;

 

- As operações vinculadas com a B… em 2010 respeitaram o princípio de plena concorrência na medida em que a margem líquida da operação da Requerente se encontra dentro do intervalo de referência identificado no respetivo estudo de preços de transferência;

 

- A Administração Tributária sustenta a correção do lucro tributável da Requerente ao abrigo do regime de preços de transferência com fundamento (i) nas regras estatísticas que alegadamente impõem a conclusão de que apenas a mediana revela um resultado estatístico fiável para determinar a margem líquida de mercado a partir da comparação do universo de entidades não relacionadas selecionado pela Requerente, (ii) na afirmação de que a B… carece de substância económica, tendo sido utilizada unicamente com propósitos de natureza fiscal e (iii) na afirmação de que o preço de venda praticado pela B… nas suas vendas para a C…USA INC é superior ao praticado pela Requerente não obstante o valor acrescentado pela Sociedade irlandesa ser nulo ao passo por contraposição ao valor acrescentado gerado pela Requerente;

 

- Os fundamentos invocados pela Administração Tributária além de erróneos não podem ser admitidos para o ajustamento de preços de transferência em referência, mantendo plena validade a análise constante do Relatório de Preços de Transferência elaborado pela Requerente;

 

- Caso pretendesse considerar apenas o valor da mediana como aquele que indica as condições de mercado, a Administração Tributária tinha o ónus de expressamente identificar (i) quais as circunstâncias e particularidades das operações de mercado selecionadas para amostra no estudo da Requerente que implicariam distorções no respetivo grau de comparabilidade com as operações vinculadas e (ii) quais as especificidades das operações da Requerente que prejudicariam a respetiva comparabilidade com a amostra selecionada;

 

- A Administração Tributária não cumpriu esse ónus de fundamentação seja no Relatório de Inspeção Tributária seja, a posteriori, nos presentes autos, sendo em todo o caso de assinalar que a fundamentação constante dos pontos 16, 17, 18, 19, 20 e 22 da Resposta dos Dignos Representantes da Autoridade Tributária e Aduaneira ao pedido de pronúncia arbitral da Requerente tem carácter inovador e é portanto inadmissível;

 

- Seja como for, os factos invocados nos pontos 16, 18 e 22 da Resposta dos Dignos Representantes da Autoridade Tributária e Aduaneira são falsos e em todo o caso não identificam concretamente quais as circunstâncias que diminuem a comparabilidade do resultado das operações entre partes não relacionadas constantes da amostra recolhida no estudo de preços de transferência elaborado pela Requerente.

 

 

Posição da Requerida (constante da resposta ao pedido de pronúncia arbitral):

- No ano de 2010, as operações realizadas entre a A… e a B…(sociedade registada na Irlanda com o nº de IVA … T) traduziram-se num volume de faturação total de 11.825.592,89€.

- A B…opera como um distribuidor exclusivo dos produtos da A… para os mercados dos EUA, Austrália e África do Sul.

 

- As operações entre a Requerente e a B… passíveis de subsunção no âmbito do regime dos preços de transferência previsto no artigo 63.º do CIRC.

 

- Através da análise efetuada pela Requerente e constante do dossier de preços de transferência, resultou o seguinte referencial de mercado:

 

Net Cost Plus 2007-2009

 

Máximo

9,48

3º quartil

6,82

Mediana

5,76

1º quartil

4,60

Mínimo

- 2,19

 

- A eliminação sucessiva dos valores máximos e mínimos faz convergir a amostragem para a mediana, que traduz as condições de plena concorrência, sendo este valor o utilizado para efetuar a correção entre o “net cost plus” registado pela CSP de 2,91%, e o valor de plena concorrência de 5,76%.

 

- Pelo que entenderam os Serviços de Inspeção que o preço praticado afasta-se do preço comparado pelas entidades observadas, porquanto se afasta bastante da mediana da amostra a qual esta sim melhor configura a plena concorrência, o preço de venda para a C… praticado pela B…, é bastante superior ao preço de venda praticado pela A…, tendo em atenção que o valor acrescentado pela B… é nulo.

 

- Sendo a A… o principal gerador de valor acrescentado, não se justifica que obtenha uma margem sobre os custos operacionais de 2,91%, enquanto a B… obtém uma margem de comercialização de 12,4%.

 

- Deste modo e porque se concluiu pelo não cumprimento do princípio da plena concorrência, foram efetuados os ajustamentos à luz do regime dos preços de transferência, nos termos seguintes:

Proveitos operacionais

28 239 079,90

Gastos operacionais

27 441 607,19

Resultados operacionais

797 472,71

Net Cost Plus

2,91%

Mediana

5,76%

Vendas líquidas à B…

11 825 592,89

(Mediana-NCP) x Vendas B…

337 493,97

 

 

- O Princípio da Plena Concorrência tem a sua génese nas disposições contidas no nº 1 do artigo 9º do Modelo de Convenção Fiscal da OCDE que determina o seguinte: “Quando…as duas empresas [associadas], nas suas relações comerciais ou financeiras, estiverem ligadas por condições aceites ou impostas que difiram das que seriam estabelecidas entre empresas independentes, os lucros que, se não existissem essas condições, teriam sido obtidos por uma das empresas, mas não o foram por causa dessas condições, podem ser incluídos nos lucros dessa empresa e tributados em conformidade.

 

- Na ordem jurídica portuguesa, o Princípio de Plena Concorrência encontra-se consagrado no artigo 63º nº 1 do CIRC4 que estabelece o seguinte: “Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.”

 

- Devendo nas operações comerciais entre elas realizadas contratar, aceitar e praticar termos e condições substancialmente idênticos aos que seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes, em circunstâncias comparáveis, em obediência ao Princípio da Plena Concorrência vertido no nº1 do artigo 63º do CIRC.

 

- Nos termos previstos no nº 2 do artigo 63º do CIRC, bem como no artigo 4º da Portaria nº 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, o sujeito passivo deve adotar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos suscetíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efetua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os ativos utilizados e a repartição do risco.

 

- O artigo 4º nº 2 da referida Portaria considera como “(…) método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é susceptível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente contratados, aceites e praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades elecionadas para a comparação, que conte com a melhor qualidade maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menos número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis.”

 

- No que respeita aos métodos a utilizar, o nº 3 do artigo 63º do CIRC e o nº 1 do artigo 4º da Portaria nº 1446-C/2001 consagram duas tipologias:

 

A) Métodos baseados nas Operações:

i) Método do preço comparável de mercado;

ii) Método do preço de revenda minorado;

iii) Método do custo majorado.

 

B) Métodos baseados no Lucro das Operações:

i) Método do fracionamento do lucro;

ii) Método da margem líquida da operação.

iii) Outro método, apropriado aos factos e às circunstâncias específicas de cada operação que satisfaça o princípio enunciado no n.º 1 do artigo 1.º desta portaria, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.

 

- Com base nas mais recentes Orientações da OCDE (§2.1.e ss. Das Guidelines) a seleção de um destes métodos para a avaliação da conformidade de uma operação vinculada com o Princípio da Plena Concorrência visa encontrar o método mais apropriado para caso específico.

Neste sentido, e em conformidade com o disposto no §2.3. daquelas Orientações, os métodos baseados nas operações são considerados os métodos mais diretos de estabelecer se as condições praticadas no âmbito de uma operação vinculada são de Plena Concorrência.

 

- Assim a correção incidiu sobre as vendas efetuadas à B…, qualificadas como “operações vinculadas” à luz da definição dada pela alínea b) do n.º 3 do art.º 1.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21.12, e traduziu-se num acréscimo ao lucro tributável de 337 493,97 €.

 

- Na escolha do método mais apropriado (nos termos do art.º 4.º da Portaria) para a determinação dos preços de transferência em conformidade com o princípio de plena concorrência, a opção da Requerente recaiu no método da margem líquida da operação, designado por “net cost plus” o que indica que o indicador “margem líquida” é calculado com referência aos custos operacionais (cfr., art.º 10.º da referida Portaria), opção que mereceu aceitação por parte da AT.

 

- Igualmente o estudo de comparabilidade e a seleção da amostra (constituída por 21 empresas), a partir de dados extraídos das base de dados SABI e APCOR não suscitou reparos, (cfr., reconhecido no ponto 60.º da PI) o mesmo se podendo afirmar quanto ao intervalo de valores para o indicador ‘margem líquida média’ entre 2007 e 2009 (V. quadro infra) tomados como dados comparáveis, donde resulta que o dissídio existente centra-se, tão-só, na escolha do valor mais representativo do indicador de plena concorrência.

 

- A Requerente apurou, em 2010, uma margem líquida da operação de 2,91%, valor que se encontra dentro do intervalo do 1.º Quartil, tendo daí concluído que respeitava o princípio de plena de concorrência enunciado no n.º 1 do art.º 63.º do Código do IRC.

 

- Convém lembrar que, não obstante a indicação fornecida pelo disposto no n.º 5 do art.º 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001, segundo a qual “Se, no âmbito de aplicação de um método, a utilização de duas ou mais operações não vinculadas comparáveis ou a aplicação de mais de um método considerado igualmente apropriado conduzir a um intervalo de valores que assegurem um grau de comparabilidade razoável, não se torna necessário proceder a qualquer correcção, caso as condições relevantes da operação vinculada, nomeadamente o preço ou a margem de lucro, se situarem dentro desse intervalo”, importa, ter em atenção os factos e circunstâncias específicas que rodeiam as operações vinculadas sob análise e, à luz do que dispõe o n.º 3 do art.º 10.º do mesmo diploma, refletir o seu efeito na escolha do valor da margem líquida tida como melhor comparável no caso em concreto.

 

- Tal como é assinalado no ponto 64.º da p.i. e, também, no preâmbulo da Portaria n.º 1446-C/2001, “as regras sobre preços de transferência não permitem actuar com o rigor e precisão próprios de uma ciência exacta” e devem assegurar que a repartição dos lucros entre as empresa relacionadas que intervêm nas operações deve estar alinhada com a criação de valor, ou seja, os lucros devem ser alocados às empresas que desenvolvem as atividades económicas que contribuem para a sua geração.

 

- É com base neste pano de fundo e tendo ainda em conta que a atividade desenvolvida pela Requerente a tornam o principal gerador de valor acrescentado, que se pode concluir que a alocação dos lucros das operações vinculadas deveria refletir essa evidência, em detrimento da B…, cujo contributo para a geração dos resultados não é de molde a justificar a aplicação de uma margem de comercialização calculada em 12,4%.

 

- No intuito de corrigir a distorção detetada e atingir o valor mais aproximado ao que se verificaria em condições normais de mercado, entre entidades independentes, a AT considerou, num quadro de razoabilidade e em face dos dados disponíveis, que o valor mais representativo da margem de plena concorrência corresponderia ao valor da mediana [5,76%].

 

- E entre os factos e circunstâncias particulares que rodeiam as operações vinculadas sob análise, que pugnam para que não seja seguido o disposto no n.º 5 do art.º 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001, a que importa dar relevo estão os que se prendem com o facto de os riscos das operações intermediadas pela B… serem assumidos pela Requerente, sejam os riscos de armazenagem, expedição, transporte, devolução ou de cobrança, i.e., comerciais e financeiros, pois, tanto quanto é revelado pelos factos descritos (cfr., pontos 10.º a 12.º da PI), a sociedade irlandesa, no exercício das suas funções de trading limita-se a emitir e enviar as notas de encomenda, a receber as faturas emitidas pela Requerente e a efetuar a refaturação aos clientes.

 

- No tocante ao transporte dos produtos transacionados com a B… e expedidos para a C…, F… ou G…, apurou-se que é realizado sempre em nome e por conta da A…, não existindo nenhuma referência, seja de que tipo for, nos documentos de transporte, à B… e de igual modo, as despesas com os despachos alfandegários são também suportadas pela Requerente.

 

- Pelo que quanto maiores os riscos assumidos maior terá de ser a remuneração obtida.

 

- A corroborar essa atuação cabe realçar ainda as informações prestadas pelas autoridades fiscais competentes da Irlanda, no âmbito da cooperação administrativa internacional, estabelecida ao abrigo do art.º 26.º da Convenção celebrada entre Portugal e a Irlanda para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento, evidencia que não dispunha, ao tempo, de uma estrutura material e humana, que suportasse o exercício de uma atividade económica efetiva, pois que põem em evidência que a B…:

·         não possui instalações próprias, está sedeada em…, Dublin …, no âmbito de um contrato de aquisição de serviços de aluguer de escritório virtual com a empresa Y…;

·         O pessoal operacional da B… consiste na administradora e no pessoal de apoio disponível no âmbito do contrato de aquisição de serviços de aluguer de escritório celebrado com a Y…, atrás mencionado;

·         As encomendas dos produtos são recebidas pela B… dos seus clientes, que esta satisfaz com os produtos que adquire aos seus fornecedores, e que são remetidos, sob a sua supervisão, diretamente dos seus fornecedores para os seus clientes;

·         O seu único fornecedor de produtos nos exercícios de 2010, 2011 e 2012 foi a A… e os seus únicos clientes foram a C…, F… e G…, a quem se destinou a totalidade da sua faturação; e

·         Os pagamentos efetuados à Requerente pela B… são ordenados a partir dos EUA e proveem de uma conta bancária aberta em nome dessa empresa no mesmo banco americano com que a C… trabalha;

 

-  A correção ao lucro tributável, decorrente da consideração da mediana do intervalo de plena concorrência como o valor comparável mais apropriado às particulares circunstâncias em que são realizadas as operações vinculadas é aquele que melhor reflete o contributo da atividade efetivamente desenvolvida pelos intervenientes – a Requerente e a B…– na geração do resultado global de produção e venda dos produtos fabricados.

 

- A Requerente afirma que, e conclui que, pelo facto de a empresa apresentar um valor da margem líquida da operação entre o mínimo e o máximo (9,48%) por si só assegura que as vendas foram praticadas respeitando o princípio da plena concorrência.

 

- A Requerente remete um excerto da Portaria consubstanciada nas orientações da OCDE, que conclui genericamente que “quando o intervalo contém resultados de igual fiabilidade, é sustentável defender que qualquer ponto do intervalo satisfaz que qualquer intervalo satisfaz o princípio de plena concorrência.”

 

- Abaixo do 1º quartil e acima do 3º quartil encontram-se empresas que se afastam da centralidade (da mediana), não apresentando resultados de igual fiabilidade às que se encontram no intervalo inter-quartis, motivo pelo qual entendemos que os resultados fiáveis se encontram neste intervalo, e consequentemente em plena concorrência.

 

- Na verdade, a mediana é um momento que assegura o valor do indicador que divide o número de observações ao meio, assumindo quer os momentos 1º e 3º quartil, desvios relativamente à média do indicador verificada, que numa situação extrema e irregular poderiam ser assumidos, o que entendemos não se verificar, motivo pelo qual foi assumido o indicador mais preciso em Estatística, a mediana, como o valor da observação da amostra que apresenta um valor central.

 

- Como a mediana é o momento estatístico matematicamente considerado o mais fiável, e qualquer dos valores do intervalo poderia ser utilizado, foi este, a mediana, tomado em consideração para efeitos de correção e não o maior ou menor ponto de intervalo.

A mediana é uma medida de localização do centro de distribuição dos dados. Após a ordenação dos elementos da amostra de dados, a mediana é o valor (pertencente ou não à amostra) que a divide ao meio, isto é, 50% dos elementos da amostra são menores ou iguais à mediana e os outros 50% são maiores ou iguais à mediana.

 

- Em Estatística, uma tendência central é um valor central ou valor típico para uma distribuição de probabilidade. As medidas de tendência central mais comuns são a média aritmética, a mediana e a moda.

Normalmente os autores usam tendência central (ou centralidade) significando “a tendência de dados quantitativos de se agruparem ao redor de um valor central”. A mediana é de importância central nas estatísticas robustas, já que é a estatística mais resistente, tendo um ponto de rutura de 50%, enquanto não mais de metade dos dados está contaminada, a mediana não vai dar um resultado arbitrariamente grande.

 

- A mediana é definida apenas em dados unidimensionais encomendados e é independente de qualquer distância métrica. Com efeito, é um indicador com maior fiabilidade relativamente à média, uma vez que esta é muito influenciada por valores discrepantes (outliers), isto é, valores muito grandes ou muito pequenos que sejam distintos da maior parte dos dados, o que motivou a escolha da AT.

 

Em 29-03-2016, apresentou as suas alegações pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral

 

 

 

IV – Objeto do litígio 

A questão que constitui o thema decidenduum consiste em aferir da legalidade das correções aritméticas à matéria coletável de IRC, determinadas pela Autoridade Tributária na inspeção tributária do exercício de 2010, relativamente ao alegado incumprimento:

- do princípio da especialização dos exercícios (artigo 18.º do CIRC); e

- do regime dos preços de transferência (artigo 63.º do CIRC).

 

 

 

V –  MÉRITO

           Matéria de Facto

A) Factos provados

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas dão–se como assentes e provados os seguintes factos:

1.      A Requerente (A…Portugal, SA) foi constituída em 09-01-1995 e exerce a atividade de produção e comercialização de rolhas de cortiça naturais (CAE…), comercializando ainda rolhas técnicas e rolhas…, estas últimas produzidas por terceiros, e integra um grupo de empresas a nível mundial, todas operando no sector dos vedantes para a indústria dos vinhos.

2.      Labora em duas unidades industriais localizadas no concelho de Vila Nova da Feira:

          – a A… 1 (unidade principal) funciona nas instalações localizadas na Rua…, n.º…, e na Rua…, n.º…, em…, que constitui a sede da empresa e do “Grupo AA…” em Portugal, e compreende um pavilhão industrial com várias naves e uma área de estaleiro que abrangem mais de 14 000 m2, onde se encontra a parte produtiva, os escritórios, o laboratório e os armazéns de matérias-primas e produtos acabados.

         Este imóvel, construído em 2007, corresponde ao artigo matricial urbano n.º …da freguesia…, e encontra-se arrendado à Requerente pela Z… Sociedade Imobiliária, SA, NIPC…, entidade proprietária do mesmo.

         - a A… 2 funciona nas instalações localizadas na…, Rua…, n.º…, em…, onde está instalada a unidade de acabamento de rolhas destinadas aos mercados europeus.

         Este imóvel corresponde ao artigo matricial urbano n.º … da freguesia de…, e encontra-se arrendado à Requerente por BB…, NIF…, proprietário do mesmo.

3.      O Grupo AA… integra 12 entidades, possuindo no seu topo como sociedade-mãe a E… empresa registada no Luxemburgo.

 

A estrutura do GRUPO AA… é a seguinte:

 

4.      A Requerente é detida indiretamente pela sociedade-mãe (em 36,5 %) e pela C…, Inc, empresa registada no Estado da Califórnia, nos EUA (em 54,5%), em virtude de serem estas sociedades as detentoras da totalidade do capital da CC… SGPS, Ld.ª, NIPC… (nas referidas percentagens), que, por sua vez, detém a totalidade do capital da Requerente.

- A sociedade-mãe detém diretamente a totalidade do capital social das sociedades portuguesas DD…, SA, NIPC … e EE… Portugal, SGPS, Ld.ª, NIPC…, e ainda da sociedade registada na IrlandaB…, Ltd, com o número de IVA IE…T e da sociedade FF…, SA .

- A EE…Portugal, SGPS, Ld.ª é por sua vez detentora de 100% do capital das sociedades portuguesas GG… Internacional, Ld.ª, NIPC … e HH…, Matérias-Primas, Unipessoal, Ld.ª, NIPC… .

- Por último, e já na base do Grupo AA…, temos a II…France, SARL e a JJ…Espanã, SL, ambas detidas na íntegra pela sociedade portuguesa GG… Internacional, Ld.ª

 

Principais abreviaturas das empresas:

Entidades

Abreviaturas

A…, S.A.

A…ou Requerente

E…

E…, Ltd,

C…, Inc

C…Holding, Inc

CC…SGPS, Ld.ª

CC…SGPS, Ld.ª

DD…, S.A. 

DD…

EE…, SGPS, Ld.ª

E…

B…, Ltd.

B…

FF…Argentina, SA

FF…

GG…Internacional, Ld.ª

GG… Internacional, Ld.ª

HH…, Matérias-Primas, Unipessoal, Ld.ª,

HH…

II…, SARL

II…

JJ… Espanã, SL

JJ…

 

5.      A Requerente controla todas as operações verticalmente integradas do processo produtivo, que podem resumir-se da seguinte forma:

·      - a cortiça é adquirida, escolhida e traçada pelo seu fornecedor exclusivo, a HH…, que possui sede no mesmo local da Requerente e instalações produtivas que foram expandidas e reconstruídas em 2008, no …(e incluem um parque de estabilização de cortiça, um armazém de paletes de cortiça preparada e uma caldeira de alta eficiência em aço inoxidável);

·      - semanalmente, a cortiça é transportada em paletes que contêm cerca de 750 kg cada, da HH… para as instalações da Requerente em…;

·      - na unidade industrial principal da empresa, em…, a cortiça é transformada em rolhas, sendo aí realizadas todas as operações do processo produtivo até à obtenção do produto acabado: rabaneação, brocagem manual e automática, secagem, retificação, escolha eletrónica e manual, lavação e pré-secagem, controlo da bactéria TCA através do sistema patenteado innocork  (exclusivo do Grupo AA…), secagem e revestimento;

·      - quando se destinam ao mercado de países terceiros, designadamente ao mercado americano (Estados Unidos e Argentina), as rolhas são expedidas a partir da A… 1, sendo as operações de acabamento efetuadas nas empresas do grupo que existem nesses países;

·      - quando se destinam ao mercado intracomunitário, designadamente a Espanha e França, as rolhas vão para a unidade de … (A…2) para realização dos acabamentos (tais como: humidificação e tratamento), que são efetuados de acordo com os pedidos e especificações dos clientes, e só depois são então expedidas para os clientes intracomunitários;

·      - isto acontece porque o Grupo AA… nos países europeus apenas possui agentes comerciais, entidades a quem pagam comissões pelas vendas intermediadas, ao passo que nos Estados Unidos da América, na Austrália e na África do Sul e Argentina possui mesmo empresas distribuidoras do grupo, com capacidade para a realização dos acabamentos das rolhas antes de serem entregues aos clientes finais;

·      - em Portugal, a Requerente possui apenas um vendedor, dada a reduzida dimensão deste mercado no volume de negócios da empresa.

6.      Nos termos da alínea l), n.º 3, do artigo 59.º da LGT e artigo 49.º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), a Requerente foi notificada pela AT, conforme ofício n.º … dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de…, de 17-10-2014, de que, a curto prazo, se daria início a uma ação inspetiva da escrita, com a indicação do seu âmbito (parcial-IRC) e da sua extensão (ano/exercício de 2010), (doc. n.º 269 junto à p.i.).

7.    O procedimento inspetivo teve início em 29-10-2014 (notificação da Ordem de Serviço n.º O12014…) e termo em 17-03-2015 (notificação da nota de diligência referida no n.º 1 do artigo 62.º do RCPITA);

8.    No Projeto de Relatório da Inspeção Tributária (PRIT), elaborado em 17-03-2015, e com despacho de concordância de 20-03-2015, vem referido, com interesse para os presentes autos, o seguinte (doc. n.º 273 junto à p.i.):

a) Em sede de IRC, a Requerente declarou um prejuízo contabilístico e fiscal muito elevado no exercício de 2008, e desde então, vem a deduzi-lo aos lucros tributáveis apurados nos exercícios seguintes (pág. 4);

b) Relativamente ao exercício de 2010, a declaração modelo 22 resume-se no quadro seguinte (pág. 5):

 

Rubrica

2010

Declaração de substituição

Data da entrega da declaração

31-05-2012

Resultado líquido do exercício

70 131,94 €

Variações patrimoniais negativas SNC

94 527,79 €

Benefícios fiscais deduzidos Q07

69 209,23 €

Resultado tributável

2 345,43 €

Prejuízos fiscais dedutíveis

198 380,86 €

Prejuízos fiscais deduzidos

2 345,43 €

Matéria coletável

0,00 €

Coleta

0,00 €

PEC

47 066,70 €

IRC liquidado

0,00 €

Pagamento por conta

0,00 €

Derrama

1 073,32 €

Tributações autónomas

22 819,69 €

Total a pagar

23 893,01 €

Total a recuperar

0,00 €

 

c) Na sequência da notificação efetuada pela Divisão de Inspeção Tributária III (DIT III) da Direção de Finanças de…, cfr. ofício n.º…, de 27-10-2014, foram exibidos pela Requerente os seguintes documentos respeitantes ao exercício de 2010 (pág. 5 e doc. n.º 270 junto à p.i.):

·      Registos contabilísticos devidamente organizados e regularizados;

·      Registos auxiliares e informáticos, designadamente o ficheiro SAFT-PT integrado;

·      Documentos de suporte que serviram de base aos registos anteriormente referidos; e

·      Processo de documentação fiscal a que alude o artigo 130.º do CIRC (dossier fiscal) que integra o “Relatório de Preços de Transferência”.

d) A análise das demonstrações financeiras da Requerente resume-se do seguinte modo (pp. 8 e 9):

Rubrica

2010

Volume de negócios

27 355 433,88

CMVC (Custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas)

19 170 762,92

Resultado líquido

70 131,94

Resultado fiscal

2 345,43

Rentabilidade fiscal das vendas

0,009%

Margem bruta sobre o custo

42,69%

EBITDA (Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization "Lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização")

573 385,08

 

e) A rentabilidade Fiscal das Vendas situa-se sempre abaixo da mediana do setor de atividade, de acordo com os dados constantes da base de dados da AT para o CAE…, quer em termos nacionais, quer para a Unidade Orgânica de …(pág. 9).

f) A Requerente opera maioritariamente no mercado externo e intracomunitário – as exportações e transmissões intracomunitárias de bens (TICB) representaram 93,8% do volume de negócios em 2010 – e, dentro delas, o maior cliente é a B…, Ltd, que absorveu 45% das vendas nesse ano. No quadro seguinte identificam-se os maiores clientes (com vendas superiores a 100 000 €/ano, sem IVA), (pág. 11):

 

 

Nome

Vendas (sem IVA)

B…, Limited

12 302 940,61

FF…Argentina, SA

3 320 810,10

KK…Italia S.R.L.

1 374 873,98

LL…

825 100,00

MM…, S.L.

709 407,20

NN…Chile, S.A.

546  796,75

JJ…España, S.L.

495 483,28

OO…

430 380,00

PP…

387 290,80

QQ…

367 869,78

RR…

218 557,47

SS…

192 766,50

TT…

166 239,86

UU…

149 050,00

VV…

144 954,08

WW…

141 951,00

XX…

128 731,19

YY…

117 637,70

 

g) Analisado o Relatório de Preços de Transferência, previsto no n.º 6 do artigo 63.º do CIRC e n.º 1 do artigo 13.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21-12, verifica-se, relativamente à análise económica da venda de produtos a entidades relacionadas, a opção, por parte da Requerente, pela escolha do método da margem líquida da operação (MMLO), e o indicador “Net Cost Plus, com rejeição pelos restantes métodos, com razões justificativas com as quais a AT concordou  (pág. 14 do PRIT e pág. 10, 11, 90 e ss. do Estudo de Preços de Transferência “EPT”, que constitui o doc. 279).

h) A seleção da amostra partiu de uma pesquisa à base de dados “Bureau VanDijk´s Sabi” em que foram selecionadas as empresas com base nos seguintes critérios:

- Empresas com o código de atividade … – Fabricação de rolhas de cortiça;

- Exclusão das empresas detentoras ou detidas em mais de 10% por outras entidades;

- Exclusão das empresas não portuguesas;

- Seleção de empresas com informação disponível para 2007, 2008 e 2009;

- Selecionadas empresas com o campo de resultados operacionais preenchidos e proveitos operacionais superiores a 3 milhões de euros.

i) Através de uma análise da descrição da atividade das empresas em análise foram excluídas as empresas com atividades não comparáveis, produtos comercializados não comparáveis e possibilidade de existência de operações vinculadas.

j) Através de pesquisa de informação na internet foram ainda excluídas empresas com informação não comparável com a atividade exercida, não cumprirem o critério da independência ou não possuírem informação bem como as empresas que apresentaram resultados operacionais em média negativos entre 2007 a 2009.

k) Desta análise resultou uma amostra de seis empresas da base de dados Sabi.

Seguidamente consultou-se a base de dados da APCOR (Associação Portuguesa de Cortiça), tendo sido eliminadas as empresas sem informação ou exercendo funções não comparáveis à da Requerente.

Desta análise resultou uma amostra de 18 empresas.

Das 24 empresas foram eliminadas três por não possuírem dados financeiros disponíveis na conservatória do registo comercial.

Relativamente às restantes 21 empresas foi calculado o Net Cost Plus para os exercícios de 2007 a 2009 bem como a média para os três anos.

l) Através da análise do desvio padrão foram excluídas quatro empresas que apresentavam uma maior dispersão relativamente à média, ficando assim definida uma amostra final de 17 empresas comparáveis à Requerente, a saber (pág. 98 do EPT):

Empresa

Número de Pessoa

Colectiva

H…, LDA.

I…, LDA.

J…, LDA.

K…, S.A.

L…, LDA.

M…, LDA.

N…, LDA.

O…, LDA.

P…, LDA.

Q…, LDA.

R…, LDA.

S…, LDA.

T…, S.A.

U…, LDA.

V…, S.A.

W…, S.A.

X…, LDA.

 

m) Relativamente a este universo de 17 empresas, foi para cada uma apurada a margem líquida da operação dos últimos três anos anteriores a 2010 – 2007, 2008 e 2009 -, e a correspondente média, nos seguintes termos (pág. 98 do EPT):

 Empresa

Margem Líquida da Operação

2007

2008

2009

Média

2007-2009

H…, LDA.

2,19%

7,17%

7,92%

5,76%

I…, LDA.

3,76%

5,12%

4,91%

4,60%

J…, LDA.

6,24%

3,87%

18,16%

9,42%

K…, S.A.

5,54%

4,18%

4,38%

4,70%

L…, LDA.

4,64%

7,77%

-18,97%

-2,19%

M…, LDA.

9,94%

9,54%

8,30%

9,26%

N…, LDA.

9,33%

5,79%

5,36%

6,82%

O…, LDA.

7,13%

4,46%

4,85%

5,48%

P…, LDA.

1,03%

1,30%

0,61%

0,98%

Q…, LDA.

5,26%

4,36%

7,78%

5,80%

R…, LDA.

5,29%

5,72%

5,96%

5,66%

S…, LDA.

9,12%

7,82%

5,98%

7,64%

T…, S.A.

9,32%

8,85%

10,28%

9,48%

U…, LDA.

1,33%

3,26%

3,65%

2,75%

V…, S.A.

6,96%

9,24%

-15,95%

0,08%

W…, S.A.

6,37%

6,26%

5,56%

6,07%

X…, LDA.

3,55%

4,96%

9,53%

6,01%

 

n) O resultado final da pesquisa efetuada foi a definição de um referencial de mercado de margem líquida da operação entre -2,19% e 9,48%, como média líquida operacional dos anos de 2007 e 2009:

 

 

Margem líquida da operação

(média 2007-2009)

Máximo:

9,48%

3º Quartil:

6,82%

Mediana:

5,76%

1º Quartil:

4,60%

Mínimo:

-2,19%

 

 

o) De acordo com o EPT (página 10), “O net cost plus registado pela CSP em 2010 foi de 2,91%, valor este que se encontra dentro do intervalo de referência do mercado, o que permite concluir que as condições das operações de venda de rolhas de cortiça a entidades relacionadas observam, nesse ano, o princípio de plena concorrência previsto no artigo 1.º da Portaria”.

p) Por o referencial de mercado net cost plus, apresentar valores para o 1º quartil de 4,60%, 5,76% para a mediana e 6,82% para o 3º quartil, a AT solicitou explicação à Requerente, conforme ofício notificativo n.º … da Divisão de Inspeção Tributária III (DIT III) da Direção de Finanças de…, de 15-12-2014 (doc. 271).

q) Em 06-01-2015, a Requerente prestou as explicações solicitadas, nos termos seguintes (doc. 272):

         “ (…) 2. Utilização de um intervalo de plena concorrência

        É de amplo consenso que as regras sobre preços de transferência não permitem atuar com o rigor e a precisão próprios de uma ciência exata, considerando que a fiabilidade dos resultados obtidos com a aplicação das metodologias preconizadas, depende em grande medida de análises complexas e elaboradas, em que entram um grande número de variáveis, da disponibilidade e facilidade de recolha de dados comparáveis externos e do maior ou menor apelo a critérios de índole subjetiva e aos pressupostos básicos assumidos.

          (…) Todavia, e conforme referido no §3.55 das Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência (versão de Julho de 2010) na maior parte das vezes, “dado que a fixação dos preços de transferência não é uma ciência exata, a aplicação do método ou dos métodos mais adequados conduz a um intervalo de valores, todos eles com uma fiabilidade mais ou menos equivalente. As diferenças entre os valores que compõem esse intervalo podem resultar do facto de a aplicação do princípio de plena concorrência não permitir, de um modo geral, senão uma aproximação às condições que seriam estabelecidas entre empresas independentes. É igualmente possível que os diferentes pontos de intervalo decorram do facto de empresas independentes, realizando operações comparáveis, em circunstâncias idênticas, não praticarem exatamente o mesmo preço para a operação em causa. Todavia, em certos casos, nem todas as operações comparáveis analisadas apresentarão um grau de comparabilidade próximo. Por conseguinte, a determinação do preço de plena concorrência implica, forçosamente, uma componente interpretativa.

         Importa ainda ressalvar que as orientações da OCDE aconselham a realização de uma análise aos resultados extremos obtidos a partir dos comparáveis selecionados (observações com perdas ou ganhos superiores à média) no sentido de corrigir eventuais defeitos de comparabilidade.

         (…) Após a eventual exclusão destas observações extremas, deverá entender-se que qualquer ponto contido no intervalo final está conforme com o princípio de plena concorrência. Ou seja, se as condições relevantes de uma operação vinculada se situarem dentro desse intervalo de referência, deverá concluir-se pela observância do princípio de plena concorrência.

        3.Conclusão pela observância do princípio de plena concorrência

        No âmbito da análise económica de preços de transferência à operação de venda de produtos a entidades relacionadas, o método da margem líquida da operação foi aplicado com recurso ao indicador económico de net cost plus, o qual consiste na relação entre resultados e custos operacionais.

         (…) O processo de pesquisa e seleção de comparáveis permitiu que fosse alcançado o seguinte referencial de mercado:

 

Margem líquida da operação

(média 2007-2009)

Máximo:

56,35%

3º Quartil:

7,64%

Mediana:

5,76%

1º Quartil:

2,75%

Mínimo:

-41,08%

 

 

         De salientar que o intervalo de comparáveis permitia concluir que o net cost plus registado pela A… em 2010, no valor de 2,91%, se enquadrava entre o 1.º e o 3.º quartil.

         No entanto, face ao procedimento recomendado pela OCDE para a análise aos resultados extremos obtidos nos comparáveis selecionados anteriormente descrito, foi realizada uma correção estatística dos outliers, conforme explicado na página 98 do processo de documentação bem como no respetivo anexo, no sentido de excluir da amostra as observações consideradas extremas (no caso 4 observações) passíveis de influenciar os resultados obtidos.

         O intervalo de plena concorrência que resultou da aplicação desta análise é o que consta do processo de documentação de preços de transferência da A… e que se reproduz no quadro abaixo.

 

Margem líquida da operação

(média 2007-2009)

Máximo:

9,48%

3º Quartil:

6,82%

Mediana:

5,76%

1º Quartil:

4,60%

Mínimo:

-2,19%

 

 

         Uma vez que este intervalo de plena concorrência resulta já da exclusão das observações extremas deverá para efeitos de comparabilidade ser considerado na sua integralidade e não apenas nos pontos entre o 1.º e o 3.º quartil. Conforme se refere no processo de documentação de preços de transferência da A… preparado para o exercício de 2010, o net cost plus registado pela A…foi 2,91%, pelo que se conclui, em definitivo, pela observância do princípio de plena concorrência”.

r) Porém, para a AT, o preço praticado afasta-se do preço comparado pelas entidades observadas, porque (pág. 15/16 do PRIT):

 – Se afasta bastante da mediana da amostra a qual melhor configura a plena concorrência;

 - O preço de venda para C… praticado pela B…, é bastante superior ao preço de venda praticado pela A…, tendo em atenção que o valor acrescentado pela B… é nulo; e

 - Sendo a A… o principal gerador de valor acrescentado, não se justifica que obtenha uma margem sobre os custos operacionais de 2,91%, enquanto a B… obtém uma margem de comercialização de 12,4%.

s) As operações realizadas entre a Requerente e a B…, sociedade registada na Irlanda, traduziram-se num volume de faturação total de 11 825 592,89 €, já retificado com os fretes, devoluções e descontos (pág. 16 do PRIT).

t) A B… opera como um distribuidor exclusivo dos produtos da Requerente para os mercados dos EUA, Austrália e África do Sul. É uma sociedade que apenas atua intra Grupo AA…, funcionando como uma plataforma comercial entre a Requerente e a C…, FF… e G…. As transmissões de bens que a Requerente realiza para estes três clientes processam-se da seguinte forma (pág. 16 do PRIT):

·      Os produtos fabricados pela Requerente são vendidos às suas congéneres nos EUA (C…), na Austrália (F…) e na África do Sul (Adelaide), mas faturados à B…: nas faturas emitidas pelo contribuinte esta consta como cliente e aqueles como destinatários;

·      Os produtos são expedidos a partir das instalações da Requerente em …, diretamente para os Estados Unidos, Austrália ou África do Sul, e transportados habitualmente por via marítima (pontualmente e no caso de remessas mais pequenas ou urgentes, seguem via aérea);

·      As únicas referências à B… que se encontram na documentação contabilística que suporta as vendas efetuadas àquela entidade são a sua indicação como cliente na fatura e, por vezes, a sua identificação como ordenante das transferências bancárias recebidas.

u) Verifica-se que existe uma relação direta e inequívoca (fatura a fatura) entre a faturação Requerente –B…–C…, constatando-se que existem sempre duas faturas emitidas para cada transação efetiva de bens ocorrida. Assim, o circuito de faturação é Requerente –B…–C…, ao passo que o circuito físico das mercadorias é Requerente –C…(pág. 27 do PRIT).

v) A B… funciona como intermediário meramente instrumental.

       A data das faturas pela B… para a C… é exatamente a mesma das faturas emitidas pela requerente para a B… .

       As mercadorias, referências e quantidades das faturas emitidas pela B… para a C… são exatamente as mesmas das faturas emitidas pelo contribuinte para a B… (pág. 27 do PRIT).

w) Procedeu-se à compilação dos dados fornecidos pelos EUA ao abrigo da cooperação administrativa internacional, tendo sido elaborado mapa global da faturação A…– B…– C…no ano de 2010, que se junta em Anexo 20 (5 páginas). Neste mapa, foi diretamente associada a faturação da A… para a B… com a correspondente faturação da B… para a C…nos mesmos anos, sendo que o principal fornecedor da B… foi a A… . Uma vez que as faturas emitidas pelo contribuinte para a B… se encontram expressas em EUR e as faturas emitidas pela B… para a C… se encontram expressas em USD, foi necessário convertê-las todas para a mesma moeda, neste caso o EUR, tendo para o efeito sido utilizadas as taxas de referência diárias do Banco de Portugal relativas às datas de cada uma das faturas emitidas pela B… para a C…, disponíveis em http://WWW.bporugal.pt “ (pág. 28 do PRIT).

x) Os cálculos efetuados permitiram-nos obter os seguintes valores globais (pág. 28 do PRIT):

Dados fornecidos pela C…

2010

Faturação da A…para a B…(1)

10 577 570,57

Faturação da B…para a C…(2)

11 885 028,55

Diferença (3) = (2) – (1)

1 307 457,98

 

y) Consta do PRIT, pp. 28/31:

III.1.1. Vendas efetuadas à sociedade irlandesa B…– Correção dos preços de transferência

A Irlanda constitui uma jurisdição fiscalmente atrativa na Europa, em virtude de possuir, entre outras, as seguintes características:

- uma baixa taxa de imposto sobre o rendimento das sociedades (o equivalente ao nosso IRC) de 12,5%, aplicável genericamente aos lucros resultantes de atividades comerciais e industriais;

- os rendimentos passivos, tais como dividendos, juros, rendas e royalties são tributados a uma taxa máxima de 25%.

Os factos apurados relativamente às operações declaradas entre o contribuinte e a sociedade irlandesa B…, Ltd foram sendo explicados ao longo do presente relatório. Apresenta-se a seguir uma súmula dos mesmos:

i)          Do total faturado pelo contribuinte no ano de 2010, cerca de 12,3 milhões de euros dirigiram-se à B… (aproximadamente 45%), cerca de 18,6 milhões dirigiram-se ao grupo (68%) e destas, cerca de 66% à B…;

ii)        O contribuinte alega que atua como unidade industrial que assegura a produção de rolhas para o Grupo, no qual as funções comerciais estão concentradas noutras entidades, designadamente a B …, a JJ…, II…,FF… , NN…e KK…;

iii)      Porém, verifica-se que o escoamento da produção da A… ocorre diretamente, tanto no mercado europeu e América do Sul, como nos mercados dos EUA, Austrália e África do Sul, com a única diferença que nos primeiros mercados (Europa e América do Sul) os produtos são faturados aos respetivos clientes, e nos segundos mercados os produtos são faturados à B…;

iv)      Os produtos fabricados pela A… são vendidos à C… USA (C…), à F… (F…) e à G… (G…)mas faturados à B… : nas faturas emitidas esta consta como cliente e aquelas como destinatários;

v)        São expedidos a partir das instalações do contribuinte … diretamente para os Estados Unidos, Austrália ou África do Sul, e transportados em seu nome e por sua conta, sem que, na documentação de transporte e alfandegária, surja qualquer referência à B…, seja de que tipo for;

vi)      As despesas de transporte são suportadas pela A… e as despesas com os despachos alfandegários também;

vii)    O mesmo acontece quando há devoluções: o sujeito passivo debita as despesas ao destinatário das mesmas, não à entidade a quem foram faturadas (B…), como seria de esperar numa vulgar relação comercial;

viii)  Nas ordens de compra exibidas pelo sujeito passivo não consta qualquer assinatura de nenhum responsável ou funcionário da B…, tendo inclusive sido detetada uma ordem de compra (destinada à C…) na qual é pedido o envio direto da mercadoria para um cliente da C… no Canadá, cliente este que, à partida, e em condições normais, a B… não conheceria;

ix)      Existem ordens de pagamento do estrangeiro recebidas pelo contribuinte (respeitantes a transações cujo destinatário foi a C…) onde figura como ordenador a B…, mas a sua morada aparece nos EUA, na sede da C… (…, …, Califórnia), e elas são oriundas do banco com que a C… trabalha, o ZZ…; a C… confirmou-nos através das autoridades fiscais dos EUA, que a B… usou a morada da C… para receber correspondência da conta bancária que possui no banco americano ZZ…;

x)        Foram recebidas várias transferências ordenadas diretamente pela F… que foram contabilizadas como recebimentos do cliente B…, nestes casos, quem está a pagar as mercadorias é o seu destinatário efetivo e não a entidade que figura nas faturas como cliente.

xi)      O contribuinte recebeu ordens de pagamento em nome da B… que respeitam a faturas destinadas à G… e indicam no respetivo detalhe o número das correspondentes faturas emitidas pela B… à G…, o que comprova que a entidade que efetivamente está a realizar o pagamento não é a B…, mas antes a G…, pois de outra forma não faria sentido tal menção;

xii)    Não obstante não possuir relações comerciais diretas com a C…, F… e G…, a A… debitou-lhes mensalmente management fees, R&D fees e quality control fees;

xiii)  Por seu turno, a C… debita também mensalmente ao contribuinte despesas de marketing, telefone, alojamento e design da página na internet, viagens aos EUA, publicidade e utilização da marca e a F… despesas administrativas, de entretenimento, viagens, telefone e encargos com viaturas;

xiv)  A B… está coletada na Irlanda para o exercício da atividade de Comércio por Grosso de Madeira, Materiais de Construção e Equipamento Sanitário desde 2008-11-06;

xv)    As instalações existentes na morada da B…, situada em…, n.º…, em Dublin, correspondem a um escritório virtual, serviço comercializado pela empresa Y… que consiste na receção de correspondência e chamadas telefónicas associadas a uma morada à escolha, prestado a clientes localizados em qualquer parte do mundo, que apenas pretendem sedear formalmente nesse local a sua empresa, não efetivamente exercer aí qualquer atividade.

xvi)  A B… foi constituída na Irlanda em 2007-09-27 pela firma de consultoria/solicitadoria GGG…(que possui sede no…), tendo sido nomeados administradores AAA… e BBB…(ambos solicitadores); a morada de exercício da atividade e de administração indicada foi a sede da referida firma de consultoria/solicitadoria;

xvii)De acordo com as demonstrações financeiras obtidas através das autoridades fiscais irlandesas, o único fornecedor da B…, em 2010, foi a A…, e os únicos clientes foram a C…, F…e G…, a quem se destinou a totalidade do seu Volume de Negócios;

xviii)                 Possui apenas uma funcionária, CCC…, que exerce a função de administradora desde 2006-11-06 conjuntamente com DDD… e, desde 2009-03-26, também com EEE… (presidente do Conselho de Administração da A…).

xix)  CCC… constava até 2012-11-07 no cadastro da AT como residente em Portugal, possuindo domicílio fiscal na Rua…, n.º…, …º Dt.º, …-… Algés, sendo a proprietária do imóvel que se localiza nessa morada, tendo contraído um crédito à habitação para aquisição desse imóvel em 1999, que foi declarado como habitação própria permanente;

xx)    Nas demonstrações financeiras da B…encontram-se registados rendimentos pagos a CCC… no ano de 2010 e seguintes; simultaneamente verificou-se que esta auferiu em Portugal no mesmo ano, rendimentos da categoria A pagos pela sociedade do Grupo, DD…, única entidade que tem vindo a pagar-lhe rendimentos desde 2001;

xxi)  Notificada em 2012-10-17, veio alegar ser residente na República da Irlanda desde 2009, e trabalhar na B… como diretora residente; no entanto, alterou apenas na altura o seu domicílio fiscal para a Irlanda, na sequência dessa notificação.

xxii)A C… é uma sociedade registada no Estado da Califórnia, criada em 1981-03-13, detida a 100% pela FFF…, cujo presidente é EEE…e que possui sede em … …, …, Califórnia.

xxiii)                 A C… confirmou ter recebido as remessas de mercadorias da A…, faturadas à B…, tendo remetido documentação comprovativa, que permitiu atestar que existe uma relação direta e inequívoca entre a faturação A…– B…–C…, considerando-se que existem sempre duas faturas emitidas para cada transação efetiva de bens ocorrida: as datas das faturas, as mercadorias, referências e quantidades são exatamente as mesmas, variando apenas o preço; os pagamentos efetuados ao contribuinte pela B… são ordenados a partir dos EUA e provêm de uma conta bancária aberta em nome dessa empresa no mesmo banco americano com que a C… trabalha, tendo esta inclusive fornecido comprovativos dos mesmos, a que obviamente apenas tem acesso porque foram por esta executados”.

 

9.  Conforme PRIT a pp. 31/32 “ (…) Em nosso entender, as operações entre o contribuinte e a B… são passíveis de análise no âmbito do regime de preços de transferência constante do artigo 63.º do CIRC.

       O nº 1 daquele normativo estabelece que: “Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, (…), efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis”.

       Através da análise efectuada pelo contribuinte e constante do dossier de preços de transferência, resultou o seguinte referencial de mercado:

 

Net Cost Plus

2007-2009

Máximo

9,48

3º quartil

6,82

Mediana

5,76

1º quartil

4,60

Mínimo

-2,19

 

A eliminação sucessiva dos valores máximos e mínimos faz convergir a amostragem para a mediana, que traduz as condições de plena concorrência, sendo este valor o utilizado para efetuar a correção entre o “net cost plus” registado pela A… de 2,91%, e o valor de plena concorrência de 5,76%.

É meu entender que o preço praticado afasta-se do preço comparado pelas entidades observadas, porque:

- Se afasta bastante da mediana da amostra a qual esta sim melhor configura a plena concorrência;

- O preço de venda para a C… praticado pela B…, é bastante superior ao preço de venda praticado pela A…, tendo em atenção que o valor acrescentado pela B…é nulo.

- Sendo a A… o principal gerador de valor acrescentado, não se justifica que obtenha uma margem sobre os custos operacionais de 2,91%, enquanto a B… obtém uma margem de comercialização de 12,4%, conforme anexo 20.

A correção baseada nos preços de transferência dá lugar às seguintes correções:

Proveitos operacionais

28 239 079,90

Gastos operacionais

27 441 607,19

Resultado operacional

797 472,71

Net Cost Plus

2,91%

Mediana

5,76%

Vendas líquidas à B…

11 825 592,89

(Mediana-NCP) x Vendas B…

337 493,97

 

(…) o contribuinte contabilizou custos referentes a despesas de transporte (landed costs) ocorridas em 2008 e 2009, na importância de 1 900,46 €, infringindo o disposto no art. 18.º do CIRC.

Na verdade, a empresa teve na sua posse os referidos documentos em 2008 e 2009, mas apenas contabilizou parte do documento. Ainda em 2010, altura em que efetuou os lançamentos contabilísticos destas despesas, teve a oportunidade de efetuar a correção às declarações fiscais de IRC de 2008 e 2009, imputando os respetivos custos a estes anos, mas não o fez, pelo que também não podem ser aceites em 2010 por se referirem a anos anteriores”.

 

10. Deste modo o lucro tributável foi determinado nos seguintes termos (pág. 32 do PRIT):

 

 

Lucro tributável declarado

2 345,43 €

Correções aos preços de transferência

337 493,97 €

Custos de exercícios anteriores

1 900,46 €

Total de correções

339 394, 43

Lucro tributável corrigido

341 739,86 €

 

11. O Projeto de Relatório da Inspeção Tributária (PRIT) foi notificado à Requerente através do ofício n.º … da Divisão de Inspeção Tributária III (DIT III) da Direção de Finanças de…, de 23-03-2015, para efeitos do disposto no artigo 60.º da LGT e artigo 60.º do RCPITA.

i)     Em 10-04-2015 a Requerente exerceu o seu direito de audição prévia, pronunciando-se pela não realização de quaisquer correções à matéria coletável de IRC do ano de 2010 (doc. n.º 277).

ii)   Em 13-04-2015 foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária (RIT), previsto no artigo 62.º do RCPITA, reproduzindo na íntegra o respetivo projeto, aditado do capítulo IX com o título “Direito de Audição”, no qual vem referido:

“ (…) Relativamente ao princípio da especialização dos exercícios o contribuinte argumenta que o registo extemporâneo dos custos não prejudicou a Fazenda Pública, e a correção efetuada, se não acompanhada da correlativa correção em sentido contrário em 2009, redundaria numa situação de injustiça.

Ora acontece que o contribuinte teve toda a oportunidade de corrigir a possível situação de injustiça, substituindo a devido tempo a declaração modelo 22 de IRC de 2009, e recuperando o imposto pago a mais. Mas simplesmente não o fez.

Ora à luz dos artigos 23.º e 18.º do CIRC, os custos suportados deverão ser contabilizados no mesmo ano em que são gerados os proveitos, sob pena de estarmos a adulterar as demonstrações financeiras. O contribuinte não afetou os custos ao ano respetivo em que os mesmos geraram os proveitos porque não quis, e sendo assim, face ao disposto no art. 18.º do CIRC, tais custos não podem ser contabilizados como custos do exercício de 2010 mas sim de 2009. Pelo que não assiste razão ao contribuinte.

Quanto à correção dos preços de transferência, o contribuinte começa por detalhar os passos seguidos na análise dos preços de transferência, concluindo que o intervalo final de -2,19% a 9,48% traduz em qualquer dos seus pontos plena concorrência.

Aqui compete-nos discordar, pois se foram eliminadas as empresas com valores extremos, quanto maior for a exclusão dos extremos mais os rácios se aproximam da normalidade, ou seja da plena concorrência, e que conduz pela utilização deste algoritmo à mediana.

Como sabemos, não há qualquer normativo que indique qual o ponto do intervalo a considerar como o de plena concorrência. Mas as regras estatísticas sem dúvida que nos fazem convergir para um ponto do intervalo interquartis, excluindo efetivamente as empresas acima do 3.º quartil e abaixo do 1.º quartil.

Finalmente relativamente às considerações efetuadas sobre as relações com a B…, as margens de comercialização e o valor acrescentado gerado, contrariamente ao que é afirmado, não são destituídas de sentido, nem descontextualizadas nem despropositadas, pois todos conhecemos as ligações de domínio entre as empresas A…, B… e C…. Os valores obtidos relativos às margens e ao valor acrescentado foram obtidos a partir das demonstrações financeiras da A… e da B…, e não têm nada de inventado, conforme V.s Ex.ªs pretendem pressupor.

Face aos argumentos apresentados, reiteramos que a nossa análise conduziu a um intervalo de plena concorrência situado entre o 1.º e 3.º quartil, considerando que a mediana é um indicador seguro do princípio de plena concorrência, pelo que em nosso entender não assiste razão ao contribuinte”.

12. O RIT foi notificado à Requerente através do ofício n.º…, de 15-04-2015, no qual foi exarado o seguinte despacho da Chefe da referida Divisão de Inspeção Tributária, de 14-04-2015, no uso de competência delegada:

“Com o presente relatório conclui-se o procedimento de inspeção, nos termos do art. 62º do RCPITA.

O SP exerceu o direito de audição, previsto no artigo 60.º da LGT e art. 60.º do RCPITA: no ponto IX deste relatório encontra-se efetuada a sua análise, concluindo-se ser de manter as correções aritméticas constantes do projeto de relatório.  

       Assim, concordo com as correções técnicas, referentes ao período de tributação de 2010:

        - em sede IRC – por correção aos preços praticados com empresa (B…) em relações especiais, nos termos do art. 63.º do CIRC e ainda por gastos relativos a exercícios anteriores, conforme se descreve no ponto III (…)”.

13. Na sequência da ação inspetiva foram efetuadas correções aritméticas ao lucro tributável da Requerente, no valor total de 339 394,43 €, assim discriminadas:

A título de incumprimento do princípio da especialização dos exercícios ……     1 900,46 €

A título de incumprimento do regime de preços de transferência …………… 337 493,97 €

Total ………………………………………………………………………………… 339 394,43 €

 

14. Estas correções aritméticas determinaram a fixação de um lucro tributável de 341 739,86 € e uma matéria coletável do exercício no montante de 143 359,95 €, em função da dedução (oficiosa) de 198 380,36 € de prejuízos fiscais reportáveis de exercícios anteriores, da qual veio a resultar a liquidação adicional de IRC n.º 2015…, de 23 de Abril de 2015, no montante total de 4 766,28 €, correspondendo 4 052,79 € a IRC e 713,49 € a juros compensatórios, da qual decorre uma dívida tributária no montante total de 5 804,42 €, constante da demonstração de acerto de contas a que se refere a compensação n.º 2015…, de 24 de Abril de 2015 (doc.s n.ºs 1 e 2 supra referidos).

15. O montante liquidado de 5 804,42 € foi pago em 19 de junho de 2015.

 

 

B) Factos não provados

       Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

 

C) Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base no Relatório da Inspecção Tributária, na cópia do processo administrativo, que a Requerida remeteu nos termos do n.º 2 do artigo 17.º do RJAT e ainda nos demais documentos juntos ao processo.

D) Matéria de Direito

              1. Das correções aritméticas à matéria coletável por incumprimento do princípio da especialização dos exercícios

O n.º 1 do artigo 18.º do CIRC estabelece o princípio da especialização dos exercícios, nos termos do qual, “Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica”.

Assim, face a este princípio, as três notas de débito, no montante de 1 900,46 € (doc. n.º 268), emitidas no ano de 2010, deveriam ser imputadas ao exercício de 2009, já que respeitam a custos incorridos com o transporte inerente à devolução física de mercadorias verificado no final deste ano.

Porém, só após a receção (24.11.2009) e exame da mercadoria devolvida, a Requerente assumiu os respetivos custos de transporte e emitiu a correspondente nota de crédito n.º …/…, a 26 de Fevereiro de 2010, registando contabilisticamente tais custos também apenas nesse momento.

Constata-se deste modo que tais despesas de transporte não foram relevadas como custo fiscal no ano em que a devolução teve lugar (2009).

Podendo concluir-se que o resultado tributável do exercício de 2009 permaneceu artificialmente elevado, na exata medida da redução do resultado de 2010 ocasionada pelo custo que a Administração Tributária corrigiu.

Assim, a Requerente defende que o princípio da especialização dos exercícios não pode deixar de ser matizado pelo princípio da justiça, com acolhimento constitucional e legal, respetivamente no artigo 266.º, n.º 2, da CRP e no artigo 55.º da LGT.

O STA tem adotado o entendimento que a Requerente defende, tendo decidido, que:

“(…) esse princípio deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios”[1].

“(…) Porém, se já não for possível ao contribuinte, proceder ele próprio a essa correcção (através da respectiva revisão do acto), por já ter decorrido o prazo para o fazer, mas dessa correcção resultar benefício para a FP e prejuízo para o contribuinte, não é de proceder, em situações excepcionais, a tal correcção.

Na verdade, não havendo qualquer prejuízo para a FP (por todos os custos terem sido contabilizados, embora com erro no tocante aos exercícios respectivos), e tal não resultar de omissões voluntárias ou intencionais, com vista a operar transferências de resultados entre exercícios, o princípio da especialização de exercícios deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com previsão no art. 55º da LGT[2].

 

Nestes termos, em sintonia com esta jurisprudência, é de declarar a ilegalidade da correção à matéria coletável do montante de 1 900,46 €, referente às referidas notas de débito, que constituem o doc. n.º 268, de que decorre a ilegalidade do ato de liquidação, na parte em que teve como pressuposto esta correção.

 

 

 2. Das correções aritméticas à matéria coletável por incumprimento do regime dos preços de transferência

Os pressupostos fundacionais do regime dos preços de transferência e as limitações impostas ao intérprete / julgador

Tal como resulta dos factos provados, não é controvertida a questão do método utilizado pela Requerente, a saber, o de que foi utilizado o método da margem líquida da operação e o indicador Net Cost Plus – método do preço de custo acrescido de uma margem de lucro, com rejeição pelos restantes métodos, com razões justificativas, com as quais a AT concordou (Relatório de inspeção (doravante, RI ou RIT) e artigo 28.º da p. i.).

Também não há dissensões sobre o teor da amostra constante do dossier de preços de transferência, constituída pela Requerente a partir de duas bases de dados identificadas nos autos, nem sobre os fundamentos explicitados pela Requerente quanto ao modo como procedeu, e ao procedimento que desenvolveu de constituição, expurgo dessa amostra, conforme resulta quer dos documentos anexos, quer, em especial, dos artigos 50.º e segs. da sua p. i.

Com efeito, são explicados (artigos 52.º e segs. da sua p. i.) de forma clara e inequívoca todos os passos seguidos pela Requerente para, no quadro do disposto no art.º 63.º do CIRC e da Portaria 1446-C/2001, de 21.12, analisar, numa perspetiva de preços de transferência, que materializou no supra referido Relatório, as relações entre si e a sua associada B…Ltd. (doravante, Trading) com relação à verificação da questão de saber se as condições praticadas entre si (Requerente) e essa Cliente diferiam (ou não) das que normalmente existiriam entre entidades não relacionadas.

De modo que a dissensão entre as partes não radica em questões que tenham que ver com o método escolhido para aferir da verificação do princípio da plena concorrência, com o processo de constituição da amostra nem com os resultados da amostra. Com efeito, esta é tida como significativa, permitindo concluir que as características económicas das situações consideradas são suficientemente comparáveis (OCDE, Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations, p. 17), e que se verifica a sua representatividade, sendo considerados bons os resultados do procedimento amostral ou do intervalo de referência resultante desta análise, concretamente as margens líquidas da operação das empresas integradas nessa amostra. Não são, portanto, o teor, os fundamentos nem os resultados emergentes da seleção ou da amostra constituída, sobre que as partes dissentem.

Tal dissensão resulta da escolha do valor representativo do indicador de plena concorrência feita pela Requerente, com o qual a AT não concorda, conforme resulta, por exemplo, do RI, p. 14 e segs., artigos 61.º e segs. da p. i. e da Resposta, pontos 10 e segs.

Com efeito, a Requerente visou e alcançou, no Relatório dos Preços de Transferência que constituiu, definir um intervalo de mercado – apoiando-se nisso no disposto nos artigos 4.º e 5.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro, constituindo uma amostra final de 17 empresas do setor com determinadas caraterísticas, para os anos de 2007-2009 (anteriores ao exercício em que foi efetuada a correção), em termos tais que dessa mostra resulta a definição de um referencial de mercado de margem líquida da operação para as empresas do setor, integradas nessa amostra, que se situa entre -2,91% e 9,48%, como média líquida operacional dos anos de 2007-2009, conforme quadro que reproduz no artigo 56.º da sua p. i. e que consta a a pags. 12 da p. i. que aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos.

Assim, considera a Requerente que, tendo aplicado em 2010 uma margem líquida da operação nas vendas realizadas à B…, de 2,91%, se situa dentro do intervalo de referência evidenciado pela Amostra. Tal como consta do Relatório que “o net cost plus registado pela A…[Requerente) “em 2010 foi de 2,91%, valor este que se encontra dentro do intervalo de referência do mercado”. Concluiu a Requerente no sentido de que nessas vendas foi respeitado o princípio de plena concorrência e, consequentemente, a correção que lhe foi efetuada carece de fundamento.

Com efeito, as partes dissentem porque, ao passo que a Requerente considera que a margem líquida que praticou em 2010, nas trocas comerciais em causa, de 2,91%, por se encontrar dentro do intervalo de referência a que se referem quer o n.º 6 do art.º 63.º do CIRC, quer dos artigos 4.º e 5.º da Portaria, respeita o princípio da livre concorrência, a AT entende que esse não é, concretamente, o valor mais representativo do indicador de plena concorrência, com os fundamentos que constam da sua Resposta e, em particular, nos pontos 12 e segs. do próprio RI.

Aduzindo esta, como fundamento para o efeito, um conjunto de razões que constam dos pontos 12 a 37 da sua Resposta e 47 e segs das suas Contra Alegações finais.

De modo que a questão está em saber em que termos se deve considerar respeitado o princípio de plena concorrência: se basta para o efeito considerar que qualquer margem líquida de uma dada operação económica o respeita, desde que se situe dentro do intervalo do referencial de margens líquidas apurado no Dossier de Preços de Transferência – que no caso se situa entre os valores de -2,19% e os 9,48% - ou se, pelo contrário, se deve efetuar, ainda assim, uma precisão desse referencial dentro do intervalo de resultados obtidos na análise efetuada nesse dossier, para comprovação do respeito pelo princípio.

Com isto, importa reter que não está nos autos em causa a fiabilidade ou a representatividade da amostra, nem se colocam distorções de comparabilidade que afetem quer as operações de mercado constantes dessa amostra, quer as operações vinculadas. Sobre este aspeto a AT nada invoca em desmerecimento dessa Amostra ou do método, pelo que a argumentação expendida pela Requerente neste respeito, quer na sua p. i. quer, em especial, nas suas alegações finais (parags. 37 e segs), não tem cabimento, não tendo razão ao pretender imputar à AT a violação do ónus de prova sobre factos que não foram por ela questionados nem estão controvertidos.

Uma vez que, sublinhe-se, o facto controvertido é o de saber se basta que a margem da Requerente se situe dentro do intervalo de plena concorrência ou se, uma vez apurado este, deverá também procurar-se, dentro dele, o ponto que melhor reflita a margem de plena concorrência, segundo as circunstâncias concretas do negócio.

Quando o intervalo contém resultados de igual fiabilidade, é sustentável defender, no entendimento da Requerente, quer “qualquer ponto do intervalo satisfaz o princípio de plena concorrência.” (art.º 62.º da p. i.). Já que os resultados da amostra são todos, em princípio, de igual fiabilidade, coisa diversa será saber se se deve ainda procurar determinar se alguns deles refletem melhor a realidade do negócio, os riscos incorridos, etc.

À primeira vista parece que basta que essa margem líquida da operação económica no ano sob apreço se situe dentro do referencial, para que se considere cumprido o requisito exigido por lei do respeito pelo princípio de livre concorrência. Mas, como se pode verificar no caso sob apreço (e, porventura, noutros), isso simplesmente representa a possibilidade de concluir no sentido de que margens líquidas muito diferenciadas materializariam, todas elas, o respeito pelo princípio da plena concorrência, quando delas resultariam diferenças muito acentuadas de resultados operacionais. E tanto fundamentariam a correção da AT como não, dependendo do valor concreto de margem que se viesse a aplicar.

Será, então, assim? Vejamos.

 É pacífico o entendimento de que os pressupostos legais para que a AT possa corrigir a matéria coletável ao abrigo do anterior art. 57.º e atual art.º 63.º do CIRC são:

a)­ A existência de relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa;

b)­ Que entre ambos se tenham estabelecido condições diferentes das normalmente acordadas entre pessoas independentes;

c)­ Que tais relações especiais sejam causa adequada das ditas condições;

d)­ Que aquelas tenham conduzido a um lucro apurado diverso do que se apuraria na sua ausência.

(neste sentido, ver, entre outros, o Ac. do TCA Sul, proc. n.º 01573/98, de 9.4.2002)

Tudo no quadro do regime denominado regime de “preços de transferência”, que constitui uma cláusula anti abuso, como é pacificamente entendido, segundo o qual o que se pretende é evitar que os grupos empresariais, nas relações que desenvolvem entre si, estabeleçam, contratem ou pratiquem operações, nos termos descritos no art.º 9.º da Convenção Modelo da OCDE e no n.º 1 do art.º 63.º do CIRC, que sejam substancialmente diferentes das que seriam contratadas entre entidades independentes.

De modo que o objeto do regime são as operações entre entidades do mesmo grupo e os seus objetivos são os de limitar os abusos que possam resultar dessa circunstância especial que são as relações de grupo, na (eventual) concertação dos termos e das condições em que contratam.

Parece pacífico dizer que aquilo que o regime visa é a correção do preço, se a isso houver lugar, como o diz CÂMARA, Francisco de Sousa da/SANTIAGO, Bruno, “Análise de alguns aspectos do Regime Doméstico dos Preços de Transferência e a sua Relação com o Direito Fiscal”, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Paulo Pitta, Vol. II- Economia, Finanças Públicas e Direito Fiscal, Almedina, 2010, p.165. Ver, ainda, TÔRRES, Heleno. Direito Tributário Internacional: planejamento tributário e operações transnacionais. São Paulo: RT, 2001, p. 162.

Os preços de transferência são preços através dos quais uma empresa transfere bens corpóreos, ativos incorpóreos ou presta serviços a empresas associadas (OCDE - Princípios aplicáveis em matéria de preços de transferência destinados às empresas multinacionais e às Administrações Fiscais”, Caderno de Ciência e Técnica Fiscal n.º189, Ministério das Finanças, Lisboa, 2002, Parágrafo 11 do Prefácio do Relatório da OCDE sobre preços de transferência) que se traduzem numa transferência indireta de lucros, em que o preço estabelecido difere do preço justo. O regime consiste na política de preços que vigora nas relações internas de empresas interdependentes, que devido as relações especiais, podem gerar a fixação de preços artificiais, diferentes dos preços de mercado.

Nomeadamente, prossegue o autor, “a venda de bens, a transferência de direitos de propriedade industrial, de direitos de autor, de tecnologia, contribuição para despesas comuns de pesquisa e desenvolvimento, publicidade e administração, pagamentos pelas prestações de serviços comerciais, técnicos ou de formação, pagamentos de juros pela realização de empréstimos, entre outros; um exemplo comum são bens fabricados num país que são vendidos a uma empresa subsidiária para esta os revender”, di-lo XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional, 2ª Edição, Almedina, Coimbra, 2011, p. 432 e 441, 442.

E isto porque o preço transferido entre empresas ligadas por relações especiais, não é negociado no mercado livre. Daí resulta que isso potencialmente origina que ele se afaste do que seria praticado entre pessoas independentes, em circunstâncias análogas, em transações semelhantes. Tal preço afasta-se (frequentemente) do preço que pessoas independentes praticariam em circunstâncias e transações similares, uma vez que não é negociado no mercado livre (CÂMARA, Francisco de Sousa da, “A Avaliação Indirecta da Matéria Colectável e os Preços de Transferência na LGT”, Lisboa, 1999, http://www.mlgts.pt/xms/files/Publicacoes/Artigos/374.pdf, p. 1.).

De modo que o que, em essência, está aqui em causa é a circunstância de esta prática afetar, de forma direta e imediata, a receita fiscal de um Estado e, consequentemente, os equilíbrios esperados na repartição dos encargos tributários pelos agentes económicos que os devem, segundo as condições normais, suportar. Com efeito, ainda que o facto económico decorra ou se localize ou deva considerar localizado no território de um Estado, segundo as regras próprias aplicáveis, emergentes dos elementos gerais de conexão, que são o local do exercício da atividade ou a fonte produtora, os preços de transferência propiciam que os resultados dessa atividade (muitas vezes, senão mesmo na generalidade dos casos, utilizando as infra estruturas públicas e beneficiando de todo o acervo de estruturas gerais, que foram criadas e são mantidas em funcionamento com os dinheiros dos impostos pagos pela generalidade dos contribuintes) sejam tributados num outro Estado, em condições fiscalmente mais favoráveis, e portanto com evidente benefício, se não para entidade residente, pelo menos para o grupo económico de que ela ou as entidades coligadas fazem parte.

Consequentemente, deve ter-se por claro que a importância das regras relativas aos denominados preços de transferência, não se esgota na relação entre a empresa participante na prática de preços de transferência e o Estado da sede ou da fonte produtora, mas assume proporções mais gerais, de elevada relevância para toda a coletividade, pois que, em resultado da vigência do princípio da capacidade contributiva, o que se passa é que, provada a prática desses preços, provada fica a circunstância de que alguém está pagando imposto abaixo das suas possibilidades. E, logo assim, abaixo do dever legal e moral de pagar o que ao Estado ou à coletividade é devido segundo as suas circunstâncias concretas.

Há, nisto uma dimensão sociológica que não se esgota na frieza da norma, como se poderia pensar, não apenas porque as normas ou os regimes legais não são assim tão frios, na justa medida em que radicam em fundamentos de ordem valorativa que são a sua causa última e primeira razão de ser. Pois que o fim da arrecadação e aplicação do tributo é a realização integral da coletividade e das pessoas que a constituem, lembra-o FAVEIRO, Vítor António Duarte, O Estatuto do Contribuinte - A pessoa do contribuinte no Estado social de direito, Coimbra editora, 2002, p. 87 e 88.

Ora, se a pessoa humana é o elemento-génese da ordem tributária dos nossos dias, esta não pode ser vista como um sistema mecanicista que apenas propicie ou legitime os instrumentos de transferência automática da riqueza das mãos dos cidadãos para as do Estado, para satisfazer interesses de ordem geral. O imposto como meio por excelência do financiamento público, seguiu, na dogmática financeira do liberalismo inspirador da nova ordem de valores saído dessas grandes e pequenas revoluções dos séc. XVIII e XIX, trouxe consigo uma renovada (na verdade, refundada) ordem de fundamentos assentes em novos valores como a universalidade, a igualdade na relação (e já não a igualdade absoluta que vigorava no antigo regime, o estado estamental, que era apanágio da justiça comutativa, hoje banida do sistema fiscal e da dogmática do imposto), assentes numa nova ideia de justiça fiscal que desemboca no estruturante dever de contribuir segundo as (reais) capacidades económicas de cada um, arvorado em princípio da capacidade contributiva[3].

Expresso, então, pelos pais fundadores da nossa nova ordem tributária, nos termos em que Ferreira Borges o deixou dito, a saber: “Ninguém há que não pague tributos: e todos pagarão mais e maiores segundo for pior administrado o rédito do Estado. Deve portanto ser melhor o governo, que for mais barato, e que der melhores contas das suas despesas. (…) Como o governo deriva a necessidade da sua existência do bem geral dos sócios, é de justiça, que todos os sócios contribuam para a sua manutenção. Como porém o interesse dos sócios, ainda que geral é desigual segundo são desiguais as fortunas de cada um, segue-se, que a contribuição só será justa quando tiver a qualidade do que em direito comercial se chama contribuição em avaria grossa; isto é, quando cada um fornecer uma parte da despesa na proporção da fortuna, que é protegida e assegurada pelo governo. Logo quem tiver cabedal como quatro deverá contribuir como quatro a respeito de quem tiver cabedal só como um. Logo todo o tributo que, sendo possível, não for imposto neste sentido, é injusto, e conseguintemente indevido”. (José Ferreira BORGES, “Princípios de Syntelologia”[4], Bingham, Londres, 1831, ob. citada, pág. 8, citado em CATARINO, João Ricardo, Para uma Teoria Política do Tributo, CTF, n.º 184, 1999, p. 171). Tudo num sentido idêntico ao que Adam Smith já havia expresso ao referir-se ao pagamento “em razão dos seus haveres” em An Inquiry Into the Nature and Causes of the Wealth of Nations, Methuen and Co LTD. Londres, edição portuguesa Inquérito sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1983, 2002 (veja-se ainda TORRES, Ricardo Lobo, Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, Vol. III, Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia, ed. Renovar, Rio de Janeiro, são Paulo, 3.ª edição, 2005.

Ora, num primeiro momento, são preocupações de tributação segundo a capacidade contributiva revelada que o regime dos preços de transferência radica, uma vez que nele se procura determinar o preço (de mercado) que normalmente seria praticado entre entidades independentes em operações comparáveis. Pois que, em sentido sociológico a capacidade contributiva constitui-se como o fenómeno pelo qual certa realidade económica revelada deve ser individualmente imputada, visando um fim público estruturante: a manutenção e o aprofundamento de uma ordem social integrada e eficiente, onde todos melhorem, de algum modo, a sua condição social. A repartição desse custo social, quando realizado através do imposto, constitui o método de efetivação dessa partilha coletiva.

Do ponto de vista económico a capacidade contributiva traduz o resultado da atividade de cada um na satisfação de necessidades pessoais (micro) e a aptidão financeira que dela resulta para suporte de encargos públicos segundo um dado critério de repartição. Num âmbito macro económico há-de constituir-se como a realidade global em que assenta a obtenção dos recursos por parte dos órgãos do poder público para a satisfação de fins públicos.

Numa perspetiva política a capacidade contributiva traduz num enunciado de valores e ideais politicamente definidos e genericamente firmados, que habilitam os órgãos próprios do poder público a efetivar a arrecadação de receitas para satisfação de necessidades públicas. Esta, por sua vez, ela reporta-nos ao sentido legal ou jurídico do qual emerge que a capacidade contributiva exprime o enunciado legal, prévio, estabelecido em fonte de lei formal, absoluta, reservada e solene, que determina o modo como em cada um se revela. Na medida em que capacidade económica e capacidade contributiva constituem realidades diferentes, só a primeira releva como critério de sujeição, submetido, também ele, a determinação legal prévia, o mesmo se dando com a repartição do imposto. Estas, em sentido jurídico, estão submetidas a estritos cânones de consentimento, legalidade (reserva de lei e reserva de competência legislativa), tipicidade e demais corolários lógicos que a melhor hermenêutica jurídica dá conta em termos adequados e que aqui não cabe referir.

Finalmente, em sentido material a capacidade contributiva é o postulado prévio da vida real, de cuja verificação fáctica depende o desencadear da relação pública de imposto, mormente como resultante de uma atividade ou evento gerador de riqueza individualmente imputada, sendo a progressividade das taxas o método de efetivação da imputação concreta em que se traduz o apuramento de imposto e reflete as opções político-legislativas tomadas em face da diversidade qualitativa e quantitativa das realidades cabíveis na norma legal de incidência material.

Aspetos que, sendo relevantes, são apenas o caminho para o âmago do problema do regime dos preços de transferência, expresso em 1789 no artigo 13.º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão ao reafirmar o princípio de que “para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição comum, que deve ser repartida entre os cidadãos de acordo com as suas possibilidades” o que significa que qualquer outra medida de imposto abaixo ou acima disso é injusta.

Ora, se é verdade que tal capacidade contributiva, em qualquer das aceções consideradas, funciona claramente como pressuposto, limite ético e fundamento material e jurídico do imposto, desde logo por condicionar os factos que poderão caber no modelo de incidência tributária (CATARINO, João Ricardo, Redistribuição Tributária, Estado social e escolha individual, Almedina, 2008, p. 374 e segs.) é também certo que é da igualdade que parte a capacidade contributiva, já que esta deve ser vista como um desdobramento daquela, levando VALDÉS COSTA a asseverar ser a capacidade contributiva um subprincípio da igualdade perante a lei (Instituciones de Derecho Tributario, Depalma, Buenos Aires, 1992, pág. 458 e também EUSEBIO GONZALEZ e JOSÉ LUÍS PÉREZ DE AYALA, Curso de Derecho Tributario, 2.ª edição, Editorial de Derecho Financiero/Editoriales de Derecho Reunidas, Madrid, 1978; JOSÉ LUÍS PÉREZ DE AYALA, Ficciones en el Derecho Tributario, Editorial de Derecho Financiero, Madrid, 1970; FERNANDO SAINZ DE BUJANDA, Hacienda Pública, vol. III, pág. 182; HÉCTOR VILLEGAS, Curso de Direito Tributário, trad. brasileira, São Paulo, ed. Revista dos Tribunais, 1980, pág. 87.).

De modo que, por consequência, os preços de transferência ofendem os pressupostos de igualdade, de capacidade contributiva e atingem o valor estruturante da justiça na repartição dos encargos tributários. Objeto da reflexão de Platão na República e por Aristóteles na Ética, a justiça surge então como virtude, como a ação de um sujeito perante o seu semelhante, segundo um critério ou ideal de igualdade. Este último assinala que a justiça distributiva tem lugar nas distribuições de honra, de riqueza ou de outras coisas que podem repartir-se entre os membros da república. Para Cícero, a justiça é a disposição de dar a cada um o que é seu que, com elegância, Ulpiano descreve como constans et perpetua voluntas ius suum cuique tribuendi.

Ora, o dever de cooperação abrange o homem inteiro e domina toda a sua vida, obriga-o, como Platão e Aristóteles tinham visto, a praticar todas as virtudes e ser o primeiro, ele mesmo perfeito, a fim de ser um bom artesão do bem comum, refere LECLERCQ, Jacques, em Leçons de Droit Naturel, Louvain, 3.ª edição, vol. I, 1947, pág. 238. De modo que a justiça deixa de ser uma virtude moral, interior, dos sujeitos para se transformar num padrão externo visando aferir a situação social de alguém, um estado de coisas avaliado por relação com os demais. Vertida no domínio do imposto, este é justo se atingir todos em condições de igualdade (relativa, segundo as aptidões contributivas de cada um), em termos tais que cada um deve contribuir segundo as suas capacidades. Nem mais nem menos do que isso.

De modo que, por consequência, o problema dos preços de transferência atinge o âmago das preocupações sociais, e situa-se, ontogenicamente, no domínio da necessidade da observância da ordem dos valores que inspira o imposto e a atividade do seu lançamento, em termos de poder garantir que todos pagam segundo podem fazê-lo, nos termos da capacidade contributiva concretamente revelada.

Disto decorre o dever estrito, elevado à categoria de realidade fundamental, de pagar imposto segundo realmente se pode, e o dever, para os órgãos públicos, de não exigir mais do que aquilo que cada um concretamente pode ou deve suportar. Vistas as coisas assim, toda a atividade tributária em geral, de lançamento de imposto, de autoliquidação e de correção de valores declarados ou manifestados, é uma atividade (tanto para os agentes económicos como para os órgãos do Estado competentes) que se liga diretamente aos fundamentos mais recônditos da ordem tributária. Por consequência, radica na ordem social onde a pessoa humana é um ser social, o Estado como organização política é o elemento através do qual se opera a sua realização integral, e o tributo é o elemento determinante do vínculo contributivo que, por lei, possa e deva vir a corresponder a cada pessoa-cidadão, segundo os dados que a individualizam.

A consequência desta verdade é a de que deve haver o maior cuidado não só na manifestação dos factos tributários para que todos paguem segundo o que efetivamente podem, incluindo os casos de aplicação das normas anti abuso para que se não verifiquem injustiças, a todos os títulos reprováveis.

Sendo assim, o escopo do regime dos preços de transferência que emerge tanto da lei portuguesa como das Diretrizes da OCDE sobre a matéria, que adiante referiremos, não visa “apenas” a determinação do preço de plena concorrência como um fim em si mesmo. Este é um meio para atingir o mais elevado grau de justiça que o possa ser. O regime configura, assim, uma direta materialização de uma ideia teórica e de uma situação concreta de justiça, para garantir que a medida do imposto a exigir seja tão próxima quanto possível da realidade que resultaria da contratação entre entidades independentes em operações comparáveis. E daí que a atividade interpretativa e aplicadora desse regime não se deva considerar esgotada quando se alcance apenas certa medida de verdade nessas condições. Por consequência, as normas que o regulam acham-se fundadas nestes valores fundacionais e devem, todas elas, ser interpretadas tomando-os por pressuposto e impregnando o seu sentido literal e lógico, de acordo com a dogmática própria das regras de interpretação das leis. Dito de outro modo, tanto os arts. 63.º do CIRC como todo o regime que consta da Portaria 1446-C/2001 devem ser interpretados tomando por base este inquestionáveis pressupostos valorativos que corporizam a verdadeira mens legis. Pois que toda a norma ou o regime legal repousa numa ratio juris, requerendo-se que seja entendida no sentido que melhor responda à consecução do resultado pretendido, do ideal de justiça nela vertido (ANDRADE, Domingos, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, e FERRARA, Francesco, Interpretação e Aplicação das Leis, Arménio Amado, editor, Coimbra, 1978).

Visto isto, importa pois ter presente que a causa primordial das medidas anti abuso, incluindo esta, é a obtenção da igualdade tributária e a garantia da justiça na distribuição dos encargos tributários, figurando o dever que resulta do n.º 2 do art.º 63.º do CIRC como um dever instrumental para atingir tal desiderato.

Com efeito, neste domínio, como noutros, o escopo deve ser um resultado de alta qualidade, o que só é possível alcançar quando, aplicados os princípios da lei, se alcance um nível de verdade que traduza uma fiel representação dos factos tal como eles se passariam entre entidades independentes. O que requer duas coisas e a dois tempos: que sejam primeiramente ponderados todos os elementos relevantes e que o resultado alcançado seja testado à luz do que se sabe terem sido as atividades e as responsabilidades concretas das partes na operação ou operações económicas em causa. Sendo que tal resultado de qualidade máxima se acha devidamente espelhado como requisito primordial no regime português, como se passa a evidenciar no ponto seguinte.

 

O princípio de plena concorrência

O princípio de plena concorrência emerge do art.º 9.º da Convenção Modelo da OCDE e acha-se vertido no artigo 63.º do CIRC e demais normativos aplicáveis, remetendo para as condições prevalecentes entre empresas independentes relativamente a operações idênticas. O princípio adota o critério que consiste em tratar os membros de um grupo multinacional como entidades separadas, di-lo a OCDE no Relatório de 2001, nos CFT n.º 189, p. 37, depois sucessivamente reafirmado nos relatórios posteriores. Do que se trata, pois, é de conseguir determinar o preço de mercado por via da análise de operações idênticas, em circunstâncias análogas, sendo certo que este será sempre um preço comparável, sem nunca se conseguir determinar “o preço” que aquelas entidades praticariam se tivessem contratado de forma independente, pois esse não foi praticado, não existe e não pode ser apurado a não ser por esta via mediata. Trata-se, portanto, de conseguir, segundo as circunstâncias, e apenas a partir de operações idênticas em circunstâncias análogas – sem nunca se conseguir determinar o preço das partes agindo independentemente, pois essa realidade não se verificou nem pode ser constituída -, alcançar o preço negociado no mercado livre, por se entender, nas disposições da OCDE e da nossa lei interna, ser possível através do princípio de plena concorrência “tratar em termos de ampla paridade as empresas multinacionais e as empresas independentes”. (OCDE, Relatório 2001, cit. P. 37 e 38).

A “plena” concorrência inculca, assim, a ideia de que do que se trata é de realizar uma atividade de análise e estudo de todas as condições relevantes, prevalecentes entre empresas independentes para alcançar o mais elevado grau de comparabilidade possível. Isto é, o mais alto nível de perfectividade na comparação das operações entre entidades independentes e “obriga os contribuintes e a administração fiscal a avaliarem as operações no mercado livre e as atividades industriais ou comerciais de empresas independentes e a compara-las com as atividades de empresas associadas” (OCDE, 2001, p. 40). “Pois que o intérprete há-de ter sempre diante dos olhos o fim da lei, o resultado que quer alcançar na sua atuação prática: a lei é um ordenamento de proteção que entende satisfazer certas necessidades, e deve interpretar-se no sentido de melhor corresponder a esta finalidade, e portanto em toda a plenitude que assegure tal tulela”, di-lo FERRARA, Francesco, ob., cit., p. 130

De modo que o princípio visa alcançar a determinação com tanto rigor quanto seja possível, do preço das operações no mercado livre, assegurando o maior grau que seja possível de certeza sobre o preço praticado em circunstâncias comparáveis, para que se assegure a cada jurisdição uma base tributária apropriada (OCDE, 2001, p. 41). E esta só se alcança quando todos os elementos relevantes sejam sopesados segundo os melhores critérios. Ainda assim, a OCDE reconhece que diferenças nos valores compreendidos no intervalo de plena concorrência podem ter origem no facto de a aplicação dos princípios de plena concorrência apenas produzirem valores aproximados das condições que seriam estabelecidas entre entidades não relacionadas. Para minimizar esta realidade importa que os fatores de comparabilidade (tal como listados na lei) incluam, entre outros, aspetos tais como as características dos bens e serviços, as funções desempenhadas pelas empresas (considerando-se nelas os ativos utilizados e riscos assumidos), a posição no mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de mercado adotada e outras características relevantes das partes envolvidas na transação.

 

Os termos do regime dos preços de transferência

Para além do que antecede, cabe salientar que o atual art.º 63.º do CIRC não define o que deve entender-se por "relações especiais". Doutrina e jurisprudência vária, com a qual concordamos, vem considerando que tais relações existem quando haja situações de dependência, nomeadamente no caso de relações entre a sociedade e os sócios, entre empresas associadas ou entre sociedades com sócios comuns ou ainda entre empresas mães e filiadas (neste sentido, ver Ac. do TCA Sul, proc. 000272/04, proferido em 16.12.2004). Por outro lado, este coletivo tem bem presente que a prática dos preços de transferência tem aumentado com a crescente internacionalização da economia e com a constituição de grupos económicos, mas isso não nos permite concluir que a generalidade das operações económicas realizadas dentro dos grupos ofenda o princípio da plena concorrência. Ainda que seja razoável supor que, pelo menos em tese, e segundo máximas de experiência, que é mais fácil concertar os resultados das operações económicas dentro dos grupos do que fora deles (ver também os números 1 (a) e 1 (b) do Artigo 9.º do Modelo de Convenção Fiscal da OCDE).

E também não nos permite concluir no sentido de que todas as operações intra grupos afetem o princípio, nem é correto estabelecer um estigma de partida sobre as mesmas. A OCDE recomenda que as Administrações Fiscais não devem presumir, sistematicamente, que as empresas associadas tentam manipular os respetivos lucros (Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations p. 13, 14).

Todavia, a matéria é delicada e complexa, levando a lei portuguesa a fornecer aos operadores económicos a opção por um instrumento importante que são os acordos prévios sobre preços de transferência, consagrado na Portaria n.º 620-A/2008, de 16 de Julho, que no caso não se aplica. Embora os Princípios Diretores da OCDE[5], prevejam diversos métodos de determinação dos preços de transferência. No caso, o problema da escolha e adequação do método não se coloca uma vez que o método da margem líquida da operação / net cost plus escolhido pela Requerente não foi contestado nem posto em crise pela AT.

Neste respeito, o princípio da plena concorrência constitui como se disse o postulado de base consagrado no artigo 9.º da Convenção Modelo da OCDE, dispondo que:

“[Quando] ... as duas empresas [associadas], nas suas relações comerciais ou financeiras, estiverem ligadas por condições aceites ou impostas que difiram das que seriam estabelecidas entre empresas independentes, os lucros que, se não existissem essas condições, teriam sido obtidos por uma das empresas, mas não o foram por causa dessas condições, podem ser incluídos nos lucros dessa empresa e tributados em conformidade”, permite o ajustamento dos lucros, com base nas condições prevalecentes entre empresas independentes.

Nesta linha, o n.º 1 do artigo 63.º do CIRC dispõe que:

1 — Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

2 — O sujeito passivo deve adoptar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos susceptíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efectua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os activos utilizados e a repartição do risco.”

Cabe notar que a lei emprega a expressão substancialmente idênticas e não meramente o termo “idênticas”, para vincar a necessidade desse atingir uma comparabilidade tão próxima quanto possível das operações realizadas entre entidades independentes. Neste sentido se pode ler a Portaria 1446-C/2001 onde se refere ao “método mais apropriado para cada operação” e ao método “mais apto a produzir a melhor estimativa de um preço independente e assegurar o mais elevado grau de compatibilidade entre operações vinculadas e operações entre partes independentes” e, no seu artigo 4.º se “considera como o método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é susceptível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades…”.

Há portanto, na letra e no espírito de toda a lei interna uma voluntas legis unitária e unívoca, uma clara intenção de determinar ao aplicador da lei o dever de ir tão longe quanto seja razoavelmente possível na aplicação do método e, dentro deste, no estabelecimento do mais alto grau de comparabilidade possível entre preços ou margens praticados nas operações entre empresas coligadas e empresas independentes. Tudo tendo em vista os estruturantes interesses particulares e socio-gerais que aqui se manifestam em termos de justiça concreta.

A Requerente sublinha em diversas partes, tanto na sua p. i. como nas suas contra alegações, ser seu entendimento que ”todo o intervalo definido estatisticamente entre os +9,48% e os -2,19% identificados no Relatório de Preços de Transferência deve ser considerado como traduzindo uma relação de mercado entre custos operacionais e resultados operacionais nos anos em causa…”.

E, para fundamentar a sua posição, a Requerente invoca o Relatório da OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations, 2010, págs. 123 a 125, de onde extrai diversos excertos em abono da sua posição, consultável em:

http://www.keepeek.com/Digital-Asset-Management/oecd/taxation/oecd-transfer-pricing-guidelines-for-multinational-enterprises-and-tax-administrations-2010_tpg-2010-en#page127

Percorrido o Relatório, em especial as partes referidas pela Requerente, e bem assim, o Relatório da OCDE – Princípios aplicáveis em matéria de preços de transferência destinados às empresas multinacionais e às administrações fiscais, de 2001, publicado em português nos CTF – Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal n.º 189, encontramos a pags. 55 e segs. reafirmação do princípio enunciado de que “a aplicação do método ou dos métodos mais adequados conduz a um intervalo  de valores, todos eles com uma fiabilidade mais ou menos equivalente. As diferenças entre os valores que compõem esse intervalo podem resultar do facto de a aplicação do princípio de plena concorrência não permitir, de um modo geral, senão uma aproximação às condições que seriam estabelecidas entre empresas independentes. […] Por conseguinte, a determinação do preço de plena concorrência implica, forçosamente, uma componente interpretativa.”

Admitindo embora a OCDE que a atividade de determinação das condições de plena concorrência é uma atividade que não consegue ir mais longe do que o estabelecimento das condições aproximadas que, razoavelmente, segundo os factos, os termos e as responsabilidades assumidas por cada entidade interveniente nas operações, teriam sido praticadas, isso não significa que o resultado alcançado possa ser menos fiável ou mais grosseiro do que o deveria ser se fosse possível determinar as condições reais de plena concorrência. Ainda assim, o intérprete e o aplicador do regime estão vinculados a efetuar uma atividade interpretativa, segundo a lei e os termos dos factos tal com se verificaram, em todos os seus aspetos, em ordem a alcançar o mais elevado grau possível de certeza quanto ao estabelecimento dos valores da plena concorrência, tal como eles se verificariam se as operações tivessem sido contratadas entre empresas independentes.

Disto resulta a obrigação expressa no artigo 63.º do CIRC de sopesar todos esses factos e circunstâncias nos melhores termos que o possam ser, em ordem a alcançar o maior grau de certeza quanto aos termos reais (presuntivos) de operações que, de facto não se realizaram, mas relativamente às quais, se o houvessem sido em condições de plena concorrência, exista a forte certeza de que os seus precisos termos não seriam substantivamente diferentes daquelas que, assim, pela aplicação do regime, surgem caraterizadas.

E, embora a OCDE afirme tal como é reafirmado no Relatório de 2011, conforme transcrito / traduzido pela Requerente na sua p. i. a pags. 26 que "Se as condições relevantes de uma operação vinculada (e. g. o preço ou a margem) se situarem dentro do intervalo de plena concorrência, não há lugar a ajustamento.” Deve ter-se por adquirido que esta é uma declaração de princípio. Exatamente porque a OCDE reconhece, logo adiante (pag. 57 do Relatório de 2001, nos CTF n.º 189, citado), o seguinte: “Poder-se-ia afirmar que qualquer ponto contido no intervalo está conforme com o princípio da plena concorrência. De um modo geral, e na medida em que for possível distinguir os diferentes pontos do intervalo, o ajustamento deve ser operado utilizando o intervalo que melhor reflita os factos e as circunstâncias da operação vinculada em apreço.

Quer isto dizer que, ao contrário do que defende a Requerente pag. 26 da p. i.), havendo um intervalo de plena concorrência, não é verdade que todo o intervalo definido estatisticamente entre os +9,48% e os -2,19% identificado no Relatório de Preços de Transferência deva ser considerado como traduzindo indistintamente, em qualquer dos seus pontos, uma adequada relação de mercado entre custos e resultados operacionais, quando objetivado nas relações em causa. Isso mesmo é informado pelo princípio de plena concorrência – art.º 9.º da Convenção de Modelo Fiscal da OCDE e pelo art.º 63.º do CIRC quando se refere a “assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações”; à “melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições”; à “melhor estimativa de um preço independente e assegurar o mais elevado grau de compatibilidade”, etc.

Se qualquer ponto do intervalo de plena concorrência fosse de considerar em concreto (não em abstrato) igualmente certo para enquadrar as operações realizadas pelas partes, isso significaria que, pelo menos em tese, as correções aritméticas à matéria tributável de IRC do ano de 2010, decorrentes da aplicação do regime dos preços de transferência, e tomando por base nos indicadores extremos resultantes do Método da Margem Líquida da Operação (MMLO) praticado pela Requerente, tanto poderiam determinar uma correção de + 776 941,45 euros como uma correção de - 603 105,24 euros, conforme quadro que segue.

 

 

Indicador máximo do intervalo de plena concorrência (média 2007-2009) segundo o método da margem líquida da operação (9,48%)

Indicador mínimo do intervalo de plena concorrência (média 2007-2009) segundo o método da margem líquida da operação (-2,19%)

Proveitos operacionais

28 239 079,90

28 239 079,90

Gastos operacionais

27 441 607,19

27 441 607,19

Resultados operacionais

797 472,71

797 472,71

Net Cost Plus (NCP)

2,91%

2,91%

Extremos dos Indicadores da margem líquida da operação em plena concorrência (média 2007-2009)

9,48%

- 2,19%

Vendas líquidas à B…

11 825 592,89

11 825 592,89

Correção à matéria tributável de IRC (Indicador máximo - NCP) x Vendas B…

776 941,45

--------------------------------------------------

Correção à matéria tributável de IRC (Indicador mínimo + NCP) x VendasB…

----------------------------------------------------

- 603 105,24

 

Mas se é verdade que uma tal latitude de determinação dos preços, termos e condições que seriam normalmente acordados, que resulta da aplicação do referido método configura um intervalo em abstrato, confiável, não deixa de ser necessária a sua subsunção à tarefa de determinar em concreto e dentro desse intervalo, o ponto de plena concorrência que melhor se ajusta à realidade sob apreço.

Segue-se pois que à delimitação abstrata do intervalo de plena concorrência se deve seguir a determinação concreta, segundo as circunstâncias materiais do caso, do melhor ponto desse intervalo, isto é, daquele que melhor reflita o preço independente e assegure o mais elevado grau de compatibilidade.

E isto porque, nem a lei interna nem a própria OCDE consideram que qualquer ponto do intervalo seja igual e automaticamente bom para determinar uma dada relação de mercado. Dito de outro modo, resulta do exposto que não basta ao sujeito passivo determinar o intervalo de plena concorrência. A sua tarefa de demonstração da sã prática de preços no mercado livre, que seriam praticados entre entidades independentes não se esgota na determinação de um intervalo abstrato mais ou menos alargado – o intervalo de plena concorrência. Pois que a isso se opõem não só os valores e os princípios e valores fundacionais de que supra demos conta, como também a letra e o espírito das regras internacionais e da lei interna. Não. Bem pelo contrário, no dossier de preços de transferência, ele está estritamente vinculado a ir mais longe, para garantir não só uma mais precisa delimitação do que seriam essas operações se praticadas em condições de plena concorrência, pois só assim, cremos nós, se corporizam e densificam adequadamente os requisitos de justiça, de capacidade contributiva, de igualdade relativa, e o dever universal de suportar impostos segundo critérios justos de equilíbrio geral ante uma obrigação ontogénica e proto-social que recai sobre cada entidade, seja ela pessoa singular ou coletiva, qual seja o de contribuir para as necessidades coletivas segundo uma sã medida do que, efetivamente cada uma delas pode e em linha com o que retirou ou se aproveitou das utilidades gerais (infraestruturas, segurança, etc.) que a sociedade organizada propicia.

Note-se que o art.º 63.º n.º 2 do CIRC obriga à comparabilidade das características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os ativos utilizados e a repartição do risco, deixando, para mais, em aberto a comparação de outros fatores pelo emprego da expressão “designadamente”.

Requer-se assim que, dentro deste intervalo de plena concorrência, se determine qual seja o ponto nesse intervalo que melhor reflita em concreto a relação de mercado que seria estabelecida entre entidades independentes se elas houvessem sido realizadas.

E isto porque a OCDE não se limita, apenas, a reafirmar consecutiva e firmemente, em todos os sucessivos seus Relatórios, o princípio da plena concorrência como a melhor solução dentro dos fundamentos teóricos válidos consensualmente aceites a nível internacional OCDE, Relatório de 2001, pags. 40 e 41). Ela defende ainda que na determinação do princípio da plena concorrência tanto se obtém um valor único (um preço ou uma margem), que a OCDE considera ser a melhor referência possível para determinar se uma operação foi realizada ou não em condições de plena concorrência, como um intervalo de plena concorrência. Nestes casos, a OCDE defende que “o ajustamento deve ser operado utilizando o ponto do intervalo que melhor reflita os factos e as circunstâncias da operação vinculada em apreço.” (OCDE, Relatório, 2001, pag. 57). O que significa que, ainda que o método mais adequado produza “um intervalo de valores todos igualmente fiáveis” (OCDE, ob e loc. cit), trata-se, como se disse, de uma fiabilidade abstrata, que carece de ser ajustado às condicionantes concretas das partes (n.º 2 do art.º 63.º do CIRC) para se determinar, em concreto, qual o ponto desse intervalo que melhor reflita os factos e as circunstâncias da operação vinculada em apreço.

Tanto mais que do que se trata não é apenas de determinar uma qualquer medida justificativa de repartição dos lucros entre empresas associadas para verificar se a repartição praticada se acha dentro das baias apuradas, mas de justificar a alocação desses lucros às empresas que efetivamente desenvolveram as atividades que os geraram. E neste respeito, em especial os n.ºs 6 e 13.º do art.º 63.ºdo CIRC e os artigos 13.º e 14.º da Portaria 1446-C/2001, obrigam ao registo e posse de um extenso conjunto de informação relevante, para que seja possível determinar, em qualquer momento, a “substância dos factos económicos e as razões lógicas justificativas dos comportamentos dos sujeitos passivos”.

Ora, no caso, está provado nos autos que recai sobre a Requerente o ónus da realização de toda a atividade industrial produtiva em duas instalações fabris (ver, por todos, o ii) parág. 3 II das contra alegações da Requerente), compreendendo a compra, manuseio, transformação, embalagem e exportação da matéria-prima, cabendo-lhe o ónus do respeito pelo controlo dos padrões de qualidade exigidos pelos compradores, detendo não apenas o know-how para o fazer como as instalações fabris adequadas para o efeito, o pessoal, as rotinas, as hierarquias, os objetivos de produção a atingir em cada ano e as especificações precisas das encomendas que recebe, bem como os inerentes riscos da atividade económica.

Por outro lado, invoca a Requerente que, a sociedade Irlandesa se comporta como uma trading, isto é, conecta vendedores e compradores no mercado internacional e, citamos, “tem presentes as necessidades e níveis de stock de mercadorias dos seus clientes, acautelando a satisfação daqueles de modo eficiente, tendo em consideração os tempos de transporte… necessários para a entrega dos produtos” (artigos 79.º e segs. da p. i.), mas que não se envolve na escolha e compra da matéria-prima, no processo industrial de fabrico, comprando rolhas e vedantes para a respetiva colocação nos mercados anglo-saxónicos fora da Europa, Austrália, Estados Unidos e África do Sul – artigo 8.º da p. i. Além disso, a Requerente não caracteriza concretamente os níveis de risco assumidos por cada contraparte, os ónus e os perigos e as imponderáveis do negócio, imputáveis e concretamente imputados a cada empresa, compatíveis com os resultados comerciais obtidos por cada uma delas e que sejam susceptíveis de influenciar a determinação dos preços e margens efetivamente praticados ou que razoavelmente o seriam entre entidades independentes, num quadro de plena concorrência.

E, com isso, não evidencia as razões de ordem lógica e substantiva pelas quais, em condições de mercado, é de aceitar que a Requerente, que é o principal gerador de valor acrescentado, apenas obtenha uma margem sobre os custos operacionais de 2,91%, ao passo que a B…, que tem a participação no negócio que se acha caraterizada pelas partes, logra obter uma margem de comercialização de 12,4%, realizando as tarefas que as partes lograram provar.

Por outro lado, a AT não se fundamenta apenas em regras estatísticas, mas está provado nos autos que desenvolveu todo um conjunto de diligências probatórias destinadas à demonstração da verificação dos requisitos exigidos pelo n.º 2 do art.º 63.º do CIRC, acionando as Convenções próprias e seus mecanismos e indagando concretamente junto das autoridades competentes sobre a realidade dos factos e a sua real conformação, em ordem a determinar o melhor ponto do intervalo que reflete, em sua opinião o preço de plena concorrência. E conclui que, em face de todos estes aspetos e factos, a mediana é, no caso, o momento ou o ponto desse intervalo que lhe parece ser mais fiável, o que melhor reflita os factos e as circunstâncias da operação vinculada em apreço (OCDE, 2001, p. 57), segundo uma linha de raciocínio clara, congruente, cognoscível e firmada nos factos que, na convicção deste Coletivo, parece ser de considerar inteiramente conforme aos ditames da lei. Se, como no caso, é possível ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na génese do ato, de modo a permitir não só compreende-lo como a que os tribunais possam também exercer o efetivo controle da legalidade desse ato, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual, não se pode dizer que falte fundamentação ou ela seja insuficiente (arts. 125º do CPA (ao tempo) e 77 º da LGT). Com efeito, o STA tem ainda entendido que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, é válida se for clara, congruente e encerrar os aspetos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela administração para a determinação do ato (STA. Ac. de 3.12.2014, proc. 0167/2013).

Ora, para o efeito a AT, invoca especificadamente os fundamentos que constam, nomeadamente de forma clara e congruente, a pags. 15 e 16, 19 a 24 e 27 e 29 a 32 do RIT, para além dos especificados na sua Resposta, em especial nos pontos 12 e segs., bem com nas suas Contra alegações, aduzindo fundamentos de ordem formal e substantiva, extraindo deles a conclusão lógica e razoável na perspetiva desde Coletivo, de que “sendo a A…o principal gerador de valor acrescentado, não se justifica que obtenha uma margem sobre os custos operacionais de 2,91%, enquanto a B… obtém uma margem de comercialização de 12,4% conforme anexo 20.”

Se atendermos aos elementos a que normalmente se recorre para determinar essa comparabilidade, verificamos que foram sopesadas as características dos produtos transmitidos e serviços prestados, as funções desempenhadas pelas entidades envolvidas (produção, venda, investigação, marketing, administração, gestão, etc.), as condições e os temos contratuais, as circunstâncias económicas e as estratégias industriais e comerciais que cada uma deles prossegue.

Ora, no caso, o elemento funções desempenhadas permite-nos a análise comparativa entre as atividades desenvolvidas, as responsabilidades económicas assumidas por cada empresa no circuito, e os riscos assumidos por elas. E este, no caso da Trading é de “assistência à gestão” conforme o diz a Requerente, desde logo no art.º 82.º da p. i.). Com efeito e neste respeito, a OCDE reconhece e recomenda que se efetue uma análise das funções concretamente desempenhadas por cada uma das partes. Afirma: “As funções que os contribuintes e a Administração Fiscal podem ter necessidade de identificar e comparar são, por exemplo, a concepção, o fabrico, a montagem, a investigação e desenvolvimento (I&D), a prestação de serviços, o aprovisionamento, a distribuição, a comercialização (marketing), a publicidade, os transportes, as finanças e a gestão, etc. Há que identificar as principais funções exercidas pela parte em questão.

Devem ser operados ajustamentos relativamente a qualquer diferença relevante tendo como referência as funções exercidas por qualquer empresa independente que sirva de elemento de comparação. Embora uma das partes possa assegurar um número significativo de funções em comparação com a outra parte interveniente na operação, o que conta é a importância económica dessas funções do ponto de vista da sua frequência, da sua natureza e do seu valor para as respetivas partes”. A OCDE fala mesmo na ponderação dos riscos assumidos e nos ativos utilizados (neste sentido, ver Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations, OCDE, p. 18, 19).

De facto, a OCDE considera ainda que; “Pode revelar-se igualmente interessante e útil, quando se identificam e comparam as funções exercidas, ter em atenção os ativos que são ou serão utilizados. A este propósito, convém tomar em consideração o tipo de ativos utilizados (fábricas, equipamentos, bens, etc.) e as características dos mesmos (idade, valor comercial, localização, existência de direitos de propriedade industrial, etc.). …pode ter também interesse e utilidade analisar os riscos assumidos pelas respetivas partes. …riscos de mercado, tais como as flutuações do custo dos meios de produção e do preço dos produtos; os riscos de prejuízos conexos com o investimento em bens móveis ou imóveis, instalações produtivas e bens de equipamento e respectiva utilização; o carácter aleatório dos resultados dos investimentos em I&D; os riscos financeiros, tais como os que resultam das variações das taxas de câmbio e das taxas de juros, o risco de crédito; etc.” (idem, p. 19).

Há, ainda, entre outras, a necessidade de analisar as estratégias empresariais das empresas nos seus múltiplos aspetos, nomeadamente, com a inovação e o desenvolvimento de novos produtos, o grau de diversificação, a aversão face ao risco, a ponderação dos fatores políticos, o papel da legislação do trabalho em vigor e das novas disposições nesse domínio, a estratégia de penetração no mercado, e noutros comportamentos que podem traduzir-se numa redução dos lucros correntes do contribuinte numa antecipação do aumento dos lucros futuros, etc. (OCDE, Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations, 2001, ob. cit.)

Essa análise permite-nos constatar que, no caso e à luz da prova produzida nos autos, a substância da operação é assumida pela Requerente, cabendo-lhe desenvolver grande parte do processo produtivo, efetuar controlos, embalar e preparar o produto para exportação (já que o circuito físico da mercadoria não acompanha o circuito económico da operação), realizar as formalidades da exportação do produto acabado, responsabilizar-se e responder pelo cumprimento dos padrões de qualidade que lhe são impostos. Factos, de resto não controvertidos e reconhecidos pela Requerente, v. g. nos diversos artigos da sua petição inicial e das suas alegações finais (cfr. doc. 280 e arts. 79.º e segs. da p. i.).

Em face do que antecede fica claro que não tem acolhimento legal expresso, nem na letra nem no espírito da lei ou dos princípios internacionais aplicáveis, vertidos no direito interno, o argumento de que todo o intervalo (e logo assim qualquer ponto desse intervalo) traduz uma relação de mercado concreta, que concreta e precisamente satisfaz a determinação do preço de plena concorrência para o caso sub judice, pois esse raciocínio não acha acolhimento nas razões da OCDE, no escopo primordial do regime e na lei interna, conforme referenciado.

Porquanto se torna óbvio, no respeito pelas finalidades do regime, supra descritas, que a repartição de lucros que concretamente nos é apresentada não reflete as atividades / responsabilidades de cada entidade no negócio, não se demonstrando as razões pelas quais ocorre uma tão diferenciada alocação de margens sobre os custos operacionais, que é de apenas 2,91% para a Requerente, enquanto a B…(que desenvolve uma atividade de “assistência à gestão”) obtém uma margem de comercialização de 12,4%, sendo como comprovadamente são tão diferentes as suas participações e responsabilidades no processo.

E onde, por consequência, para além dos argumentos já convocados, nos parece fundada nos factos e na melhor prudência que a aplicação da cláusula em concreto aconselha, a escolha da mediana como o ponto que melhor reflete o comportamento de mercado entre entidades independentes em operações similares, neste caso concreto e segundo as circunstâncias provadas do mesmo.

Termos em que este Tribunal, atendendo às específicas finalidades do regime de preços de transferência, aos princípios fundamentais, aos valores envolvidos que importa atender e à necessidade da garantia de uma tributação justa atendendo aos factos e às realidades económicas, firma a convicção de que ato impugnado não viola a lei nem padece de erro nos seus pressupostos de facto e de direito ou de falta de fundamentação, ficando claro que tais relações especiais são causa adequada das ditas condições diferentes, e que são causa direta do apuramento de lucro diverso do que se apuraria na ausência de relações especiais.

 

3. Do pedido de pagamento de juros indemnizatórios

A Requerente pede ainda que lhe sejam pagos juros indemnizatórios, por erro dos serviços, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT.

Este preceito, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, refere “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

Porém, relativamente ao IRC e respetivos juros compensatórios liquidados em resultado das correções aritméticas à matéria coletável por incumprimento do princípio da especialização dos exercícios, e pagos em 19-06-2015, não poderá considerar-se que o erro seja imputável à AT, uma vez que a Requerente não deu cumprimento ao preceituado no n.º 1 do artigo 18.º do CIRC.

Deste modo não poderão ser pagos quaisquer juros indemnizatórios por não se verificarem os pressupostos legais previstos no n.º 1 do artigo 43.º da LGT.

Quanto ao IRC e respetivos juros compensatórios liquidados em resultado das correções aritméticas à matéria coletável por incumprimento do regime dos preços de transferência, também não é de efetuar o pagamento de quaisquer juros face à improcedência do respetivo pedido de anulação da liquidação.

 

 

 

***

 

 

VI – Decisão

 Em face do supra exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

·         Julgar o pedido de pronúncia arbitral procedente, na parte relativa às correções aritméticas à matéria tributável de IRC do ano de 2010, no montante de 1 900,46 €, decorrentes do princípio da especialização dos exercícios, com fundamento no Princípio da Justiça consagrado nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT;

·         Julgar o pedido de pronúncia improcedente, na parte relativa às correções aritméticas à matéria tributável de IRC do mesmo ano, no montante de 337 493,97 €, decorrentes do regime dos preços de transferência;

·         Declarar a anulação parcial da liquidação de IRC n.º 2015…, de 23 de abril de 2015, do ano de 2010, atenta a ilegalidade das correções decorrentes do princípio da especialização dos exercícios, bem como dos respetivos juros compensatórios, por falta de preenchimento dos pressupostos legais previstos no artigo 35.º da LGT;

·         Determinar a restituição do IRC e juros compensatórios indevidamente pagos, correspondentes às correções decorrentes do princípio da especialização dos exercícios;

·         Julgar improcedente o pedido de pagamento de quaisquer juros indemnizatórios; e

·         Condenar as Partes no pagamento das custas do processo arbitral, na proporção dos respetivos decaimentos, fixando-se em 5 781,44 € a parte a cargo da Requerente, e em 32,56 € a parte a cargo da Requerida, cfr. n.º 2 do artigo 527.º do CPC.

 

 

VII - Valor do processo

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 339 394,43 €.

 

 

VIII - Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 5 814,00 €, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Notifique.

 

Lisboa, 02-05-2016

 

 

 

O Árbitro Presidente

 

 (José Baeta Queiroz)

 

 

 

O Árbitro Adjunto

 

(Rui Ferreira Rodrigues)

 

 

 

O Árbitro Adjunto

 

(João Ricardo Catarino)

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

 



[1] Acórdão do STA de 02-04-2008 (Proc. 0807/07)

[2] Acórdão do STA de 05-02-2003 (Proc. 01648/02)

 

 

[3] Vale dizer que capacidade contributiva não se confunde com capacidade económica, na medida em que alguém pode possuir rendimentos e património e não revelar capacidade contributiva, desde logo se esse rendimento ou património não forem além dos mínimos vitais de subsistência. A capacidade contributiva tem, assim um vetor essencialmente mas não exclusivamente económico. Veja-se, por todos, LUIGI FERLAZZO NATOLI, Fattispecie Tributaria e Capacità Contributiva, Dott. A. Guiffrè Editore, Milão, 1979, FRANCESCO MOSCHETTI, Il Princípio della Capacità Contributiva, Cedam, Pádua, 1973, pág. 236.

[4] Princípios de Syntelologia Compreendendo em Geral a Teoria do Tributo, Bingham, Londres, 1831. A Syntelologia - palavra de origem grega - é a ciência que ensina os meios de prover às necessidades do Estado político com os recursos do Estado social. Ferreira Borges foi, consabidamente, o percursor das finanças públicas modernas, autonomizando o pensamento financeiro, a despeito de manter a sua articulação com a ordem jurídica.

[5] Ver MAISTO, Guglielmo, OECD Revision of Chapters I-III and IX of the Transfer Pricing Guidelines: Some Comments on Hierarchy of Methods and Re-characterization of Actual Transactions Undertaken, in The 2010 OECD Updates. Model Tax Convention & Transfer Pricing Guidelines. A Critical Review, Edited by Dennis Weber and Stef van Weeghel, Kluwer Law International BV, The Netherlands, 2011, p. 173-182; ARNOLD, Brian J. and McIntyre, Michael J., “International Tax Primer”, 2º ed., Kluwer Law International, The Hague, 2002, p. 55-80, citados em Amorim, José Campos, A propósito da comparabilidade entre os métodos de determinação dos preços de transferência.