Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 646/2015-T
Data da decisão: 2016-04-11  IABA  
Valor do pedido: € 199.369,13
Tema: IABA - Perdas
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Maria Cristina Aragão Seia e António Manuel Melo Gonçalves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 22 de Outubro de 2015, A…, LDA., pessoa colectiva n.º…, com sede em…, no município de Tondela, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto sobre o Álcool e Bebidas Alcoólicas e respectivos juros compensatórios, objecto do registo de liquidação n.º…, com prazo para pagamento voluntário até ao dia 17 de Setembro de 2014, no valor de 199.369,13€.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que:

 

                                                              i.      não foram inquiridas as testemunhas arroladas no âmbito do procedimento de reclamação graciosa e no âmbito do procedimento de inspecção tributária;

                                                            ii.      quanto às faltas de vinho abafado apuradas no entreposto da B…, teria havido lapso do funcionário que havia acompanhado o varejo, e não teria sido indicada aos funcionários da DON a existência do uma cisterna onde se encontravam cerca de 30.0001 de vinho abafado: as perdas detectadas devem ser integralmente aceites ao abrigo do disposto na primeira parte do art.º 48.º nº 2 do CIEC, conjugada com o n.º 1 do artigo 41.º do mesmo Código, em face do circunstancialismo do caso concreto;

                                                          iii.      relativamente à aguardente que se encontrava armazenada nas ânforas 22 e 23 e no balão 163 do entreposto fiscal do E…, e que, após desselagem do depósito, teve de ser submetida a várias operações de filtragem, ocorreu uma perda na produção de 10% do produto, que, não obstante muito superior à que resulta da taxa de rendimento para as operações do filtragem aprovada para este entreposto, não poderiam ser objeto de tributação, uma vez que a referida aguardente havia estado em depósito durante cerca de 10 anos e a filtragem teria obedecido a processos diversos dos habitualmente utilizados, sendo circunstâncias extraordinárias e perdas anormais.

 

  1. No dia 26-10-2015, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 16-12-2015, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 04-01-2016.

 

  1. No dia 04-02-2015, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.

 

  1. No dia 02-03-2015, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente e foram apresentadas alegações orais pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-      Em 26 10212014, a Divisão Operacional do Norte (DON) da Direção de Serviços Anti-Fraude Aduaneira iniciou uma Acção Inspectiva (Proc.º Administrativo n.º C: …-14; N.º de Autorização; 14…), à Requerente, tendo por âmbito o controlo das transações de produtos sujeitos a Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (IABA) nos períodos de 2011 a 2014.

2-      A Requerente era depositário autorizado sendo titular de vários entrepostos fiscais:

a.       Entreposto fiscal PT…, na B…, Tondela;

b.      Entreposto fiscal PT…, no C…, Gafanha da Nazaré;

c.       Entreposto fiscal PT…, em D…, Bombarral;

d.      Entreposto fiscal PT…, em E…;

e.       Entreposto fiscal PT…, F…, Bombarral.

3-      Foram efectuados no âmbito da referida acção inspectiva varejos nesses vários entrepostos bem como analisada a respectiva contabilidade de existências.

4-      Foram lavrados os termos do varejo relativamente a todos os varejos realizados nos entrepostos em causa, todos assinados pelos funcionários aduaneiros e um representante da empresa:

a.       Varejo aos entrepostos do Bombarral, realizados em 28/02/2014, e assinados os respectivos termos de varejo por G…, na qualidade de empregado de armazém;

b.      Varejo ao entreposto na B…, realizado em 28/02/2014, acompanhado e assinado o respetivo termo do varejo por H…, na qualidade de administrador;

c.       Varejo ao entreposto de Gafanha da Nazaré, realizado em 28/02/2014, acompanhado e assinado o respetivo termo de varejo por H... na qualidade de administrador;

d.      Varejo do entreposto de E… , realizado em 26/02/2014, acompanhado e assinado o respetivo termo de varejo por I…, na qualidade de encarregado de armazém.

5-      Os resultados apurados foram os seguintes:

a.       Entreposto fiscal PT…, na B…, Tondela, apurou-se a quantidade de produtos em entreposto:

                                                              i.            Vinho tranquilo: 4.475.00 litros;

                                                            ii.            Vinho abafado: 21.000 litros;

                                                          iii.            Aguardente: existia em entreposto uma vasilha selada (B27) com indicação de conter aguardente, tendo sido apresentado um auto de apreensão desse produto lavrado pela GNR - Grupo Fiscal de … da Brigada Fiscal.

Da comparação entre a contabilidade de existências (saldos das contas correntes) e a contagem física, apuraram-se as seguintes diferenças:

                                                              i.            Vinho tranquilo: à data do varejo, existiam em entreposto menos 2.667.659 l. do que as quantidades registadas na contabilidade de existências;

                                                            ii.            Vinho abafado: a quantidade em entreposto era inferior à inscrita na respectiva conta corrente em 9.834 litros.

Da análise das contas correntes neste entreposto da B… relativas a produtos sujeitos a IABA a taxa positiva detectaram-se ainda, com relevância para os presentes autos, e relativamente ao vinho abafado (produto intermédio) incongruências, tendo sido corrigido o saldo da conta corrente com base em varejo anteriormente efectuado pela Alfândega de … em 19/05/2011.

Após essa rectificação, o saldo à vista da contabilidade de existências de vinho

abafado neste entreposto da B… passou a ser de 50.356 litros.

Sendo que, no varejo efectuado em 26/02/2014 se apuraram existências no entreposto de apenas 21.000 litros na cuba B26, verificando-se uma diferença de 29.356 litros, valor superior ao limite previsto para perdas não tributáveis na armazenagem, decorrente do artigo 48.º, n.º 1, alínea a) do CIEC (1,5%).

 

b.      Entreposto fiscal PT…, no C…, Gafanha da Nazaré:

                                                              i.            vinho tranquilo: existiam em entreposto menos 719.199 litros do que o valor inscrito na contabilidade de existências.

 

c.       Entreposto fiscal PT…, em D…, Bombarral:

                                                              i.            Os depósitos de mercadoria estavam selados: autos de selagem emitidos pelo Destacamento de Acção Fiscal de … da GNR e ASAE (Autoridade de Segurança Económica e Alimentar).

                                                            ii.            Apenas existia um depósito não selado, contendo 7.500 litros de vinho branco.

 

d.      Entreposto fiscal PT…, em E…:

                                                              i.            Vinho tranquilo em entreposto: 1.102.098 litros:

                                                            ii.            Aguardente vínica: cuba inox selada pelo IVOP (Cuba n.º 4), cujo "Registo da Selagem e Desselagem nas operações de acompanhamento de Saída de Aguente Vínica Certificada" indicava que a mesma ficou a conter cerca de 144.594 litros de aguardente vínica.

Do confronto das existências apuradas no varejo com a contabilidade de existências do entreposto, resultaram as seguintes diferenças:

1) Vinho tranquilo: encontravam-se no entreposto menos 236.481 litros do que o valor inscrito na contabilidade;

2) Aguardente vínica: a quantidade constante do auto de desselagem do IVDP era inferior à inscrita na respetiva conta corrente em 7.201 litros.

A taxa de rendimento para as operações de filtragem de aguardente vínica naquele entreposto, aprovada nos termos do artigo 26.º do CIEC, era de 98% em 2011 e 2012, tendo passado a 98.5% em 2013.

Da análise das contas correntes de aguardente neste entreposto de E… verificou-se no decurso do procedimento de inspeção, que em Agosto de 2011 a ora Requerente havia procedido à abertura de 3 depósitos que se encontravam selados desde julho de 2007 e a trasfega/filtragem do produto neles contido : Ânforas 22 e 23 (depósitos em inox) e balão 153 (depósito em cimento com capacidade de armazenagem superior a 2.000hl).

Aquando da abertura dos depósitos selados, em 2011, a empresa registou na sua contabilidade de existências quebras de mercadoria correspondentes a 7,2% do total armazenado nos 3 depósitos (quebra total de 11.192,18 litros) e retificou o grau alcoólico da aguardente (redução do teor alcoólico). A quebra era superior à prevista no artigo 48.º do CIEC, que limitava as perdas na armazenagem a 1,5% para as bebidas alcoólicas não engarrafadas.

Quatro dias após a abertura dos depósitos, a Requerente procedeu à trasfega e filtragem do produto armazenado nos 3 depósitos para o balão …, tendo registado quebras, quanto ao produto que se encontrava no balão 153, de 10%, quando a taxa de rendimento aprovada para as operações de filtragem no entreposto (artigo 26.º do CIEC) era de 98%, ou seja, permitindo quebras não tributáveis de apenas 2%.

Relativamente a estas situações, a AT apurou uma dívida de IABA de €161.914,71.

 

e.       Entreposto fiscal PT… - F…, Bombarral:

                                                              i.            Depósitos vazios: mercadoria havia sido transferida para o entreposto do Bombarral, tendo essa transferência sido acompanhada pela GNR e ASAE, por se tratar de mercadoria apreendida por essas entidades;

                                                            ii.            Os EDA (documentos de Acompanhamento} emitidos para a circulação entre entrepostos foram conciliados com os autos dessas entidades.

 

6-      Notificada para audição prévia no âmbito do procedimento de inspeção, a ora Requerente apresentou o requerimento que consta a fls. 42 e segs. do processo administrativo relativo a esse procedimento, tendo invocado, essencialmente, as mesmas circunstâncias de facto que invoca na presente acção arbitral, e, com esse mesmo requerimento, juntou documentos e indicou 3 testemunhas.

7-      As referidas testemunhas, que não foram inquiridas, destinavam-se a fazer prova de que não faltava vinho abafado aquando do varejo de 26/02/2014, no entreposto da B… .

8-      Na apreciação do exercício da audiência prévia pela Requerente, consta, para além do mais, que:

“Toda a mercadoria apresentada pelos referidos funcionários foi quantificada, constando do termo de varejo elaborado no mesmo dia.

No apuramento das diferenças entre os saldos da contabilidade de existências e as quantidades quantificadas podem apenas ser consideradas as quantidades apresentadas, pela empresa aquando da elaboração do varejo, pois de outra forma, não estaria assegurada a possibilidade da Autoridade Tributária e Aduaneira validar a correcta quantidade e natureza dos produtos em causa”.

9-      Com base nas conclusões do procedimento de inspeção, a Alfândega de … procedeu à liquidação do IABA (Processo CF/CP/…/2014; Registo de liquidação n.º... de 29/08/2014), no valor total de 199.369,13€.

10-  No dia 2 de Setembro de 2014, a Requerente foi notificada para pagar o montante de 199.369,13€, relativo à liquidação referida, com prazo para pagamento voluntário até ao dia 17 de Setembro de 2014.

11-  Inconformada, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra o acto de liquidação, que viria a ser indeferida por despacho de 15/07/2015 do Director de Serviços dos Impostos Especiais de Consumo e do Imposto Sobre Veículos.

12-  Na reclamação graciosa, a Requerente arrolou novamente testemunhas, destinadas a fazer prova de que não faltava vinho abafado aquando do varejo de 26/02/2014, no entreposto da B…, que não foram ouvidas.

13-  A este propósito, pode ler-se na decisão da reclamação graciosa:

“Sobre este ponto, os inspetores responsáveis pela ação pronunciaram-se no sentido de não poder um auto de varejo ser alterado, passados seis meses, com base num testemunho.

Ainda sobre este ponto, é de salientar que as conclusões vertidas no relatório final são fundamentadas nos elementos recolhidos no terreno durante a realização da ação, no caso específico, na inventariação recolhida no varejo, e a assinatura do auto de varejo pelos intervenientes no mesmo, a todos vincula.

Refuta-se, assim, o alegado erro na contabilização do vinho abafado.

Refuta-se a acusação de violação do artigo 58º da LGT, por infundada, porque como atrás ficou demonstrado, a prova testemunhal não é admissível, nem no procedimento de inspecção nem em sede de reclamação graciosa.”

14-  No dia 29 de Março de 2001, e por força de uma medida cautelar decretada à ordem do processo …/01…TABBR do Tribunal Judicial do Bombarral, foram apreendidas e seladas as ânforas 5 e 11 do entreposto de E… da Requerente, contendo aguardente vínica, cada uma com «±44.040 litros».

15-  De igual forma, no dia 27 de Março de 2001, o Núcleo de … da Divisão de Fiscalização Vitivinícola procedeu à selagem e colheita de amostras de todos os depósitos existentes nas instalações do entreposto do Bombarral da Requerente, entre os quais, o depósito n.º…, contendo aguardente vínica num total de 113.675 litros.

16-  A aguardente selada e armazenada nas aludidas ânforas 5 e 11 do entreposto de E… foi ulteriormente trasfegada para as ânforas 22 e 23 do mesmo entreposto, em 24 de Agosto de 2006, mediante requerimento da ora Requerente, tendo este procedimento de trasfega sido autorizado pelo Tribunal e acompanhado pela ASAE.

17-  Por diferentes motivos, a ora Requerente requereu, em 31 de Agosto de 2006, a trasfega da aguardente selada e armazenada no depósito n.º … do Bombarral para o balão n.º … do entreposto de E… .

18-  Trasfega que foi autorizada pelo Tribunal e realizada em 26 de Abril de 2007, com acompanhamento da ASAE.

19-  Aquando destas duas operações de trasfega, a ASAE não efectuou a medição física da aguardente em causa.

20-  Aproveitando a operação de trasfega, a ora Requerente requereu, nessa altura, que fossem extraídas amostras da aguardente apreendida para análise por parte do Instituto … ("…"), para apurar se, volvidos 6 anos desde a apreensão e selagem desta aguardente armazenada nas, agora, ânforas 22 e 23 de E…e, agora, no balão n.º … também do entreposto de E…, a mesma ainda cumpria com as condições para a sua adição ao vinho do Porto.

21-  Colheita de amostras que foi realizada em 7 de Maio de 2007 e que foi objecto da competente análise organoléptica realizada pelo… .

22-  Aquando da colheita de amostras por parte do…, este Instituto não realizou qualquer medição física da aguardente em causa, tendo-se limitado a transcrever, no auto de selagem e colheita de amostras, as quantidades que se encontravam registadas na contabilidade de existências do entreposto de E… relativamente às ânforas e ao balão aqui em causa.

23-  A aguardente armazenada nas ânforas 22 e 23 e no balão … do entreposto de E… veio a permanecer selada e apreendida à ordem dos referidos autos até ao ano de 2011, altura em que ocorreu a sua desapreensão judicial e entrega à Requerente.

24-  Aquando da apreensão existiam, aproximadamente:

a.       ânfora 5: +/- 44.020 litros;

b.      ânfora 11: +/- 44.020 litros;

c.       balão 226: 113.675 litros.

25-  Por força das operações de trasfega já mencionadas e acompanhadas pelas autoridades competentes, foram registados na contabilidade de existências da A… os seguintes valores iniciais:

a.       ânfora 22: 44.200 litros, com o grau de 76,62 %vol;

b.      ânfora 23: 44.200 litros, com o grau de 76,83 %vol;

c.       balão 153: 115.034 litros, com o grau de 76,54%vol.

26-  A medição de grandes quantidades de aguardente ou vinho que se encontram em depósitos de grandes dimensões (os balões têm cerca de seis metros de altura e um diâmetro que pode passar os 4 metros) e/ou com forma irregular (como as ânforas), é uma tarefa sempre associada a alguma margem de erro, a menos que a medição seja realizada por intermédio de um caudalímetro - o que, relativamente a produtos que se encontrem já armazenados e assim permanecem, não é possível fazer.

27-  Uma medição feita com recurso à escala dos depósitos num dia ou num período quente é diferente da medição feita num dia ou período mais frio.

28-  No que se refere ao balão…, em lugar da quantidade indicada pelo representante da firma à data da apreensão relativamente à quantidade que, naquele momento, se encontrava armazenada no então balão … do Bombarral (113.675 1.), foi considerado o valor constante dos DAA's do transporte desse vinho do balão… do Bombarral para o balão … de E… (115.034 l.), valor este que foi inscrito pela Requerente na conta-corrente do balão … de E… .

29-  No caso das ânforas, apesar de o auto de apreensão mencionar +/- 44.0201 em cada uma, foi considerado o valor que acabou inscrito na contabilidade de existências aquando da trasfega das ânforas 5 e 11 para as ânforas 22 e 23.

30-  Em condições normais, nenhuma aguardente para vinho do Porto é mantida estagnada e parada, por um período de tempo superior a um ano.

31-  Ao longo de 10 anos, uma aguardente com um elevado teor alcoólico, para além do processo de transformação, sofre perdas inerentes à sua própria natureza, por evaporação.

32-  Os recipientes de armazenagem de grandes quantidades de álcool ou bebidas alcoólicas têm, obrigatoriamente, um respiro, sob pena de rebentarem quando expostos às inevitáveis variações de temperatura.

33-  O normal processo de evaporação que ocorre no tipo de produto em causa, quando mantido em depósito durante um período de tempo que se pretende limitado e curto, é, necessariamente, mais acentuado quando se prolonga essa armazenagem pelo período de 10 anos.

34-  Quanto menor for a quantidade de líquido contido num recipiente, mais rapidamente este aquecerá e, consequentemente, maior é a evaporação que aí ocorre.

35-  O processo de destilação é feito mediante o uso de calor.

36-  A taxa de rendimento avançada pela Requerente no entreposto de E… para operações de filtragem, que se encontra aprovada nos termos legais (98%, ou seja, perdas de 2%), foi aferida atendendo às condições reais normais de produção.

37-  A aguardente contida no balão … encontrava-se bastante alterada nas suas características organolépticas aquando da desselagem,

38-  Por forma a tornar esta aguardente apta para o fim a que se destinava - aguardente vínica para vinho do Porto -, foi necessário realizar um tratamento mais intensivo do que aquele que, em condições normais, é habitualmente realizado na aguardente.

39-  Para além de outros tratamentos (com carvão desodorizante enológico ou resinas de permuta iónica de uso alimentar), a Requerente teve de realizar, no caso concreto, um total de quatro filtragens no processo produtivo desta aguardente vínica e de utilizar, inclusivamente, filtros de placas, que motivam perdas de produto maiores.

40-  O longo período de tempo durante o qual esta aguardente esteve estagnada num balão de cimento revestido a epóxi, motivou que a aguardente fosse adquirindo propriedades desse recipiente em que se encontrava.

41-  A temperatura, oxigenação e outros factores a que ficou exposta durante esses 10 anos, motivou que as suas características se fossem alterando com o tempo.

42-  O mesmo aconteceu à aguardente retida nas ânforas 22 e 23, embora aí, pelas características que a aguardente apresentava e pela menor contaminação desses concretos recipientes a Requerente não necessitou de realizar as quatro mencionadas filtragens.

43-  As análises efectuadas no ano de 2007 pelo…, concluíram, nesse ano, pela reprovação da aguardente contida no balão…, ao passo que a aguardente retida nas ânforas 22 e 23 resultava aprovada.

 

 

A.2. Factos dados como não provados

 

1-      Não faltava vinho abafado aquando do varejo de 26/02/2014, no entreposto da B… .

2-      Os serviços de Inspecção apenas viram cerca de 21.000 l. de vinho abafado naquela data, porquanto o funcionário encarregado de acompanhar a inspecção desconhecia que, por indicação expressa do gerente da Requerente, cerca de 30.000 litros do vinho abafado haviam sido armazenados numa cisterna, pois seria, em princípio, transferido para o armazém de E… .

3-      A quantidade excedente dos 21.000 l. referidos nunca chegou a sair do armazém da B…, onde ainda hoje permanece.

4-      Apenas por mero lapso da Requerente, que não havia informado o funcionário encarregado de acompanhar a inspecção da transferência de vinho abafado de uma cuba para uma cisterna, que não foi exibida uma cisterna de cerca de 30.000 litros de vinho abafado que se encontrava nas instalações.

5-      Aquando da desselagem das Ânforas 22 e 23, e do balão…, volvidos 10 anos da apreensão, as quantidades de aguardente contidas nas vasilhas mencionadas eram as seguintes:

a.       ânfora 22: 39.780 litros, com o grau de 74,40 % vol;

b.      ânfora 23: 39.780 litros, com o grau médio de 74,77 % vol;

c.       balão 153: 113.884 litros, com o grau de 75,10% vol.

6-      As ânforas, recipientes de menores dimensões e que continham cerca de 44.200 litros, registaram perdas por evaporação superiores às perdas por evaporação do balão, que continha cerca de 115.034 litros, tendo-se registado uma diminuição do grau de álcool de 2,22º na ânfora 22, 2,53º na ânfora 23 e 1,44º no balão… .

7-      O facto de ter ocorrido esta diminuição do grau do álcool da aguardente reforça e comprova que ocorreu uma evaporação no caso concreto, em valores significativos.

8-      A perda de armazenagem verificada aquando da desselagem no ano de 2011 é inerente à natureza do produto em causa (aguardente vínica a 76º).

9-      As perdas verificadas durante o processo de obtenção do produto acabado a partir da aguardente contida nas ânforas e balão referidos - no montante de 11.388 litros - são justificadas em face dessa anormal alteração de características.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, bem como a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Em concreto, os factos dados como provados nos pontos 26 a 42 resultam do depoimento das testemunhas apresentadas pela Requerente, e correspondem a factos não objecto de controvérsia processual ou procedimental, sendo alguns deles decorrência de factos notórios ou de conhecimento comum.

Os factos dados como não provados derivam da ausência ou insuficiência da prova a seu respeito.

Efectivamente, no que diz respeito aos pontos 1 a 4, não ficou, minimamente, o Tribunal convencido da sua ocorrência. As circunstâncias descritas pelas próprias testemunhas, segundo as quais o sócio-gerente da Requerente, H…, que recebeu e encerrou, assinando o respectivo auto, o varejo efectuado em E…, e que, ainda segundo aquelas, controlava tudo o que ali se passava e tinha sido quem teria determinado o alegado armazenamento na cisterna do produto em falta, não são coerentes com a não indicação – de imediato, da existência do produto em falta nem, muito menos, com a comunicação da ocorrência à Alfândega, nos dias seguintes, não tendo sido ensaiada pelas testemunhas ouvidas qualquer explicação para tais incoerências.

Já no que diz respeito à quantificação das perdas extraordinárias verificadas no entreposto da B…, corroborando, credivelmente, as testemunhas o alegado pela Requerente quanto à verificação de circunstâncias anormais, justificadoras da ocorrência de perdas superior ao normal, nenhuma delas depôs em termos concretos o suficiente para que, fazendo-o com a credibilidade necessária, ser possível dar como provado que, de facto, as perdas resultantes daquelas circunstâncias extraordinárias foram, efectivamente, as correspondentes às quantidades em falta, sendo certo que mais nenhuma prova foi apresentada nesse sentido e que os registos internos da Requerente, desacompanhados de qualquer elemento de ordem externa que os confirme com a necessária precisão, ou, pelo menos, de comunicações contemporâneas a entidades com competência para a fiscalização, se reputam insuficientes para os fins probatórios pretendidos.

 

 

B. DO DIREITO

 

            No presente processo, a Requerente dirige a sua discordância em relação à actuação da AT, relativamente a dois tipos de situações, a saber:

-          a parte da liquidação relativa às faltas ao varejo de vinho abafado no entreposto da B…; e

-          a parte da liquidação relativa às perdas tributáveis na aguardente do entreposto de E… .

Vejamos cada uma delas.

 

*

i.

A primeira das referidas questões que se colocam a decidir nos autos, seguindo a ordem apresentada pela Requerente, prende-se com o vício de procedimento arguido, decorrente da não inquirição das testemunhas apresentadas pela Requerente na pendência do procedimento de inspecção, e do procedimento de reclamação graciosa.

            Alega, então, a Requerente que “a AT não justificou minimamente a não realização da inquirição das testemunhas requerida A…, aquando do respectivo direito de audição, o que infringe claramente o preceituado nos artigos 58.º, 60.º e 77.º da LGT.”.

            Mais alega a Requerente, a este respeito, que “a AT deveria ter inquirido as testemunhas apresentadas, pelo que incorreu num défice instrutório e não cumpriu o dever de realização de todas as diligências necessárias à descoberta da verdade, violando, por conseguinte, o disposto nos artigos 50.º e 69.º, alínea e), do CPPT, e 58.º da LGT.”, bem como no art,º 6.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPIT).

            Antes de mais, e no que diz respeito à apreciação desta matéria, cumpre ter presente que estamos no campo da aferição da ocorrência de vícios de ordem formal. Assim, na apreciação da sua verificação, não relevará o acerto, ou falta dele, das posições tomadas quanto às questões de fundo que se colocam na situação sub iudice. Ou seja, e por exemplo, para a aferição do cumprimento do dever de fundamentação, não interessará se a posição da AT é ou não correcta, mas, unicamente, se a mesma é transmitida de forma coerente e compreensível, contemporaneamente à externalização do acto tributário. Também no caso da necessidade de ponderação do direito de participação dos contribuintes no procedimento, não cumpre aferir se tal ponderação é correcta, ou incorrecta, mas, unicamente, se foi efectivamente feita.

            Posto isto, é certo que, quer no exercício do seu direito de audiência prévia relativamente à liquidação, quer aquando da reclamação graciosa, a Requerente indicou prova testemunhal, em ordem a demonstrar, em suma, que – conforme alega também em sede arbitral - “Não faltava vinho abafado aquando do varejo de 26/02/2014, no entreposto da B… .”.

            Aquando da apreciação do exercício do direito de audição da Requerente, escreveu a AT o seguinte:

“Toda a mercadoria apresentada pelos referidos funcionárias foi quantificada, constando do termo de varejo elaborado no mesmo dia.

No apuramento das diferenças entre os saldos da contabilidade de existências e as quantidades quantificadas podem apenas ser consideradas as quantidades apresentadas, pela empresa aquando da elaboração do varejo, pois de outra forma, não estaria assegurada a possibilidade da Autoridade Tributária e Aduaneira validar a correcta quantidade e natureza dos produtos em causa”.

            Já na decisão da reclamação graciosa, lê-se que:

“Sobre este ponto, os inspetores responsáveis pela ação pronunciaram-se no sentido de não poder um auto de varejo ser alterado, passados seis meses, com base num testemunho.

Ainda sobre este ponto, é de salientar que as conclusões vertidas no relatório final são fundamentadas nos elementos recolhidos no terreno durante a realização da ação, no caso específico, na inventariação recolhida no varejo, e a assinatura do auto de varejo pelos intervenientes no mesmo, a todos vincula.

Refuta-se, assim, o alegado erro na contabilização do vinho abafado.

Refuta-se a acusação de violação do artigo 58º da LGT, por infundada, porque como atrás ficou demonstrado, a prova testemunhal não é admissível, nem no procedimento de inspecção nem em sede de reclamação graciosa.”

            Como se vê, resulta de forma compreensível da pronúncia da AT relativamente ao exercício do direito de audição da Requerente, que esta analisou e apreciou a pronúncia daquela e que tomou uma posição – correcta ou incorrecta, como se disse, nesta sede não interessa – fundamentada sobre tal pronúncia.

            Assim, bem ou mal, entendeu a AT que a verificação, por meio do varejo, das quantidades de vinho abafado, era insusceptível de ser posta em causa por meio de prova testemunhal, entendimento este que foi mantido aquando da decisão da reclamação graciosa

A esta luz, fica claro, desde logo, que a recusa da AT em proceder à produção da prova testemunhal arrolada não consubstancia qualquer manifestação de arbítrio, por um lado, nem foi infundamentada, sendo inclusive conforme a jurisprudência existente[1]. Antes, é perceptível para um destinatário médio que a AT não procedeu à produção da prova requerida porquanto entendeu que a mesma consubstanciaria um acto inútil, na medida em que, mesmo que tal prova conduzisse ao resultado pretendido pela Requerente, o conteúdo do acto a praticar seria o mesmo, na medida em que considerava a mesma AT (não interessa, para estes efeitos, se bem ou mal), que o resultado do varejo era insusceptível de ser colocado em crise por meio de prova testemunhal.

Deste modo, não se verificará qualquer violação do princípio do inquisitório, uma vez que, evidentemente e por razões não só de praticabilidade como, sobretudo, de proporcionalidade, este impõe que a AT proceda à realização das diligências necessárias ao apuramento da verdade dos factos que, na perspectiva da decisão em formação, relevam para a mesma ou são, de alguma forma, susceptíveis de a alterar. Ora, sendo, na perspectiva do acto praticado (e, recorde-se, não interessa, aqui, se bem ou mal), fundamento do mesmo o resultado formal do varejo – e não a materialidade subjacente – e sendo este insuceptível de ser alterado pela prova testemunhal subsequente, nada mais havia, a este respeito (na perspectiva do órgão director do procedimento, sublinhe-se), a apurar, pelo que nenhuma falha quer ao inquisitório quer ao genérico dever de busca da verdade material (subjacente ao artigo 69.º/e) do CPPT), se pode apontar.

De igual modo, não se verifica qualquer atropelo ao direito de participação da Requerente, na medida em que tal participação lhe foi facultada e foi, devidamente, ponderada, não se verificando, igualmente, qualquer falha ao dever de fundamentação que à Administração assistia, na medida em que, como também se viu, foi externado, devidamente e de forma compreensível, qual o motivo pelo qual não se procedeu à diligência de prova requerida.

Assim, e face a todo exposto, não se verifica nenhuma das arguidas violações dos artigos 58.º, 60.º e 77.º da LGT, e 6.º do RCPIT.

Por fim, e pelos mesmos fundamentos, não se detecta qualquer violação ao disposto nos artigos 50.º e 69.º, alínea e), do CPPT, tendo-se presente não está causa uma proibição, mas antes uma, considerada, inutilidade da produção da prova requerida. Dito de outro modo, devidamente compreendida, a posição da AT foi, não a de que era proibida a prova testemunhal, mas a de que, no caso, a mesma era inútil, juízo esse que face ao concreto acto decisório formado, é insusceptível de ser censurado.

Refira-se que não se está aqui, por qualquer forma, a ratificar ou validar o entendimento subjacente aos actos tributários sindicados, segundo o qual a liquidação deriva, estritamente, do resultado formal do varejo, indiferentemente da realidade material que lhe esteja subjacente. Todavia, a consideração dessa realidade, nesta sede contenciosa, terá de se aferir na apreciação dos vícios substanciais dos actos tributários, e não sob o prisma do cumprimento dos deveres de forma que assistem à AT que devem, enquanto tal, ser apreciados nesse mesmo plano.

A este propósito, note-se, ainda, que a Requerente, não obstante ter indicado factos que poderiam ser susceptíveis de sustentar alegações nesse sentido, acaba por não alegar expressamente qualquer vício substancial relativamente a esta parte da liquidação sub iudice. Em todo o caso, mesmo que se considere que, tacitamente, o faz, o certo é que tais factos, de resto, acabaram por não ser provados, pelo que, não é de qualquer utilidade colocar a questão de saber se – fossem os mesmos provados – a parte da liquidação em questão seria de manter, como entendeu a AT, ou não.

Deve, assim, improceder esta parte do pedido arbitral.

 

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            Relativamente à parte da liquidação relativa às perdas tributáveis na aguardente do entreposto de E…, alega, essencialmente, a Requerente que a mesma será ilegal, por duas ordens de razão, que se prendem com os regimes legais aplicáveis às perdas de armazenagem e às perdas de produção.

            A propósito do primeiro aspecto, alega a Requerente que “apesar de ultrapassarem a taxa de 1,5% prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 48.º do CIEC, terão de ser aceites ao abrigo do disposto na primeira parte do n.º 2 do mesmo artigo 48.º do CIEC, conjugada com o n.º 1 do artigo 47.º do mesmo Código, em face do circunstancialismo do caso concreto.”.

            Já no que diz respeito à segunda via de argumentação, alega a Requerente que “As condições reais em que se efectuou esta operação - já descritas - impõem que se aplique a esta operação não a normal taxa de perdas (de 2%), mas uma taxa de perdas extraordinária por também extraordinário ter sido o processo de tratamento da aguardente do balão…”, “Sendo certo que o n.º 3 do artigo 26.º do CIEC expressamente permite que «Sempre que se verifiquem divergências entre as quantidades produzidas e as quantidades decorrentes da taxa de rendimento [como é o caso dos autos], deve proceder-se, por iniciativa do depositário autorizado ou da estância aduaneira competente, à revisão da taxa de rendimento aprovada.»”.

 

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            Dispõe o artigo 48.º do CIEC que:

“1 – Para efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 9.º, não são tributáveis as perdas inerentes à natureza dos produtos correspondentes às diferenças, para menos, entre o saldo contabilístico e as existências em entreposto, calculadas sobre a soma das quantidades de produto existentes em entreposto com as quantidades nele entradas, após o último varejo, com os seguintes limites:

a) até 1,5%, no caso de álcool e bebidas alcoólicas não engarrafados;

b) até 0,4%, no caso dos produtos petrolíferos e energéticos.

2 – O limite previsto na alínea a) do número anterior pode ser ajustado em casos específicos, na destilação de vinhos e no envelhecimento de bebidas alcoólicas em vasilhame de madeira.”.

            Dispõe, para além do mais, o artigo 47.º do CIEC:

“1 – A perda irreparável ou a inutilização total dos produtos em regime de suspensão do imposto não é tributável, desde que ocorra por causa inerente à própria natureza dos produtos, devido a caso fortuito ou de força maior, ou na sequência de autorização da estância aduaneira competente.

2 – A perda irreparável de produtos pode ocorrer por causa inerente à própria natureza, nos termos e nos limites fixados no artigo seguinte e no artigo 49.º, ou por caso fortuito ou de força maior, nos termos do artigo 50.º.”.

Dispõe o artigo 48.º do CIEC que:

“1 – Para efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 9.º, não são tributáveis as perdas inerentes à natureza dos produtos correspondentes às diferenças, para menos, entre o saldo contabilístico e as existências em entreposto, calculadas sobre a soma das quantidades de produto existentes em entreposto com as quantidades nele entradas, após o último varejo, com os seguintes limites:

a) até 1,5%, no caso de álcool e bebidas alcoólicas não engarrafados;

b) até 0,4%, no caso dos produtos petrolíferos e energéticos.

2 – O limite previsto na alínea a) do número anterior pode ser ajustado em casos específicos, na destilação de vinhos e no envelhecimento de bebidas alcoólicas em vasilhame de madeira.”.

            Dispõe, ainda, o artigo 50.º do mesmo Código:

“1 – Não são tributáveis as perdas devidas a caso fortuito ou de força maior, desde que não tenha havido negligência grave e sejam comunicadas à autoridade aduaneira, para efeitos de confirmação e apuramento, até ao 2.º dia útil seguinte ao da sua ocorrência.

2 – Para efeitos do número anterior, deve ser feita prova suficiente da perda irreparável dos produtos junto da estância aduaneira em cuja jurisdição ocorreu a perda ou, não sendo possível a sua determinação, junto da estância aduaneira em cuja jurisdição a perda foi constatada.”

            Por fim, dispõe o artigo 26.º, também do CIEC:

“1 – Para efeitos da alínea b) do n.º 2 do artigo 24.º, o depositário autorizado, titular de um entreposto fiscal de produção, deve apresentar à estância aduaneira competente as respetivas taxas de rendimento, correspondentes às quantidades de matérias-primas necessárias ao fabrico de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo.

2 – O diretor da alfândega aprova as taxas de rendimento apresentadas, com base na análise da informação relevante de que disponha.

3 – Sempre que se verifiquem divergências entre as quantidades produzidas e as quantidades decorrentes da taxa de rendimento, deve proceder-se, por iniciativa do depositário autorizado ou da estância aduaneira competente, à revisão da taxa de rendimento aprovada.”.

 

*

            Conforme decorre da matéria de facto fixada, as perdas ocorridas no entreposto de E…, que fundam as correcções, relativas àquele entreposto, contestadas pela Requerente no presente processo arbitral, ocorreram num contexto que assume manifesta especificidade.

            Efectivamente, e em suma, as perdas em questão reportam-se a aguardente vínica, de elevado teor alcoólico, que ficou armazenada por um período extremamente prolongado, que não só a sujeitou a um período de evaporação muito superior ao normal, como a condições de armazenamento (incluindo várias trasfegas) indutoras de evaporação acrescida.

Por outro lado, e como consequência, também, daquelas circunstâncias excepcionais, verifica-se também a ocorrência de alteração das características do produto, em termos de implicar tratamentos e processamentos suplementares, geradores de perdas adicionais, em ordem a torná-lo adequado para a utilização que lhe era própria.

Não se logrou apurar, todavia, qual o concreto quantitativo de tais perdas adicionais.

Verificados estes factos, torna-se necessário aferir dos efeitos jurídicos dos mesmos.

            Parte das perdas em questão consistem em perdas na armazenagem, e parte em perdas na produção, e não, como afirma a AT em sede arbitral, devidas “a um facto "imprevisível" e "inevitável", reconduzível ao conceito de "caso fortuito ou de força maior"”. Com efeito, quer o armazenamento, quer o processo de produção, ocorreram em condições normais, mas que se protelaram no tempo. Aliás, o regime do artigo 50.º/1 do CIEC facilmente releva que não se trata de um caso que se inclua na sua abrangência. Com efeito, impondo a norma em questão que as perdas “sejam comunicadas à autoridade aduaneira, para efeitos de confirmação e apuramento, até ao 2.º dia útil seguinte ao da sua ocorrência”, desde logo se evidencia que o caso fortuito ou de força maior é um facto notório – o que implica que o seu presenciamento público não deixe dúvidas quanto ao início do, curto, prazo a observar – e bem delimitado no tempo, não se identificando, portanto, com o mero decurso do prazo. Efectivamente, a natureza das perdas em questão dilui-se pela totalidade do percurso temporal da armazenagem, e pelo processo de produção, não sendo possível, por isso, fixar o termo inicial do prazo a que alude a norma do artigo 50.º/1 do CIEC.

            Assim, e como se escreveu no já citado Ac. do TCA-Norte de 15-11-2013, proferido no processo 00204/07.5BEBRG:

“Como refere Sérgio Vasques, o pressuposto de facto do tributo é, neste caso, um «pressuposto complexo, de formação progressiva, resultante da combinação necessária de dois elementos, ao último dos quais cabe a função de aperfeiçoar a fattispecie tributária. Por outras palavras: a obrigação de imposto não se pode considerar nascida senão aquando da introdução no consumo» (in «Os Impostos Especiais de Consumo», 2001, pág. 303).

No entanto, o n.º 1 do artigo 7.º citado considera exigível o imposto, não só no momento da sua introdução no consumo, mas também no momento da constatação de perdas que devam ser tributadas em conformidade com o código. Será a constatação de perdas em si mesma, a par da introdução no consumo, um facto gerador do imposto?

Podemos desde já adiantar que a constatação de perdas em si mesma nunca constitui facto gerador de imposto. O que sucede é que as perdas, em determinadas circunstâncias, implicam a saída dos produtos de um regime de suspensão e a lei faz equivaler essa situação à introdução no consumo para efeitos de exigibilidade do imposto – alínea a) do n.º 2 do mesmo Código. É nessas situações que, de acordo com a terminologia do seu n.º 1, elas devem «ser tributadas em conformidade com o presente Código».

Vejamos, então quais são as duas situações de perdas que devem ser tributadas: as perdas na produção, armazenagem ou circulação (artigos 37.º a 40.º) e as perdas por caso fortuito ou de força maior (artigo 40.º).

Em qualquer desses casos, relevam as perdas na parte em que ultrapassa o valor da franquia legal. A grande diferença entre elas é que, no primeiro caso, o facto de que deriva a perda é desconhecido, enquanto no segundo caso, esse facto é conhecido, havendo apenas que apurar a responsabilidade pela sua ocorrência.

No primeiro caso – em que o facto de que deriva a perda é desconhecido – emerge a presunção legal de que «os produtos não desapareceram simplesmente, mas foram introduzidos irregularmente no consumo» (Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 325). No segundo caso – em que o facto de que deriva a perda é conhecido – já se sabe que os produtos não foram introduzidos no consumo nem vão ser, porque estão destruídos ou inutilizados, mas a lei basta-se aqui com o facto de já não se encontrarem em suspensão por motivo que seja imputável ao operador económico, responsabilizando-o pelo seu deperecimento.

O estabelecimento das franquias configura, por isso, uma presunção legal: a presunção de que o produto restante foi introduzido no consumo, no primeiro caso (cfr. artigo 40.º, n.º 2, alínea d), do Código, na redação então em vigor); a presunção de que houve inobservância culposa das prescrições relativas ao transporte da mercadoria no segundo caso (seu artigo 41.º).”.

            No presente caso, a Requerente demonstra, como se viu, a ocorrência de circunstâncias específicas, susceptíveis de dar causa a um nível de perdas maior do que aquele que decorre dos processos normais de armazenamento e produção.

            Verifica-se, todavia, que não logrou a Requerente demonstrar a quantificação de tais perdas, ou seja, de que aquelas circunstâncias são a causa da totalidade das perdas verificadas.

            Como se viu, e resulta quer da jurisprudência acima citada, quer da doutrina nela contida, as normas em causa, onde assentou a parte da liquidação em causa, assentam numa presunção de introdução no consumo da mercadoria em falta, constituindo-se, assim, como normas de incidência e quantificação da obrigação tributária.

            Ora, dispõe o artigo 100.º/1 do CPPT que “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.”.

            As circunstâncias demonstradas são então, como se viu, idóneas a suscitar uma dúvida fundada (dir-se-ia, até, uma certeza ampla), de que a quantificação da obrigação tributária efectuada não corresponderá à mercadoria efectivamente introduzida no consumo.

            Este foi, aliás, o entendimento subscrito em primeira instância, no quadro do processo 01915/04.2BEPRT, onde se escreveu que:

“Se a impugnante nunca mediu o seu produto desde 1997 até 2003, atento o processo de produção e de armazenagem de vinho do Porto, com alguma certeza a contabilidade do entreposto fiscal apresentará erros nas suas existências físicas. (...)

Nesta conformidade, apesar de incumbir à impugnante manter actualizada uma contabilidade das existências em regime de inventário permanente e dos movimentos dos produtos, ela logrou efectuar a prova em contrário da ali apresentada, pela simples razão de ter convencido o tribunal de nunca ter efectuado qualquer medição/contagem desde 1997, situando a comunicação das perdas de produto pelos mínimos. (...)

Tudo indicando que as existências físicas serão diversas das constantes da escrita, atendendo ao tipo de produto e à sua armazenagem (e produção) em vasilhame de madeira, necessariamente, como se provou, as perdas poderão atingir percentagens superiores às comunicadas, o que é suficiente para gerar fundada dúvida quanto à existência do facto tributário e obviar a cálculos rigorosos nesta sede (para efeitos de aplicabilidade do disposto nos artigos 38.º e 39.º do Código de IEC).

A impugnação merece, pois, ganho de causa.”

            A referida sentença foi confirmada pelo Ac. do TCA-Norte, de 30-09-2015[2], onde se pode ser que:

 

“A MMª juiz determinou a anulação da liquidação com base na previsão do art. 100º do CPPT nos termos do qual sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto tributário ser anulado.

Como bem saliente a Recorrente, a «fundada dúvida» sobre a existência e quantificação do acto tributário fundamento da sua anulação não pode assentar na ausência de inércia probatória das partes (cfr. Ac do TCAS n.º 04238/10 de 11-10-2011 (Relator: EUGÉNIO SEQUEIRA) 4. A fundada dúvida prevista na norma do art.º 100.º do CPPT, fundamento de anulação do acto de liquidação, não pode assentar na ausência ou inércia probatória das partes, sobretudo do impugnante, ao qual lhe cabe provar os factos que ponham em dúvida a existência e a quantificação do facto tributário, sem embargo de o juiz, no âmbito do seu poder-dever inquisitório, diligenciar também comprová-los).

Contudo, não vislumbramos nos autos qualquer inércia probatória da Impugnante, antes pelo contrário. Nem a falta de quantificação exacta das perdas constitui fundamento para arredar a aplicação do art.º 100º/1 do CPPT; se estas tivessem sido exactamente quantificadas provar-se-ia a inexistência - ou existência - do facto tributário, e por isso não poderia ser aplicada esta norma. Esta norma deverá aproximada com a regra para o procedimento enunciada no art. 74º/1 da LGT em que se estabelece que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Por isso, a dúvida sobre a certeza de um facto resolve-se contra a parte onerada com o ónus da prova (Jorge Lopes de Sousa, CPPT II, 2011, pp. 134). Resolve-se contra a AT porque era ela a onerada.

A alegação de que o tribunal ao sufragar a tese da impugnante não respeitou os espaços de valoração próprios do exercício da função administrativa, em violação do disposto no art.° 179.° do CPTA, também não colhe. O tribunal não fixou qualquer taxa de rendimento, nem abstracta nem concretamente, antes se limitou a decidir no âmbito dos poderes jurisdicionais que as perdas apuradas pela Alfândega não eram, no caso concreto, suficientes e que as quantidades registadas na contabilidade da Impugnante não reflectiam as existências físicas.

Por último, o facto de a taxa de rendimento ter sido apurada com base nas comunicações da Impugnante não a impede de demonstrar que essas taxas foram erradamente sub valorizadas. Com efeito, nada na lei inibe o declarante contribuinte de provar que a sua declaração contém erros que só mais tarde identificou. Aliás, a jurisprudência já se pronunciou positivamente sobre essa questão, como foi o caso do acórdão do TCAS n.º 1899/99 de 20/11/2011 identificado pela MMª juiz «a quo».

E cremos que não poderia deixar de ser assim em homenagem aos princípios da legalidade e da justiça material que enformam a nossa matriz tributária (cfr. art. 5º/2 da LGT).”.

            Deste modo e pelos fundamentos expostos, deve proceder, nesta parte, o pedido arbitral formulado, anulando-se, parcialmente, o acto tributário objecto da presente acção arbitral.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,

a)      Anular parcialmente o acto de liquidação de Imposto sobre o Álcool e Bebidas Alcoólicas e respectivos juros compensatórios, objecto do registo de liquidação n.º…, no que diz respeito às perdas tributadas por referência ao entreposto fiscal PT…, em E…, relativamente às quais foi apurada uma dívida de IABA de €161.914,71.

b)      Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, fixando-se o montante de €2.795,00 a cargo da Requerida, e de €877,00, a cargo da Requerente.

 

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 199.369,13, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.672.00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção do respectivo decaimento, acima fixado, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa

 

11 de Abril de 2016

 

 

 

O Árbitro Presidente

 

 

 

(José Pedro Carvalho - Relator)

 

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Maria Cristina Aragão Seia)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(António Manuel. Melo Gonçalves)

 



[1] Cfr. nesse sentido, Ac. do TCA-Sul de 21-10-2003, proferido no processo 00518/03, disponível em www.dgsi.pt, onde se pode ler que “Atenta a obrigação legal de manutenção de contabilidade actualizada de existências que impende sobre os depositários autorizados, se, no momento do varejo, não forem detectados eventuais erros contabilísticos que possam ser regularizados, não pode depois daquele realizado vir o depositário invocar erros de contabilização, nem provar através de prova testemunhal que os resultados então apurados pela fiscalização não estavam correctos, nomeadamente por os produtos considerados em falta se encontrarem no armazém na data do varejo nos "ajuntos limpos"”. Em sentido contrário, todavia, podem conferir-se os Acs. do TCA-Sul de 20-11-2001, proferido no processo 1899/99, onde se pode ler que “3. Contudo, mesmo para o sujeito passivo a quem incumbia possuir e manter uma contabilidade das existências nos termos supra, é possível fazer a prova em contrário da ali apresentada, de que tais montantes não são a expressão da sua realidade económica, e que esta tinha uma diferente dimensão; 4. Tal prova pode ser efectuada, para além de documentos de então utilizados para outros fins, também por prova testemunhal, tendo em vista alcançar o desiderato de medida dessa realidade;”; e do TCA-Norte de 15-11-2013, proferido no processo 00204/07.5BEBRG, onde se pode ler que “1. Do artigo 40.º do C.I.E.C. decorre a presunção de que as perdas ocorridas em circulação em regime suspensivo, na parte que excede a franquia de imposto, decorrem da introdução irregular no consumo. 2. Esta presunção pode ser elidida pelo sujeito passivo demonstrando, designadamente, que a perda real inerente à própria natureza da mercadoria é superior à admitida pela franquia – artigos 73.º da L.G.T. e 864.º das D.A.C.A.C.”, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

[2] Disponível em www.dgsi.pt