Decisão Arbitral
I – RELATÓRIO
1 –A… CF[1] … residente na Avenida…, nº…–… Esquerdo…-…Lisboa, B…, CF … …, residente na Avenida … nº…,… andar direito …-… Lisboa ; Cabeça de Casal da herança de, NIF…, domiciliada na Avenida … nº …- … Esquerdo –…-…Lisboa, representada por C… CF…, residente na rua … nº … –…direito …-… – Lisboa, D…, CF…, residente na Rua … …,… …-… Cascais, E…, CF…, residente na Avenida … nº…, … Esquerdo…-… Lisboa, F… CF …, residente na Rua … nº … –… Esquerdo Lisboa, G…, CF…, residente na Avenida … nº…, … Direito …-… Lisboa e H…, CF…, residente na Rua…, lote … … Esquerdo…-…LISBOA, em coligação, conforme previsto no artigo 3º nº 1 do RJAT apresentaram em 20/10/2015 um pedido de constituição do tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º1 do artigo 2.º, do n.º 1 do artigo 3.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, todos do RJAT[2], sendo requerida a AT[3], com vista à apreciação da legalidade dos atos tributários de liquidação do IS[4], referentes ao ano de 2012 incidente sobre um prédio urbano sito na Rua … nº …/… com andares e divisões com utilização independente inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo…, área do … serviço de finanças de Lisboa de que são comproprietários os identificados requerentes.
2 – O pedido de constituição do tribunal arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmº Senhor Presidente do CAAD[5] e automaticamente notificado à AT em 21/10/2015.
3 – Nos termos e efeitos do disposto no nº1 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmº Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado Arlindo José Francisco, na qualidade de árbitro, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente estipulado.
4 - O tribunal foi constituído em 04/01/2016 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012 de 31 de dezembro
5 – Com o seu pedido visam, os requerentes, a declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação da verba 28 da TGIS[6] que incidiram sobre o valor patrimonial das partes ou unidades independentes do prédio já identificado com afetação habitacional, tudo como melhor consta no pedido.
6- Invocam para o efeito, em síntese, o seguinte:
6.1- O imóvel, apesar de não estar constituído em propriedade horizontal goza de todos os requisitos que lhe permitem tal constituição.
6.2 – Quer o IMI[7], quer a CA[8] e CP[9] foram sempre calculados sobre o VPT[10] de cada uma das divisões ou andares suscetíveis de utilização independente, tal como de frações de propriedade horizontal se tratasse.
6.3 Se assim não sucedesse há muito que teriam procedido à constituição da propriedade horizontal, pelo que entendem não haver razão para procedimento diverso no âmbito do IS e a AT ao atuar como o fez violou princípios constitucionais da igualdade e o da prevalência da verdade material.
6.4 A verba 28.1 da TGIS prevê a incidência do IS sobre os prédios com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a € 1 000, 000,00, o que não acontece com as divisões ou andares independentes do imóvel em questão e não faz sentido que essa autonomia não seja respeitada, como sempre foi, relativamente à incidência do IMI da CA e da CP, termos em que requer a anulação dos atos de liquidação o reembolso do IS pago indevidamente acrescido de juros indemnizatórios.
7 – Por sua vez a AT, em síntese, entende.
7.1 – Que a verba 28 da TGIS aplica-se ao VPT igual ou superior a € 1 000 000,00, dos prédios urbanos com afetação habitacional.
7.2 – No caso concreto o VPT total é superior a € 1 000 000,00, sendo irrelevante o VPT de cada uma das partes que o componham ainda quando suscetíveis de utilização independente.
7.3 - A unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é afetada, pelo facto das mesmas serem suscetíveis de utilização económica independente.
7.4 – O facto do IMI ser apurado em função do VPT de cada uma das divisões ou andares com utilização económica independente não afeta a aplicação da verba 28 da TGIS à totalidade do VPT do imóvel em questão, concluindo que o IS foi corretamente liquidado, não havendo lugar ao pagamento de juros indemnizatórios., dado não se verificar qualquer erro imputável aos serviços.
II – SANEAMENTO
O tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
Na sua resposta a AT, considerou que a posição das partes está claramente definida e solicitou a dispensa de reunião a que alude o artigo 18º do RJAT bem como da produção de alegações, vindo o tribunal a proferir o seguinte despacho:” Junta a resposta da AT e o respetivo processo administrativo e não havendo qualquer produção de prova posterior à apresentação do pedido de pronúncia arbitral, nem tendo sido suscitadas exceções que seja necessário apreciar antes de conhecer do mérito do pedido, não se vê necessidade de realizar a reunião a que alude o artigo 18º do RJAT nem de haver lugar a alegações. Assim, se as Partes, nada opuserem, no prazo de 10 dias, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT) dispensa-se a realização da reunião prevista no artigo 18.º e alegações, prosseguindo o processo para decisão final. Indica-se o dia 17-03-2016 para prolação da mesma, devendo a requerente, até à referida data, fazer prova, junto do CAAD, do pagamento da taxa arbitral subsequente”.
Nada foi dito e não padecendo o processo de nulidades, consideramos reunidas as condições para ser proferida a decisão.
III – FUNDAMENTAÇÃO
1 – Questões a dirimir nos presentes autos
1.1 Saber se a verba 28.1 da TGIS se aplica ao somatório dos VPT das partes ou divisões suscetíveis de utilização independente, destinadas à habitação quando ele seja igual ou superior a € 1 000 000,00, ou, apenas se aplica, sobre o VPT individual de cada uma delas quando o mesmo seja igual ou superior a € 1 000 000,00, tal como acontece no caso dos prédios em propriedade horizontal.
1.2 A ser declarado procedente o pedido de pronúncia se haverá lugar ou não ao pagamento de juros indemnizatórios sobre os valores pagos pela requerente.
2 – Matéria de facto
A matéria de facto relevante e provada com base nos elementos juntos aos autos é a seguinte:
a) Os requerentes são comproprietários do imóvel já identificado e pediram a revisão oficiosa das liquidações aqui postas em crise que veio a ser indeferido pelos órgãos competentes da AT.
b) O prédio está inscrito na matriz em propriedade total, composto por 5 pisos com direito e esquerdo, divisões com utilização independente afetos à habitação.
c) O IS em questão foi apurado sobre o VPT de cada divisão com utilização independente, embora o VPT de cada uma seja inferior a € 1000 000,00.
d) As liquidações questionadas foram pagas pelos requerentes no período da respetiva cobrança voluntária
2 – Matéria De Direito
a) A questão a resolver é saber se de acordo com o disposto na verba 28.1 da TGIS se deverá ou não considerar o somatório do VPT de cada uma das partes ou divisões suscetíveis de utilização independente, uma vez que nenhuma delas tem valor igual ou superior a €1 000 000,00 ou, se deveremos atender ao seu VPT, individual, para efeitos de tributação em IS.
b) Tendo em conta que o CIS[11] remete para o CIMI[12] a regulação do conceito de prédio e das matérias não reguladas quanto à verba 28 da TGIS (nº 6 do artigo 1º e nº2 do artigo 67º ambos do CIS) é no CIMI que teremos de observar os conceitos que nos permitam dirimir a questão.
c) O conceito generalista de prédio consta no artigo 2.º do CIMI, no artigo 3.º do mesmo diploma o legislador, usando critérios de afetação e localização estabeleceu o conceito de prédios rústicos, vindo depois, numa classificação pela negativa, no seu artigo 4.º estabelecer que prédios urbanos serão todos os que não devem ser classificados como rústicos.
d) O artigo 6.º do CIMI divide os prédios urbanos em habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros.
e) No caso concreto estamos em presença de prédio urbano com 10 partes ou divisões suscetíveis de utilização independente com afetação habitacional.
f) Cada uma das partes ou divisões suscetíveis de utilização independente que compõem o imóvel em questão preenche o conceito de prédio estabelecido no artigo 2.º do CIMI, na medida em que elas são física e economicamente independentes e fazem parte de um património.
g) Nos termos do n.º 4 do artigo 2.º do CIMI cada fração autónoma, no regime de propriedade horizontal é havida como constituindo um prédio, mas não existe nada na lei que permita fazer a discriminação entre prédios em propriedade horizontal e vertical, relativamente à sua identificação como prédios urbanos habitacionais.
h) Nem se diga que a inscrição matricial de cada parte suscetível de utilização independente não é autónomo por matriz, o sistema é semelhante ao da propriedade horizontal, na verdade neste regime há só um artigo e as respetivas frações pertencem a esse artigo, tal como na propriedade vertical há só um artigo e as partes suscetíveis de utilização independente pertencem a esse artigo.
i) Não há suporte legal para a tributação em IS das partes ou divisões com utilização independente com afetação habitacional, preenchendo, cada uma delas, o conceito de prédio enunciado no artigo 2.º do CIMI, que tenham um VPT inferior a € 1 000 000,00, requisito exigível para haver tributação em IS.
j) Nem se diga que há uma diferente valoração e tributação de um imóvel em propriedade total com partes ou divisões suscetíveis de utilização independente, face a um imóvel em propriedade horizontal. Na verdade ela não existe em IMI tal como não poderá existir em IS, uma vez que, a legislação aplicável é a mesma, com as devidas adaptações.
k) O critério de tributação tem que ser uniforme, isto é, se uma fração habitacional de um prédio em propriedade horizontal só é tributada em IS se o seu VPT for igual ou superior a. € 1 000 000,00, igualmente um andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente de um prédio em propriedade vertical com afetação habitacional só será tributada em IS se o seu VPT for igual ou superior a € 1 000 000,00.
l) Como já se disse o andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente de um prédio em propriedade vertical reúne o conceito de prédio estabelecido no CIMI, tal como as frações autónomas dos prédios em propriedade horizontal.
m) Nesta perspetiva e considerando que nenhuma das partes ou divisões suscetíveis de utilização independente com destino ou afetação habitacional tem VPT igual ou superior a € 1000 000,00 forçoso é concluir que os atos de liquidação do IS são ilegais por não ter sido observado as condições definidas na verba 28 da TGIS.
n) O critério usado pela AT ao considerar o somatório dos VPT das partes ou divisões suscetíveis de utilização independente, argumentando que o prédio não está constituído em propriedade horizontal, carece de sustentação legal, sendo o contrário que resulta da aplicação das normas do CIMI, aplicável por remissão.
o) Do ponto de vista do tribunal, independentemente da questão da constitucionalidade da verba 28.1 da TGIS já decidida no acórdão do TC[13] 590/2015, o que está em causa é a aplicação da norma feita pela AT, ao tributar individualmente valores patrimoniais inferiores a € 1 000 000,00, situação contrária à previsão da norma.
3 - Juros Indemnizatórios
a) Sendo declarada a ilegalidade da dívida e a consequente anulação, a AT fica obrigada a reconstituir a situação que existiria se o ato de liquidação anulado não tivesse sido praticado, de harmonia com as disposições contidas no artigo 100.º da LGT[14].
b) Neste sentido se pronuncia Diogo Leite Campos/Benjamim Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa em anotação ao aludido artigo 100.º da LGT, 2ª edição.
c) Deste modo, verificando-se que a AT aplicou a verba 28.1 da TGIS a valores inferiores à previsão da norma (€1 000 000,00), sem o adequado suporte legal, e face ao comprovado pagamento, entende-se que a requerente tem direito ao pagamento de juros indemnizatórios nos precisos termos do nº 1 do artigo 43.º da LGT e artigo 61.º do CPPT[15], aplicáveis por força do nº 1 alíneas a), b) e c) do artigo 29.º do RJAT.
IV DISPOSITIVO
Face ao exposto o tribunal decide o seguinte:
a) Declarar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação dos atos de liquidação do IS aqui impugnados respeitantes ano de 2012 no montante global de € 16 178,34
b) Fixar o valor do processo em €16 178,34, considerando as disposições contidas no artigos 299.º n.º 1 do CPC[16], 97-A do CPPT e artigo 3.º n.º 2 do RCPAT[17].
c) Declarar a obrigatoriedade da AT reembolsar o imposto comprovadamente pago acrescido de juros indemnizatórios, calculados à taxa legal, desde a data em que ocorreu o pagamento e a data em que ocorra o reembolso.
d) Custa a cargo da requerida, ao abrigo do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, fixando o seu montante em € 1 224,00 de harmonia com a tabela I do RCPAT.
Notifique.
Lisboa, 17 de Março de 2016
Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 131º nº 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e por mim revisto.
O árbitro singular,
Arlindo José Francisco
[1] Acrónimo de Contribuinte Fiscal.
[2] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.
[3] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira.
[4] Acrónimo de Imposto do Selo.
[5] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa.
[6] Acrónimo de Tabela Geral do Imposto do Selo.
[7] Acrónimo de Imposto Municipal sobre Imóveis.
[8] Acrónimo de Contribuição Autárquica.
[9] Acrónimo de Contribuição Predial.
[10] Acrónimo de Valor Patrimonial Tributário.
[11] Acrónimo de Código do Imposto do selo.
[12] Acrónimo de Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.
[13] Acrónimo de Tribunal Constitucional.
[14] Acrónimo de Lei Geral Tributária.
[15] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário.
[16] Acrónimo de Código de Processo Civil.
[17] Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.