Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 680/2015-T
Data da decisão: 2016-04-20  IRC  
Valor do pedido: € 28.594,18
Tema: IRC – Associação; rendimentos sujeitos, não sujeitos e isentos; imputação de custos
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DECISÃO ARBITRAL

1.    RELATÓRIO

A…, com sede na…, Rua…, …-… Porto, com o NIPC … (doravante designada por Requerente), vem, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer pronúncia arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), na qual submete ao Tribunal Arbitral o pedido de apreciação da legalidade da liquidação adicional de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) do exercício de 2009 com o n.º 2013…, no valor total de € 35 750,12, pedindo a sua anulação parcial, com fundamento na ilegalidade da qualificação dos rendimentos e dos custos efetuada pela Requerida.

Pede ainda a Requerente que a matéria coletável apurada pela AT seja reduzida de € 157 350,91 para € 35 779,69, devendo, em consequência, a liquidação do imposto ser reduzida de € 35 750,12 para € 7 155,94, anulando-se a diferença de € 28 594,18, correspondente ao valor do processo.

São os seguintes, resumidamente, os fundamentos invocados pela Requerente:

a.    A Requerente foi alvo de procedimentos de inspeção externa aos exercícios dos anos de 2007 a 2011, em cujos relatórios foi enquadrada como sendo “um sujeito passivo de IRC de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIRC, cujo imposto incide sobre o rendimento global, correspondente à soma algébrica dos rendimentos das diversas categorias consideradas para efeitos de IRS … atendendo a não exercer, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola …”;

b.    A Requerente concorda com aquele enquadramento, assim como concorda que, de acordo com o artigo 116.º, do CIRC, na redação em vigor à data dos factos, estava obrigada a manter o registo dos seus rendimentos organizado segundo as diversas categorias, tal como definidas para efeitos de IRS, bem como o registo dos encargos específicos de cada categoria de rendimentos, separadamente dos encargos não específicos de certa categoria (artigo 5.º, da p. i);

c.    No exercício de 2009, a AT concluiu que a contabilidade da Requerente não cumpriu aqueles requisitos, nele se afirmando que “a contabilidade geral, considerando o plano de contas utilizado, não se encontra estruturada para que sejam identificados os diferentes tipos de rendimentos obtidos: isentos, não sujeitos e sujeitos (por categorias de IRS)”; no mesmo sentido concluíram os relatórios de inspeção tributária dos exercícios dos anos de 2007, 2008, 2010 e 2011;

d.   Em todos aqueles exercícios, a AT procedeu à requalificação dos rendimentos por categorias de IRS e separou os encargos que entendeu estarem associados a certo tipo de rendimentos dos restantes encargos gerais;

e.    A Requerente concorda que os rendimentos provenientes da formação não subsidiada (seminários, conferências e eventos análogos) sejam requalificados como rendimentos da Categoria B de IRS, sujeitos a IRC; não pode é concordar com os restantes critérios de requalificação dos rendimentos e dos encargos utilizados pela AT, no âmbito da ação de inspeção tributária e que serviram de base à liquidação impugnada (artigo 9.º, da p. i.);

f.     No que respeita ao exercício do ano de 2009, a AT apenas efetuou correções aos rendimentos não sujeitos a imposto, no valor de € 1 567 078,22, que requalificou como rendimentos sujeitos a IRC (Categoria B), com o fundamento de que “estes rendimentos resultam fundamentalmente das seguintes operações económicas: realização de seminários, conferências e eventos análogos, prestação de serviços de formação (subsídios), cedências de espaço e outras prestações de serviço”;

g.    A Requerente discorda completamente do enquadramento fiscal dado pela AT aos subsídios associados à formação, num total de € 1 537 650,85, na sequência da afirmação de que “…os subsídios obtidos associados à formação, consideram-se componentes positivas na determinação do rendimento … na medida em que não cumprem os requisitos para beneficiar da isenção prevista no n.º 2 do artigo 55.º do EBF, quer quanto à natureza do sujeito passivo, quer quanto aos destinatários da formação, que não se limitam aos associados do sujeito passivo” (artigos 28.º e 29.º, da p. i.);

h.    A referida norma não é aplicável à A…, por esta não ser uma associação patronal ou sindical, nem uma pessoa coletiva criada por lei para assegurar a disciplina e representação do exercício de profissões liberais, mas sim uma associação de direito privado que tem por objeto, nos termos do artigo 2.º dos seus Estatutos, a realização e desenvolvimento das atividades ali previstas (artigo 31.º, da p. i.);

i.      A A… está sujeita ao regime geral de IRC aplicável às entidades que não exercem a título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, consagrado nos artigos 53.º e 54.º, do Código do IRC;

j.      Pelo que, a não sujeição a IRC dos subsídios auferidos pela A… no âmbito dos programas de formação que realiza em conformidade com os seus Estatutos (artigo 2.º, n.º 1, alínea e), resulta da aplicação do n.º 3 do artigo 54.º, do Código do IRC, cuja estatuição expressamente prevê que “consideram-se não sujeitos a IRC as quotas pagas pelos associados em conformidade com os estatutos, bem como os subsídios destinados a financiar a realização dos fins estatutários(artigo 34.º, da p. i.);

k.    Resultando inequívoco que os subsídios obtidos pela Requerente para desenvolver ações de formação se destinam a financiar a realização dos seus fins estatutários, a correção efetuada pela AT é ilegal, por errónea qualificação dos rendimentos, devendo o ato de liquidação ser anulado, no que respeita à qualificação dos rendimentos provenientes de subsídios, nos termos da alínea a) do artigo 99.º, do CPPT (artigo 37.º, da p. i.);

l.      Nos relatórios da inspeção tributária referentes aos exercícios dos anos de 2007 e de 2008, a AT considerou que os rendimentos daqueles anos, provenientes de subsídios destinados à realização de ações de formação, eram rendimentos não sujeitos a IRC, não tendo efetuado qualquer correção ou requalificação dos mesmos;

m.  No relatório da inspeção tributária para o exercício do ano de 2009, sem que tivesse havido qualquer alteração legislativa, aos Estatutos da A… ou ao nível da formação por esta realizada, a AT mudou inesperada e radicalmente de entendimento, sem qualquer fundamentação para tal facto;

n.    Por isso, o ato administrativo em apreço viola os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança devendo, consequentemente, ser anulado, por força do artigo 99.º, do CPPT (artigo 48.º, da p. i.);

o.    Por imposição do artigo 104.º, n.º 2, da CRP, a tributação das pessoas coletivas incide, fundamentalmente, sobre o seu rendimento real (acréscimo patrimonial do exercício), enquanto expressão da respetiva capacidade contributiva;

p.    O excesso do resultado fiscal apurado pela AT no ano de 2009 (€ 157 350,91) sobre o resultado contabilístico do mesmo exercício (€ 85 649,49) resulta em exclusivo da requalificação, por aquela efetuada, das categorias de rendimentos e dos encargos (como específicos ou como gerais) suportados no exercício, e conduz a um resultado final (a uma matéria coletável) superior à sua capacidade contributiva, violadora do princípio da tributação pelo rendimento real;

q.    Deve o ato tributário ser anulado, nos termos do artigo 99.º, do CPPT, por violação do artigo 104.º, n.º 2, da CRP (artigo 126.º, da p. i.).

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou resposta em que se defende por exceção e por impugnação, pugnando pela manutenção do ato impugnado:

I – Por exceção:

a.    Os atos tributários impugnados têm a sua génese numa ação inspetiva dos Serviços de Inspeção da Direção de Finanças do … (SIT), na sequência de um pedido de reembolso de IVA efetuado pela Requerente, da qual resultaram correções em sede de IRC;

b.    A Requerente sindica parte da correção à matéria tributável (IRC) do exercício de 2009, requere a anulação parcial da liquidação consequente e peticiona que (i) “A matéria colectável seja reduzida de €157.350,91, para € 35.779,69” e que (ii) “O valor da liquidação do imposto seja fixado em € 7.155,94”;

c.    Da leitura conjugada das normas do D. L. n.º 10/2011, de 20/01 e da Portaria 112-A/2011, de 22/03, resulta que a competência dos tribunais arbitrais se restringe à declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, não existindo qualquer regra que atribua aos tribunais arbitrais, constituídos sob a égide do CAAD, competência para determinar o valor da matéria colectável ou calcular o valor de imposto devido a final;

d.   O objeto da presente ação arbitral deverá circunscrever-se às correções à matéria colectável impugnadas, sob pena de o Tribunal incorrer em excesso de pronúncia;

II – Por impugnação:

e.    A Requerente aceita o enquadramento fiscal constante do Relatório da Inspeção Tributária, assim como o facto de que, nos termos do artigo 116.º do Código do IRC (à data dos factos), estava obrigada a manter o registo dos seus rendimentos, por categorias de IRS e o registo dos encargos, de modo a distinguir os encargos não específicos de certa categoria;

f.     Porém, desde 2007 que a Requerente sabia que não cumpria o disposto naquela norma, sem que, até ao início da inspeção ao exercício de 2009, tivesse procedido a qualquer alteração no plano de contas (artigo 30.º, da Resposta);

g.    O sujeito passivo não incluiu na declaração anual de informação contabilística e fiscal o respetivo anexo D, no qual deveria discriminar a natureza dos rendimentos auferidos e proceder ao apuramento da matéria coletável, com a indicação dos custos comuns imputáveis aos rendimentos sujeitos;

h.    Entende a AT que os rendimentos decorrentes de subsídios à formação são rendimentos da categoria B, de acordo com o disposto no artigo 3.º do CIRS;

i.      No caso em apreço, os subsídios são obtidos pela Requerente no âmbito do exercício de uma atividade de prestação de serviços de formação, que não se destina apenas aos seus associados, prestando um serviço remunerado via subsídio (artigos 50.º e 51.º, da Resposta);

j.      Entende a AT que não é aplicável ao caso em apreço a norma constante do n.º 3 do artigo 54.º, do Código do IRC, aplicando-se as regras do Código do IRS, dado o enquadramento do sujeito passivo, enquanto entidade que não exerce, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola;

k.    Os subsídios à formação consideram-se componentes positivas na determinação do rendimento comercial, industrial ou agrícola (resultado líquido), por não cumprirem os requisitos do n.º 2 do artigo 55.º do EBF, quer quanto à natureza do sujeito passivo, quer quanto aos destinatários da formação (artigo 54.º, da Resposta);

l.      Considerando a AT que os rendimentos provenientes de subsídios à formação, formação não subsidiada, seminários, conferências e eventos análogos são rendimentos sujeitos, teria de considerar que todos os gastos a eles associados são gastos específicos de rendimentos sujeitos, enquadrados na Categoria B;

m.  A jurisprudência do STA tem uniformemente entendido a fundamentação do ato como um conceito relativo, que varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto, sendo suficiente quando permite a um destinatário normal compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo seu autor, isto é, quando o destinatário possa conhecer as razões que levaram o autor do ato a decidir daquela maneira e não de outra;

n.    O Relatório da Inspeção Tributária explicita os fundamentos da decisão da AT, amplamente compreendidas, referenciadas e atacadas pela Requerente, sem necessidade de recurso ao mecanismo previsto no artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT);

o.    Cita-se, a título de exemplo, o acórdão deste Tribunal Arbitral que a respeito do mesmo vício de alegada falta de fundamentação do ato tributário, decidiu: (…) “o vício de falta de fundamentação ocorre apenas quando não é possível para um destinatário normal aperceber-se das razões pelas quais quem decidiu tomou a decisão que tomou e não quando o entendimento adoptado é errado, pois, neste último caso, se ocorrer efetivamente o erro, estar-se-á perante vício de erro sobre os pressupostos de facto ou de erro sobre os pressupostos de direito” – processo n.º 86/2012-T;

p.    A Requerente invoca a ilegalidade da alteração do entendimento da AT face ao perfilhado nos Relatórios de Inspeção Tributária de exercícios anteriores, por violação dos princípios fundamentais da segurança jurídica e da proteção da confiança dos contribuintes;

q.    Todavia, nada impede a alteração do entendimento da Requerida sobre determinada matéria da sua competência, exceção feita aos comandos vertidos em letra de lei ou em doutrina administrativa sobre a matéria em causa (artigo 100.º, da Resposta);

r.     Tal como foi referido na decisão arbitral proferida no processo n.º 12/2013-T, «(…) os contribuintes não possuem, por regra, qualquer direito ou expectativa juridicamente tutelada, no sentido de impedirem a AT de alterar o seu entendimento sobre questões fiscais concretas, sobretudo se não possuem qualquer instrumento formal que os tutele (informação vinculativa, oficio ou despacho). A alteração de entendimento da AT não viola a boa-fé e, em geral, os contribuintes não possuem um direito a algo que, segundo a nova interpretação da AT, não está conforme com a lei.»;

s.     As correções à matéria coletável do exercício de 2009 obedecem às regras de tributação consoante o rendimento real, na medida em que, com recurso à contabilidade de centros de custo elaborada pela própria Requerente, foi possível distinguir os rendimentos sujeitos a imposto e os não sujeitos, bem como os respetivos gastos específicos de cada tipo de rendimento, para determinação do valor do rendimento global (artigo 112.º, da Resposta);

t.     No caso em apreço, a AT teve o cuidado de considerar os custos efetivamente incorridos por parte da Requerente, diretamente relacionados com cada um dos tipos de rendimento, tendo por base a documentação extra-contabilística fornecida pela própria Requerente, não se vislumbrando, em que medida a capacidade contributiva poderá não ter sido respeitada (artigo 116.º, da Resposta).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no CAAD em 17 de novembro de 2015, tendo sido aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.

A Requerente não designou árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º, do RJAT, foi a signatária nomeada árbitro pelo Exm.º Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, encargo que aceitou no prazo legalmente previsto, sem oposição das Partes.

O Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 22 de janeiro de 2016.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

Nenhuma das Partes requereu a produção de prova adicional, pelo que foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º, do RJAT, determinando-se que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas, por 10 dias, a fim de permitir o exercício do contraditório sobre as questões colocadas pela AT na contestação, em especial sobre a invocada exceção de incompetência do Tribunal Arbitral para dirimir o litígio.

As Partes apresentaram alegações em que reiteraram, no essencial, as posições expressas nas peças processuais anteriores.

Quanto à exceção invocada pela AT, veio a Requerente requerer a redução do pedido à apreciação da ilegalidade e anulação parcial do ato tributário impugnado.

A AT continuou a defender a verificação da exceção de incompetência do Tribunal Arbitral, em razão da matéria.

 

2.    MATÉRIA DE FACTO

2.1.  Factos que se consideram provados:

a.    A ação de inspeção efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) – Divisão II, da Direção de Finanças do…, da qual resultou a liquidação adicional de IRC do exercício de 2009, foi credenciada pela OI 2012…, iniciou-se em 05/04/2013 e terminou em 23/09/2013, teve âmbito geral e foi motivada pela análise de um pedido de reembolso de IVA do período 2012.06T, tendo as respetivas conclusões sido notificadas à Requerente em 1 de novembro de 2013;

b.    De acordo com o Relatório da Inspeção Tributária (RIT), são os seguintes os fundamentos para a correção da matéria coletável do exercício de 2009:

a.    A Requerente é “um sujeito passivo de IRC (artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRC), cujo imposto incide sobre o rendimento global, correspondente à soma algébrica dos rendimentos das diversas categorias para efeitos de IRS e, bem assim, dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito, atendendo a não exercer, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do CIRC, cuja tributação incide sobre o rendimento global” que, não obstante lhe ter sido atribuído o estatuto de utilidade pública (declaração publicada no DR n.º…, 2.ª Série, de 12/04/1990), não beneficia da isenção prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 10.º, do Código do IRC, por esta carecer, nos termos do n.º 2 daquele artigo, de reconhecimento pelo Ministro das Finanças, a requerimento dos interessados;

b.    A A… iniciou a sua atividade em 29/09/1988, sob o CAE … – Atividades de Organizações Económicas e Patronais, caraterizando-se, nos termos do artigo 1.º, dos seus Estatutos, como “uma associação de direito privado que tem por objeto a reunião dos jovens empresários e o fomento do empreendedorismo, com vista à satisfação dos interesses comuns e ao melhor desenvolvimento das suas atividades profissionais, nomeadamente nas vertentes de formação, informação, apoio técnico e respetiva prestação de serviços e, no geral, na representação dos interesses e na identificação e estabelecimento dos meios e instrumentos que permitam o acesso à função e desenvolvimento da atividade empresarial”;

c.    São competências da Requerente, entre outras, as previstas no artigo 2.º, n.º 1, alínea e) e n.º 2, dos respetivos Estatutos:

1. Para a realização do seu objeto, competirá à A…:

(…)

e) Promover a formação profissional dos seus membros e da comunidade em geral e a sua integração e relacionamento com o meio empresarial;

(…)

2. Para a prossecução dos seus objetivos, a A… promoverá reuniões com os seus associados, encontros sectoriais, seminários, conferências, debates, exposições, missões empresariais, programas e instrumentos de apoio e todas as demais atividades que à Direção pareçam adequadas e conforme o que estiver estipulado no seu Regulamento Interno”;

d.   Na declaração modelo 22 de IRC para o exercício de 2009, em que foi apurada matéria coletável nula, foi assinalado, no quadro 03 – Tipo de Sujeito Passivo, o campo 2, relativo a “Residente que não exerce a título principal atividade comercial, industrial ou agrícola” e, no quadro 04 – Regime de Tributação de Rendimentos, a Requerente assinalou o campo 01, relativo ao regime geral e o campo 03, relativo à isenção definitiva (pág. 4, do RIT);

e.    A declaração anual de informação contabilística e fiscal (IES) do exercício de 2009 não inclui o anexo D, a apresentar pelas entidades residentes que não exerçam, a título principal, atividade comercial, industrial ou agrícola e que obtenham rendimentos sujeitos a tributação e não isentos (pág. 4, do RIT);

f.     As correções efetuadas à matéria tributável da A…, para o exercício de 2009, sem recurso a métodos indiretos, deveram-se ao facto de os SIT concluírem que “Atendendo aos balancetes disponibilizados, verifica-se que a contabilidade geral, considerando o Plano de Contas utilizado, não se encontra estruturada para que sejam identificados os diferentes tipos de rendimentos obtidos. Isentos, não sujeitos e sujeitos (por categoria de IRS)”, de acordo com o seguinte quadro:

g.    “Relativamente aos proveitos salienta-se que as prestações de serviços se encontram subdivididas em isentas de IVA e sujeitas a IVA, que por sua vez se encontram subdivididas em sede e núcleos regionais – Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo (LVT), Alentejo (ATO) e Algarve (ALG)” e, “No que respeita aos custos, as diferentes rubricas encontram-se subdivididas em sede e núcleos regionais” -  (pág. 7 do projeto RIT/2009);

h.    Após lhe ter sido solicitado, a A… apresentou o seguinte enquadramento relativamente aos rendimentos registados na contabilidade, conforme os quadros 5 e 6:

i.      Segundo o RIT, “Nos termos do enquadramento definido pelo sujeito passivo, verifica-se que considerou como rendimentos não sujeitos a IRC, os rendimentos isentos de IVA acrescido dos subsídios, nomeadamente: quotas, formação, conferências, seminários e eventos similares e subsídios à exploração e ao investimento. (…) Entre o conjunto de rendimentos considerados não sujeitos pelo sujeito passivo estão os rendimentos obtidos com formação, conferências, seminários e eventos similares, os quais não se encontram referenciados no n.º 3 (não sujeitos) e no n.º 4 (isentos) do artigo 54.º do CIRC” (Pág. 9, do RIT/2009);

j.      Tendo em vista o enquadramento dos rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas, os SIT elaboraram o anexo 1 ao RIT, tendo por base a verificação “de todos os lançamentos registados na contabilidade, relativos a proveitos, com a imputação de cada um daqueles à categoria de rendimentos a que respeita” – (Pág. 10, do RIT/2009);

k.    Conforme consta daquele anexo 1, “elaborado com base nos registos contabilísticos”, foram apurados proveitos qualificados como rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas, num total de € 5 337 989,03, que resultaram, “fundamentalmente, da prestação de serviços de formação (subsídios), cedência de espaço e outras prestações de serviço”;

l.      Assim, a AT considerou que, relativamente à prestação de serviços de formação subsidiada, “os subsídios obtidos associados à formação, consideram-se componentes positivas na determinação do rendimento comercial, industrial ou agrícola (resultado líquido), na medida em que não cumprem os requisitos para beneficiar da isenção prevista no n.º 2 do art. 55.º do EBF, quer quanto à natureza do sujeito passivo, quer quanto aos destinatários da formação, que não se limitam aos associados do sujeito passivo. Este normativo prevê a isenção de IRC aos rendimentos das associações sindicais e das pessoas coletivas públicas, de tipo associativo, criadas por lei para assegurar a disciplina e representação do exercício de profissões liberais, derivados de ações de formação, prestadas aos respetivos associados, no âmbito dos seus fins estatutários. Do exposto, nos termos da alínea g) do n.º 2 do artigo 3.º do Código do IRS, tais subsídios consideram-se rendimentos empresariais” e, quanto às “cedências de espaço e restantes prestações de serviço, enquadram-se na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IRS”, concluindo que “os montantes referidos são proveitos, com natureza de rendimento comercial, industrial ou agrícola, conforme enquadramento em sede de IRS” (Págs. 10 e 11, do RIT/2009);

m.  Para o apuramento dos custos que reputou como custos específicos, associados diretamente aos rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas, os SIT elaboraram o anexo 2 ao RIT, no qual, “com base nos registos contabilísticos e na informação dos centros de custo”, os quantificaram no valor de € 4 847 876,52, salientando que:

                         i.          “Todos os centros de custo com os dígitos iniciais 211 respeitam a atividade de formação e totalizam o montante de € 1 621 808,76”;

                       ii.          “Os centros de custo … e … respeitam ao B…, nacional e internacional, respetivamente. Os rendimentos auferidos pelo sujeito passivo nestes eventos revestem-se de duas naturezas distintas: rendimentos não sujeitos, correspondente à parte do projeto não financiada, e rendimentos sujeitos, correspondente a outros rendimentos com natureza comercial, industrial ou agrícola. Atendendo à informação detalhada disponibilizada pela A…, dos respetivos centros de custo, considera-se existir informação suficiente para efetuar uma distribuição do valor total dos custos suportados, pelos rendimentos obtidos (sujeitos e não sujeitos ou isentos) (pág. 11, do RIT/2009). Assim, determinaram-se os custos específicos dos rendimentos sujeitos auferidos, conforme quadro seguinte:

                     iii.          “O mesmo procedimento foi aplicado relativamente ao centro de custo… respeitante à C…, conforme quadro seguinte:”

                     iv.          Resultado líquido do exercício – Na sequência dos valores apurados, de proveitos sujeitos a tributação e os respetivos custos específicos, determina-se um resultado líquido do exercício e consequentemente um rendimento comercial, industrial ou agrícola no valor de € 490 112,51 (€ 5 337 989,03 - € 4 847 876,52”;

n.    A determinação dos rendimentos de capitais, no valor de € 15 031,00, foi efetuada nos termos do “anexo 3, elaborado com base nos registos contabilísticos”; os rendimentos prediais inscritos na contabilidade, no valor de € 20 713,27, não foram considerados para efeitos de tributação e os rendimentos de mais-valias, da quantia de € 700,00, foram apurados com base nos “registos contabilísticos, lançamento n.º … do diário 131 (fatura n.º…) ”;

o.    Determinados os rendimentos líquidos de cada uma das categorias, os SIT apuraram um rendimento global de € 505 843,51, correspondente ao somatório dos rendimentos antes identificados (Quadro 9 – pág. 13, do RIT/2009);

p.    De acordo com o anexo 4, também “elaborado com base nos registos contabilísticos e informação dos centros de custos” do sujeito passivo, foram identificados rendimentos não sujeitos ou isentos, no valor de € 3 105 973,19;

q.    Com base no anexo 5, elaborado com base nos registos contabilísticos e informação dos centros de custos”, foi efetuado o apuramento do total dos custos especificamente ligados à obtenção dos rendimentos não sujeitos ou isentos, no valor de € 2 996 209,12, relativamente ao qual foram feitas as seguintes observações:

                         i.          “(…) procedeu-se à ponderação dos rendimentos auferidos, com afetação dos custos totais e para apuramento dos custos específicos, conforme quadro seguinte:”

                       ii.          “O mesmo procedimento foi aplicado relativamente ao centro de custo … respeitante à C…, conforme quadro seguinte:”

                     iii.          “Relativamente aos centros de custo … –D…, …– E…, …–  F… e … – G…, os rendimentos auferidos pelo sujeito passivo neste evento revestem unicamente a natureza de rendimentos não sujeitos. Atendendo à informação detalhada disponibilizada pela A… dos respetivos centros de custo, com informação suficiente para uma distribuição dos custos específicos coerente efetuou-se a afetação dos respetivos custos específicos, conforme quadro seguinte:”

                     iv.          “Os centros de custo indicado no anexo 5 com o n.º 215, referem-se à correspondente amortização dos subsídios ao investimento;

r.     Segundo a AT, os registos contabilísticos da Requerente não permitiram identificar custos especificamente relacionados com os rendimentos sujeitos e não isentos, para além dos que foram considerados para efeitos dos valores apurados dos rendimentos, suscetíveis de dedução integral ao rendimento global, nos termos da alínea a) do n.º 1, do artigo 54.º, do Código do IRC;

s.     Assim, tendo em conta a imputação já efetuada dos custos pelos rendimentos sujeitos e não isentos e pelos rendimentos não sujeitos ou isentos, os SIT apuraram custos comuns da quantia de € 550 671,40, a imputar proporcionalmente a ambos os tipos de rendimentos, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 54.º, do Código do IRC (Pág. 15, do RIT/2009);

t.     Os custos comuns dedutíveis ao rendimento global, calculados na proporção dos rendimentos sujeitos e não isentos sobre o total dos rendimentos, foram apurados pelo valor de € 348 492,60, sendo a matéria coletável determinada pela dedução ao rendimento global daqueles custos comuns dedutíveis;

u.    Assim, a matéria coletável apurada e que serviu de base à liquidação impugnada, foi quantificada em € 157 350,91;

v.    Não houve alteração ao valor total dos proveitos ou dos custos da Requerente, no exercício de 2009, mas apenas a sua requalificação, nos termos indicados;

c.    A Requerente foi objeto de ação de inspeção aos exercícios dos anos de 2007 e de 2008, no âmbito da qual a AT não procedeu à requalificação dos rendimentos provenientes de subsídios e tendo a AT considerado que as respetivas devoluções constituíam custos específicos de rendimentos não sujeitos (págs. 25 e 26 do doc. 1, junto à p. i. e doc. 7 do PA);

d.   Inconformada com a liquidação n.º 2013…, emitida em 11/11/2013 com base na matéria coletável apurada no RIT do exercício do ano de 2009, com prazo para pagamento voluntário até 13/01/2014, a A… apresentou reclamação graciosa, em 9/05/2014, requerendo a sua anulação parcial, com os mesmos fundamentos do presente pedido de pronúncia arbitral;

e.    A reclamação graciosa, autuada sob o n.º …2014…, foi indeferida, conforme notificação remetida ao sujeito passivo pelo ofício n.º …/…, da Direção de Finanças do…, de 16/07/2015, rececionado em 21/07/2015;

f.     Em 19/08/2015, foi apresentado recurso hierárquico daquela decisão, sem que, até à data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, em 17/11/2015, tivesse sido notificada das respetivas conclusões;

g.    Em sede de alegações, a Requerente reduziu o pedido inicial à declaração de ilegalidade parcial da liquidação impugnada.

 

2.2. Fundamentação da matéria de facto provada:

A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada como provada resultou da análise crítica da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral e ao processo administrativo junto pela Requerida.

2.3.  Factos não provados

Não existem factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

3.        MATÉRIA DE DIREITO – FUNDAMENTAÇÃO

3.1.   Da exceção de incompetência do Tribunal Arbitral

Quer na contestação, quer nas suas alegações, vem a Requerida invocar a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral para apreciação das pretensões da Requerente quanto à redução da matéria coletável que lhe foi fixada e à redução do valor do imposto devido a final.

Tratando-se de matéria de apreciação prioritária, nos termos do n.º 1 do artigo 608.º, do Código de Processo Civil (CPC), de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, procederemos de imediato à sua apreciação.

Fundamenta a AT a incompetência do Tribunal Arbitral nas disposições do RJAT e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03, através da qual as ex-Direcção-Geral dos Impostos (DGCI) e ex-Direção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais Sobre o Consumo (DGAIEC) se vincularam à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, no que se refere à apreciação das pretensões relativas a impostos por elas administrados, identificadas no n.º 1 do artigo 2.º, do RJAT, à exceção das indicadas no artigo 2.º, da mencionada Portaria, em especial e no que à situação dos presentes autos interessa, as indicadas na alínea b), ou seja, à exceção das “Pretensões relativas a atos de determinação da matéria colectável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão” .

Ora, estando provado nos autos que, de acordo com o RIT, as correções à matéria coletável da Requerente são meramente aritméticas, não tendo havido recurso a métodos indiretos, conclui-se que a AT, enquanto sucessora da DGCI e da DGAIEC (cfr. o artigo 12.º, do Decreto-Lei n.º 118/2011 de 15/12), se encontra vinculada às decisões arbitrais que apreciem as pretensões identificadas no n.º 1 do artigo 2.º, alíneas a) e b), do RJAT, na redação que lhes foi dada pelo artigo 160.º, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (O. E. para 2012), segundo as quais:

Artigo 2.º - Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável

1 — A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria colectável e de atos de fixação de valores patrimoniais.

2 — (…)”

Contudo, ainda que assim se não entendesse, sempre subsistiria a competência deste Tribunal Arbitral para dirimir o litígio, uma vez que a Requerente, em sede de alegações, reduziu o pedido à declaração de ilegalidade parcial da liquidação impugnada, como lhe permite a primeira parte do n.º 2, do artigo 265.º, do CPC (artigo 3.º das Alegações).

Tendo-se por não verificada a exceção da incompetência do Tribunal Arbitral e atendendo à redução do pedido pela Requerente, é sobre a ilegalidade (parcial) do ato tributário que nos iremos debruçar.

 

3.2.  Da (i)legalidade da liquidação de IRC do exercício de 2009, por erro na qualificação e quantificação de rendimentos

Ambas as Partes concordam que a Requerente é um sujeito passivo de IRC, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRC, por se tratar de uma entidade de direito privado com sede em território nacional que, não exercendo, a título principal, uma atividade comercial ou agrícola, é tributada pelo rendimento global do exercício, apurado nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alínea b), do mesmo Código, “correspondente à soma algébrica dos rendimentos das diversas categorias consideradas para efeitos de IRS e, bem assim, dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito”.

Embora, no exercício de 2009, a Requerente tenha obtido, para além de rendimentos da categoria B, rendimentos da categoria E (capitais) e da categoria G (mais-valias), é sobre a quantificação daquele primeiro tipo de rendimentos que versa o litígio que a opõe à AT, decorrente da requalificação por esta efetuada dos proveitos provenientes de subsídios que, segundo a Requerente, são rendimentos não sujeitos, por se destinarem a financiar a atividade de formação, desenvolvida na prossecução dos fins estatutários. Ao invés, a AT considera tais rendimentos enquadráveis na previsão do artigo 3.º, n.º 2, alínea g), do Código do IRS, consubstanciando “componentes positivas na determinação do rendimento comercial, industrial ou agrícola (resultado líquido), na medida em que não cumprem os requisitos para beneficiarem da isenção prevista no n.º 2 do artigo 55.º do EBF, quer quanto à natureza do sujeito passivo, quer quanto aos destinatários da formação, que não se limitam aos associados do sujeito passivo”.

 

A requalificação dos rendimentos da Requerente, para o exercício de 2009, foi motivada pelo facto de, à semelhança do que ocorreu no decurso das ações de inspeção tributária aos exercícios dos anos de 2007 e de 2008, se ter verificado que embora dispondo de contabilidade organizada, considerando o Plano de Contas utilizado, a mesma não se encontrar estruturada de molde a permitir a identificação dos diferentes tipos de rendimentos, isentos, não sujeitos e sujeitos, por categorias de IRS, em infração do disposto no artigo 116.º, do Código do IRC (Regime simplificado de escrituração), na redação à data dos factos, não tendo também apresentado o anexo D à IES.

De acordo com a AT (anexo 1 do RIT/2009), o total dos proveitos da categoria B apurados no âmbito da ação de inspeção ao exercício do ano de 2009, com base nos registos contabilísticos da Requerente, totalizam € 5 337 989,03, resultando, fundamentalmente, da realização de seminários, conferências e eventos análogos, prestação de serviço de formação (subsídios), cedências de espaço e outras prestações de serviço, consistindo os proveitos obtidos com a realização de seminários, conferências e eventos análogos rendimentos empresariais, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º, do Código do IRS, enquanto as cedências de espaço e as restantes prestações de serviço se enquadram na alínea a) do n.º 1 daquele artigo 3.º, do Código do IRS.

Vejamos se assiste razão à AT.

 

Como decorre das normas de incidência subjetiva do Código do IRC, os sujeitos passivos do imposto não são apenas as entidades empresariais, estando também abrangidas entidades sem fins lucrativos, como é o caso das associações e das fundações, que não exercem, a título principal, mas tão-somente acessório, atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola.

Quanto a estas, procede o legislador a uma distinção entre “rendimentos associativos” e “rendimentos comerciais”, tributando apenas estes últimos, dado que, nas palavras de Saldanha Sanches, “nas associações é o lado material da factispecie (certos rendimentos) que se torna determinante para efetuar a previsão” do objeto do imposto, valendo “o princípio segundo o qual é da natureza dos rendimentos que decorre a sua tributação ou não tributação, com a sede da decisão situada no IRS”.[1]

Contudo, como bem adverte Casalta Nabais, embora o IRC destas entidades seja determinado pelas regras do IRS, excecionam-se os rendimentos da categoria B, “que por força da remissão do art. 32.º do Código do IRS, é determinado com base nas regras do Código do IRC. Pelo que, em relação a esse rendimento, se verifica como que uma remissão circular – do Código do IRC (n.º 1 do art. 3.º) para o Código do IRS e, depois, do Código do IRS (art. 32.º) para o Código do IRC. Rendimento global a que há, depois, que fazer as deduções correspondentes a prejuízos fiscais e menos-valias, de um lado, e aos gastos comuns e outros gastos, nos termos, respetivamente, do art. 53.º e do art. 54.º do Código do IRC[2].

 

A Requerente é uma associação sem fins lucrativos à qual compete, na prossecução dos seus fins estatutários, conforme o artigo 2.º, dos Estatutos (transcrito a págs. 2/3, do RIT), designadamente, “Promover a formação profissional dos seus membros e da comunidade em geral (…)” (n.º 1, alínea e).

Os rendimentos requalificados pela AT, da quantia de € 1 537 650,85, respeitam, essencialmente, aos subsídios destinados à formação (cfr. págs. 10/11, do RIT), atividade que, inequivocamente, integra os fins estatutários da Requerente.

Tais rendimentos, atendendo à natureza jurídica da Requerente e à qualidade dos destinatários da formação, que não são apenas os seus associados, mas a “comunidade em geral”, não beneficiam da isenção prevista no n.º 2 do artigo 55.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, em que se prevê:

 

“Artigo 55.ª – Associações e confederações

(…)

2 - Ficam isentos de IRC os rendimentos das associações sindicais e das pessoas colectivas públicas, de tipo associativo, criadas por lei para assegurar a disciplina e representação do exercício de profissões liberais, derivados de ações de formação prestadas aos respetivos associados no âmbito dos seus fins estatutários.

(…)”

Porém, devendo o rendimento global da Requerente ser apurado nos termos do Código do IRC, por remissão do artigo 32.º, do Código do IRS, conclui-se que os subsídios destinados à formação e outras atividades integralmente subsidiadas se qualificam como rendimentos não sujeitos, nos termos do artigo 49.º, n.º 3, daquele Código, na redação em vigor à data dos factos (atual artigo 54.º, n.º 3), norma integrada no capítulo III – Determinação da matéria coletável, Secção 3 – Pessoas coletivas e outras entidades residentes que não exerçam, a título principal, atividade comercial, industrial ou agrícola, cuja estatuição determina:

Artigo 49.º- Custos comuns e outros

(…)

3 - Consideram-se rendimentos não sujeitos a IRC as quotas pagas pelos associados em conformidade com os estatutos, bem como os subsídios destinados a financiar a realização dos fins estatutários.

(…).

 

Em face do exposto, conclui-se que a AT não podia requalificar aqueles rendimentos em rendimentos da categoria B de IRS, como, aliás, o não fez nos exercícios de 2007 e de 2008 e que, ao proceder a tal requalificação, incorreu em erro sobre os pressupostos de direito.

 

3.3.Da (i)legalidade da liquidação de IRC do exercício de 2009, por erro na qualificação e quantificação de custos comuns e outros

Tendo-se concluído pela não sujeição a IRC dos subsídios auferidos pela Requerente e destinados à formação e outras atividades integralmente subsidiadas, vejamos em que medida tal conclusão influencia a quantificação dos custos dedutíveis.

Mais uma vez, a solução é dada pelo artigo 49.º do Código do IRC, à data dos factos, agora pelos seus n.ºs 1 e 2, dos quais constam as regras para a dedutibilidade dos custos específicos dos rendimentos sujeitos a imposto e dos custos comuns.

Artigo 49.º - Custos comuns e outros

1 - Os custos comprovadamente indispensáveis à obtenção dos rendimentos que não tenham sido considerados na determinação do rendimento global nos termos do artigo anterior e que não estejam especificamente ligados à obtenção dos rendimentos não sujeitos ou isentos de IRC são deduzidos, no todo ou em parte, a esse rendimento global, para efeitos de determinação da matéria coletável, de acordo com as seguintes regras:

a) Se estiverem apenas ligados à obtenção de rendimentos sujeitos e não isentos, são deduzidos na totalidade ao rendimento global;

b) Se estiverem ligados à obtenção de rendimentos sujeitos e não isentos, bem como à de rendimentos não sujeitos ou isentos, deduz-se ao rendimento global a parte dos custos comuns que for imputável aos rendimentos sujeitos e não isentos.

2 - Para efeitos do disposto na alínea b) do número anterior, a parte dos custos comuns a imputar é determinada através da repartição proporcional daqueles ao total dos rendimentos brutos sujeitos e não isentos e dos rendimentos não sujeitos ou isentos, ou de acordo com outro critério considerado mais adequado aceite pela Direcção-Geral dos Impostos, devendo evidenciar-se essa repartição na declaração de rendimentos.

(…)

Tal como consta da página 15 do RIT, o valor total dos custos relevados na contabilidade da Requerente é de € 8 394 757,04, todos eles indispensáveis à formação do rendimento, a que a AT, coerentemente, aplicou as regras dos números 1 e 2 do artigo 49.º, do Código do IRC. Assim, não tendo identificado custos especificamente relacionados com os rendimentos requalificados com sendo rendimentos da categoria B, que considerou sujeitos a imposto e dele não isentos, a AT procedeu à repartição proporcional dos custos que considerou comuns aos rendimentos por si requalificados e aos rendimentos não sujeitos, deduzindo ao rendimento global a parte dos custos comuns imputáveis aos rendimentos sujeitos.

No entanto, se bem que coerente, a repartição dos custos efetuada pela AT, atendendo à requalificação dos subsídios à formação em rendimentos da categoria B, não se apresenta correta, uma vez que parte da premissa errada de que aqueles subsídios configuram rendimentos sujeitos a imposto, quando, na verdade, são rendimentos não sujeitos, nos termos do artigo 49.º, n.º 3, do Código do IRC.

Tal qualificação dos subsídios como rendimentos não sujeitos altera, consequentemente, a repartição proporcional dos custos feita pela AT, a imputar a cada tipo de rendimentos e a deduzir ao rendimento global.

 

3.4.  Questões de conhecimento prejudicado

Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), sendo que as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

Em face da solução dada às questões relativas à errada requalificação dos rendimentos provenientes de subsídios e ao consequente erro no apuramento dos custos dedutíveis ao rendimento global, solução que assegura a tutela eficaz do direito da Requerente, impedindo a renovação do ato impugnado com o mesmo conteúdo, fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios que àquele ato vêm imputados.

4.        DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados decide-se em, julgando inteiramente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral, declarar a ilegalidade da liquidação de IRC do exercício do ano de 2009, determinando a sua anulação parcial, na medida do propugnado pela Requerente.

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 28 594,18 (vinte e oito mil, quinhentos e noventa e quatro euros e dezoito cêntimos).

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 1 530,00 (mil quinhentos e trinta euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 20 de abril de 2016.

 

 

O Árbitro,

 

/Mariana Vargas/

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990. 

 



[1] - SANCHES, J. L. Saldanha, “Manual de Direito Fiscal”, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2007, pág. 359.

[2] - NABAIS. José Casalta, “O Dualismo na Tributação das Empresas”, in “Introdução ao Direito Fiscal das Empresas”, Almedina, Coimbra, 2013, págs. 126 e 127.