Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 551/2015-T
Data da decisão: 2016-04-22  IVA  
Valor do pedido: € 499.774,83
Tema: IVA - Caducidade; erro evidenciado na declaração; renúncia ao regime de Isenção de Iva; deferimento do pedido de reembolso; sentido e efeitos do caso resolvido
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DECISÃO ARBITRAL

 

            Os árbitros Maria Fernanda dos Santos Maçãs (árbitro presidente), José Nunes Barata e Emanuel Augusto Vidal Lima, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

            I. RELATÓRIO

            1. No dia 20 de Agosto de 2015, “A…, S.A.” (doravante, Requerente), pessoa colectiva com NIPC…, com sede na Rua…, …-… Viseu, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a anulação das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, referentes ao ano de 2010, n.ºs … (relativa ao período 1003T, com o nº de Doc. de Cobrança…, no valor de € 319.895,18), … (relativa ao período 1006T, com o nº de Doc. de Cobrança…, no valor de € 27.909,45), … (relativa ao período 1009T, com o nº de Doc. de Cobrança…, no valor de € 32.740,47),  … (relativa ao período 1012T, com o nº de Doc. de Cobrança…, no valor de € 45.597,77),  nº … de JC (relativa ao período 1003T, com o nº de Doc. de Cobrança…, no valor de € 57.002,69), … de JC (relativa ao período 1006T, com o nº de Doc. de Cobrança…, no valor de € 4.694,90), … de JC, relativa ao período 1009T, com o nº de Doc. de Cobrança…, no valor de € 5.181,07) e … de JC (relativa ao período 1012T, com o nº de Doc. de Cobrança…, no valor de € 6.753,30), bem como a condenação da Requerida no reembolso à Requerente do valor de € 499.774,83 e no pagamento de juros indemnizatórios desde a data de pagamento até integral reembolso.

            Figura, no processo, como Requerida, a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).   

1.1. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e de imediato notificado à AT em 14 de Setembro de 2015.

1.2. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

1.3. Em 11 de Novembro de 2015, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do art. 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos arts. 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

1.4. Assim, e em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 11 de Novembro de 2015.

 

2. No requerimento inicial por si oferecido, o Sujeito Passivo alega, no essencial, o seguinte:

            2.1. A Requerente foi objecto das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios referentes ao ano de 2010, n.ºs … (relativa ao período 1003T, com o nº de Doc. de Cobrança…, no valor de € 319.895,18), … (relativa ao período 1006T, com o nº de Doc. de Cobrança…, no valor de € 27.909,45), … (relativa ao período 1009T, com o nº de Doc. de Cobrança …, no valor de € 32.740,47),  … (relativa ao período 1012T, com o nº de Doc. de Cobrança…, no valor de € 45.597,77),  nº … de JC (relativa ao período 1003T, com o nº de Doc. de Cobrança…, no valor de € 57.002,69), … de JC (relativa ao período 1006T, com o nº de Doc. de Cobrança…, no valor de € 4.694,90), … de JC, relativa ao período 1009T, com o nº de Doc. de Cobrança…, no valor de € 5.181,07) e … de JC (relativa ao período 1012T, com o nº de Doc. de Cobrança…, no valor de € 6.753,30), o que, globalmente, corresponde a liquidação adicional no valor de €499.774,83,

            2.2. tendo a impugnante procedido ao pagamento de todas as referidas liquidações e respectivos acréscimos, em 23/07/2015, no âmbito do Processo de Execução nº …2015… .

2.3. A Requerente deduziu, em 22/12/2014, reclamação graciosa, no sentido da anulação das referidas liquidações, tendo sido notificada da correspondente decisão de indeferimento, mediante ofício datado de 20/02/2015, recepcionado em 25/02/2015, após o que interpôs recurso hierárquico dirigido à Sra. Ministra das Finanças, em 26/03/2015 (recurso ainda não decidido à data da propositura da presente acção).

2.4. A instauração da presente acção revela-se tempestiva, na medida em que, considerado o prazo (60 dias) para a decisão dos recursos hierárquicos, fixado no nº 5 do art.º 66º do C.P.P.T., tem-se o mesmo indeferido tacitamente em 25/05/2015, dispondo a Requerente, conforme decorre do art.º 102º, nº 1, al. d) do C.P.P.T. (ex vi do disposto no art.º 10º, nº 1, do D.L. nº 10/2011, de 20 de Janeiro), de 90 dias para dar início ao presente processo arbitral.

2.5. A Requerente – A…– iniciou a sua actividade de prestação de serviços médicos, de várias especialidades, com internamento ou não [actividade económica classificada no Código das Actividades Económicas (CAE) …– estabelecimento de saúde com internamento], tendo feito constar da declaração de registo em IVA que exercia operações de “Transmissão de bens e prestação de serviços que conferem direito à dedução” e, paralela e concomitantemente” e de “Transmissão de bens e prestação de serviços isentos, que não conferem direito à dedução”, sendo que aí declarou também, deduzir IVA suportado pelo método do pro rata, na percentagem de 67%, ao abrigo dos nºs 2 e 4 do art.º 23º do CIVA.

2.6. A Requerente renunciou às isenções incompletas previstas nos nºs 2 e 29 do art.º 9º do CIVA, o que fez ao abrigo do art.º 12º, nº 1, al. b) e nº 4, do CIVA, mediante declaração de alterações prevista no art.º 32º do CIVA, através das quais modificou o inicialmente declarado em 21/02/1961.

2.7. Sensivelmente 3 meses (de 6/07/2010 a 31/08/2010) após a referida entrega da declaração de alterações, os Serviços de Inspecção Tributária da DF de … realizaram um procedimento inspectivo por via do pedido de reembolso de IVA de € 323.025,33, de 10/03/2010.

2.8. Decorridos mais de 3 anos sobre a entrega da declaração (entre 26/05/2014 e 3/10/2014), os mesmos Serviços de Inspecção Tributária da DF de … realizaram procedimento inspectivo, o qual tinha como único objectivo o “reenquadramento em IVA”.

2.9. Exercido, pela Requerente, em 27/10/2014, o direito de audição prévia relativamente ao projecto de relatório, na sequência de notificação para esse efeito, foi aquela notificada do relatório final (com data de 3/11/2014), de que constam as liquidações impugnadas, determinadas por correcções em sede de IVA por (alegada) dedução indevida e falta de liquidação para o ano de 2010.

2.10. As referidas liquidações são anuláveis, em virtude de as correcções realizadas padecerem de ilegalidade manifesta e ostensiva violação dos princípios orientadores de Direito Fiscal, designadamente o(s) princípio(s) da confiança, segurança e justiça.

2.11. O Despacho relativo ao Relatório Final de Inspeção Tributária que originou as liquidações adicionais foi assinado em 03/11/2014 pela “Diretora de Finanças Adjunta, Por subdelegação, B…– Chefe de Divisão em regime de Substituição ”. Do mesmo não consta, porém, qualquer referência ao Diário da República onde se mostra publicada tal subdelegação de poderes; omissão impede que se afira acerca da legitimidade do mesmo, pelo que, encontrando-se previsto, no n.º 2 do art. 39.º do CPPT que: “O acto de notificação será nulo no caso de falta de indicação do autor do acto e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data”, tal despacho padece de nulidade.

2.12. Tendo, os atos tributários ora impugnados, sido notificados à Requerente em Dezembro de 2014, o prazo de 4 anos (previsto no n.º 1 do art. 45.º da Lei Geral Tributária) não foi excedido. Contudo, nos casos de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo o prazo de caducidade referido é de três anos.

2.13. Na medida em que a AT, por mera leitura e verificação das mais de 40 declarações periódicas entregues, se daria conta do alegado erro, este representa erro evidenciado na declaração do sujeito passivo, pelo que se lhe aplica o prazo de caducidade de três anos. Prazo que se esgotou em 01.01.2014, considerando que os factos ocorreram em 2010. Por esta razão, não deveria ter havido lugar a procedimento inspectivo, nem a liquidação. A prática de tais actos representa violação do disposto no n.º 2 do art.º 45º da LGT, traduzindo-se assim em manifesta legalidade, enquadrável na previsão do art.º 99º do C.P.P.T..

2.14. Deve improceder o entendimento (da AT) no sentido de que, como a Requerente tinha uma actividade enquadrada no artº 9º do CIVA e como não estava obrigada a liquidar IVA nas transmissões de bens ou prestações de serviços que efectuasse, não podia, em contrapartida, deduzir imposto suportado nas aquisições (devendo, em consequência, segundo o mesmo entendimento, o IVA liquidado ser entregue nos cofres do Estado e não podendo, o IVA deduzido, sê-lo, por desconformidade com o disposto na al. a) do nº 1 do artº 20º do CIVA), na medida em que representa abuso de direito, consubstanciado num claro venire contra factum proprium.

2.15. A actividade da Requerente (exercida, desde 21/02/1961, fundamentalmente na área de “Estabelecimento de saúde com internamento”) decorreu ao abrigo do regime de isenção - art. 9.º, n.º 2 do CIVA), até que, em 1 de Março de 2010, apresentou no Serviço de Finanças competente, uma “Declaração de Alterações de Atividade” para suportar a renúncia a tal isenção (alínea b) do n.º 1 do artigo 12º do CIVA).

2.16. No quadro 09 foi preenchido o campo 6 – “Aquisições intracomunitárias … passou a efetuar”; o quadro 11 – IVA – Tipo de operações, o campo 2 – “ Transmissões de bens e/ou prestações de serviços isentas que não conferem direito à dedução”, foi mantido em branco; o quadro 10 (referente ao Tipo de Operações), que, inicialmente (Declaração de Registo, preenchida e submetida a 26/02/1985), se encontrava preenchido, deixou de o estar (na “Declaração de Alterações de Atividade” preenchida e submetida a 01 de Março de 2010 que agora consta do quadro 11 – IVA – “TIPO DE OPERAÇÕES”). Assim se operacionalizou, a partir de 1 de Março de 2010, a renúncia, pela Requerente, à isenção de IVA prevista nº 2 do artigo 9º do CIVA.

2.17. Tal renúncia é confirmada pelo teor da “Confirmação de D quadro “TIPO DE OPERAÇÕES” - à questão – Isentas que não conferem o direito à dedução – está escrito – NÃO ados de Atividade – Alteração de Atividade”, em cujo quadro “TIPO DE OPERAÇÕES” - à questão – Isentas que não conferem o direito à dedução – está escrito – NÃO, bem como pelo facto de o Serviço de Finanças de Viseu não ter preenchido o quadro 10 da “Declaração de Alterações de Atividade” USO EXCLUSIVO DOS SERVIÇOS – no campo 5 (que se reporta ao Exercício exclusivo de transmissões de bens e/ou prestações de serviços isentas que não conferem o direito à dedução – art.9.º).

2.18. Apesar de a AT sustentar que a referida renúncia pressuporia o preenchimento dos campos dos quadros 12 e 13 da “Declaração de Alterações de Actividade”, das instruções de preenchimento da referida “Declaração de Alterações de Atividade” só o quadro 13, campo 1, releva para a opção por regime de tributação (já não o quadro 12), sendo que, se a Requerente não preencheu tal quadro, tanto se deveu a erro imputável aos serviços, dado que o Serviço de Finanças competente o referido Serviço, vinculado como está ao DEVER de colaboração (artº 59º da LGT), deveria ter prestado toda a assistência necessária ao cumprimento dos deveres acessórios (nos termos das als. c) e f) do n.º 3 do artº 59º da LGT), ou seja, ao correcto preenchimento da referida “Declaração de Alterações de Actividade”.

2.19. Na sequência da entrega da referida “Declaração de Alterações de Actividade”, a Requerente passou a constar do cadastro "REGIME NORMAL MENSAL POR OPÇÃO", procedendo à dedução de IVA nos inputs em conformidade e liquidando-o nos outputs, de acordo com a Lista 1 – Bens e serviços sujeitos à taxa reduzida – item 2.7 e a preencher em conformidade as declarações periódicas de IVA, tendo, na primeira declaração periódica de IVA que submeteu após a apresentação da referida “Declaração de Alterações de Actividade”, relativa ao primeiro trimestre de 2010, solicitado o reembolso de IVA no montante de € 307.334,29.

2.20.Na sequência deste pedido que teve lugar o procedimento inspectivo, no âmbito do qual em momento algum se pôs em causa o tipo de operações, nem a opção pelo regime de tributação. Ao invés, a renúncia à isenção foi confirmada pelo despacho emitido pelo técnico (confirmado superiormente), do qual consta: “Ora, o sujeito passivo em 2010-03-01, renunciou à isenção de IVA em que estava enquadrado (art.º 9º, nº 2)”, acrescentando, a final, “Não foram detectadas outras irregularidades, propondo-se o seu deferimento total”. Em conformidade, o pedido de reembolso foi Autorizado e Despachado Favoravelmente pela Autoridade Tributária, tendo havido DEFERIMENTO TOTAL.

2.21. O Despacho de reembolso autorizado em 2010 relativo ao 1º Trimestre foi agora corrigido no mesmo montante de € 319.895,18 e pela mesma Autoridade Tributária, invocando esta que “A análise do pedido de reembolso é um procedimento atípico e, como tal, não consubstancia um procedimento de inspeção. O procedimento de inspeção está regulado no RCPIT...” e, assim, que, em 2010, não existiu qualquer ação inspetiva. Ao abrigo do Despacho emitido e que abrangeu o período de 2010-03T foram apenas praticados atos de consulta, recolha e cruzamento de elementos, sem caráter investigatório...”. Entende, porém, a Requerente (invocando Parecer que anexa) que, em 2010, existiu um procedimento inspectivo que observou as normas do RCPIT.

2.22. Procedendo, volvidos mais de 4 anos, a liquidações adicionais, a AT adoptou uma conduta em clara contradição com o que antes havia decidido, incorrendo em claro e manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, quando a actividade de liquidação dos impostos deve ser norteada por um princípio de justiça, sendo também como órgão de justiça que a AT deve actuar na revisão dos actos tributários.

2.23. A Requerente conclui formulando pedidos de anulação das liquidações adicionais impugnadas, bem como de condenação da AT a devolver à Requerente o valor de € 499.774,83 (exigidos no Processo de Execução nº …2015…, instaurado pelo Serviço de Finanças de Viseu, cujo pagamento a mesma efectuou em 23/07/2015 âmbito da referida execução) e acrescidos juros indemnizatórios contados desde a data de pagamento indevido até ao efectivo e integral reembolso.

3. Notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua Resposta, alicerçando a contestação por si oferecida, essencialmente, nos seguintes argumentos:

3.1. A Requerente iniciou, em 21-02-1961, o exercício de actividade de estabelecimentos de saúde com internamento, mas vem exercendo, de forma secundária, operações imobiliárias, nomeadamente, a locação de bens imóveis (actividade isenta) e a actividade sujeita e não isenta de prestação de serviços (nomeadamente, utilização de espaços por parte de diversas entidades e ainda de bens e serviços da A…). Contudo, em 26-02-1985 (perante o Decreto-Lei n.º 393-B/84 de 26 de Dezembro, que aprovou o Código do IVA e cuja entrada em vigor ocorreu em 01-01-1986), a Requerente apesentou declaração de registo onde declarou exercer a actividade principal de estabelecimentos de saúde com internamento, não tipificando as restantes actividades exercidas, ainda que de forma secundária

3.2. A fim de dar abrangência a um maior número de doentes, a Requerente estabeleceu acordos/convenções com subsistemas públicos, integrados no Sistema Nacional de Saúde [SNS], designadamente: C… [D]; D…. [D]; E… [E] e F…[F].

3.3. Relativamente ao tipo de operações praticadas, a Requerente indicou no quadro 10 da referida declaração, que iria praticar, no exercício da sua actividade: Transmissões de bens e/ou prestações de serviços que conferem o direito à dedução (campo 1 do quadro 10); Transmissões de bens e/ou prestações de serviços isentas que não conferem o direito à dedução (campo 2 do quadro 10). Configurando-se como um sujeito passivo misto, a Requerente indicou, ainda, no referido quadro 10, que não iria efectuar a dedução do imposto segundo a afectação real mas, antes, que passaria a efectuar a dedução do imposto suportado segundo o método de dedução do pro rata. Na referida declaração, a Requerente não preencheu o quadro 11 relativo à “opção por regimes de tributação”, onde se assinala, designadamente, a opção pelos regimes de renúncia à isenção previstos no artigo 12.º do CIVA.

3.3. A 01-03-2010, a Requerente procedeu à entrega de declaração de alterações de actividade, alterando apenas os quadros 9 e 11 da referida declaração, que respeitam a dados relativos à actividade e dados relativos ao tipo de operações (no quadro 09 declarou que, no exercício da sua actividade, passou a efectuar aquisições intracomunitárias de bens, assinalando, para o efeito, o campo 6. No quadro 11 declarou que, no exercício da sua actividade, passou a efectuar a dedução do imposto suportado segundo o método da afectação real, assinalando, para o efeito, os campos 3 e 5. A Requerente não assinalou qualquer campo do quadro 12 [que tem por epígrafe: «OPÇÃO POR REGIME DE TRIBUTAÇÃO (se não pretende exercer qualquer opção, passe ao quadro seguinte)»] ou 13, relativos a regimes de renúncia à isenção, embora referentes a operações distintas. A Requerente não assinalou, designadamente, no quadro 13 «se pretende exercer o direito à opção, reunindo para tal as necessárias condições, indique o regime pelo qual opta (arts. 12.º. 55.º e 63.º do CIVA)”, conforme consta expressamente do primeiro item do referido quadro). No quadro 30, a que corresponde a epígrafe «A PRESENTE DECLARAÇÃO CORRESPONDE À VERDADE E NÃO OMITE QUALQUER INFORMAÇÃO PEDIDA», constam as assinaturas do sujeito passivo ou representante legal bem como do técnico oficial de contas.

3.4. Alterando os quadros 9 e 11 da referida declaração, a Requerente indicou, respectivamente, ao proceder desta forma, que passaria a realizar aquisições intracomunitárias de bens e a efectuar a dedução do imposto suportado segundo a afectação real de todos os bens e serviços utilizados. Declarado no campo 5 do quadro 11 (intenção de deduzir o imposto pelo método da afectação real) preenchido pela própria, pois aí refere que pretende proceder à afectação real de todos os bens.

3.5. Ora, só será de aplicar tal método de dedução quando, no exercício da sua actividade, o sujeito passivo realiza transmissões de bens e/ou prestações de serviços que não conferem direito à dedução e transmissões de bens e/ou prestações de serviços que conferem direito à dedução.

3.6. Nos termos do previsto no art. 32.º do CIVA, a renúncia à isenção tem de ser expressa, através do preenchimento dos quadros 12 e 13, sendo certo que da declaração de alteração de actividades constam instruções que têm o mérito de elucidar o contribuinte sobre o preenchimento dos respectivos quadros.

3.7.No âmbito do procedimento de inspecção tributária realizado pela Direcção de Finanças de …, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2014…, aos períodos de imposto 2010/03T; 2010/06T; 2010/09T e 2010/12T constatou-se, nomeadamente, que a Requerente, liquidou imposto, à taxa reduzida, relativamente às operações previstas na alínea 2) do artigo 9.º do CIVA, ou seja, sobre as prestações de serviços médicos efectuadas pela Requerente, enquanto estabelecimento hospitalar, com internamento, bem como que procedeu à dedução do imposto sobre a totalidade dos bens e serviços adquiridos, incluindo os relacionados com a prática de operações isentas atrás referidas.

3.8. Mais declararam, os Serviços de Inspecção Tributária, que “o s.p estava e permanece no regime de isenção, nas operações de prestação de cuidados de Saúde em estabelecimentos com internamento, bem como nas operações imobiliárias/locação de imóveis, que é o seu regime próprio”, dado que encontrando-se subordinado ao regime de isenção “simples ou incompleta” (em que “ o operador económico, não está obrigada a liquidar imposto nas transmissões de bens ou prestação de serviços que efectuar, mas, não pode, em contrapartida, deduzir o imposto suportado nas aquisições”), não fez qualquer “opção de renúncia na declaração de alterações, entregue em 01-03-2010 ou noutra ulterior a esta”, quando a “opção teria que ser efectuada no quadro 13 da declaração de alterações, assinalando o s.p o campo 1 daquele quadro “Se pretende exercer o direito à opção, reunindo as necessárias condições, indique o regime pelo qual opta [artigos 12.º, 55.º e 63.º do CIVA]”, bem como “no quadro 12 da mesma declaração de alterações, campo 1, relativamente à prática de operações imobiliárias”, Não sendo, a renúncia à isenção em causa, “susceptível de ser presumida”, “Conclui-se assim que, o s.p não renunciou à isenção relativamente às operações isentas da alínea 2) do artigo 9.º do CIVA, nem podia, por falta dos requisitos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do mesmo Diploma. Para além de que, o invocado pelo s.p contraria o declarado no campo 5 do quadro 11 preenchido pelo próprio, pois aí refere que procedeu à afectação real de todos e bens, e, só o pode fazer, relativamente aos bens e serviços de utilização mista.”.

3.9. Apurou-se, em conclusão, “que foi deduzido indevidamente imposto”, tendo-se proposto duas correcções aritméticas para todos os períodos de imposto do ano de 2010: “correcções aritméticas para todos os períodos de imposto do ano de 2010, correspondendo: €413 015,07 relativos à dedução indevida de imposto, nos termos referidos supra; e €13 109,08 relativos a imposto não liquidado relativo a uma indemnização recebida “.

3.10. A Requerente reagiu contra as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios mediante recurso hierárquico e impugnação arbitral, não impugnando, contudo, uma das correcções efectuadas, no âmbito do procedimento inspectivo (relativa a uma compensação pela renegociação do contrato de colaboração acordada entre a Requerente e a G…, no montante de €62 427,62, e que não se reporta a correcções por dedução indevida, mas antes à não liquidação de imposto numa indemnização devida a danos patrimoniais nomeadamente por lucros cessantes), que gerou a liquidação adicional no valor de € 13 109,80, pelo que o tribunal não se pode pronunciar sobre a legalidade da liquidação nessa parte, por falta absoluta de indicação da causa de pedir e das razões de direito que sustentam o pedido formulado, geradora de ineptidão da petição inicial.

3.11. Em matéria de perfeição das notificações, refere a Autoridade Tributária que é cominada com a nulidade a situação de falta de indicação do autor do acto e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data (art. 39.º, n.º 12 C.P.P.T.- “«O acto de notificação será nulo no caso de falta de indicação do autor do acto e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data»). Sustenta, contudo, que, no caso em apreço, tais requisitos se encontram plenamente cumpridos, designadamente, a indicação do autor do acto, a prática do mesmo no uso de subdelegação de competências, o sentido e a data, defendendo não existir a obrigação legal de indicar a data da subdelegação e a data da publicação em Diário da República.

3.12. Refere ainda a Requerida que, mesmo que assim não fosse, a cominação para tal omissão não corresponderia ao vício de nulidade – ainda que a menção ao diploma normativo que concretiza a subdelegação de competências fosse obrigatória, que não é, a insuficiência da notificação, ainda assim, não conduziria à nulidade do acto, facultando apenas ao notificando o direito de requerer a notificação dos elementos omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, dentro do prazo fixado no n.º 1 do citado artigo 37.º do CPPT, e, usando dessa faculdade, o prazo para reagir (graciosa ou contenciosamente) contra o acto tributário conta-se a partir da notificação dos requisitos que haviam sido omitidos ou da passagem de certidão que os contenha. Ainda que o autor do acto não tivesse mencionado, sequer, que actuou no âmbito da subdelegação de competências (o que não sucedeu), tal omissão constitui apenas uma mera irregularidade formal que deverá considera-se sanada se se demonstrar ter sido atingida a finalidade que era visada pela exigência legal de tal menção, máxime, a impugnação administrativa ou contenciosa do acto.

3.13. No que diz respeito à renúncia à isenção de IVA, sustenta a Requerida que não houve renúncia válida a tal isenção, pela Requerente, na medida em que tal renúncia carece de ser expressa, o que não se verificou no caso em apreço. Não obstante constarem, da declaração de alteração de actividades, instruções que elucidam o contribuinte sobre o preenchimento dos respectivos quadros (onde se incluem os campos 12 e 13), a Requerente apenas alterou os campos 9 e 11. Por outro lado, a declaração que faz no campo 5 do quadro 11, no sentido de que pretendia proceder à afectação real de todos os bens, é contrária à referida isenção.

3.14. Refere ainda a Requerida que se presumem verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos legais, cabendo à AT aceitar tais declarações como verdadeiras.

3.15. Salienta, a esse propósito, que, a circunstância de a entrega da declaração ter sido realizada pessoalmente junto dos serviços, resultou de opção da Requerente, que o fez acompanhada pelo seu Técnico Oficial de Contas, tendo a referida declaração sido assinada com a menção de que esta “corresponde à verdade e não omite qualquer informação pedida”.

3.16. Com base na invocação de tais argumentos, conclui, a Requerida, que a Requerente nunca deixou de estar subordinada ao regime de isenção (incompleta), quer quanto às actividades de prestação de cuidados de saúde com internamento, quer no que respeita às operações imobiliárias/locação de imóveis, de onde resulta a impossibilidade de dedução completa, pela Requerente, do imposto suportado nas suas aquisições e, consequentemente, legais as correcções realizadas pela AT.

3.17. No que diz respeito ao relevo, no caso concreto, do decurso do prazo previsto no art. 45.º, n.º 2 da LGT, defende, a Requerida, inexistir, na presente situação, tal relevância, dado que não há qualquer erro evidenciado na declaração do sujeito passivo.

3.18. Sustenta, por último, a AT, que, o facto de a Administração Fiscal ter aceite, em 2010, o pedido de reembolso realizado pela Requerente relativamente ao primeiro trimestre desse ano não significa aceitação, pela mesma Administração Fiscal, da renúncia à isenção, referindo, ainda, a Requerida, nesse sentido, tal aceitação só ocorreria se a Requerente tivesse formulado pedido de informação vinculativa, o que não fez. Os actos de consulta, recolha e cruzamento de elementos, realizados pela AT, foram praticados no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, em ordem a verificar a veracidade dos elementos declarados pela Requerente, vinculada que está, a Requerida, em conformidade com o princípio da legalidade, a proceder “a confirmação dos elementos declarados pelos sujeitos passivos e demais obrigados tributários”, sendo que tal obrigação existe, quer em caso de renúncia válida ao regime de isenção, quer em caso de inexistência ou invalidade de tal renúncia.

3.19. Conclui, a Requerida, formulando pedido de procedência da exceção invocada, bem como de improcedência das pretensões deduzidas pela Requerente.

4. Na sequência da exceção de ineptidão da petição inicial, invocada pela Requerida, apresentou a Requerente, articulado de resposta a tal matéria, em que sustentou dever ser considerada improcedente a arguição da referida nulidade. Acrescentou, por outro lado, que, tendo havido caducidade do direito de proceder à liquidação, deve ser concedido provimento à pretensão formulada na petição inicial.

5. Por despacho de 12 de janeiro de 2016, ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste, foi dispensada a reunião do art. 18.ºdo RJAT, e designado o dia 11 de maio de 2016 como prazo limite para prolação da decisão arbitral.

6.Ambas as partes prescindiram da produção de alegações.    

***

            II. SANEAMENTO

            O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

            No que diz respeito a nulidades processuais, invoca, a Requerida, a ineptidão da petição inicial, com base na circunstância de, segundo alega, não ter, a Requerente, impugnado, nem invocado causa de pedir, quanto a uma das correções efectuadas no âmbito do procedimento inspetivo e que gerou a liquidação no valor de €13.109,80. Correção essa determinada, não pelo facto de a Requerente ter realizado dedução indevida, mas por não ter liquidado imposto devido na sequência de indemnização por danos patrimoniais (nomeadamente por lucros cessantes), no montante de €62.427,62, decorrente da renegociação (acordada entre a Requerente e a G…) de contrato de colaboração.

            Perante a arguição de tal exceção dilatória, pugnou a Requerente pela sua improcedência, sustentando, que, tendo havido caducidade do direito, reitera o conteúdo do pedido de pronúncia por si formulado na petição inicial.

            Cumpre decidir.

            Corresponde, a ineptidão da petição inicial, a exceção dilatória que se verifica quando ocorra uma das circunstâncias previstas no n.º 2 do art. 186.º do Código de Processo Civil (ora subsidiariamente aplicável em conformidade com o contemplado no art. 29.º, n.º2, alínea e), do RJAT), sendo que estas se reconduzem às seguintes: falta de pedido ou de causa de pedir, ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir, contradição entre os pedidos, contradição entre causas de pedir e contradição entre o pedido e a causa de pedir.

Nenhuma dessas circunstâncias se afigura verificada, porém, no processo em análise.

Na verdade, a acção não padece de falta de causa de pedir, nem de pedido, pois que a requerente deduz pretensões e invoca, para estas, fundamentos factuais de suporte (causas de pedir). As causas de pedir que invoca e os pedidos que formula revelam-se, por outro lado, inteligíveis e compatíveis entre si. Igualmente compatíveis se afiguram as diversas causas de pedir alegadas, bem como, entre si, os pedidos deduzidos.

Inexiste, nesta medida, ineptidão da petição inicial, não ocorrendo, consequentemente, o corolário que, nos termos do art. 186.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, daquela decorreria.

Não assistindo, atento o exposto, razão à Requerida, julga-se improcedente a excepção dilatória por esta alegada.

Tanto não significa, porém, que se reconheça procedência à argumentação desenvolvida pela Requerente no sentido de que o Tribunal deveria conhecer da caducidade da referida liquidação adicional.

Com efeito, o Tribunal apenas pode conhecer (e desde que adentro dos limites da sua competência) do que seja definido, pela Requerente, como objeto do processo, pronunciando-se, por outro lado, em sede de decisão do processo, relativamente aos pedidos deduzidos pela Requerente.

Como a Requerente reconhece no ponto 5.º da Resposta à exceção invocada pela AT, aquela não incluiu (ao contrário do que devia, como explicita) na declaração periódica relativa ao mês de Dezembro de 2010 (4.º trimestre de 2010), o valor de IVA de €13.109,80.

A Requerente enuncia, de forma expressa e detalhada, o objeto da ação que propõe na presente instância, no artigo 1.º da petição inicial, que subordina, precisamente, à epígrafe: “Do objecto do pedido de pronúncia arbitral”, mais especificando, na dita epígrafe, ter esta por fim a “Identificação das liquidações impugnadas”.

Do rol que aí elenca constam oito liquidações adicionais, todas respeitantes a IVA e Juros Compensatórios e referentes ao ano de 2010.

Atos tributários que, com pormenor (por referência ao número de liquidação, período, número de Documento de Cobrança e valor), assim delimita e identifica:

a)         Liquidação adicional nº…, relativa ao período 1003T, com o nº de Doc. de Cobrança…, no valor de € 319.895,18;

b)         Liquidação adicional nº…, relativa ao período 1006T, com o nº de Doc. de Cobrança…, no valor de € 27.909,45;

c)         Liquidação adicional nº…, relativa ao período 1009T, com o nº de Doc. de Cobrança…, no valor de € 32.740,47;

d)        Liquidação adicional nº…, relativa ao período 1012T, com o nº de Doc. de Cobrança…, no valor de € 45.597,77;

e)         Liquidação adicional nº … de JC, relativa ao período 1003T, com o nº de…, no valor de € 57.002,69;

f)         Liquidação adicional nº … de JC, relativa ao período 1006T, com o nº de Doc. de Cobrança…, no valor de € 4.694,90;

g)         Liquidação adicional nº … de JC, relativa ao período 1009T, com o nº de Doc. de Cobrança…, no valor de € 5.181,07; e

h)         Liquidação adicional nº …de JC, relativa ao período 1012T, com o nº de Doc. de Cobrança…, no valor de € 6.753,30.

Em conclusão delimitadora, explicita, no mesmo artigo, a Requerente, que o total do valor impugnado corresponde a €499.774,83 (montante coincidente com o da soma dos quantitativos das referidas liquidações adicionais).

            A Requerente fez refletir, também, de forma congruente, tal circunscrição do objeto de pronúncia, quer no valor que definiu como sendo o da utilidade económica do pedido - €499.774,83 (explicitando, a esse propósito, que: “O valor da utilidade económica do pedido é o valor correspondente às liquidações de IVA e de juros compensatórios impugnadas, o qual ascende a €499.774,83), quer nos termos em que delimita o pedido, limitando-o, expressamente, à anulação das “liquidações ora impugnadas supra referidas” e, em consequência, no reembolso “da quantia de €499.774,83” e acrescidos juros.

            A liquidação no valor de €13.109,80 não se enquadra, pois, no elenco das liquidações que a Requerente define como integrantes do objeto da presente acção, não a incluindo, também, a Requerente, no âmbito dos pedidos aí formulados.

            A referência a que, num dos artigos da petição inicial, a Requerente, telegraficamente, faz à caducidade de tal liquidação, assume, assim, carácter lateral e desgarrado, no contexto da instância em causa, não se integrando no seu objecto, nem no pedido nela formulado.

Não se reúnem, em consequência, neste processo, os requisitos mínimos para que o Tribunal se possa pronunciar quanto à regularidade de tal ato tributário, porque fora, este do âmbito objetivo da instância, dos pedidos nesta deduzidos e do valor correspondente à utilidade económica do pedido.

O processo não enferma de nulidades.

            As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, encontram-se devidamente representadas e são legítimas.

            Não há outras exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

***

III. MATÉRIA DE FACTO

III.1. FACTOS PROVADOS

Julgam-se provados os seguintes factos:

a)      A Requerente – A…– iniciou o exercício da sua actividade de prestação de serviços médicos, em 21/02/1961, ao abrigo do regime de isenção previsto no art. 9.º, n.º 2 do CIVA.

b)      Em 26/02/1985, a Requerente apresentou declaração de registo, onde declarou, no campo 1, do segmento A, do campo 10 (este, com a epígrafe “Tipo de Operações”), que, no exercício da sua actividade, efectuava “Transmissões de bens e/ou prestações de serviços que conferem direito à dedução”), bem como, no campo 2, dos mesmos segmento e campo, que, no exercício da sua actividade, efectuava “ Transmissões de bens e/ou prestações de serviços isentos que não conferem direito à dedução”).

c)      No segmento B, campo 4, do mencionado quadro 10, declarou, a Requerente, que não iria efectuar a dedução do imposto suportado segundo a AFECTAÇÃO REAL, assinalando, por outro lado, no campo 7 dos mesmos segmento e quadro, deduzir IVA suportado pelo método do pro rata, na percentagem de 67%, ao abrigo dos nºs 2 e 4 do art.º 23º do CIVA.

d)     A Requerente não preencheu o quadro 11 relativo à “opção por regimes de tributação”, onde se assinala, designadamente, a opção pelos regimes de renúncia à isenção previstos no artigo 12.º do CIVA.

e)      A Requerente apresentou, junto da Administração Tributária, em 01/03/2010, a declaração de alterações de actividade, prevista no art.º 32º do CIVA, através da qual introduziu modificações relativamente ao inicialmente declarado.

f)       De tal declaração fez constar, no campo 6, do quadro 9 (este com a epígrafe “Alteração dos dados relativos à actividade”), que passava a efectuar aquisições intracomunitárias.

g)      O quadro 10 (a que corresponde a epígrafe “Uso exclusivo dos serviços) de tal declaração não se encontra preenchido em qualquer dos seus campos (relativos ao enquadramento definido pelo SF em IR e em IVA), sendo que o campo 5 do segundo segmento de tal quadro respeita ao “Exercício exclusivo de transmissões de bens e/ou prestações de serviços isentas que não conferem o direito à dedução – art.9.º”.

h)      O campo 1 (relativo às “Transmissões de bens e/ou prestações de serviços que conferem direito à dedução”) e o campo 2 (relativo às “ Transmissões de bens e/ou prestações de serviços isentas que não conferem direito à dedução”) do segmento A do quadro 11 (com a epígrafe “Tipo de Operações”) não foram preenchidos.

i)        Os campos 3 e 5 do segmento B do mesmo quadro 11 foram preenchidos pela Requerente com a indicação de que efectuaria a dedução do imposto suportado segundo a AFECTAÇÃO REAL de todos os bens e serviços utilizados.

j)        Os campos dos quadros 12 (relativo à Prática de operações imobiliárias)  e 13 (relativo à Opção por regime de tributação) não foram preenchidos.

k)      Na referida declaração de alterações de actividade não consta que a Requerente exerça, de forma secundária, operações imobiliárias, nomeadamente, a locação de bens imóveis e a actividade sujeita e não isenta de prestação de serviços (nomeadamente, de utilização de espaços por parte de diversas entidades e ainda de bens e serviços da A…).

l)        O mencionado formulário encontra-se assinado pela Requerente e pelo seu técnico oficial de contas, sob declaração de que o seu conteúdo corresponde à verdade e não omite qualquer informação pedida.

m)    Da referida declaração de alteração de actividades constam instruções de preenchimento dos respectivos quadros.

n)      Na sequência da entrega da referida “Declaração de Alterações de Actividade”, a Requerente passou a constar do cadastro "REGIME NORMAL MENSAL POR OPÇÃO", procedendo à dedução de IVA nos inputs em conformidade e liquidando-o nos outputs, de acordo com a Lista 1 – Bens e serviços sujeitos à taxa reduzida – item 2.7.

o)      Passou, também, a Requerente, a preencher as declarações periódicas de IVA.

p)      A Requerente estabeleceu acordos/convenções com subsistemas públicos, integrados no Sistema Nacional de Saúde [SNS], designadamente: C…[C]; D… [D]; E… [E] e F…[F].

q)      Na primeira declaração periódica de IVA que submeteu após a apresentação da referida “Declaração de Alterações de Actividade”, relativa ao primeiro trimestre de 2010, solicitou o reembolso de IVA no montante de € 307.334,29.

r)       Subsequentemente à apresentação do pedido de reembolso de IVA de € 323.025,33, de 10/03/2010, os Serviços de Inspecção Tributária da DF de … realizaram um procedimento, visando o “Reenquadramento em IVA”, o que sucedeu sensivelmente 3 meses (de 6/07/2010 a 31/08/2010) após a referida entrega da declaração de alterações.

s)       Do detalhe do pedido de reembolso, proferido em 30.08.2010, conforme certidão junta aos autos do Despacho DI 2010…, consta, entre o mais, o seguinte:

t)         Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2014…, a Direcção de Finanças de … realizou, junto da Requerente, procedimento de inspecção tributária, tendo por objecto os períodos de imposto 2010/03T; 2010/06T; 2010/09T e 2010/12T.

u)      Exerceu, a Requerente, em 27/10/2014, o direito de audição prévia relativamente ao projecto de relatório, na sequência de notificação para esse efeito.

v)      A Requerente foi notificada do relatório final (com data de 3/11/2014), de que constam as liquidações impugnadas no presente processo, determinadas por correcções em sede de IVA que a AT realizou com base na dedução indevida de despesas pela Requerente e na falta de liquidação de imposto para o ano de 2010.

w)    O Despacho relativo ao Relatório Final de Inspeção Tributária que originou as liquidações adicionais foi assinado em 03/11/2014 pela “Diretora de Finanças Adjunta, Por subdelegação, B… – Chefe de Divisão em regime de Substituição ”. Do mesmo não consta, porém, qualquer referência ao Diário da República onde se mostra publicada tal subdelegação de poderes.

x)      A Requerente foi objecto das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, referentes ao ano de 2010, n.ºs … (relativa ao período 1003T, com o nº de Doc. de Cobrança…, no valor de € 319.895,18), … (relativa ao período 1006T, com o nº de Doc. de Cobrança…, no valor de € 27.909,45), … (relativa ao período 1009T, com o nº de Doc. de Cobrança…, no valor de € 32.740,47), … (relativa ao período 1012T, com o nº de Doc. de Cobrança…, no valor de € 45.597,77), nº … de JC (relativa ao período 1003T, com o nº de Doc. de Cobrança…, no valor de € 57.002,69), …de JC (relativa ao período 1006T, com o nº de Doc. de Cobrança…, no valor de € 4.694,90), … de JC, relativa ao período 1009T, com o nº de Doc. de Cobrança…, no valor de € 5.181,07) e …de JC (relativa ao período 1012T, com o nº de Doc. de Cobrança…, no valor de € 6.753,30), o que, globalmente, corresponde a liquidação adicional no valor de €499.774,83.

y)      O Despacho de deferimento de reembolso, autorizado em 2010 e relativo ao 1º Trimestre desse ano, foi corrigido no mesmo montante de € 319.895,18, invocando a AT, no Relatório de Inspecção, de 03/11/2014, que “A análise do pedido de reembolso é um procedimento atípico e, como tal, não consubstancia um procedimento de inspeção. O procedimento de inspeção está regulado no RCPIT…”, acrescentando, relativamente aos actos praticados em 2010 (subsequentes ao pedido de reembolso formulado pela Requerente), que “Assim, não existiu qualquer ação inspetiva. Ao abrigo do Despacho emitido e que abrangeu o período de 2010-03T foram apenas praticados atos de consulta, recolha e cruzamento de elementos, sem caráter investigatório...”.

z)      A título de fundamentação das liquidações adicionais a que procedeu, invocou, a AT, ter apurado que a Requerente, liquidou imposto, à taxa reduzida, relativamente às operações previstas na alínea 2) do artigo 9.º do CIVA, ou seja, sobre as prestações de serviços médicos efectuadas pela Requerente, enquanto estabelecimento hospitalar, com internamento, bem como que procedeu à dedução do imposto sobre a totalidade dos bens e serviços adquiridos, incluindo os relacionados com a prática de operações isentas atrás referidas.

aa)   Aduzem, igualmente, os Serviços de Inspecção Tributária, que “o s.p estava e permanece no regime de isenção, nas operações de prestação de cuidados de Saúde em estabelecimentos com internamento, bem como nas operações imobiliárias/locação de imóveis, que é o seu regime próprio”, dado que encontrando-se subordinado ao regime de isenção “simples ou incompleta” (em que “o operador económico, não está obrigada a liquidar imposto nas transmissões de bens ou prestação de serviços que efectuar, mas, não pode, em contrapartida, deduzir o imposto suportado nas aquisições”), não fez qualquer “opção de renúncia na declaração de alterações, entregue em 01-03-2010 ou noutra ulterior a esta”, quando a “opção teria que ser efectuada no quadro 13 da declaração de alterações, assinalando o s.p o campo 1 daquele quadro “Se pretende exercer o direito à opção, reunindo as necessárias condições, indique o regime pelo qual opta [artigos 12.º, 55.º e 63.º do CIVA]”, bem como “no quadro 12 da mesma declaração de alterações, campo 1, relativamente à prática de operações imobiliárias”, Não sendo, a renúncia à isenção em causa, “susceptível de ser presumida”, “Conclui-se assim que, o s.p não renunciou à isenção relativamente às operações isentas da alínea 2) do artigo 9.º do CIVA, nem podia, por falta dos requisitos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do mesmo Diploma. Para além de que, o invocado pelo s.p contraria o declarado no campo 5 do quadro 11 preenchido pelo próprio, pois aí refere que procedeu à afectação real de todos e bens, e, só o pode fazer, relativamente aos bens e serviços de utilização mista”.

bb)  Com base em tais fundamentos, concluíram, os referidos Serviços, no sentido de “que foi deduzido indevidamente imposto”, o que determinaria deverem ser realizadas duas correcções aritméticas para todos os períodos de imposto do ano de 2010: “correcções aritméticas para todos os períodos de imposto do ano de 2010, correspondendo: €413 015,07 relativos à dedução indevida de imposto, nos termos referidos supra; e €13 109,08 relativos a imposto não liquidado relativo a uma indemnização recebida “. Correcções geradoras das liquidações adicionais acima identificadas.

cc)   Os actos tributários relativos às liquidações de IVA de 2010 e objecto de impugnação na presente acção foram notificados à Requerente em Dezembro de 2014.

dd) A Requerente deduziu, em 22/12/2014, reclamação graciosa, no sentido da anulação das referidas liquidações, tendo sido notificada da correspondente decisão de indeferimento, mediante ofício datado de 20/02/2015, recepcionado em 25/02/2015, após o que interpôs recurso hierárquico dirigido à Sra. Ministra das Finanças, em 26/03/2015 (recurso ainda não decidido à data da propositura da presente acção).

ee)   A Requerente procedeu ao pagamento de todas as acima enunciadas liquidações e respectivos acréscimos, em 23/07/2015, no âmbito do Processo de Execução nº …2015… .

*

§2. FACTOS NÃO PROVADOS

            Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.

 

§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas partes no que diz respeito à matéria de facto, bem como do teor dos documentos (designadamente do processo administrativo) e do parecer junto aos autos.

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III.2. MATÉRIA DE DIREITO

 

  1. Quanto à caducidade das liquidações impugnadas por erro evidenciado na declaração

 

Nos termos do disposto no n.ºs 1 do artigo 45.º da LGT, “o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”.

Por sua vez, segundo o consignado no n.º 2 do mesmo preceito, “Nos casos de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo (…) o prazo de caducidade referido no número anterior é de três anos”.  

Constitui jurisprudência do STA, seguindo orientação da doutrina, que integra o erro na declaração, para efeitos do estatuído no n.º 2 do artigo 45º da LGT, “o erro que a AT possa detectar por um mero exame da coerência dos seus elementos, sem recurso a qualquer outra documentação externa, mesmo quando esta esteja em poder da administração tributária, e obtida por inspeção interna ou externa ou por meios de qualquer outra natureza” (cfr., entre outros, o Acórdão proferido em 14/6/2012, no processo n.º 0402/2012).

Para averiguar se estamos perante uma situação de erro evidenciado na declaração importa, essencialmente, apurar, no caso dos autos, os seguintes aspetos:

‒     A natureza da informação veiculada pelo sujeito passivo sobre o seu enquadramento em imposto sobre o valor acrescentado (IVA) através das declarações de cadastro que entregou à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT);

‒     As consequências do enquadramento declarado;

‒     A configuração das irregularidades declaradas como erro evidenciado na declaração.

 

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 29.º do Código do IVA (CIVA), os sujeitos passivos do imposto são obrigados a proceder à entrega, segundo as modalidades e formas prescritas na lei, de uma declaração de início e, sempre que se justifique, de uma declaração de alterações.

A declaração de início de atividade deve ser apresentada antes de iniciado o exercício de atividade. De facto, o n.º 1 do artigo 31.º do CIVA impõe a todos aqueles que vão iniciar o exercício de uma atividade económica que comuniquem previamente essa situação às autoridades fiscais para que estas possam conhecer o universo dos sujeitos passivos responsáveis pela liquidação do IVA.

A implementação do IVA em 1986-01-01 exigiu que, à data da entrada em vigor do respetivo Código, se encontrassem já registados todos os contribuintes daquele imposto. Assim, em virtude de já exercer a sua atividade àquela data, a A… (A) foi obrigada, nos termos do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de dezembro, a entregar uma declaração de registo.

De acordo com o artigo 4.º deste diploma, a referida declaração de registo produzia os efeitos da declaração de início de atividade referida no artigo 30.º do CIVA (atual artigo 31.º) e os direitos de opção nela exercidos produziam efeitos a partir da data da entrada em vigor do mesmo Código. 

Em 1985-02-27 a A… apresentou a declaração de registo a que estava obrigada onde prestou as seguintes informações com interesse para o seu enquadramento em IVA:

a)      No quadro 08, relativo à “caracterização das atividades”, declarou exercer a atividade principal de “estabelecimento de saúde com internamento”, não tendo declarado outras atividades ainda que secundárias;

b)      No quadro 09, sobre os “dados relativos à atividade verificada”, declarou ter atingido no ano de 1984 um volume de negócios de 50.075 contos;

c)      No quadro 10, relativo ao “tipo de operações”, declarou que no exercício da sua atividade efetuava:

                                            i.            Operações que conferem direito à dedução (no campo 1); e

                                          ii.            Operações isentas que não conferem direito à dedução (no campo 2);

d)      No mesmo quadro 10, declarou que não iria efetuar a dedução do imposto suportado segundo a afetação real (campo 4) mas, antes, de acordo com a regra do prorata de dedução prevista no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, utilizando a percentagem de 67% (campo 7);

e)      No quadro 12, sobre a “opção relativa ao período de imposto”, informou não estar abrangido por qualquer dos regimes especiais previstos para os pequenos operadores económicos, a que se referem os artigos 53.º e 60.º do CIVA, e declarou a opção, prevista no n.º 2 do artigo 40.º do CIVA (à época, era o n.º 3 do artigo 40.º), pela apresentação mensal de declaração periódica;

f)        No quadro 11, relativo à “opção por regimes de tributação”, não declarou qualquer opção.

 

Face à natureza destas informações o SP ficou enquadrado no regime normal com periodicidade mensal.

Desta declaração não transparece qualquer incompatibilidade ficando a AT a conhecer, no essencial, que, além de operações isentas que não conferem direito à dedução, a A… praticava também operações que conferem direito à dedução.

A atividade principal declarada de “estabelecimento de saúde com internamento” consiste, de facto, na realização de prestações de serviços abrangidas pela isenção prevista no n.º 2 do artigo 9.º. Trata-se de uma isenção incompleta, no sentido que não permite à A… efetuar a dedução do imposto suportado a montante.

Todavia, a A…, embora não as especificando, declarou que também efetuava outras operações a jusante cuja natureza não implicava o cercear do direito à dedução. Trata-se das operações previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA, nomeadamente de transmissões de bens e / ou prestações de serviços sujeitas e não isentas, isto é, de operações efetivamente tributadas pelo sujeito passivo. E estas operações, por serem tributadas, permitem que o sujeito passivo exerça o direito à dedução do imposto que suporta nas aquisições.

Deste modo, praticando os dois tipos de operações, a Requerente goza de um direito à dedução parcial.

Tal direito à dedução foi avaliado pela A… em 67% com base nas operações efetuadas no ano anterior, o que significa que, à data em que a declaração de registo foi apresentada, as operações tributadas representavam essa proporção em relação ao total das operações efetuadas pelo sujeito passivo.

Dos elementos declarados pode ainda concluir-se que a A… ao não preencher qualquer dos campos 1, 2 e 3 do quadro 11 da declaração de registo, não manifestou qualquer intenção de optar pela tributação das operações isentas aí referidas, em particular daquelas que representavam a sua atividade principal (previstas no campo 2).

De facto, ao não utilizar a faculdade de renunciar à isenção prevista no artigo 12.º do CIVA, nomeadamente na alínea b) do n.º 1, em relação aos serviços médicos e sanitários prestados em ambiente hospitalar, a Requerente não pretendeu optar pela tributação das operações isentas que efetuava.

A gestão correta do imposto implica também o conhecimento da situação atualizada dos sujeitos passivos, razão pela qual o n.º 1 do artigo 32.º estabelece que sempre que se verifiquem alterações de quaisquer dos elementos constantes da declaração relativa ao início de atividade devem os sujeitos passivos entregar a respetiva declaração de alterações no prazo de 15 dias a contar da data da alteração.

Ora, em 2010-03-01, a Requerente procedeu à entrega de uma declaração de alterações em que apenas comunica às autoridades fiscais as seguintes informações relativas ao exercício da sua atividade:

1.        No quadro 9, que diz respeito a “alteração dos dados relativos à atividade”, declara que passou a efetuar aquisições intracomunitárias (campo 6); e

2.        No quadro 11, relativo ao “tipo de operações”, declara que passou a efetuar a dedução do imposto suportado segundo a afetação real de todos os bens e serviços utilizados (campos 3 e 5).

Através desta declaração o que é dado a conhecer à AT é muito simples: a) Em primeiro lugar, comunica que efetua aquisições de bens, ainda que esporádicas, expedidos ou transportados para o território nacional a partir de outros Estados-Membros; b) Em segundo lugar, informa que vai passar a efetuar a dedução do imposto suportado nas suas aquisições segundo a regra da afetação real. Isto é, tendo direito à dedução parcial do imposto suportado a montante, visto que não realiza exclusivamente operações tributadas (que dão direito a efetuar a dedução do imposto suportado) mas pratica também operações isentas (que não permitem o exercício do direito à dedução), a Requerente explicita que vai exercer esse direito em conformidade com a afetação real.

Aliás, após as alterações introduzidas ao artigo 23.º do CIVA pelo artigo 52.º da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, em matéria do exercício do direito à dedução, os sujeitos passivos parciais ou mistos passaram a ser obrigados a efetuar a dedução do imposto suportado segundo a afetação real dos bens e serviços utilizados. O método do prorata passou a ter carácter excecional e apenas se manteve para efeitos do exercício do direito à dedução em relação ao imposto suportado em bens e serviços de utilização mista, ou seja, em relação aos bens e serviços que, dada a sua natureza, não possibilitam a sua imputação exclusiva a qualquer das atividades exercidas pelo sujeito passivo, devido ao facto de serem utilizados conjuntamente no exercício de uma atividade económica que confere direito à dedução com atividades económicas que não conferem esse direito.

De facto, os princípios gerais subjacentes ao exercício do direito à dedução do IVA suportado pelos sujeitos passivos do imposto estão previstos nos artigos 19.º e 20.º do CIVA, dai resultando que para ser dedutível o IVA suportado nas aquisições de bens e serviços estas devem ter uma relação direta e imediata com as operações a jusante que conferem esse direito.

Como regra geral, com exceção das situações enunciadas no artigo 21.º do CIVA, é dedutível todo o imposto suportado em bens e serviços adquiridos para o exercício de uma atividade económica desde que respeite a transmissões de bens e a prestações de serviços que confiram direito à dedução nos termos do artigo 20.º do CIVA, incluindo as que não se consideram localizadas no território nacional por força da aplicação das regras de localização constantes do artigo 6.º do CIVA sendo, todavia, também qualificadas como operações que conferem direito à dedução pela alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA.

Assim, é permitido o direito à dedução integral do imposto suportado na aquisição de bens ou serviços que estejam exclusivamente afetos a operações que, integrando o conceito de atividade económica para efeitos do imposto, sejam tributadas, isentas com direito a dedução ou, ainda, não tributadas que conferem esse direito, nos termos da alínea b), II), do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA.

Não é admissível, naturalmente, o exercício do direito à dedução nos casos em que o imposto seja suportado na aquisição de bens ou serviços exclusivamente afetos a operações sujeitas a imposto, mas sem direito a dedução (operações isentas a que se refere o artigo 9.º do CIVA) ou a operações não sujeitas a imposto (devido ao facto de não se inserirem no exercício de atividades económicas em sede de IVA).

Importa mais uma vez salientar que a aplicação do artigo 23.º do CIVA se restringe à determinação do imposto dedutível relativo aos bens e / ou serviços de utilização mista ou seja, aos bens e / ou serviços utilizados conjuntamente em atividades que conferem o direito à dedução e em atividades que não conferem esse direito.

Com efeito, tratando-se de bens ou serviços exclusivamente afetos a operações com direito à dedução do imposto, apresentando uma relação direta e imediata com essas operações, o respetivo imposto é objeto de dedução integral, nos termos do artigo 20.º do CIVA.

Por sua vez, tratando-se de bens ou serviços exclusivamente afetos a operações sujeitas a imposto mas isentas sem direito a dedução ou a operações que, embora abrangidas pelo conceito de atividade económica estejam fora das regras de incidência do imposto ou ainda de operações não decorrentes de uma atividade económica, o respetivo IVA suportado não pode ser objeto de dedução.

Já tratando-se de bens ou serviços de utilização mista, isto é, que estejam afetos à realização de operações decorrentes do exercício de uma atividade económica, parte das quais não conferem direito à dedução, a alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA, estabelece que o imposto dedutível seja determinado mediante a utilização de uma percentagem, apurada nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, sem prejuízo de o sujeito passivo poder optar pela afetação real, nos termos do n.º 2.

Ora, com a declaração de alterações entregue em 2010-03-01, a Requerente informa a AT que vai efetuar a dedução do imposto suportado segundo a afetação real de todos os bens e serviços utilizados, mesmo que se trate, portanto, de bens ou serviços de utilização mista.

Se, com a apresentação desta declaração, a Requerente entendeu que estava a comunicar à AT que pretendia, a partir de então, renunciar à isenção nas operações que efetua e que se encontram abrangidas por isenções do artigo 9.º, nomeadamente nos serviços de assistência médica em ambiente hospitalar e também nas locações de imóveis, o certo é que não o fez. E não podia a AT retirar semelhante conclusão face aos elementos declarados.

Para esse efeito, devia a Requerente manifestar essa pretensão na declaração de alterações através do preenchimento dos quadros destinados a essa finalidade, respetivamente:

1.        O quadro 13, relativo à “opção por regimes de tributação”, para os serviços de assistência médica em ambiente hospitalar (campo 1), e

2.        O quadro 12, relativo à “prática de operações imobiliárias” para as operações de locação de bens imóveis (campo 1)

Ao não efetuar o devido preenchimento destes quadros, a Requerente não tem qualquer legitimidade para tributar as prestações de serviços de assistência médica nem tão-pouco as locações de imóveis, dado tratar-se de operações obrigatoriamente isentas. E em relação às quais não optou expressamente pela sua tributação. Ao liquidar indevidamente imposto nessas operações está a assumir a obrigação de entregar esse imposto ao Estado mas não adquire, por esse facto, o direito a deduzir o imposto suportado nas aquisições. Porque face ao enquadramento que resulta das suas declarações não tem legitimidade para tributar os serviços efetuados, previstos nas isenções do artigo 9.º. Só renunciando à isenção adquiria tal legitimidade. E essa renúncia à isenção teria que ser efetuada através do preenchimento adequado dos campos da declaração expressamente previstos para esse fim.

A atuação da Requerente passa a ser totalmente desconforme às informações que prestou através da declaração de alterações apresentada: passou a tributar todas as operações realizadas, mesmo as abrangidas pelas isenções previstas no artigo 9.º sem que tenha renunciado a essas isenções, e passou a deduzir na sua totalidade o imposto suportado a montante, quando o que declarou foi o exercício do direito à dedução segundo a afetação real.

Pode tratar-se, como é alegado, de um erro da Requerente, mas esse erro não se configura como um erro evidenciado na declaração. Isto é, na declaração não consta qualquer informação que permita sequer admitir a existência de irregularidades no seu preenchimento. As informações declaradas são objetivas e, desse ponto de vista, são claras. Porém, ainda que contrárias às intenções da Requerente a AT não tinha quaisquer condições de as conhecer.

Assim sendo, falece o argumento do Sujeito Passivo segundo o qual a AT estava numa situação em que pudesse mediante uma simples leitura ou análise da declaração apresentada na altura própria aperceber-se da incorreção da mesma.

Nesta sequência, o prazo de caducidade do direito à liquidação a considerar é o normal de quatro anos (n.º 1 do artigo 45.º da LGT), prazo este que se conta no caso do IVA, a partir do ano civil seguinte aquele em que se verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário (n.º4 do artigo 45.º da LGT).  

Como resulta da factualidade assente, referindo-se as liquidações adicionais em causa ao ano de 2010 e, tendo a notificação das liquidações ocorrido, segundo a própria Requerente, em dezembro de 2014, as mesmas não enfermam de caducidade.

Improcede, pois, o pedido da Requerente.  

 

B. Da nulidade do relatório final de inspeção por preterição de formalidades essenciais

 

Alega a Requerente que a omissão da referência legal ao abrigo da qual foi realizada a subdelegação de competências nos termos da qual foi sancionado superiormente o relatório de inspeção tributária mediante despacho assinado pela Chefe de. Divisão B…, em regime de substituição, por subdelegação da Diretora de Finanças Adjunta, consubstancia vício insanável de nulidade nos termos do disposto no artigo 39.º, n.º12, do CPPT.

Vejamos.

Dispõe aquele preceito o seguinte: “O acto de notificação será nulo no caso de falta de indicação do autor do acto e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data”.

Da leitura do preceito resulta claro que as menções formais impostas por lei dizem apenas respeito à indicação da qualidade do autor do ato, quando este seja praticado no uso de poderes delegados ou subdelegados, e não também os demais elementos formais da subdelegação invocada, em especial, a indicação do Diário da República em que tenha sido publicado o respetivo despacho de delegação ou de subdelegação de poderes.

No mesmo sentido, defende JORGE LOPES DE SOUSA, quando refere que “É requisito do acto de notificação a menção da delegação ou subdelegação de poderes e não também a indicação do Diário da República em que foi publicado o despacho de delegação ou subdelegação” [cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª ed., áreas Editora, 2011, p. 344, nota (607) e jurisprudência indicada].

No caso dos autos, nas palavras da própria Requerente, analisando o relatório final de Inspeção Tributária, que originou as liquidações adicionais, verifica-se que “o Despacho foi assinado em 03/11/2014 pela “Diretora de Finanças Adjunta, Por subdelegação, B…- Chefe de Divisão em regime de Substituição””.

O que significa que cumpre as exigências formais estabelecidas no n.º12 do artigo 39.º do CPPT.

Acresce que, segundo o Autor atrás citado, esta exigência formal justificava-se, no contencioso tributário anterior à entrada em vigor do CPTA, apenas pela “necessidade de assegurar ao notificado a possibilidade de se aperceber do caráter definitivo do acto praticado por quem não é a entidade a quem compete, em primeira linha, praticá-lo, de forma a poder impugná-lo imediatamente por via contenciosa. Sendo esta a razão de ser de tal exigência da notificação, a falta de menção da delegação ou subdelegação de poderes naquela, quando o acto tiver sido praticado no seu uso, deveria ser considerado como preterição de uma formalidade legal, que se degradaria em não essencial, quando não fosse afetada a possibilidade de impugnação contenciosa pelo recorrente” (ibidem).

Termos em que, pelas razões expostas, improcede o alegado pela Requerente quanto ao vício de nulidade por violação do n.º 12 do artigo 39.º do CPPT.

 

  1. Quanto à (pretensa) dedução indevida de IVA (primeiro trimestre de 2010) e do abuso de direito da AT 

 

Alega, em resumo, a Requerente que, na primeira declaração periódica de IVA, relativa ao primeiro trimestre de 2010, que submeteu, após a “Declaração de Alteração de Actividade”, solicitou o reembolso de IVA, no montante de € 307. 334, 29.  

 Na sequência deste pedido, teve lugar, segundo a Requerente, “o procedimento inspectivo”, no âmbito do qual “a renúncia à isenção foi confirmada pelo despacho emitido pelo técnico (confirmado superiormente), do qual consta: “Ora, o sujeito passivo em 2010-03-01, renunciou à isenção de IVA em que estava enquadrado (art.º 9º, nº 2)”, acrescentando, a final, “Não foram detectadas outras irregularidades, propondo-se o seu deferimento total”. Em conformidade, o pedido de reembolso foi Autorizado e Despachado Favoravelmente pela Autoridade Tributária, tendo havido DEFERIMENTO TOTAL”.

Para a Requerente, o Despacho de reembolso autorizado em 2010 relativo ao 1º trimestre não pode ser agora corrigido, como foi, no mesmo montante de € 319.895,18 e pela mesma Autoridade Tributária Entende, volvidos mais de 4 anos.

Ao proceder a liquidações adicionais, a AT adotou, segundo a Requerente, “uma conduta em clara contradição com o que antes havia decidido, incorrendo em claro e manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, quando a actividade de liquidação dos impostos deve ser norteada por um princípio de justiça, sendo também como órgão de justiça que a AT deve actuar na revisão dos actos tributários.”

            Contra esta argumentação alega a AT, em síntese, que “A análise do pedido de reembolso é um procedimento atípico e, como tal, não consubstancia um procedimento de inspeção. O procedimento de inspeção está regulado no RCPIT...” e, assim, que, em 2010, não existiu qualquer ação inspetiva. Ao abrigo do Despacho emitido e que abrangeu o período de 2010-03T foram apenas praticados “actos de consulta, recolha e cruzamento de elementos, sem caráter investigatório...”, com vista a verificar a veracidade dos elementos declarados pela Requerente. 

Importa, desta forma, averiguar se assiste razão à Requerente.

Para tanto importa analisar, num primeiro momento, qual a natureza jurídica e a relevância do referido despacho de reembolso autorizado em 2010, com vista a averiguar das consequências da revogação/anulação deste despacho sobre as liquidações adicionais a ele subjacentes. Num segundo momento cumpre distinguir o regime desse despacho de reembolso do regime jurídico das demais liquidações adicionais.

 

Vejamos.

 

C) 1.Natureza e regime jurídico do despacho de reembolso

O IVA, enquanto imposto sobre o consumo, caracteriza-se essencialmente como um típico imposto indireto, que incide sobre cada uma das transações ou prestações de serviços e permite aos sujeitos passivos desonerarem-se do encargo do imposto suportado a montante e assegurando que a tributação incida, em cada etapa do circuito económico, sobre o valor acrescentado, sendo suportada, principalmente, pelo consumidor final. Cada sujeito passivo liquida imposto, à taxa legal aplicável, sobre as suas vendas ou prestações de serviços, fazendo-o acrescer ao valor tributável constante das faturas ou documentos equivalentes que passa aos seus clientes. No final de cada período (o mês ou o trimestre) o sujeito passivo entrega nos cofres públicos apenas a diferença entre o imposto assim repercutido nas suas operações ativas e o imposto suportado nas suas aquisições e constante das faturas de que foi destinatário.

          O IVA assenta num mecanismo de crédito, em que o imposto devido ao Estado se apura através da dedução do imposto mencionado em fatura que tenha sido suportado pelos operadores económicos nas suas compras (operações passivas) ao imposto mencionado em fatura liquidado pelos operadores económicos nas suas vendas (operações ativas).     Este mecanismo de crédito encontra-se disciplinado nos artigos 19.º a 26.º do Código do IVA e pressupõe, portanto, um acerto periódico de contas entre sujeitos passivos e o Estado, a realizar todos os meses ou todos os trimestres, conforme o período declarativo que lhes seja aplicável.   

         De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º1, do Código do IVA, o direito à dedução de IVA nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, efetuando-se mediante subtração ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.

          Por sua vez, refere o n.º 4 do mesmo preceito: “Sempre que a dedução de imposto a que haja lugar supere o montante devido pelas operações tributáveis, no período correspondente, o excesso é deduzido nos períodos de imposto seguintes”, nos termos explicitados nos nºs. seguintes.

            Como decorre do n.º 8 do preceito em análise, os reembolsos são efetuados «quando devidos», ou seja, após a confirmação de que no período a que se refere o pedido de reembolso a dedução total de imposto a que haja lugar supera o montante devido pela totalidade das operações tributáveis.

          Como ficou consignado no Acórdão do STA, de 12 de julho, proc n.º 0303/07, “Para efectuar esta confirmação, a Administração Tributária pode efectuar correcções às declarações dos contribuintes, relativas ao período de tempo a que se reporta o reembolso, podendo também exigir-lhes documentos e informações adicionais, como decorre do preceituado no n.º 10” do artigo 22.º do Código do IVA.

          “Os pedidos de reembolso são indeferidos quando não forem facultados pelo sujeito passivo elementos que permitam aferir da legitimidade do reembolso, (…)”, cabendo desse “indeferimento recurso hierárquico, reclamação ou impugnação judicial” ( n.ºs 11.º e 13.º do artigo 22.º do Código do IVA). 

          No caso em apreço, os documentos juntos aos autos e identificados nos pontos r) e s) do probatório evidenciam que terá havido um procedimento inspetivo, de natureza externa (DI 2010…), no âmbito do qual está também devidamente assinalado que houve lugar a consultas, recolha e cruzamento de elementos (campo 4.1), encontrando-se a cópia do documento inspetivo rubricada pelo SP e o TOC.

          De qualquer modo, independentemente da conclusão que se retire nesta sede (ou seja, quanto à natureza interna ou externa da inspeção), a verdade é que houve, de qualquer modo, lugar a um procedimento, que culminou com uma decisão de deferimento do pedido de reembolso. Não estamos perante uma mera decisão automática ou de uma mera operação material de pagamento. Estamos, sim, perante uma decisão de autoridade, que é favorável ao SP, e que foi obtida através de um procedimento, no âmbito do qual foi feita análise aos pressupostos do pedido de reembolso. Realce-se, aliás, que, como vimos, a lei prevê um procedimento próprio e autónomo de reembolso de IVA, com modos próprios de impugnação.

          Trata-se, desta forma, de um ato administrativo positivo constitutivo de direitos: ato administrativo em matéria tributável, que segue o regime dos atos administrativos em geral. Em direito administrativo, esgotado o prazo de impugnação judicial dos atos administrativos, eles adquirem a força jurídica de “caso decidido” enquanto “decisões de autoridade que definem o direito do caso concreto de forma estável, em nome da segurança jurídica” (VIEIRA DE ANDRADE, Lições de Direito Administrativo, 2ª ed., Coimbra, 2011, p. 163.), apenas podendo ser revistos nos termos e casos previstos na lei.

          O que significa que, ainda que o deferimento do pedido de reembolso assente em pressupostos de facto errados, a verdade é que os órgãos administrativos não podem revogar livremente os atos constitutivos de direitos, nem anular os atos inválidos que se tenham tornado inimpugnáveis. Por se tratar de um ato constitutivo, podia ser anulado pela AT, precisamente por ser ilegal, mas apenas no prazo de um ano (artigos 141.º, do CPA e artigo 58º, n.º2, alínea a), do CPTA (segundo a redação da prática dos factos), o que não aconteceu.

           O acabado de expor significa que a AT está impedida de proceder a liquidações adicionais que ponham em causa o anterior ato de deferimento do pedido de reembolso, não por com essa conduta incorrer em abuso de direito, como defende a Requerente, mas sim por estar obrigada a respeitar o anterior “caso decidido”.       

          Termos em que, ao contrário da tese da Requerente, as liquidações adicionais relativas ao pedido de reembolso não são ilegais por a AT ter incorrido em manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprio. As liquidações adicionais, que ponham em causa o pedido de reembolso, autorizado por despacho de 2010, relativo ao 1º trimestre no montante de € 319.895,18, são ilegais por violação do caso decidido ou resolvido.

 

          C) 2. Natureza e regime jurídico das demais liquidações adicionais

         

          Questão diferente é a de saber se, como pretende a Requerente, a renúncia à isenção se pode considerar confirmada pelo despacho de deferimento do pedido de reembolso, em termos tais de vincular a AT em relação às demais liquidações adicionais.

          Daquele despacho, emitido pelo técnico (confirmado superiormente), consta: “Ora, o sujeito passivo em 2010-03-01, renunciou à isenção de IVA em que estava enquadrado (art. 9º, nº 2)”, acrescentando a final, “Não foram detectadas outras irregularidades, propondo-se o seu deferimento total”, como decorre do documento n.º  15 junto pelo Requerente  (pontos 80.º e 81.º do Pedido Arbitral).

          De facto, o despacho em causa foi proferido tendo por base o pressuposto (erróneo) de a Requerente ter renunciado à isenção. Esta consideração, porém, só vincula a AT no contexto do processo decisório em que tal pressuposto foi considerado, ou seja, no âmbito e para os exclusivos efeitos de decisão do pedido de reembolso.

          Com efeito, importa, em primeiro lugar, salientar que, as liquidações adicionais, enquanto atos tributários, não seguem o regime dos atos administrativos em matéria tributária. Por conseguinte, a AT não está, desta forma, impedida de, dentro do prazo de caducidade, corrigir as declarações do SP.

          O facto de a AT ter partido do pressuposto (erróneo) de que a Requerente havia renunciado à isenção, para efeito de pedido de reembolso, não serve para justificar um enquadramento em sede de IVA que nunca existiu por a Requerente não ter exercido o direito de opção pela tributação das operações respetivas (ou de renúncia à isenção das mesmas), que pressupunha declaração expressa nesse sentido.

          Com o deferimento do pedido de reembolso, a AT fica apenas vinculada a não pôr em causa os efeitos associados ao deferimento do reembolso. Ainda que a pressuposição – relativa à renúncia à isenção – tenha sido incorreta, uma vez formado caso decidido, a decisão de concessão de reembolso torna-se, como dito, imodificável quanto à concessão deste pedido. Tanto não significa que a decisão não assente num vício, mas tão só que aquele ato deixa de poder ser atacável judicialmente com base naquela ilegalidade. Como realça VIEIRA DE ANDRADE, atrás citado, que “a consolidação dos efeitos de actos inválidos, por caducidade do direito de impugnação judicial, não significa (…) que os actos ficam sanados dos respetivos vícios, mas apenas que os seus efeitos se tornam definitivos” (ibidem)

           Finalmente, atendendo aos referidos efeitos (circunscritos) do caso decidido, não há lugar a violação da proteção confiança quando esta assente num ato ilegal. Como ficou consignado no Acórdão do TCA, proc. n.º 1188/02, “a aplicação do princípio da protecção da confiança está dependente de vários pressupostos, desde logo, o que se prende com a necessidade de se ter de estar em face de uma confiança “legítima” o que se passa, em especial, pela sua adequação ao Direito, não podendo invocar-se a violação do princípio da confiança quando este radique num acto anterior claramente ilegal, sendo tal ilegalidade perceptível por aquele que pretenda invocar em seu favor o referido princípio.”

Finalmente, também não há nos autos qualquer evidência de ter havido da parte da AT qualquer violação dos deveres de colaboração com a Requerente. Como ficou dito, dos elementos declarados, a AT só podia concluir que a Requerente não renunciou a qualquer isenção. Ainda que as intenções da Requerente fossem diferentes do que expressou na declaração, a AT não dispunha de condições objetivas que permitissem conhecer tais intenções, como ficou demonstrado.

Termos em que procede o pedido da Requerente apenas quanto à ilegalidade das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, referentes ao ano de 2010, n.ºs …. (relativa ao período 1003T, com o número de Documento de Cobrança…, no valor de € 319.895,18), improcedendo o pedido de anulação quanto às demais.

 

  1.  Do direito a juros indemnizatórios e ao reembolso do imposto indevidamente pago 

 

 A Requerente solicitou, ainda, o pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT. Decorre do número 1 desse artigo que "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido".

Importa então determinar se houve ou não erro imputável aos serviços.

          No caso dos autos, verifica-se que as liquidações impugnadas são parcialmente inválidas, sendo que o erro de que padecem resulta de erro dos serviços, considerando a sua anterior decisão (vinculativa para este efeito) no que diz respeito ao reconhecimento da isenção à renúncia. Por outro lado, as liquidações objeto da presente impugnação foram da exclusiva iniciativa da Administração Tributária e a Requerente em nada contribuiu para que elas fossem efetuadas, pelo que o erro é imputável exclusivamente à própria Administração.

Estamos, efetivamente, perante negligência por parte da Autoridade Tributária, negligência essa que se traduz num “erro imputável aos serviços”, conforme consta do art. 43.º da LGT.

Tendo em conta o estabelecido no artigo 61.º do CPPT e tendo sido verificada a existência de erro imputável aos serviços da Administração Tributária, nos termos descritos, do qual resultou pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (vide art. 43.º/1 da LGT), entendemos que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre o valor de € 319, 895, 18, que serão contados desde a data do pagamento desse montante, até ao integral reembolso dessa mesma quantia.

 

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IV. DECISÃO

Em conformidade com o supra exposto, o Tribunal julga parcialmente procedente o pedido e, em consequência:

a)                  Anula as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, n.ºs … (relativa ao período 1003T, com o nº de Doc. de Cobrança…, no valor de € 319.895,18), referentes ao ano de 2010;

b)                 Julga improcedente o pedido de anulação das demais liquidações impugnadas;

c)                  Condena a Administração Tributária no reembolso da quantia indevidamente paga, no montante de € 319.895,18, acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde a data do pagamento, até ao integral reembolso do mencionado montante.

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V. VALOR DO PROCESSO

Em consonância com o disposto no arts. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, na alínea a), do C.P.P.T. e no art. 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 499.774,83 (quatrocentos e noventa e nove mil, setecentos e setenta e quatro euros e oitenta e três cêntimos).

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VI. CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do R.J.A.T., fixa-se o montante das custas em € 7650 (sete mil seiscentos e cinquenta euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da AT e do SP, na proporção do respetivo decaimento (64% e 36%, respetivamente).

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Lisboa, 22 abril de 2016.

Os Árbitros,

 

(Maria Fernanda dos Santos Maçãs)

 

 

(José Nunes Barata)

 

 

(Emanuel Augusto Vidal Lima