Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 673/2015-T
Data da decisão: 2016-04-28  IRC  
Valor do pedido: € 245.003,10
Tema: IRC - Tributações autónomas; CFEI; pagamentos especiais por conta
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CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 673/2015-T

Tema: IRC - Tributações autónomas; CFEI; pagamentos especiais por conta

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Decisão Arbitral

 

Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. A. Sérgio de Matos e Dr. Luís Miranda da Rocha, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 15-01-2016, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A…, S. A., pessoa colectiva n.º…, com sede na …, n.º…, …-…Carnaxide, doravante designada por “A…” ou “Requerente”, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (doravante RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

A Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa que apresentou das autoliquidações de IRC relativas aos exercícios de 2012 e 2013, na medida correspondente à não dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma do pagamento especial por conta efectuado em sede de IRC, e, bem assim, a ilegalidade daquelas autoliquidações nas partes que reflectem a não dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma do pagamento especial por conta efectuado em sede de IRC e de Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI), que originou um montante de imposto que a Requerente considera indevidamente liquidado no valor de € 57.556,00 quanto a 2012, de € 73.851,36 quanto ao primeiro período de tributação de 2013, e de € 113.595,74 quanto ao segundo período de tributação iniciado em 2013.

No artigo 109.º do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente formula ainda um pedido subsidiário nos seguintes termos:

Num cenário em que (...) se entenda se entenda não ser possível efectuar a dedução dos benefícios fiscais e dos pagamentos especiais por conta disponíveis para utilização aos montantes devidos a título de tributações autónomas, argumentando que, apesar de na sua essência as tributações autónomas serem IRC, a sua liquidação não tem enquadramento na norma de liquidação do IRC consagrada no artigo 90.º do Código do IRC (o que apenas como mera hipótese teórica se concebe), então a requerente solicita que, a título subsidiário, seja anulada a autoliquidação dos períodos de tributação de 2012 e de 2013, na parcela correspondente às tributações autónomas, e que ascende a € 180.800,80 (2012), € 73.851,36 (2013, primeiro período) e € 113.595,74 (2013, segundo período), respectivamente, pelo facto de as mesmas terem sido liquidadas e cobradas sem base legal para o efeito».

            A Requerente pede ainda o reembolso daquelas quantias acrescido de juros indemnizatórios desde 31 de Maio de 2013 quanto a € 57.556,00, desde 1 de Janeiro de 2014 quanto a € 73.851,36, e desde 1 de Janeiro de 2015 quanto a € 113.595,74.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 13-11-2015.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 30-12-2015 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 15-01-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 18-02-2016, decidiu-se dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações.

As partes apresentaram alegações.

Já depois de apresentadas as alegações foi publicada a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que contém uma norma denominada como interpretativa sobre tributações autónomas, pelo que as Partes foram notificadas para se pronunciarem, o que fizeram.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)      A Requerente entregou no dia 24-05-2013, a sua declaração de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2012 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

b)      A Requerente apresentou em 27-02-2014 a sua declaração de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2013 (período de 01-01-2013 a 30-09-2013) (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

c)      A Requerente entregou, no dia 25-02-2015, a sua declaração de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2013 (período de 01-10-2013 a 30-09-2014 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

d)     No exercício de 2012, a A… apurou um prejuízo para efeitos fiscais de € 25.499.416,99 e um montante total de imposto a pagar de € 105.669,49, o qual se encontra pago (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), e o qual resultou de uma colecta de tributações autónomas no montante de € 180.800,80, deduzida de retenções na fonte suportadas no montante de € 75.131,31, a cuja reembolso a A… tinha direito (documento n.º 1);

e)      Com respeito ao primeiro período do exercício de 2013, de acordo com a declaração de rendimentos entregue, a A… apurou um prejuízo para efeitos fiscais de € 9.924.629,05 e um montante total de imposto a recuperar de € 21.950,07, o qual resultou de uma colecta de tributações autónomas no montante de € 73.851,36, deduzida de retenções na fonte suportadas no montante de € 95.801,43, a cujo reembolso a A… tinha direito (documento n.º 2).

f)       Com respeito ao segundo período do exercício de 2013, de acordo com a declaração de rendimentos entregue, a A… apurou um prejuízo para efeitos fiscais de € 7.814.820,96 e um montante total de imposto a recuperar de € 29.094,05, o qual resultou de uma colecta de tributações autónomas no montante de € 113.595,74, deduzida de retenções na fonte suportadas no montante de € 142.689,79, a cujo reembolso a A… tinha direito (documento n.º 3);

g)      Nas declarações referidas a Requerente não deduziu pagamentos especiais por conta nem benefícios fiscais à colecta de IRC;

h)      Nos exercícios referidos, a Autoridade Tributária e Aduaneira não apurou o lucro tributável da A… por métodos indirectos, tendo ele sido apurado com base nos documentos n.ºs 1 a 3, juntos com o pedido de pronúncia arbitral;

i)        A Requerente não é e não era então entidade devedora ao Estado e à segurança social de quaisquer impostos ou contribuições (certidões juntas como documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

j)        O sistema informático da AT, através do qual é autoliquidado o IRC, não permite que os contribuintes deduzam, para efeitos do apuramento do IRC por si devido, ao imposto resultante das tributações autónomas apuradas, os montantes de pagamentos especiais por conta e os montantes de benefício fiscal do CFEI;

k)      A Requerente apresentou reclamação graciosa das autoliquidações efectuadas com base nas declarações modelo 22 que constam dos documentos n.ºs 1 a 3;

l)        A Requerente foi notificada do projecto de indeferimento de reclamação graciosa cuja cópia consta do documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se manifesta concordância com uma informação em que se refere, além do mais, o seguinte:

§ V.I.II. Da apreciação

Questão prévia: dos exercícios a que se reportam as liquidações ora em crise

14. Na sua petição, a reclamante alega que «procedeu à entrega das declarações de rendimentos Modelo 22 IRC com referência aos períodos de tributação de 2012, 2013 e 2014», associando expressamente a declaração entregue em 25.02.2015, como o número de identificação …-…-…, a este último período.

15. Ora, é certo que, no ano de 2013, a reclamante alterou o seu período anual de tributação, tendo este deixado de ser coincidente com o ano civil.

16. Encontra-se este facto reflectido nas declarações entregues com os n.ºs de identificação …-… -…, de 27.02.2014 e …-… -…, de 25.02.2015, abrangendo a primeira o período de tributação de 01.01.2013 a 30.09.2013 e a última o período de 01.10.2013 a 30.09.2014.

17. No entanto, nos termos do CIRC, é considerado período de tributação, aquele cujo primeiro dia se refira a esse ano.

18. Por exemplo, ao ano fiscal de 01-04-2012 a 31-03-2013 corresponde o período de tributação de 2012. No ano da transição, teremos pois dois períodos fiscais de 2012: um período que decorre de 01-01-2012 a 31-03-2012 e outro que decorre de 01-04-2012 a 31-03-2013.

19. Deste modo, não é correcto atribuir ao período de tributação de 2014 a liquidação resultante da declaração Mod. 22 IRC n.º…-… -…, respeitando esta ao período de 2013.

20. Analisada a petição da Reclamante, verificamos que a questão que cumpre apreciar nos presentes autos consiste em saber se o montante pago a título de tributações autónomas deve ser entendido como parte integrante da colecta de IRC, para efeitos de dedução do montante atribuído no âmbito do CFEI e dos pagamentos especiais por conta.

21. Na análise desta questão, haverá, desde logo, que apurar em que termos e condições eram atribuídos o benefício fiscal no âmbito do regime instituído pelo CFEI.

22. Ora, o CFEI foi criado pelo Lei n.º 49/2013, de 16 de Julho, estabelecendo um conjunto de medidas tendentes à promoção do investimento e da competitividade.

23. Este crédito fiscal correspondia a uma dedução à coleta de IRC de 20% do valor das despesas de investimento em activos afectos à exploração, que fossem efectuadas entre 1 de Junho de 2013 e 31 de Dezembro de 2013.

24. Eram elegíveis, para efeitos do CFEI, as seguintes despesas:

«Despesas de investimento em activos afectos à exploração – i.e. as despesas relativas a ativos fixos tangíveis (ex: maquinaria) e activos biológicos que não sejam consumíveis, adquiridos em estado de novo (os terrenos não são considerados ativos adquiridos em estado novo) e que entrem em funcionamento ou utilização até ao final do período de tributação que se inicie em ou após 1 de janeiro de 2014.

• Despesas com projetos de desenvolvimento

» Despesas com elementos da propriedade industrial (ex: patentes, marcas, alvarás, processos de produção, modelos ou outros direitos assimilados, adquiridos a título oneroso e cuja utilização exclusiva seja reconhecida por um período limitado de tempo)

25. Podiam beneficiar deste regime de apoio ao investimento os sujeitos passivos de IRC que exercessem, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, desde que, cumulativamente:

«Dispusessem de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade;

O seu lucro tributável não fosse determinado por métodos indirectos; e

Tivessem a sua situação fiscal e contributiva regularizada».

26. De entre as suas condições de aplicação, destacavam-se as seguintes:

 As despesas elegíveis deviam ser efectuadas entre 1 de Junho de 2013 e 31 de Dezembro de 2013;

O valor máximo das despesas de investimento elegíveis era de € 5.000.000,00 por sujeito passivo;

• A dedução era efectuada na liquidação de IRC respeitante ao período de tributação que se iniciasse em 2013, até à concorrência de 70% da colecta deste imposto;

 Para os sujeitos passivos que adoptem um período de tributação diferente do ano civil e com início após 1 de Junho de 2013, as despesas relevantes para efeitos da dedução eram as efectuadas em activos elegíveis desde o início do referido período até ao final do sétimo mês seguinte;

27. Vemos, assim, que no âmbito do CFEI o benefício fiscal consubstanciava-se na dedução à colecta do IRC de uma percentagem do investimento em activos afectos à exploração no período de 2013.

28. Não obstante este breve excurso pelo regime jurídico instituído pelo CFEI, subsiste a questão de saber se o montante pago a título de tributações autónomas deve ser entendido como parte integrante da colecta de IRC.

29. Na demanda por uma resposta a esta questão, impõe-se apurar (i) quais as realidades abarcadas pela expressão «colecta de IRC», dentro da disciplina jurídica vigente no CIRC, e (ii) averiguar se o facto das tributações autónomas terem natureza de IRC – como unanimemente vem aceitando a jurisprudência do CAAD – permite a inferência lógica de que integram a colecta de IRC.

30. Sobre a matéria da liquidação do IRC, importa referir que a colecta deste imposto tem por base a matéria colectável constante das declarações.

31. A matéria colectável obtém-se pela dedução ao lucro tributável dos montantes correspondentes a prejuízos fiscais e benefícios fiscais dedutíveis ao lucro tributável (cfr. art. 15.º, n.º 1, al. a), do Código do IRC.

32. Por seu turno, o lucro tributável é «constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos do [Código do IRC]».

33. Apurada a matéria colectável, aplicar-se-lhe-á, a seguir, a respectiva taxa, apurando-se, deste modo, a correspondente colecta de IRC.

34. É a esta colecta de IRC que o n.º 2, do art. 90.º, do Código deste imposto determina a realização das deduções relativas ao crédito por dupla tributação internacional, aos benefícios fiscais, ao pagamento especial por conta e às retenções na fonte.

35. Enunciados os termos em que se processa a liquidação do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, no que respeita às entidades previstas na al. a), do n.º 1, do art.3.º do Código do IRC, podemos referir com segurança que este diploma legal não previu a possibilidade de se efectuarem as deduções previstas no n.º 2 do seu art. 90.º ao montante devido a título de tributação autónoma.

36. Com efeito, se tivesse sido essa a intenção, o legislador tê-lo-ia referido expressamente, dispondo no sentido de que ao montante apurado nos termos do número anterior e do art. 88.º são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada.

37. Ora, na tarefa interpretativa do sentido das normas «não pode (...) ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso», devendo-se presumir que «o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados».

38. «O texto é o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, uma função negativa, que é a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio no texto de lei».

39. Efectuar as deduções previstas no n.º 2 do art. 90.º do Código do IRC ao montante respeitante às tributações autónomas é um sentido que não encontra qualquer suporte no texto legal, não podendo, por isso, vingar tal interpretação.

40. O mesmo resultado é obtido através do recurso a factores interpretativos de ordem sistemática, como veremos através da abordagem do regime de transparência fiscal previsto no Código do IRC.

41. Neste regime, a matéria colectável gerada pelas entidades por ele abrangidas é imputada aos respectivos sócios «integrando-se no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC».

42. Daí que, as deduções previstas no n.º 2, do art. 90.º, do Código do IRC, respeitantes às sociedades abrangidas pelo regime de transparência fiscal, são imputadas aos respectivos sócios, sendo deduzidas ao montante de colecta apurado com base na matéria colectável que lhes haja sido imputada nos termos do art. 6.º, do Código do IRC.

43. Assim, as sociedades abrangidas por este regime não são tributadas em IRC, excepto relativamente às tributações autónomas. É o que refere o art. 12.º, do Código do IRC.

44. Verifica-se, portanto, que a colecta de IRC apurada relativamente a cada um dos sócios não engloba qualquer valor referente a tributação autónoma, sendo o pagamento desta imputável exclusivamente às sociedades.

45. Desta forma, é aqui expressamente determinada a impossibilidade de deduzir às tributações autónomas as deduções previstas no n.º 2 do art. 90.º do Código do IRC, na medida em que aquelas não integram a colecta que cada um dos sócios determinará pela aplicação da taxa à matéria colectável que lhes haja sido imputada, nos termos do regime de transparência fiscal.

46. Partindo-se do pressuposto de que as normas contidas numa codificação obedecem por princípio a um pensamento unitário, então haverá que admitir que o legislador pretendeu soluções semelhantes para as outras entidades sujeitas a IRC.

47. Por conseguinte, não se encontram razões para que existam diferenças significativas, ao nível das deduções à colecta, entre as sociedades sujeitas e não sujeitas ao regime de transparência fiscal.

48. A isto haverá que somar, agora numa perspectiva teleológica, o propósito de manter intocado o efeito dissuasor que o legislador visou atingir com as tributações autónomas relativamente a realização de determinadas despesas.

49. Como é bem de ver, visando as tributações autónomas reduzir a vantagem fiscal alcançada com a dedução ao lucro tributável dos custos sobre os quais incide e ainda combater a evasão fiscal que algumas destas despesas, pela sua natureza, potencia, não poderá ela mesma, através da consideração do seu montante para efeito de dedução de benefícios, constituir factor de redução dessa diminuição de vantagem pretendida e determinada pelo legislador.

50. Aliás, a admissão desta possibilidade constituiria, em alguns casos, um incentivo ao aumento das situações de incidência de tributação autónoma.

51. Considere-se, por exemplo, a verificação concomitante, no mesmo período tributação, da inexistência de colecta de IRC com o facto de se tratar do último exercício para a dedução de um determinado benefício fiscal, para se registar um aumento de situações de incidência de tributação autónoma, a coberto do bloqueio da tributação-regra.

(ii)

52. Analisemos, agora, se o facto das tributações autónomas terem a natureza de IRC permite a inferência lógica de que se lhes aplicam as normas dirigidas ao IRC, tal como o art. 90.º do Código do IRC.

53. Comece-se por assinalar que o facto das tributações autónomas terem natureza de IRC não significa que se possa aplicar a esta figura todo o bloco legal previsto no Código deste imposto.

54. Com efeito, sendo certo que as tributações autónomas têm natureza de IRC, não se pode olvidar que elas tributam despesa e não rendimento, oneram determinados encargos incorridos pelas empresas e apuram-se de forma totalmente independente do IRC.

55. Na verdade, contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), nas tributações autónomas tributa-se cada despesa efectuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar directamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo e, por isso, passível de tributação.

56. Assim, e no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. art. 8.º, n.º 9, do Código do IRC).

57. Já no que respeita a tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo.

58. Por esta razão, Sérgio Vasques (cfr. Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2011, pág. 293, nota 470) chama a atenção para a circunstância de os impostos sobre o rendimento contemplarem elementos de obrigação única, como as taxas liberatórias do IRS ou as taxas de tributação autónoma do IRC.

59. Do que se acabou de referir, decorre que às tributações autónomas, não obstante a sua natureza de IRC, apenas são aplicáveis, em face das apontadas especificidades, as normas que no Código do IRC a elas se destinam, e não aquelas que visam regular a tributação do conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano, abarcando matérias como a incidência, a determinação da matéria colectável, taxa, a liquidação e cobrança.

60. Tendo em conta o referido nesta sede, entendemos que ficou claramente demonstrada a total ausência de validade dos argumentos apresentados pela Requerente, em defesa da possibilidade de deduzir os benefícios fiscais ao montante das tributações autónomas.

Para além do exposto, refira-se, por fim, que o entendimento de que o art. 90.º do CIRC se refere às formas de liquidação do IRC, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, inclusive a das tributações autónomas, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação, não nos parece o melhor enquadramento da questão em exame, descortinando-se quatro ordens de razões para sufragar entendimento diferente.

A) Texto legal

62. O art. 90.º, n.1, al. a) dispõe que a liquidação de IRC se faz com base na matéria colectável constante das declarações de rendimentos apresentadas pelo sujeito passivo.

63. E, quanto à «definição da matéria colectável», dispõe, para o que ora releva, o n.º 1 do art. 15.º do CIRC que «para efeitos deste Código: a) Relativamente às pessoas colectivas e entidades referidas na alínea a) do n.º 1 do art. 3.º, a matéria colectável obtém-se pela dedução ao lucro tributável, determinado nos termos dos artigos 17.º e seguintes, dos montantes correspondentes a: 1) prejuízos fiscais, nos termos do art. 52.º; 2) benefícios fiscais eventualmente existentes que consistam em deduções naquele lucro».

64. Como magistralmente refere Baptista Machado, «o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto que o legislador soube exprimir correctamente o seu pensamento».

65. Assim, a expressão «matéria colectável» não pode ser interpretada como abrangendo o valor tributável a que se aplicam as taxas de tributação autónoma. É o próprio art. 15.º que define o que, para efeitos do Código do IRC, se deve entender por matéria colectável.

B) Experimentação da hipótese defendida no acórdão: aplicação do art. 90.º do CIRC às tributações autónomas

66. Por outro lado, não basta alegar que o art. 90.º do CIRC se aplica à liquidação das tributações autónomas.

67. Para que seja atribuída validade a este entendimento, importa fazer a demonstração da sua alegada aplicabilidade em termos concretos.

68. Uma vez que a reclamante não efectuou qualquer demonstração a propósito, procuremos, então, averiguar da compatibilidade desse artigo com a posição ora em análise.

69. Como é sabido, as normas de liquidação são as que disciplinam as operações de liquidação, consistindo estas «na aplicação da taxa de imposto à matéria colectável, para determinação da colecta, do quantitativo da prestação tributária».

70. Da leitura do capítulo referente à liquidação, não só do Código do IRC, mas também do Código do IRS ou até, por exemplo, do Código do IVA, verifica-se que nele estão incluídas diversas normas referentes a deduções a efectuar à colecta.

71. Estas normas, dada a sua função no apuramento do quantitativo da prestação tributária, constituem-se, portanto, como normas ligadas à liquidação.

72. Estas normas encontram-se previstas, ao nível do IRC, no artigo 90.º, n.º 2, no qual se dispõe que «ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada: a) a correspondente ao crédito por dupla tributação internacional; b) a relativa a benefícios fiscais; c) a relativa ao pagamento especial por conta (...); d) a relativa a retenções na fonte (...)».

73. Ora, se o artigo 90.º, n.º 1 também respeita à liquidação das tributações autónomas, então, em princípio, a estas também será possível efectuar as deduções previstas no n.º 2 do mesmo artigo.

74. Portanto, não só o caso dos benefícios fiscais, mas também, por exemplo, as situações de retenção na fonte ou de dupla tributação internacional seriam dedutíveis ao montante apurado a título de tributações autónomas.

75. Ora, se assim é, é legítimo então questionar por que razão é regulada no n.º 12 do art 88.º do CIRC uma matéria relativa à liquidação das tributações autónomas, quando, a fazer fé no entendimento da Reclamante, a mesma deveria estar prevista no art. 90.º do CIRC, dado ser este o dispositivo legal que dispõe sobre a liquidação das tributações autónomas.

76. Com efeito, dispõe o n.º 12 do art. 88.º do CIRC que «ao montante do imposto determinado, de acordo com o disposto no número anterior, é deduzido o imposto que eventualmente tenha sido retido na fonte, não podendo nesse caso o imposto retido ser deduzido ao abrigo do n.º 2 do art. 90.º».

77. Por seu lado, nos termos do n.º 11 do art. 88.º do CIRC, «são tributados autonomamente, à taxa de 25 %, os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial, abrangendo, neste caso, os rendimentos de capitais, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período».

78. Deste modo, se o art. 90.º do CIRC fosse aplicável à liquidação do montante das tributações autónomas, seguir-se-ia necessariamente que a dedução do imposto retido na fonte na situação prevista no n.º 11 do art. 88.º do CIRC seria efectuada de acordo com a alínea d), do n.º 2 do citado art. 90.º.

79. Pois, segundo este artigo, à liquidação do IRC – que, segundo o entendimento da Reclamante, compreende o montante de tributações autónomas –, são efectuadas as deduções relativas «[às] retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável».

80. Todavia, não é isso que se verifica, pois o legislador, pelo contrário, optou por regular uma matéria referente à liquidação das tributações autónomas no artigo em que prevê as respectivas situações de incidência, base tributável e taxas (art. 88.º).

81. Excluindo, expressamente, nesse n.º 12 do art. 88.º do CIRC, a aplicabilidade do n.º 2 do art. 90.º do mesmo Código à liquidação da tributação autónoma.

82. Portanto, o montante eventualmente retido na fonte na situação prevista no n.º 11 do art. 88.º do CIRC é deduzido à liquidação da tributação autónoma por aplicação do art. 88.º, n.º 12 do CIRC, e não pelo art. 90.º, n.º 2 al. d) do referido Código.

83. Denota-se, aqui, a existência de uma primeira incompatibilidade na aplicação do n.º 2 do artigo 90.º ao montante liquidado a título de tributações autónomas.

84. Na verdade, quando seria de supor que, na situação prevista no n.º 11 do art. 88.º do CIRC, a dedução da retenção na fonte fosse efectuada de acordo com a alínea c) do n.º 2 do art. 90.º do mesmo Código, verifica-se que tal hipótese é expressamente afastada pelo n.º 12, daquele art. 88.º.

85. Outra dificuldade que emergirá da aplicação do n.º 2 do art. 90.º do CIRC será a da dedução do crédito por dupla tributação internacional ao montante liquidado a título de tributação autónoma.

86. De acordo com o n.º 1 do art. 91º do CIRC, a dedução do crédito por dupla tributação internacional é apenas aplicável quando na matéria colectável tenham sido incluídos rendimentos obtidos no estrangeiro.

87. Contudo, na matéria tributável das tributações autónomas não estão incluídos rendimentos, mas apenas a realização de determinadas despesas.

88. Desta forma, ao nível das tributações autónomas, não é possível falar em rendimentos obtidos no estrangeiro incluídos na matéria colectável.

89. Do que se referiu decorre que, ao nível das tributações autónomas, não é possível deduzir qualquer crédito de imposto por dupla tributação internacional.

90. Estamos, assim, na presença de mais um caso de incompatibilidade na aplicação do n.º 2 do artigo 90.º ao montante liquidado a título de tributações autónomas.

91. Mas essas incompatibilidades não se registam apenas ao nível do n.º 2, verificando-se igualmente noutros números do artigo 90.º do CIRC.

92. É o caso do n.º 4, do art. 90.º do CIRC, que respeita à dedução relativa a retenções na fonte de que possam beneficiar as entidades que não tenham sede, nem direcção efectiva em território português, e que neste obtenham rendimentos não imputáveis a estabelecimento estável aí situado.

93. Pois neste número verifica-se, igualmente, a sua inaplicabilidade à situação das tributações autónomas, na medida em que as referidas entidades não integram o âmbito de incidência subjectiva desta tributação, conforme decorre do disposto do art.ºs 3.º, n.º 1, alínea d), 88.º, 120.º, n.ºs 4 e 5 do CIRC.

94. Para além disso, e como acima se deixou demonstrado, no regime da transparência fiscal a colecta de IRC apurada relativamente a cada um dos sócios não engloba qualquer valor referente a tributação autónoma, sendo o pagamento desta imputável exclusivamente às sociedades.

95. Por isso, o art 90.º, n.º 5 do CIRC determina expressamente a impossibilidade de deduzir às tributações autónomas as deduções previstas no n.º 2 do art. 90.º do Código do IRC, dado que aquelas não integram a colecta que cada um dos sócios determinará pela aplicação da taxa à matéria colectável que lhes haja sido imputada, nos termos do regime de transparência fiscal.

96. No que respeita ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (art. 88.º do n.º 6 CIRC), verificam-se, de igual modo, as dificuldades atrás apontadas para as deduções referidas no n.º 2 do art. 90.º do CSRC ao montante de tributações autónomas apurados no grupo.

97. Do que vimos referindo, constata-se a existência de um conjunto enorme de incompatibilidades na aplicação do art. 90.º do CIRC à figura das tributações autónomas, que apontam para a incorrecção da posição defendida pela Reclamante.

C) Das diversas alterações ao Código IRC sem reflexo na redacção dos artigos 88.º e 90.º com vista à eliminação das dificuldades de aplicação atrás elencadas.

98. Incompatibilidades que poderiam ter sido corrigidas pelo legislador ao longo das diversas reformas fiscais com reflexos no imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas.

99. Ora, se antes da incorporação da figura da tributação autónoma no Código do IRC, os n.º 1 (n.º 2 do art. 90.º do CIRC (então art. 71.º) tinham a redacção seguinte:

(...)

100. Após a inclusão das tributações autónomas no Código do IRC, através da Lei n.º 30-G/2000, que passou a ter a redacção infra, não se verificou qualquer alteração substancial no texto do art. 90.º do CIRC (então art.71.º).

(...)

101. Daí que, a ser válida a tese da reclamante, se justificaria, aquando da reforma fiscal operada pela Lei n.º 30- G/2000 ou em alterações posteriores, a realização de alterações ao texto do art. 90.º do CIRC, com o intuito de debelar as dificuldade/impossibilidade de aplicação atrás referidas, com a consequente adaptação da norma às tributações autónomas, situação que, como ficou demonstrado, nunca ocorreu.

D - Norma de liquidação das tributações autónomas: art. 88.º do CIRC

102. Aqui chegados, notamos que todas estas razões, que vimos de elencar, apontam no sentido da falta de validade da posição sufragada pela Reclamante, levando-nos a considerar que o art. 90.º do CIRC não se aplica às tributações autónomas.

103. Mas, a ser assim, será que estamos perante (i) um caso em que existe uma lacuna na lei e, sendo esta uma lei fiscal, não permite integração ou (ii) uma situação em que aceitar que a liquidação das tributações autónomas se faça fora do art. 90.º, n.º 1 do CIRC, seria obrigar o contribuinte a pagar um imposto cuja liquidação não se faz nos termos da lei, contrariando o n.º 3 do art.º 103.º da Constituição da República Portuguesa e o princípio da legalidade tributária que a Lei Geral tributária, no seu art. 8.º, n.º 2, alínea a) estabelece.

104. Já se demonstrou que a liquidação das tributações autónomas não requer a aplicação do art. 90.º do CIRC, existindo uma forte incompatibilidade entre aquela figura e este artigo.

105. Ora, antes da sua incorporação no Código do IRC, a tributação autónoma em IRC encontrava-se prevista em diploma avulso, concretamente, no art. 4.º do Decreto-lei n.º 192/90, de 9.06, cuja redacção foi sofrendo diversas alterações, que lhe foram dadas, respectivamente, pelas Leis n.ºs 52-C/96, de 27.02, 87-B/98, de 31.12, 3-B72000, de 29.04, conforme de seguida se transcreve:

Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho

«Art.4.º

As despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respectivo Código são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa de 10% sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do art. 41.º do CIRC.»

A Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro, alterou este art.4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, estabelecendo o seguinte:

«Art.4.º

1 – As despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas, ou por sujeitos passivos de IRC, são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, consoante os casos, a uma taxa de 30%, sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do art. 41.º do Código do IRC

2 – A taxa referida no número anterior será elevada para 40% nos casos em que tais despesas sejam efectuadas por sujeitos passivos de IRC, total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola.»

A Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro, voltou a alterara art.4.º, dando-lhe a seguinte redacção.

«Art. 4.º

1 – As despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas, ou por sujeitos passivos de IRC, são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, consoante os Casos, a uma taxa de 32%, sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º l do art.41.º do Código do IRC.

2 – A taxa referida no número anterior será elevada para 60% nos casos em que to/i despesas sejam efectuadas por sujeitos passivos de IRC, total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam, a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola.»

A lei n. º 3-B/2000, de 29.04, alterou o art.4ºdo Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho, dando-lhe a seguinte redacção:

«Art. 4-.º

1 – ...

2 – ...

3 – As despesas de representação e os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros efectuadas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas, ou por sujeitos passivos de IRC não isentos e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, consoante os casos, a uma taxa de 6,4%.

4 – Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, nomeadamente, as reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, despesas com manutenção e conservação, combustíveis e o imposto municipal sobre veículos.

5 – Excluem-se do disposto no n.º 3 os encargos relacionados com viaturas afectas à exploração de serviço público de transportes ou destinadas a serem alugadas no exercício da actividade normal do sujeito passivo.

6 – Consideram-se despesas de representação, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no Pais ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.»

106. Da leitura das diversas redacções que foram dadas à disposição avulsa que anteriormente regulava as tributações autónomas, constata-se que a definição do seu regime era feito de forma semelhante há que ocorre actualmente, na medida em que também se encontravam definidos na norma os elementos essenciais do imposto, concretamente, a incidência subjectiva e objectiva, a matéria tributável, as taxas.

107. Verifica-se, igualmente, que o referido diploma avulso não consagrava quaisquer regras semelhantes às contantes do art. 90.º do CIRC.

108. Portanto, nessa altura, a liquidação das tributações autónomas efectuava-se sem apoio em normas semelhantes à do citado art. 90.º do CIRC

109. E, tanto quanto nos é dado a saber, nunca foi suscitada na jurisprudência qualquer questão a propósito da existência de uma lacuna na lei acerca da liquidação das tributações autónomas ou de violação do art. 103.º, n.º 3 da Constituição com base em liquidação de tributação autónoma sem substrato legal.

110. Isso certamente sucedeu porque o art. 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho, à semelhança do que ocorre com o art. 88.º do CIRC, previa todos os elementos de que dependia a liquidação da tributação autónoma (incidência, matéria tributável e taxa).

111. Na verdade, sendo sabido que a liquidação consiste na aplicação da taxa de imposto à matéria colectável, para determinação da colecta, não era necessária qualquer outra disposição legal para se apurar o quantum das tributações autónomas.

112. A não ser que se entenda necessário a existência de uma norma que refira expressamente que a liquidação das tributações autónomas se faz aplicando a taxa à base tributável de cada uma da situações de incidência previstas no artigo 88.º, o que, diga-se de passagem, não só seria um caso inédito no universo da codificação fiscal, mas também, pela sua redundância, seria destituído de qualquer relevância.

113. Aqui chegados, em face dos argumentos apresentados, resta-nos concluir pela falta de validade da posição que considera que o art. 90.º do CIRC se aplica à liquidação das tributações autónomas.

114. Em jeito de nota de rodapé, refira-se, por último, que não corresponde à verdade que a Administração Tributária alguma vez se tenha pronunciado em sentido favorável à possibilidade de abater o SIFIDE e, mais genericamente, os benefícios fiscais na modalidade de dedução à colecta, à colecta das tributações autónomas.

115. Por outro lado, a posição expressa pela DSIRC na sua informação n.º …/2013, de 04.10.2013, não é passível de interpretação enunciativa, através de inferências lógicas a partir de argumentos a contrario, dado não estarmos no âmbito a interpretação de normas para recorrer a este tipo de elementos interpretativos.

116. Na aludida informação não se apreciou a questão ora em análise, não havendo qualquer contributo a retirar daquela para a solução do presente caso.

117. Na sequência do que vimos de referir, afigura-se-nos que ficou claramente demonstrado que as tributações autónomas nem podem ser entendidas como sendo integrantes da colecta de IRC, nem lhes é aplicável o artigo 90.º do CIRC.

118. Em face deste enquadramento jurídico, fica prejudicada a análise da matéria de facto relativa aos benefícios fiscais e pagamentos especiais por conta que a reclamante alega ser titular para efeitos de dedução.

119. Por fim, importa relembrar que a reclamante solicita, a título subsidiário, que seja anulada a autoliquidação dos períodos de tributação de 2012, de 2013, na parcela correspondente às tributações autónomas, e que ascendem a € 180.000,00, € 73.851,36 e € 113.595,74, respectivamente, pelo facto de as mesmas não se mostrarem devidas.

120. No entanto, não indica, para o efeito, em que conjunto de factos e razões sustenta tal pedido.

121. Compulsados os autos, constatamos que a reclamante, no quadro 11 das declarações de rendimentos Mod. 22 IRC acima indicadas, declarou ter suportado um conjunto de encargos e despesas que se encontram sujeita a tributação autónoma, nos termos do n.º 3, 4, 7 e 9 do art.º 88, do Código do IRC.

122. Deste modo, não assiste qualquer razão à reclamante, carecendo o seu pedido de qualquer razão ou fundamento legal.

§ V.l.ll. Juros Indemnizatórios

§ V.l.ll.l. Dos argumentos da Reclamante

123. A reclamante peticiona, em caso de deferimento dos pedidos efectuados na reclamação, lhe sejam pagos, nos termos dos artigos 43.º e 100.º da LGT, juros indemnizatórios por pagamento da prestação tributária em montante superior ao legalmente devido.

§ V.l.ll.ll. Da apreciação

124. Na medida em que os pedidos formulados pela Reclamante mereceram proposta de indeferimento, fica, deste modo, prejudicada a análise do pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

§VI. DA CONCLUSÃO

Em conformidade com o anteriormente exposto, porquanto se demonstrar vedado a esta Unidade dos Grandes Contribuintes outro entendimento que não o até aqui referido, somos de propor que o pedido formulado nos autos seja indeferido de acordo com o teor do "quadro-síntese" desde logo 'melhor identificado no intróito desta nossa informação, com todas as consequências legais.

 

m)    A Requerente foi notificada para se pronunciar sobre o projecto de decisão da reclamação graciosa, mas não se pronunciou;

n)      A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 17-08-2015, proferido pela Senhora Chefe de Divisão da Unidade dos Grandes Contribuintes, que consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, que manifesta concordância com uma Informação em que se refere, além do mais, o seguinte:

5. Considerando-se a permanência da validade dos pressupostos que, de facto e de direito, alicerçaram o nosso anterior "Projeto de Decisão", somos então a entender pela definitividade do mesmo, com todas as consequências legais.

§ II. DA CONCLUSÃO

«Em conformidade com o anteriormente exposto e compulsados todos os elementos dos autos, designadamente o nosso anterior "Projeto de decisão" e as peças processuais carreadas pela Contribuinte, aqui Reclamante, nomeadamente a petição inicial e o seu requerimento de direito de audição, porquanto se demonstrar vedado a esta Unidade dos Grandes Contribuintes outro entendimento que não o até aqui referido, parece-nos de indeferir o pedido inserto nos autos, em conformidade com o teor do "quadro-síntese" mencionado no intróito desta nossa Informação, com todas as consequências legais, designadamente, sendo o caso, no que tange ao preceituado no art.º 163.º do Código do Procedimento Administrativo e, bem como, ao cumprimento do determinado pelo art.º 100.º da Lei Geral Tributária.

Mais se informa que, em caso de Concordância Superior, se promova a notificação da Contribuinte, ora Reclamante, através de ofício a remeter sob registo, nos termos do previsto nos art.ºs 35.º a 41.º, todos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, com todas as consequências legais.

 

o)      Em despacho de 17-10-2013, a Autoridade Tributária e Aduaneira adoptou o entendimento que consta da Informação reproduzida no documento n.º 12, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

p)      Em 10-11-2015, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

 2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo, não havendo controvérsia sobre eles.

No que concerne à alínea j) dos factos provados, relativa ao sistema informático, a Autoridade Tributária e Aduaneira não questiona o que é afirmado pela Requerente nos artigos 22.º a 25.º do pedido de pronúncia arbitral, antes defende que esse é o funcionamento adequado (artigo 100.º da resposta).

Quanto aos montantes que a Requerente entende que poderia deduzir a título de pagamentos especiais por conta e benefício fiscal do CFEI, não se toma posição sobre a quantificação referida no pedido de pronúncia arbitral, por a sua correspondência ou não à realidade não ter sido apreciada na decisão recorrida, nem o Tribunal Arbitral poder proferir uma decisão segura com base apenas nos documentos juntos ao processo.

 

3. Matéria de direito

 

A Requerente teve prejuízos fiscais no exercício de 2012 e nos dois períodos do exercício de 2013, tendo incluído em todas as declarações tributações autónomas.

A Requerente efectuou pagamentos especiais por conta relativos aos anos de 2011, 2012 e 2013 e fez no ano de 2013 investimentos previstos no Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI) aprovado pela Lei n.º 49/2013, de 16 de Julho.

 Nesses exercícios não foi apurado lucro tributável por métodos indirectos e a Requerente não era devedora ao Estado ou à Segurança Social de quaisquer impostos ou contribuições.

O sistema informático da AT, através do qual é autoliquidado o IRC, não permite que os contribuintes deduzam, para efeitos do apuramento do IRC por si devido, ao imposto resultante das tributações autónomas apuradas os montantes de pagamentos especiais por conta e os montantes de benefício fiscal do CFEI.

A Requerente apresentou reclamação graciosa das autoliquidações efectuadas com base naquelas declarações modelo 22, defendendo, em suma, que poderiam ser deduzidas aos montantes devidos a título de tributações autónomas as quantias pagas a título de pagamentos especiais por conta e os investimentos que efectuou previstos no CFEI.

A Autoridade Tributária e Aduaneira indeferiu a reclamação graciosa.

As questões que são objecto do presente processo são, em primeira linha, as de saber se são dedutíveis às quantias devidas a título de tributações autónomas as quantias pagas a título de pagamentos especiais por conta e os investimentos que a Requerente efectuou abrangidos pelo CFEI.

Para indeferir a reclamação graciosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, além do mais, que «o art. 90.º do CIRC não se aplica às tributações autónomas», «existindo uma forte incompatibilidade entre aquela figura e este artigo».

A Requerente formula um pedido subsidiário para a hipótese de se aceitar este entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, pedindo que seja anulada a autoliquidação dos períodos de tributação de 2012 e de 2013, na parcela correspondente às tributações autónomas, pelo facto de as mesmas terem sido liquidadas e cobradas sem base legal para o efeito.

 

3.1. Questão da aplicação do artigo 90.º do CIRC às tributações autónomas

 

Os artigos 89.º e 90.º do CIRC estabelecem o seguinte, na redacção dada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril:

 

 

Artigo 89.º

 

Competência para a liquidação

 

A liquidação do IRC é efectuada:

a) Pelo próprio sujeito passivo, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º;

b) Pela Direcção-Geral dos Impostos, nos restantes casos.

 

Artigo 90.º

 

Procedimento e forma de liquidação

 

1 - A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria colectável que delas conste;

b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada;

c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.

2 – Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

a) A correspondente à dupla tributação internacional;

b) A relativa a benefícios fiscais;

c) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;

d) A relativa a retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.

 

3 – (Revogado pela da Lei n.º 3-B/10)

4 – Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efectuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.

5 – As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respectivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria colectável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.

6 – Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efectuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.

7 – Das deduções efectuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.

8 – Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efectuadas nos termos dos n.ºs 2 a 4.

9 – Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efectuadas anualmente liquidações com base na matéria colectável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria colectável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.

10 – A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.

 

Como se referiu, na decisão da reclamação graciosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que «o art. 90.º do CIRC não se aplica às tributações autónomas», «existindo uma forte incompatibilidade entre aquela figura e este artigo».

Porém, no presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira reconhece que é errada esta interpretação, ao dizer nos artigos 38.º e 39.º da sua Resposta:

 

38.º

Convém clarificar que a liquidação das tributações autónomas é efectuada com base nos artigos 89.º e 90.º n.º 1 do Código do IRC mas, aplicando regras diferentes para o cálculo do imposto: num caso a liquidação opera, mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria colectável apurada de acordo com as regras do capítulo III do Código e no outro caso, são apuradas diversas colectas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma.

39.º

Donde resulta que o montante apurado nos termos do alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte do colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime-regra do imposto.           

 

Esta tese é reafirmada pela Autoridade Tributária e Aduaneira no ponto 20 das suas alegações.

Sendo assim, conclui-se que não há sequer controvérsia entre as Partes quanto à aplicação do artigo 90.º do CIRC à liquidação das tributações autónomas, limitando-se a divergência quanto à forma de proceder à liquidação, pois a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que «são apuradas diversas colectas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma» e «as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte do colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa», entendendo que ela não se verifica em relação à colecta do IRC que resulta das tributações autónomas.

Esta fundamentação trazida ao processo pela Autoridade Tributária e Aduaneira consubstancia, manifestamente, alteração da fundamentação em relação à que consta da decisão da reclamação graciosa.

Esta nova fundamentação, independentemente de ser ou não correcta, é irrelevante para efeito assegurar a legalidade daquela decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

Na verdade, o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].

Por isso, é irrelevante a fundamentação a posteriori, tendo os actos cuja legalidade é questionada de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. ( [1] )

De qualquer forma, os referidos artigos 89.º e 90.º do CIRC, bem como outras normas deste Código, como as relativas as declarações previstas nos artigos 120.º e 122.º, são aplicáveis às tributações autónomas.

Desde logo, é hoje pacífico, na sequência de inúmera jurisprudência arbitral e das posições assumidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC. ( [2] ) De resto, para além da unanimidade da jurisprudência, o artigo 23.º-A n.º 1, alínea a), do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não deixa hoje margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código.

Ora, o artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10).

Por isso, aquele artigo 90.º aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, na sequência da apresentação ou não de declarações, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação.

Assim, as diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o resultante do lucro tributável restringem-se à determinação da matéria tributável e às taxas aplicáveis, que são as previstas nos Capítulos III e IV do CIRC para o IRC que tem por base o lucro tributável e no artigo 88.º do CIRC para o IRC que tem por base a matéria tributável das tributações autónomas e as respectivas taxas.

Mas, as formas de liquidação que se prevêem no Capítulo V do mesmo Código são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC.

No entanto, a circunstância de uma autoliquidação de IRC, efectuada nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, poder conter vários cálculos parciais com base em várias taxas aplicáveis a determinadas matérias colectáveis, não implica que haja mais que uma liquidação, como resulta dos próprios termos daquela norma ao fazer referência a «liquidação», no singular, em todos os casos em que é «feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º», tendo «por base a matéria colectável que delas conste» (seja a determinada com base nas regras dos artigos 17.º e seguintes seja a determinada com base nas várias situações previstas no artigo 88.º).

De resto, não são apenas as liquidações previstas no artigo 88.º que podem englobar vários cálculos de aplicação de taxas a determinadas matérias colectáveis, pois o mesmo pode suceder nas situações previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 87.º.( [3] )

De qualquer forma, sejam quais forem os cálculos a fazer, é unitária autoliquidação que o sujeito passivo ou a Autoridade Tributária e Aduaneira devem efectuar nos termos dos artigos 89.º, alínea a), 90.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e 120.º ou 122.º, e com base nela que é calculado o IRC global, sejam quais forem as matérias colectáveis relativas a cada um dos tipos de tributação que lhe esteja subjacente.

Aliás, como bem refere a Requerente ao formular o seu pedido subsidiário, se este artigo 90.º não fosse aplicável à liquidação das tributações autónomas previstas no CIRC, teríamos de concluir que não haveria qualquer norma que previsse a sua liquidação, o que se reconduziria a ilegalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a liquidação de impostos se faça «nos termos da lei».

Refira-se ainda a nova norma do n.º 21 aditada ao artigo 88.º do CIRC pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, independente de ser ou não verdadeiramente interpretativa, em nada altera esta conclusão, pois aí se estabelece, no que concerne à forma de liquidação das tributações autónomas, que ela «é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores».

Com efeito, se é certo que esta nova norma vem explicitar como é que se calculam os montantes das tributações autónomas (o que já decorria do próprio texto das várias disposições do artigo 88.º) e que a competência cabe ao sujeito passivo ou à Administração Tributária, nos termos do artigo 89.º, é também claro que não se afasta a necessidade de utilizar o procedimento previsto no n.º 1 do artigo 90.º, designadamente nos casos previstos na sua alínea c) em que a liquidação cabe à Administração Tributária e Aduaneira, com «base os elementos de que a administração fiscal disponha», que parece ser inquestionável que abrangerão a possibilidade de liquidar com base em tributações autónomas, se a Autoridade Tributária e Aduaneira dispuser de elementos que comprovem os seus pressupostos.

Por isso, quer antes quer depois da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, o artigo 90.º, n.º 1, do CIRC é aplicável à liquidação de tributações autónomas. 

Concluiu-se, assim, que a decisão da reclamação graciosa assentou numa errada interpretação da lei, ao entender, ao contrário do que a Autoridade Tributária e Aduaneira reconheceu no presente processo, que o artigo 90.º do CIRC não é aplicável à liquidação das tributações autónomas, o que constitui vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a sua anulação [artigo 163.º, n.º 1, Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT].

Porém, estando em causa também a ilegalidade das autoliquidações efectuadas e podendo da sua apreciação resultar mais estável e eficaz tutela dos interesses da Requerente, há que prosseguir na análise dos vícios que lhe são imputados, pois a perda de utilidade na apreciação de vícios imputados aos actos tributários apenas se verifica quando for julgado procedente um vício de que resulte assegurada estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos, como se infere do preceituado no n.º 2 do artigo 124.º do CPPT.

 

3.2. Questão da dedutibilidade de despesas de investimento previstas no CFEI às quantias devidas a título de tributações autónomas

 

O CFEI de 2013 foi aprovado pela Lei n.º 49/2013, de 16 de Julho, que estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 2.º

 

Âmbito de aplicação subjectivo

 

Podem beneficiar do CFEI os sujeitos passivos de IRC que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e preencham, cumulativamente, as seguintes condições:

a) Disponham de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de atividade;

b) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indirectos;

c) Tenham a situação fiscal e contributiva regularizada.

 

Artigo 3.º

 

Incentivo fiscal

 

1 - O benefício fiscal a conceder aos sujeitos passivos referidos no artigo anterior corresponde a uma dedução à coleta de IRC no montante de 20 % das despesas de investimento em ativos afectos à exploração, que sejam efetuadas entre 1 de Junho de 2013 e 31 de Dezembro de 2013.

2 - Para efeitos da dedução prevista no número anterior, o montante máximo das despesas de investimento elegíveis é de 5 000 000,00 EUR, por sujeito passivo.

3 - A dedução prevista nos números anteriores é efectuada na liquidação de IRC respeitante ao período de tributação que se inicie em 2013, até à concorrência de 70 % da coleta deste imposto.

4 - No caso de sujeitos passivos que adoptem um período de tributação não coincidente com o ano civil e com início após 1 de Junho de 2013, as despesas relevantes para efeitos da dedução prevista nos números anteriores são as efetuadas em ativos elegíveis desde o início do referido período até ao final do sétimo mês seguinte.

5 - Aplicando-se o regime especial de tributação de grupos de sociedades, a dedução prevista no n.º 1:

a) Efectua-se ao montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, com base na matéria colectável do grupo;

b) É feita até 70 % do montante mencionado na alínea anterior e não pode ultrapassar, em relação a cada sociedade e por cada exercício, o limite de 70 % da coleta que seria apurada pela sociedade que realizou as despesas elegíveis, caso não se aplicasse o regime especial de tributação de grupos de sociedades.

6 - A importância que não possa ser deduzida nos termos dos números anteriores pode sê-lo, nas mesmas condições, nos cinco períodos de tributação subsequentes.

7 - Aos sujeitos passivos que se reorganizem, em resultado de quaisquer operações previstas no artigo 73.º do Código do IRC, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

 

Artigo 4.º

 

Despesas de investimento elegíveis

 

1 - Para efeitos do presente regime, consideram-se despesas de investimento em ativos afectos à exploração as relativas a ativos fixos tangíveis e ativos biológicos que não sejam consumíveis, adquiridos em estado de novo e que entrem em funcionamento ou utilização até ao final do período de tributação que se inicie em ou após 1 de janeiro de 2014.

2 - São ainda elegíveis as despesas de investimento em ativos intangíveis sujeitos a deperecimento efetuadas nos períodos referidos nos n.ºs 1 e 4 do artigo 3.º, designadamente:

a) As despesas com projetos de desenvolvimento;

b) As despesas com elementos da propriedade industrial, tais como patentes, marcas, alvarás, processos de produção, modelos ou outros direitos assimilados, adquiridos a título oneroso e cuja utilização exclusiva seja reconhecida por um período limitado de tempo.

3 - Consideram-se despesas de investimento elegíveis as correspondentes às adições de ativos verificadas nos períodos referidos nos n.ºs 1 e 4 do artigo 3.º e, bem assim, as que, não dizendo respeito a adiantamentos, se traduzam em adições aos investimentos em curso iniciados naqueles períodos.

4 - Para efeitos do número anterior, não se consideram as adições de ativos que resultem de transferências de investimentos em curso.

5 - Para efeitos do n.º 1, são excluídas as despesas de investimento em ativos susceptíveis de utilização na esfera pessoal, considerando-se como tais:

a) As viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, barcos de recreio e aeronaves de turismo, excepto quando tais bens estejam afectos à exploração do serviço público de transporte ou se destinem ao aluguer ou à cedência do respectivo uso ou fruição no exercício da atividade normal do sujeito passivo;

b) Mobiliário e artigos de conforto ou decoração, salvo quando afectos à atividade produtiva ou administrativa;

c) As incorridas com a construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo quando afectos a actividades produtivas ou administrativas.

 

6 - São igualmente excluídas do presente regime as despesas efetuadas em ativos afectos a actividades no âmbito de acordos de concessão ou de parceria público-privada celebrados com entidades do sector público.

7 - Considera-se que os terrenos não são ativos adquiridos em estado de novo, para efeitos do n.º 1.

8 - Adicionalmente, não se consideram despesas elegíveis as relativas a ativos intangíveis, sempre que sejam adquiridos em resultado de actos ou negócios jurídicos do sujeito passivo beneficiário com entidades com as quais se encontre numa situação de relações especiais, nos termos definidos no n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC.

9 - Os ativos subjacentes às despesas elegíveis devem ser detidos e contabilizados de acordo com as regras que determinaram a sua elegibilidade por um período mínimo de cinco anos ou, quando inferior, durante o respectivo período mínimo de vida útil, determinado nos termos do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, alterado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, ou até ao período em que se verifique o respectivo abate físico, desmantelamento, abandono ou inutilização, observadas as regras previstas no artigo 38.º do Código do IRC.

 

 

No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira não questiona que a Requerente preencha os requisitos subjectivos e objectivos para poder beneficiar do CFEI em relação às despesas de investimento que refere, tendo indeferido a reclamação graciosa por entender que as despesas em causa não podem ser deduzidas às quantias que pagou a título de tributações autónomas, por a dedução só poder ser efectuada à «colecta de IRC», nos termos do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 49/2013 e essa colecta, no entender da Autoridade Tributária e Aduaneira, não ser integrada pelas quantias devidas a título de tributações autónomas, mas apenas pela quantia resultante da aplicação da taxa de IRC ao lucro tributável.

Como se referiu, está assente no presente processo, inclusivamente por acordo das Partes, que o artigo 90.º do CIRC se reporta também à liquidação das tributações autónomas.

E, como se disse, não há suporte legal para afirmar que, na eventualidade de terem de ser efectuados numa declaração vários cálculos para determinar o IRC, seja efectuada mais que uma autoliquidação.  

Por isso, a expressão «quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria colectável que delas conste», que consta da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC, abrange no seu teor literal, a liquidação das tributações autónomas, cuja matéria colectável tem de ser indicada nas referidas declarações, como resulta, inclusivamente, do próprio modelo 22 de declaração (parte 13).

A colecta obtém-se aplicando a taxa à respectiva matéria colectável, pelo que, no caso do IRC, havendo várias taxas aplicáveis a diversas matérias colectáveis, a colecta de IRC global será constituída pela soma de todos os resultados dessas aplicações.

            Assim, por mera interpretação declarativa, conclui-se que a referência que no artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2013 se faz à «dedução à colecta de IRC» como forma de materializar o benefício fiscal, abrange, literalmente também a colecta de IRC resultante das tributações autónomas, que integra a colecta única de IRC.

            Sendo esta a interpretação que resulta do teor literal, só por via de uma interpretação restritiva se poderá afastar a aplicação do benefício fiscal à colecta de IRC proporcionada pelas tributações autónomas.

            A viabilidade de uma interpretação restritiva encontra, desde logo, um obstáculo de ordem geral, que é o de que as normas que criam benefícios fiscais têm a natureza de normas excepcionais, como decorre do teor expresso do artigo 2.º, n.º 1, do EBF, pelo que, na falta de regra especial, devem ser interpretadas nos seus precisos termos, como é jurisprudência pacífica. ( [4] ) No caso dos benefícios fiscais, prevê-se explicitamente a possibilidade de interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), mas não de interpretação restritiva, pelo que, em regra, o benefício fiscal não deve ser interpretado com menor amplitude do que a que, numa interpretação declarativa, resulta do teor da norma que o prevê.

De qualquer modo, uma interpretação restritiva apenas se justifica quando «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva. O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquela ratio. O argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)» ( [5] ).

Por isso, há que apreciar se há razões que justifiquem uma conclusão sobre a incompatibilidade do sentido do texto do artigo 3.º, n.º 1, com a ratio legis daquele benefício fiscal.

A razão de ser da criação do referido benefício fiscal é evidente e foi expressamente referida na «Exposição de Motivos» da Proposta de Lei n.º 148/XII, que veio a dar origem à Lei n.º 49/2013:

 

Em conformidade, contribuindo para o sucesso do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro para Portugal, e com o objetivo de promover a competitividade e o emprego, o Governo compromete-se com uma estratégia dirigida a estimular fortemente o investimento direto em Portugal, já em 2013.

Neste contexto, a presente proposta de lei introduz no ordenamento jurídico português um Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI) com o objetivo de produzir um forte impacto no nível de investimento empresarial.

O CFEI corresponde a uma dedução à coleta de IRC no montante de 20% das despesas de investimento realizadas, até à concorrência de 70% daquela coleta. O investimento elegível para este crédito fiscal terá que ser realizado entre 1 de junho de 2013 e 31 de dezembro de 2013 e poderá ascender a 5 000 000,00 EUR, sendo dedutível à coleta de IRC do exercício, e por um período adicional de até cinco anos, sempre que aquela seja insuficiente.

São elegíveis para este benefício os sujeitos passivos que exerçam a título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, disponham de contabilidade regularmente organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo sector de atividade, o respetivo lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos e tenham a sua situação fiscal e contributiva regularizada.

 

           

            Como é óbvio, a concretização deste objectivo legislativo «estimular fortemente o investimento directo em Portugal» e de «produzir um forte impacto no nível de investimento empresarial» aponta manifestamente no sentido de se ter pretendido maximizar e não limitar o alcance do benefício fiscal.

            A eventual limitação da aplicação do benefício fiscal a empresas que não apresentassem lucro tributável reconduzir-se-ia a uma fortíssima restrição do seu campo de aplicação, já que, como é facto público, grande parte das empresas, em 2012, apresentava prejuízos fiscais, embora pagasse IRC por outras vias.

Na verdade, segundo a estatística publicada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no ano de 2012 (último ano cujos dados estariam disponíveis quando foi apresentada a Proposta de Lei n.º 148/XII e, por isso, é de supor que tenha sido considerado), mais de metade das declarações de IRC apresentavam valor líquido negativo e apenas 28% dos sujeitos passivos apresentaram «IRC liquidado», sendo que «cerca de 70% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC (Quadro 8), por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores». ( [6] ).

Por isso, é manifesto que a aplicabilidade do benefício fiscal a empresas que, embora apresentassem prejuízos fiscais, pagavam IRC, inclusivamente a título de tributações autónomas, ampliava fortemente o número de empresas potencialmente beneficiárias e, consequentemente, compagina-se melhor com a intenção legislativa subjacente à Lei n.º 49/2013, do que a defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

A discussão da iniciativa legislativa na Assembleia da República confirma que não estava em causa aprovar um benefício fiscal de que apenas poderiam aproveitar a minoria de empresas que pagava IRC com base no lucro tributável do exercício de 2013.

Na verdade, os termos em que foi anunciada a medida pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais apontam para uma medida inédita, de enorme impacto e dimensão:

«(...) esta medida dirige-se prioritariamente, como tive aliás oportunidade de dizer, ao investimento das pequenas e médias empresas. Se não fosse assim, o limite do investimento não tinha sido fixado em 5 milhões de euros. O limite de 5 milhões de euros corresponde ao valor médio do investimento anual de cerca de 97% das empresas portuguesas. E é, exatamente, para essas empresas, para as pequenas e médias empresas, que esta medida de estímulo ao investimento se dirige;

«não é a primeira vez que é criado um crédito fiscal ao investimento em Portugal, existiram outros créditos fiscais, no passado, mas nenhum com o impacto e a dimensão deste». ( [7] )

 

            A pretendida maximização do incentivo fiscal, perspectivado como potencialmente incentivador de cerca de 97% das empresas, apontava claramente para a sua aplicação a qualquer colecta de IRC e não apenas à reduzida minoria que pagava IRC liquidado com base no lucro tributável de cada exercício, pelo que a solução de o aplicar aos créditos de IRC derivados de tributações autónomas, para além de ser a que resulta linearmente do teor literal da Lei n.º 49/2013, é a que se sintoniza com a razão de ser.

Por outro lado, não se pode olvidar que as tributações autónomas visam proteger ou aumentar as receitas fiscais e que os benefícios fiscais concedidos, por definição, são «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).

Isto é, no caso em apreço, ao estabelecer um benefício fiscal por dedução à colecta de IRC, o legislador optou por prescindir da receita fiscal que este imposto poderia proporcionar, na medida da concessão do benefício fiscal. Para esta ponderação relativa dos interesses em causa (receita fiscal versus estímulo forte ao investimento) é indiferente que essa receita provenha de cálculos efectuados com base no artigo 87.º ou no artigo 88.º do CIRC. Na verdade, seja qual for a forma de cálculo dessa receita fiscal, está-se perante dinheiro cuja arrecadação o legislador considerou ser menos importante do que a prossecução da finalidade económica referida.

E, no caso do benefício fiscal do CFEI, as razões de natureza extrafiscal que justificam a sua sobreposição às receitas fiscais são, na perspectiva legislativa, de primacial importância, como se afirma na referida Exposição de Motivos e se confirma na apresentação da proposta na Assembleia da República.

            Por isso, é seguro que se está perante benefício fiscal cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais provenientes de IRC, inclusivamente as resultantes de tributação autónomas.

            Neste contexto, as questões colocadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativas à compatibilidade da solução adoptada pela Lei n.º 49/2013 com outras soluções legislativas (designadamente, as adoptadas em matéria de regime da transparência fiscal ou grupos de sociedades, que em nada têm aplicação no caso dos autos), não têm qualquer relevância para a apreciação desta questão, pois esta tem de ser apreciada à face dos específicos interesses que na sua ponderação se entrechocam.

Na verdade, o que está em causa é, exclusivamente, determinar o alcance da Lei n.º 49/2013, que é um diploma de natureza excepcional, à face do seu texto e dos interesses que visou prosseguir, que não teve em vista decidir qualquer questão conceitual sobre a natureza das tributações autónomas, matéria sobre a qual não se vislumbra quer no texto da Lei, quer nos respectivos trabalhos preparatórios, a menor preocupação legislativa.

Pela mesma razão de que o que está em causa é interpretar o alcance do diploma de natureza especial que é a Lei n.º 49/2013, não pode ser atribuída relevância, para este efeito, à norma do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, na parte em que se refere que não são «efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado», apesar da pretensa natureza interpretativa que lhe foi atribuída.

Na verdade, não há qualquer sinal, nem na Lei n.º 7-A/2016, nem no Relatório do Orçamento, nem na sua discussão, de que com o aditamento no artigo 88.º do CIRC de uma norma geral proibindo deduções ao montante global apurado de tributações autónomas, se pretendesse interpretar restritivamente a expressão «dedução à colecta de IRC» que consta de uma norma especial de um diploma avulso, designadamente o artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2013.

E, na falta de uma intenção inequívoca em sentido contrário, vale a regra de que a lei geral não altera lei especial (artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil), que tem a justificação o facto de que «o regime geral não inclui a consideração das condições particulares que justificaram justamente a emissão da lei especial». ( [8] )

Para além disso, a referida regra do artigo 3.º, n.º 1, teve em vista incentivar os sujeitos passivos de IRC a efectuarem investimentos no período entre 01-06-2013 e 31-12-2013, pelo que, sendo o benefício fiscal uma contrapartida da adopção do comportamento legislativamente desejado e incentivado, seria incompaginável com o princípio constitucional da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP), não reconhecer a esses comportamentos os efeitos fiscais favoráveis previstos na lei vigente no momento em que eles ocorreram. Por isso, se hipoteticamente a Lei n.º 7-A/2016 pretendesse eliminar, total ou parcialmente, os efeitos fiscais favoráveis que a Lei n.º 49/2013 estabelecia para os contribuintes que adoptassem o comportamento aí previsto, seria materialmente inconstitucional, por violação daquele princípio.

Pelo exposto, convergindo os elementos literal e racional da interpretação do artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2013 no sentido de que as despesas de investimento previstas no CFEI são dedutíveis à «colecta de IRC», é de concluir que elas são dedutíveis à globalidade dessa colecta, que engloba, para além, da derivada da tributação dos lucros em cada período fiscal, a que resulta do pagamento especial por conta e de outras componentes positivas do imposto, designadamente de tributações autónomas, derrama estadual e IRC de períodos de tributação anteriores.

            Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão.

 

3.3. Questão da dedutibilidade às quantias devidas a título de tributações autónomas das quantias pagas a título de pagamentos especiais por conta

 

            Como se vê pela decisão da reclamação graciosa, a única razão pela qual a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, na informação em que se baseou a decisão da reclamação graciosa, que os pagamentos especiais por conta não são dedutíveis à colecta de tributações autónomas foi a de entender que estas não integram a colecta de IRC.

Como já ficou referido, no presente processo a Autoridade Tributária e Aduaneira reconheceu que «a liquidação das tributações autónomas é efectuada com base nos artigos 89.º e 90.º n.º 1 do Código do IRC mas, aplicando regras diferentes para o cálculo do imposto», sendo «apuradas diversas colectas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma» (artigo 38.º da Resposta).

Disse ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira, no artigo 39.º da Resposta que «o montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte da colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime-regra do imposto».

Esta posição não tem fundamento consistente, nem é indicada pela Autoridade Tributária e Aduaneira qualquer disposição legal que lhe forneça o mínimo de correspondência verbal necessário para admissibilidade de uma interpretação.

Designadamente, o artigo 105.º, n.º 1, do CIRC, ao dizer que «os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º relativamente ao período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efectuar esses pagamentos, líquido da dedução a que se refere a alínea d) do n.º 2 do mesmo artigo», reporta-se à globalidade do imposto liquidado nos termos daquele n.º 1 do artigo 90.º, que, como reconheceu a Autoridade Tributária e Aduaneira no citado artigo 38.º da sua Resposta, se aplica também à liquidação das tributações autónomas.

Por outro lado, como já se referiu, antes do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, não existia qualquer disposição legal que estabelecesse a forma de liquidação das tributações autónomas, pelo que, sob pena de inconstitucionalidade por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, derivada de falta de previsão legal de procedimento de liquidação, teria de se entender que elas eram liquidadas em conformidade com o preceituado no n.º 1 do artigo 90.º.

Assim, antes da Lei n.º 7-A/2016, as deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, que têm por alvo o «montante apurado nos termos do número anterior», aplicavam-se a esse único montante que de tal apuramento resultava, sempre que não se estivesse perante uma das situações especialmente previstas nos n.ºs 4 e seguintes do mesmo artigo, que não têm aplicação no caso dos autos.

A dedução dos pagamentos especiais por conta a todo o valor apurado nos termos daquele artigo 90.º, n.º 1, alínea a), resultava também do teor explícito do artigo 93.º, n.º 1, do CIRC, na redacção anterior à Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao estabelecer que «a dedução a que se refere a alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º é efectuada ao montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º do próprio período de tributação a que respeita ou, se insuficiente, até ao quarto período de tributação seguinte, depois de efectuadas as deduções referidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 e com observância do n.º 7, ambos do artigo 90.º». ( [9] )

O montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º inclui os montantes relativos a tributações autónomas, não havendo qualquer outra declaração específica para este efeito, nem antes nem depois da Lei n.º 7-A/2016.

Na verdade, as declarações previstas no artigo 120.º do CIRC são elaboradas num único modelo oficial aprovado por despacho do Ministro das Finanças, nos termos dos artigos 117.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do CIRC.

            Assim, em face do preceituado na alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º e no n.º 1 do artigo 93.º do CIRC, até à Lei n.º 7-A/2016, nada no teor literal do CIRC obstava à dedução das quantias dos pagamentos especiais por conta à totalidade colecta de IRC que foi determinada nos termos daquele n.º 1 do artigo 90.º, inclusivamente a derivada de tributações autónomas, dentro do condicionalismo aí previsto.

            Por outro lado, tendo o pagamento especial por conta a natureza de empréstimo forçado ([10]), que cria na esfera jurídica do sujeito passivo um crédito sobre a Administração Tributária, não se afigura irrazoável que ele seja tido em conta em situações em que se gera um crédito desta em relação ao contribuinte.

            Ainda por outro lado, as tributações autónomas em sede de IRC, em face da crescente amplitude o legislador lhes tem vindo a atribuir, para serem compagináveis com o princípio constitucional da tributação das empresas incidindo fundamentalmente sobre o seu rendimento real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP), devem ser entendidas como formas indirectas de tributar rendimentos empresariais, através da tributação de certas despesas, como está ínsito na alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao aludir a «IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros». A estatística da Autoridade Tributária e Aduaneira que atrás se referiu, bem como o próprio caso em apreço, em que a Requerente teve prejuízos fiscais em 2012 e 2013 e em ambos apresenta apenas tributação autónomas de valor avultado, são elucidativos do problema de constitucionalidade que se coloca.

            De qualquer forma, como se refere no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 59/2014-T, as tributações autónomas em IRC, devem ser consideradas uma forma de tributação de rendimentos empresariais:

«A Exposição de Motivos que consta da Proposta de Lei n.º 46/VIII, que veio dar origem à Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que ampliou enormemente as situações de tributações autónomas, não deixa margem para dúvidas de que se trata de uma amplificação consciente e pretendida das entorses previamente existentes, por se ter entendido que elas eram necessárias, em suma, para compensar outras distorções resultantes de significativa fraude e evasão fiscais e, assim, aumentar a equidade da repartição da carga fiscal entre cidadãos e empresas».

(...)

«as tributações autónomas incidentes directamente sobre certas despesas, no âmbito de impostos que originariamente incidiam apenas sobre rendimentos, são consideradas entorses do sistema de tributação directa do rendimento que se visava com o IRC, mas um valor que legislativamente se considerou ser mais relevante do que a coerência teórica dos impostos, como é a implementação da justiça fiscal, impôs uma opção por essas formas de tributação, por estarem em consonância com os princípios da equidade, eficiência e simplicidade.

 (...)

Mas, esta tributação indirecta não deixa de ser efectuada no âmbito do IRC, como resulta da inclusão das tributações autónomas no respectivo Código, que tem como corolário a aplicação das normas gerais próprias deste imposto, que não contendam com a sua especial forma de incidência.

Assim, se é certo que as tributações autónomas constituem uma forma diferente de fazer incidir impostos sobre as empresas, que poderia constar de regulamentação autónoma ou ser arrumada no Código do Imposto do Selo, também não deixa de ser certo que a opção legislativa por incluir tais tributações no CIRC revela uma intenção de considerar tais tributações como inseridas no IRC, o que se poderá justificar por serem uma forma indirecta, mas, na perspectiva legislativa, equitativa, simples e eficiente, de tributar rendimentos empresariais que escapam ao regime da tributação com directa incidência sobre rendimentos».

 

            Aliás, é um facto que a imposição de qualquer despesa sem contrapartida a uma pessoa colectiva tem como corolário a um potencial decréscimo do seu rendimento, pelo que imposição de uma obrigação tributária unilateral, mesmo calculada com base em despesas realizadas, constitui uma forma de tributar indirectamente o seu rendimento. ([11])

O novo artigo 23.º-A do CIRC, introduzido pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao dizer que «não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros», deixa entrever que, na perspectiva legislativa, o IRC e as tributações autónomas são impostos que incidem directa ou indirectamente sobre os lucros, pois é esse entendimento que pode justificar que se inclua a expressão «quaisquer outros impostos», que pressupõe que o IRC e as tributações autónomas também são impostos destes tipos.

Por isso, sendo as tributações autónomas previstas no CIRC, em última análise, formas de tributar o rendimento empresarial, não se vê que haja necessariamente incompatibilidade entre elas e as regras gerais que prevêem a forma de efectuar o pagamento de IRC.

Por outro lado, se é certo que, à face do regime vigente antes da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro ter alterado o n.º 3 do artigo 93.º do CIRC, as quantias pagas a título de pagamento especial por conta nem sempre podiam ser deduzidas ([12]), também o é que esse regime foi alterado por aquela Lei, sendo o reembolso admitido sem condições que não sejam a de o sujeito passivo o pedir, no prazo previsto.

Por isso, a interpretação que decorre mais linearmente do texto dos artigos 93.º, n.º 3, e 90.º, n.º 1, do CIRC, anteriores à Lei n.º 2/2014 é a da dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à colecta de IRC derivada das tributações autónomas.

Mas também não deixa de ser certo que, em face do regime anterior de reembolso dos pagamentos especiais por conta, que revelava que o pagamento especial por conta tinha ínsita uma presunção de rendimentos não declarados, poder-se-ia aventar uma interpretação restritiva, relativamente ao pagamento especial por conta, no sentido de que não ser dedutível à colecta das tributações autónomas, como se entendeu na decisão arbitral de 30-12-2015, proferida no processo do CAAD n.º 113/2015-T, que invoca ponderáveis razões, derivadas das finalidades que se pretendeu legislativamente atingir com a criação do pagamento especial por conta, que podiam justificar uma restrição da referência que no artigo 93.º, n.º 1, do CIRC se faz ao «montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º»:

 Como se viu o PEC passou a fazer parte do sistema do IRC cuja liquidação consagrada no artigo 83º foi concebida para apurar o imposto diretamente incidente sobre o rendimento declarado. Quando haja lugar a prejuízo fiscal o sujeito passivo tem ainda assim que suportar o PEC; essa foi aliás a razão da sua introdução. Se determinada empresa tiver sucessivamente prejuízos fiscais, suportará sistematicamente imposto, pois o sistema duvida da sua possibilidade de funcionamento em situação permanentemente deficitária, exigindo-lhe que satisfaça provisoriamente (por conta), determinado valor. Poderá reembolsá-lo se provar que essa situação é comum no seu setor de atividade ou se a AT verificar a regularidade das suas declarações. Este foi o equilíbrio que o CIRC exigiu para manter um sistema baseado nas declarações feitas pelos contribuintes.

Já o imposto resultante da tributação autónoma fundamenta-se tão só na perseguição à evasão fiscal por transferência de rendimento e tem o efeito dissuasor e compensatório.

Se se permitir a dedução do PEC à coleta resultante da tributação autónoma, gorar-se-ão os propósitos do sistema em que a norma do 83º-2-e CIRC se insere, pois o produto do pagamento especial por conta que deveria manter-se “estacionado” na titularidade da Fazenda Pública será afetado à extinção da dívida do sujeito passivo resultante das tributações autónomas, aligeirando assim a pretendida pressão para evitar a evasão fiscal “declarativa”. Existe efetivamente um conflito inconciliável entre a ratio do PEC – o combate à evasão ou a pressão para correção das declarações – e a afetação dos seus créditos à satisfação de outras obrigações que não sejam as que resultam do apuramento do IRC calculado sobre o resultado tributável.

 

O novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, sintoniza-se com este entendimento arbitral, pois vem estabelecer expressamente que ao montante apurado das tributações autónomas não são «efectuadas quaisquer deduções».

Por outro lado, o artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, ao atribuir natureza «interpretativa» àquele novo n.º 21.º do artigo 88.º, conjugado com o artigo 13.º do Código Civil (que é a única norma que define o conceito de lei interpretativa), tem ínsita uma intenção legislativa de aplicar o novo regime às situações anteriores em que não haja «efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza».

BAPTISTA MACHADO ensina sobre as leis interpretativas:

Ora a razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. Poderemos consequentemente dizer que são de sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado. Não é preciso que a lei venha consagrar uma das correntes jurisprudenciais anteriores ou uma forte corrente jurisprudencial anterior. Tanto mais que a lei interpretativa surge muitas vezes antes que tais correntes jurisprudenciais se cheguem a formar. Mas, se é este o caso, e se entretanto se formou uma corrente jurisprudencial uniforme que tornou praticamente certo o sentido da norma antiga, então a lei nova que venha consagrar uma interpretação diferente da mesma norma já não pode ser considerada realmente interpretativa (embora o seja porventura por determinação do legislador), mas inovadora.

Para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a lei nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora.

 

Em face desta posição, cuja fundamentação é ponderável, à face da legislação vigente em 2012 e 2013, pode aceitar-se a atribuição de natureza interpretativa ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC que se faz no artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, à luz dos ensinamentos de BAPTISTA MACHADO, pois a solução nele prevista de inviabilidade de dedução do pagamento especial por conta ao montante global das tributações autónomas passa o teste enunciado por este Autor:

– a solução que resultava do teor literal do artigo 93.º, n.º 1, do CIRC era controvertida, como evidencia aquela decisão arbitral e a solução definida pela nova lei situa-se dentro dos quadros da controvérsia;

– o julgador ou o intérprete poderiam chegar a essa solução sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei, já que a interpretação restritiva é admissível quando há razões para concluir que o alcance do texto legal atraiçoa o pensamento legislativo ou é necessário optimizar a harmonização  de interesses conflituantes que duas normas visam tutelar.

 

Por outro lado, ao contrário do que sucede com o CFEI, não há, no que concerne a dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta, preocupação de protecção de confiança, pois, os pagamentos especiais estão conexionados com o volume de negócios, não dependendo de qualquer específico comportamento que o sujeito passivo fosse levado a adoptar por lhe ser criada a expectativa de obter como contrapartida uma vantagem fiscal.

Para além disso, não se vê que o regime que resulta do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC encerre qualquer contradição, ao contrário do que defende a Requerente: segundo esta nova norma, as normas do CIRC relativas à forma de liquidação de tributações autónomas devem ser interpretadas como aí se prevê e relativamente a essa parte da liquidação de IRC não são efectuadas deduções.

Aliás, foi precisamente com este sentido que foi elaborado o modelo 22 de declaração de IRC e foi aplicando o regime agora explícito no n.º 21 do artigo 88.º que a Requerente preencheu as declarações que se referem nos autos, sem qualquer contradição perceptível.

Mas, sendo assim, como defende a Requerente, o obstáculo à aplicação do regime que resulta deste n.º 21 do artigo 88.º será apenas a sua eventual inconstitucionalidade, designadamente à face da regra da proibição de impostos com natureza retroactiva que consta do n.º 3 do artigo 103.º da CRP, que estabelece que «ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei».

O Tribunal Constitucional tem adoptado uma interpretação restritiva do alcance desta proibição de impostos que tenham natureza retroactiva, entendendo que o «legislador da revisão constitucional de 1997, que introduziu a actual redacção do artigo 103.º, n.º 3, apenas pretendeu consagrar a proibição da retroactividade autêntica, ou própria, da lei fiscal, abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu âmbito aplicativo as situações de retrospectividade ou de retroactividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente» (acórdãos n.º 18/2011, de 12-01-2011, que segue jurisprudência adoptada no acórdão n.º 399/2010).

As normas que prevêem os pagamentos especiais por conta não eram, em princípio, normas de incidência de IRC, mas sim sobre a sua liquidação e pagamento, pelo que, nessa medida, não estarão abrangidas pela proibição constitucional de retroactividade. Mas, antes da redacção dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao n.º 3 do artigo 93.º ([13]), na inviabilidade de dedução dos pagamentos especiais por conta no período a que se reportam e nos períodos subsequentes, aquelas normas podiam acabar por se conduzir criar uma situação de incidência de IRC, autónoma em relação a qualquer outro facto tributário, se não viesse a ser permitido o reembolso nos termos do n.º 3 do artigo 93.º do CIRC, que dependia do preenchimento de condições.

No entanto, com a redacção dada ao referido n.º 3 do artigo 93.º pela Lei n.º 2/2014, deixaram de ser exigidas condições, pelo que os pagamentos especiais por conta apenas implicam, por si mesmos, o pagamento definitivo de imposto quando o sujeito passivo não diligenciar no sentido de obter o reembolso, no prazo previsto.

E, mesmo nesta hipótese, estar-se-á perante um facto tributário complexo de formação sucessiva, que é constituído pelo volume de negócios no ano a que se reportam os pagamentos especiais por conta conjugado com a inviabilidade de dedução nos períodos previstos na lei e o não reembolso nos termos previstos no artigo 93.º, n.º 3, do CIRC. 

 À face deste regime, a situação jurídica criada com os pagamentos especiais por conta efectuados nos anos de 2012 e 2013 ainda não está estabilizada, o que, desde logo, afasta a violação da proibição de retroactividade das leis fiscais, na visão do Tribunal Constitucional, pois o facto tributário que a lei nova pretende regular não se verificou integralmente nem produziu todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga: «um caso em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga e um outro caso em que o facto tributário tenha ocorrido ao abrigo da lei antiga, mas os seus efeitos, designadamente os relativos à liquidação e pagamento, ainda não estejam totalmente esgotados não terão necessariamente o mesmo desvalor constitucional, uma vez que a primeira situação é do ponto de vista da eventual afectação da situação jurídica do contribuinte mais grave que a segunda» (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 399/10, de 27-10-2010).

Assim, terá de se concluir que a interpretação autêntica que se faz no artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, na parte em que se reconduz à não dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta nas tributações autónomas, não ofende o princípio da não retroactividade na criação de impostos, entendido como reportando-se apenas à retroactividade autêntica, reportada a factos tributários que se completaram e produziram todos os seus efeitos no passado.

Porém, aquela regra da irretroactividade das normas que criem impostos não esgota as preocupações constitucionais de segurança jurídica, impostas pelo princípio do Estado de direito democrático, como ensina CASALTA NABAIS:

«O princípio da segurança jurídica, ínsito na ideia do Estado de direito democrático, está longe, porém, de ter sido totalmente absorvido por esse novo preceito constitucional. É certo que ele deixou de servir de balança na ponderação dos bens jurídicos em presença quando estamos perante um imposto afectado de retroactividade verdadeira ou própria. Quando tal acontecer, a solução está agora ditada, urbi et orbi, na Constituição, não podendo o órgãos seus aplicadores, sem violação dela, proceder a uma ponderação casuística.

Mas o princípio em causa tem inequivocamente um lastro bem maior. É que ele também serve de critério de ponderação em situações de retroactividade imprópria, inautêntica ou falsa, bem como em situações em que, não se verificando qualquer retroactividade, própria ou imprópria, há que tutelar a confiança dos contribuintes depositada na actuação dos órgãos do Estado». ([14])

 

No entanto, no específico caso dos pagamentos especiais por conta, não pode concluir-se que não se esteja perante uma lei verdadeiramente interpretativa, pois não havia uma jurisprudência consolidada no sentido da sua dedutibilidade à colecta resultante das tributações autónomas e, pelo contrário, a solução perfilhada no n.º 21 do artigo 88.º, já anteriormente podia ser adoptada pelos tribunais, como foi pelo Tribunal Arbitral que proferiu a decisão no processo do CAAD n.º 113/2015-T.

Assim, não pode concluir-se que a interpretação autêntica que se faz naquele artigo 88.º, n.º 21, por força do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, seja violadora do princípio constitucional da segurança jurídica, no concerne à parte daquela norma que se reporta à indedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à colecta das tributações autónomas. 

Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral nesta parte, quanto à ilegalidade das autoliquidações.

 

4. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios         

 

A Requerente pede o reembolso das quantias de € 57.556,00 (2012), € 73.851,36 (2013, primeiro período) e € 113.595,74 (2013, segundo período), acrescidas de juros indemnizatórios à taxa legal, contados, até integral reembolso, desde 31 de Maio de 2013 quanto a € 57.556,00, desde 1 de Janeiro de 2014 quanto a € 73.851,36, e desde 1 de Janeiro de 2015 quanto a € 113.595,74.

Como resulta do exposto, embora a decisão da reclamação graciosa seja ilegal na sua globalidade por erro sobre os pressupostos de direito, apenas quanto à parte relativa ao CFEI ocorre uma ilegalidade da autoliquidação.

Pelo que se referiu na fundamentação da decisão da matéria de facto, não há no processo elementos seguros quanto aos montantes do CFEI que deveriam ter sido deduzidos, havendo direito a reembolso na medida do que se determinar em execução do presente acórdão.

No que concerne a juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No caso em apreço, na sequência da ilegalidade dos actos de autoliquidação nas partes relativas à não dedução do CFEI, há lugar a reembolso do imposto pago que devia ter sido deduzido, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado», o que deverá ser determinado em execução de julgado.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

A ilegalidade da decisão da reclamação graciosa é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa.

No que concerne às duas autoliquidações relativas ao ano de 2013, que foram efectuadas pela Requerente, é de entender que o erro que a afecta na parte respeitante à não dedução do CFEI é imputável à Administração Tributária, pelo facto de se ter provado que a estrutura da declaração Modelo 22 do IRC não permitia à Requerente efectuar a autoliquidação deduzindo o benefício fiscal do CFEI ao montante das tributações autónomas. Trata-se de uma situação que, para efeito do n.º 2 do artigo 43.º da LGT, é equivalente ao preenchimento da declaração segundo «as orientações genéricas da administração tributária», pois estas estão subjacentes ao sistema informático de apresentação da declaração modelo 22, que impedem a dedução do CFEI ao montante das tributações autónomas.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT desde as datas em que efectuou cada um dos pagamentos em causa, até reembolso.

 

                       

            4. Decisão

 

            Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

– julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de declaração de ilegalidade da decisão da reclamação graciosa e anulá-la;

– declarar a ilegalidade das autoliquidações relativas aos dois períodos de 2013, nas partes relativas aos montantes de CFEI que não foram deduzidos aos montantes da tributações autónomas e anulá-las, nas partes respectivas;

– julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral nas partes relativas aos pedidos de declaração de ilegalidade das liquidações por não dedução dos pagamentos especiais por conta aos montantes das tributações autónomas e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira desses pedidos;

– condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente das quantias que pagou relativas ao CFEI que poderia ter sido deduzido aos montantes das tributações autónomas e a pagar juros indemnizatórios à Requerente, relativamente a cada um desses montantes desde as datas dos respectivos pagamentos até ao seu reembolso.

 

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €245.003,10.

 

            6. Custas

 

 Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente e da Autoridade Tributária e Aduaneira nas percentagens de 52,931% e 47,069%, respectivamente, que correspondem aos valores do decaimento de cada uma das Partes [artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT], à face dos valores dos pedidos principais formulados.

 

Lisboa, 28-04-2016

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

(A. Sérgio de Matos)

 

 

(Luís Miranda da Rocha)

 

 

 



[1] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:

– de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-4-2001, página 1207.

– de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em Apêndice ao Diário da República de 10-2-2004, página 4289.

– de 09/10/2002, processo n.º 600/02.

– de 12/03/2003, processo n.º 1661/02.

                Em sentido idêntico, podem ver-se:

– MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 479 em que refere que é "irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto", e volume II, 9.ª edição, página 1329, em que escreve que "não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa".  

– MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, página 472, onde escreve que "as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade".

[2]              A Autoridade Tributária e Aduaneira refere expressamente na informação em que se baseia a decisão da reclamação graciosa «que o facto das tributações autónomas terem natureza de IRC não significa que se possa aplicar a esta figura todo o bloco legal previsto no Código deste imposto».

[3]              O n.º 6 do artigo 87.º do CIRC foi revogado pela Lei n.º 55/2013, de 8 de Agosto, o que não tem relevância para este efeito de demonstrar que fora do âmbito das tributações autónomas havia e há cálculos parciais de IRC com base em taxas especiais aplicáveis a determinadas matérias colectáveis.

 [4]             Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2000, processo n.º 025446, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 501, páginas 150-153, em que se cita abundante jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do Supremo Tribunal de Justiça.

                Este Boletim do Ministério da Justiça está disponível em:

http://www.gddc.pt/actividade-editorial/pdfs-publicacoes/BMJ501/501_Dir_Fiscal_a.pdf

[5]              BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso legitimador, página 186.

[6]              O texto está publicado em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/4063B8B8-5ECC-413E-A9A5-DF205BD119A1/0/20140328_NOTAS_PREVIAS_DE_IRC_20102012.pdf.

Este texto foi publicado pela Autoridade Tributária e Aduaneira em Março de 2014, pelo que, apesar de reportar a 2012, poderia ser que não estivesse na disponibilidade da Assembleia da República, quando aprovou o diploma do CFEI.

Mas, em Março de 2013, já estava disponível o texto idêntico referente ao ano de 2011, em que a situação ainda era pior, a nível de percentagem de IRC liquidado:

«5. Apesar de no período de tributação de 2011 apenas 26% dos sujeitos passivos apresentarem IRC Liquidado (Quadro 7), verifica-se que cerca de 71% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC (Quadro 8), por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.)»

Este texto está disponível em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/70E81137-189A-440E-AF11-88B4A6CC1C9A/0/Notas_Previas_IRC_20092011.pdf.

De resto, há já vários anos que apenas uma minoria de contribuintes pagava IRC com base no lucro tributável do respectivo exercício, como se pode ver nos documentos estatísticos publicados em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/dgci/divulgacao/estatisticas/estatisticas_ir/:

– 29% no período de tributação de 2010, em que cerca de 76% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.).;

– 31% no período de tributação de 2009, em que de 77% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de  IRC por via do  Pagamento  Especial  por Conta, das Tributações Autónomas e  do  IRC de  exercícios anteriores;

– 34% no período de tributação de 2008, em que  79% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores;

– 36% no período de tributação de 2007, em que  80% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores.

 

   

 

[7]              Diário da Assembleia da República n.º 99, de 07-06-2013, páginas 52-53.

[8]              OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito – Introdução e Teoria Geral, página 260.

[9]              Com a Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, a dedução das quantias pagas a título de pagamento especial por conta podem ser deduzidas até ao 6.º período de tributação seguinte.

[10]             Neste sentido, pode ver-se CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 541, acompanhado pelo Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos de 18-2-2009, processo n.º 0926/08, e de 13-5-2009, processo n.º 0927/08.

                No mesmo sentido, FREITAS PEREIRA, Fiscalidade, 3.ª edição, página 45.

[11]             Não se pode esquecer, neste contexto da identificação da natureza de um tributo, que, levando a análise ao limite, como ensinava o saudoso Prof. Doutor SALDANHA SANCHES, «o destinatário do imposto é sempre a pessoa singular - a tributação da sociedade comercial é instrumental e a sua tributação é sempre um pagamento por conta do imposto que mais tarde vai ser suportado pelo titular do capital da sociedade».

[12]             À face do n.º 3 do artigo 93.º do CIRC, na redacção resultante da republicação operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, se não houvesse colecta de IRC suficiente para deduzir os pagamentos especiais por conta até ao quarto período de tributação subsequente, o reembolso apenas poderia ocorrer se se verificassem as condições previstas nesse n.º 3 do artigo 93.º do CIRC (não haver afastamento, em relação ao período de tributação a que diz respeito o pagamento especial por conta a reembolsar, em mais de 10 %, para menos, da média dos rácios de rentabilidade das empresas do sector de actividade em que se inserem, a publicar em portaria do Ministro das Finanças e a situação que deu origem ao reembolso seja considerada justificada por acção de inspecção feita a pedido do sujeito passivo formulado nos 90 dias seguintes ao termo do prazo de apresentação da declaração periódica relativa ao mesmo período de tributação).

[13]             A anterior redacção é a do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, que renumerou e republicou o CIRC e em que o artigo 93.º corresponde ao anterior artigo 87.º.

[14]             Direito Fiscal, 7.ª edição, página 151.