Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 522/2015-T
Data da decisão: 2016-03-18  Selo  
Valor do pedido: € 23.129,15
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS; terrenos para construção.
Versão em PDF


 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

            I. RELATÓRIO

 

1. No dia 29 de julho de 2015, a sociedade comercial A-…, Lda., NIPC…, com sede na Rua…, n.º…, Lisboa, (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo [Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (doravante, TGIS)] respeitante ao ano de 2014 e ao prédio urbano (terreno para construção) inscrito sob o artigo … na matriz predial urbana da freguesia do…, concelho e distrito de Lisboa, propriedade da Requerente, objeto das notas de cobrança com o n.º 2015…, no valor de € 7.709,73, relativa à primeira prestação, e com o n.º 2015…, no valor de € 7.709,71, relativa à segunda prestação, sendo o valor total da coleta de € 23.129,15.

A Requerente juntou 6 (seis) documentos e protestou juntar 4 (quatro) documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas. 

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

1.1. No essencial e em breve síntese, a Requerente alegou o seguinte (que mencionamos maioritariamente por transcrição):

- A Requerente desenvolve a atividade de construção de edifícios e de compra e venda de bens imóveis;

- O prédio da Requerente sobre o qual recaiu a liquidação controvertida é uma parcela de terreno para construção urbana, para o qual foi autorizada pela Câmara Municipal de Lisboa a construção de um edifício com um 17 pisos (5 dos quais em cave) e uma área de construção total de 7.511 m2 (sendo 2.668 m2 destinados a estacionamento, 1.363 m2 a comércio/escritórios e 3.480 m2 destinados a habitação;

- Foi com base nas áreas indicadas na referida planta que o terreno em causa foi inscrito na matriz urbana respetiva em 01/03/2005 e avaliado subsequentemente em 27/05/2005;

- O terreno em causa destinava-se, à data de 31/12/2014 e também agora, a construção, sendo fiscalmente um prédio da espécie ou tipo “terreno para construção”, conforme foi declarado na escritura pela qual a Requerente o adquiriu e se encontra também indicado na respetiva caderneta predial;

- Uma análise rápida das notas de cobrança notificadas à Requerente mostra que aquelas não contêm todos os elementos que deveriam ser obrigatoriamente notificados ao contribuinte nos termos do art. 36.º, n.os 1 e 2, e 39.º, n.º 12, do CPPT, nomeadamente a indicação do autor do ato e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data;

- O que está aqui em causa, porém, é a falta de autor da liquidação, vício que se refletiu nos atos de notificação, mas que é, em primeira linha, um vício do acto tributário notificado, ou seja, da liquidação;

- Não foi dado a conhecer à Requerente o acto tributário da liquidação, mas tão-só as notas de cobrança;

- E não se diga que a circunstância de o logotipo da Autoridade Tributária e Aduaneira surgir na nota de cobrança vale como indicação do autor do ato;

- Um ato sem autor não pode valer como ato tributário, pois carece de um dos seus elementos essenciais (cf. art. 123.º, n.º 1, a) e g), do CPA);

- Não contendo a liquidação a indicação do seu autor e a respectiva assinatura, ainda que mecanográfica, tal liquidação viola o art. 123.º, n.º 1, a) e g) do CPA, sendo nula nos termos do art. 133.º, n.º 1, do CPA, e fundamento de impugnação ao abrigo do disposto no art. 99.º, alínea d), do CPPT;

- Está em causa a liquidação do Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS, relativamente ao ano de 2014, tratando-se de um imposto relativamente novo, liquidado ao sujeito passivo sem se lhe dar a oportunidade de pronunciar-se antes da liquidação, conforme prescrito pelo art. 60.º, n.º 1, al. a), da LGT;

- A omissão da audição prévia consubstanciou, in casu, a preterição de formalidade essencial, projectando-se como vício invalidante da Liquidação, que constitui fundamento da sua anulação nos termos do artigo 99.º do CPPT, por violação da alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT;

- O referido prédio da Requerente foi sujeito a IMI relativamente ao ano de 2014, imposto este que foi liquidado à Requerente e foi por ela pago no que respeita à 1.ª prestação já vencida;

- O facto tributário sobre que incidiram o IMI e o IS foi exactamente o mesmo;

- Também o período em questão foi exatamente o mesmo para os dois impostos, ou seja, 2014 – a titularidade do prédio a 31 de Dezembro desse ano;

- O IMI é um imposto que incide sobre o valor patrimonial dos prédios, sendo devedor do imposto quem for titular dos prédios em 31 de Dezembro do ano a que aquele respeita, sendo, pois, um imposto com a natureza de imposto sobre o património imobiliário;

- O IS é um imposto que pode revestir diferentes naturezas, sendo que no que respeita à verba 28 da TGIS é por demais evidente que o imposto reveste a mesma natureza do IMI, ou seja, de imposto sobre o património imobiliário;

- Estando perante prédios urbanos habitacionais ou terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, com um VPT igual ou superior a € 1.000.000, não há dúvida de que ambos os impostos, IMI e IS (verba 28.1), tributam a mesmíssima situação fáctica, a mesmíssima realidade, a mesmíssima capacidade económica;

- Ambos os impostos são de idêntica natureza, incidem sobre a totalidade do VPT, mesmo facto, mesmo período, mesmo titular, pelo que, estando pago o IMI, sempre se diria que estaríamos perante uma situação de duplicação de colecta, que deve ser apreciada e, em consequência, deve a liquidação de IS ora em questão ser anulada, com todas as consequências legais daí decorrentes;

- Esta norma de incidência tributária (verba 28.1 da TGIS, na redação atual introduzida pela Lei do OE de 2014), segundo a qual os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, afigura-se inconstitucional por violação dos princípios constitucionais da legalidade, da justiça e da igualdade e da imparcialidade, formulados no n.º 2 do art. 266.º, bem como dos arts. 13.º e 104.º, n.º 3, todos da Constituição da República Portuguesa, razão pela qual deve ser desaplicada;

- O terreno da Requerente objeto da tributação destina‑se à construção de habitação, conjuntamente com comércio/serviços, pelo que não cai diretamente na previsão da Verba 28.1 da TGIS;

- Não pode deixar de julgar-se que o ato tributário impugnado viola a norma prevista na Verba 28.1 da TGIS – na medida em que a mesma não prevê a tributação de terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja conjuntamente para habitação e comércio/serviços, mas apenas aqueles “cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação” – e, como tal, deverá ser anulado;

- A Requerente pagou, em 18/06/2015 e em 16/07/2015, as duas primeiras prestações, do imposto cuja liquidação ora impugna;

- A Requerente tem direito a que os montantes pagos lhe sejam reembolsados, em consequência do deferimento do presente pedido de pronúncia arbitral, acrescidos de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto nos n.os 1 e 2 do art. 43.º da Lei Geral Tributária e no art. 61.º do CPPT.

A Requerente remata o seu articulado inicial peticionando o seguinte:

«Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, se requer que o presente pedido de pronúncia arbitral seja recebido e julgado procedente, por provado, declarando-se nula ou anulando-se a Liquidação, por violação dos preceitos legais e princípios constitucionais citados, tudo com as devidas consequências legais.

Mais se requer que, em consequência do deferimento do presente pedido de pronúncia arbitral, seja efectuado o reembolso do valor de € 15.419,44 (quinze mil quatrocentos e dezanove euros e quarenta e quatro cêntimos), que a Requerente já pagou, acrescido de juros indemnizatórios contados desde as datas de pagamento até ao efectivo reembolso.»

2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 31 de agosto de 2015.

            3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4. Em 20 de outubro de 2015, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 4 de novembro de 2015.

6. No dia 9 de dezembro de 2015, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente e concluiu pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

A Requerida juntou 3 (três) documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas.

Na mesma ocasião, a Requerida informou que não procederia à junção aos autos do respetivo processo administrativo por o mesmo ser unicamente composto pelas liquidações controvertidas (juntas pela Requerente) e pelos documentos juntos à Resposta.

6.1. No essencial e também de forma breve, importa respigar os argumentos mais relevantes em que a Requerida alicerçou a sua Resposta (que mencionamos maioritariamente por transcrição):

- As identificadas notas de cobrança de imposto que foram remetidas à Requerente, para além de conterem todos os elementos legalmente exigidos, contêm ainda a liquidação do imposto (identificação do prédio e seu valor patrimonial tributário, taxa aplicada e valor apurado), meios de defesa e prazos para reagir;

- O vício arguido pela Requerente – não indicação do autor do ato e a falta da respetiva assinatura – é um vício que, a ser considerado procedente, afeta não a liquidação impugnada, mas sim o acto de notificação da liquidação, tendo, por conseguinte, como consequência a nulidade do ato de notificação, nos termos do artigo 39.°, n.° 12, do CPPT e a ineficácia do acto tributário subjacente;

- A liquidação impugnada, na medida em que se limita a aplicar uma taxa fixa ao VPT que foi fixado, em resultado da declaração apresentada pela Requerente, e com a participação da Requerente, cai no âmbito da exceção prevista na alínea a) do n.º 2 do art.º 60.º da LGT, considerando-se, neste caso, que a Requerida estava dispensada de notificar a Requerente para exercer o direito de audição prévia;

- Não se verifica a invocada duplicação de coleta, pois inexiste, desde logo, a identidade do imposto, pois que é apodítico que estamos perante dois impostos distintos, o IMI e o Imposto de Selo, in casu, a sua verba 28;

- Não impondo a Constituição da República Portuguesa um único imposto sobre o património, nada obsta a que o legislador, no âmbito da sua liberdade de conformação legislativa, crie, paralelamente ao IMI, outros impostos sobre o património, incidentes sobre determinados prédios, mormente a verba 28.1 da TGIS;

- Considera-se inexistir obstáculo de cariz jurídico-constitucional à opção do legislador de fazer cumular os dois impostos distintos, na forma e na natureza, saliente-se, (IMI e IS) sobre determinados prédios;

            - Ademais, é também altamente discutível que o requisito da unicidade do facto tributário se revele preenchido, porquanto, se na verdade o IMI tributa a detenção de um qualquer imóvel per si indistintamente, já o Imposto de Selo detém-se sobre a existência de imóveis em atenção à sua afetação e ao seu valor patrimonial tributário acima de um limiar de € 1.000.000,00, enquanto manifestações de uma capacidade contributiva/riqueza superior de determinados proprietários;

            - A verba 28 da TGIS é uma norma conforme à Constituição da República Portuguesa;

            - É, inequivocamente, uma norma de caráter geral e abstrato, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se preencham os respetivos pressupostos de facto e de direito;

            - O facto de o legislador estabelecer um valor (€ 1.000.000,00) como critério delimitativo da incidência do imposto, abaixo do qual não se preenche a previsão da norma tributária, constitui uma legítima escolha do legislador quanto à fixação do âmbito material dos “imóveis habitacionais de luxo” que se pretende tributar de modo mais gravoso, até porque qualquer outro valor de grandeza análoga assumiria, do mesmo modo, um carácter artificial que é conatural a qualquer fixação quantitativa de um nível ou limite;

            - A tributação em sede de imposto de selo está sujeita ao critério de adequação, na exata medida em que visa a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade dos imóveis com afetação habitacional de elevado valor e surge num contexto de crise económica que não pode ser ignorado;

            - A realidade fáctico-jurídica selecionada pelo legislador para constituir a base da incidência da verba 28.1 da TGIS é o prédio em si considerado, em atenção à sua afetação e ao seu valor patrimonial tributário, não o património predial global dos sujeitos passivos;

            - Estamos perante um legítimo critério de diferenciação racional e lógico, em nada violador dos ditames constitucionais, que impõe a limitação de incidência da tributação em causa aos prédios habitacionais de luxo ou com afetação habitacional, com exclusão e em detrimento dos prédios com afetações estritamente económicas;

            - A AT entende que a previsão da verba 28 da TGIS não consubstancia qualquer violação do princípio da igualdade previsto no art. 13.º da CRP;

            - O Tribunal Constitucional, no âmbito do processo n.º 542/14, decidiu que a norma de incidência da verba 28 da TGIS não enferma de nenhuma inconstitucionalidade, inexistindo qualquer violação dos princípios constitucionais conformadores da lei fiscal, especificadamente, dos princípios da igualdade fiscal, da capacidade contributiva e da proporcionalidade;

            - O prédio em causa tem natureza de terreno para construção com afetação habitacional, conforme consta da caderneta predial, ficha de avaliação e comprovativo de entrega da Mod. 1;

            - Alega a Requerente que o terreno em causa tem outras afetações além da habitacional, realidade alegada que não corresponde à realidade da matriz e cadastral;

            - Toda e qualquer ilegalidade ou incorreção praticada ou detetada na avaliação do referido prédio deveria ter sido sindicada nos prazos e pelos meios próprios previstos na lei para o efeito, pelo que não tendo tal sido feito todos os pressupostos positivos - matriz, valor tributável, afetação do prédio e titular do direito - de que depende a incidência tributária e que serviram de base à liquidação do IS impugnada, tornaram-se inatacáveis;

            - É entendimento da AT que o prédio em apreço tem natureza jurídica de prédio com afetação habitacional, pelo que o ato de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral deve ser mantido por consubstanciar uma correta interpretação da verba 28.1 da TGIS;

            - Tratando-se de uma situação abrangida por notificações em massa, poderá a mesma gerar algumas irregularidades, nomeadamente, ao considerar a afetação com maior percentagem (habitação) à totalidade do prédio;

            - Ficando demonstrado que a afetação do prédio impugnado não é exclusivamente habitacional, deverá o Tribunal determinar apenas a anulação da liquidação na parte referente à afetação não habitacional daquele prédio, sendo de manter a liquidação na parte correspondente à afetação habitacional do mesmo, porquanto tal afetação se insere na norma de incidência da verba 28.1 TGIS;

            - Sendo possível a determinação do montante correspondente à parte com afectação habitacional, o tributo deverá incidir sobre essa parte;

            - A liquidação em causa não provém de qualquer erro dos Serviços, decorrendo diretamente da aplicação da lei, tendo-se a AT limitado a aplicar as consequências jurídicas que, do ponto de vista fiscal, se impunham, pelo que não deverá ser reconhecido à Requerente o direito aos juros indemnizatórios peticionados.

A Requerente remata assim o seu articulado:

«Termos em que, com o douto suprimento de V. Exa.,

a) deve o pedido de declaração de inconstitucionalidade e consequente anulação da liquidação controvertida ser julgado improcedente, absolvendo-se a AT do pedido

b) Mais, estribando-se os fundamentos do presente pedido de pronúncia arbitral essencialmente na (suposta) desconformidade constitucional da aludida Verba 28.1 do CIS, caso o Tribunal Arbitral venha a acolher a pretensão da Requerente e, inerentemente, recuse a aplicação desta norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, requer-se, por apelo ao disposto no artigo 280.º, n.º 3, da CRP e no artigo 72º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, seja determinada a notificação ao Ministério Público do douto acórdão arbitral, a fim de que este dê cumprimento as suas prerrogativas legais.»

7. Em 10 de dezembro de 2015, foi proferido despacho a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

8. Em 14 de janeiro de 2016, a Requerente veio requerer a ampliação do pedido, em virtude de, posteriormente à apresentação do pedido de pronúncia arbitral, ter procedido ao pagamento da terceira prestação, no valor de € 7.709,71, do Imposto do Selo respeitante à liquidação acima identificada e objeto da nota de cobrança com o n.º 2015… .   

Na mesma ocasião, a Requerente juntou aos autos 3 (três) documentos, dois deles que protestara juntar no pedido de pronúncia arbitral (Documentos 3 e 4) e um outro respeitante à indicada nota de cobrança; a Requerente prescindiu ainda da junção aos autos dos restantes dois documentos que protestara juntar (Documentos 7 e 8).  

10. Ambas as Partes declararam prescindir da apresentação de alegações, tendo por isso as mesmas sido dispensadas.     

***

            II. SANEAMENTO

            O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

O processo não enferma de nulidades.

            As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, encontram-se devidamente representadas e são legítimas.

            Admite-se a ampliação do pedido, por se mostrarem preenchidos os pressupostos para tal estatuídos no art. 265.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, uma vez que a ampliação requerida constitui evidente desenvolvimento do pedido primitivo, no qual, aliás, já foi feita referência expressa à “3.ª prestação” de Imposto do Selo.

            Não há exceções ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

***

III. FUNDAMENTAÇÃO                     

III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

Nesta parametria, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

a) A Requerente desenvolve a atividade de construção de edifícios e de compra e venda de bens imóveis. [cf. Documento 9 junto à P. I.]

b) No ano de 2014, a Requerente era proprietária do prédio urbano sito na Rua … e Rua…, designado lote 2001/…, freguesia do…, concelho e distrito de Lisboa, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo…, com o valor patrimonial tributário de € 2.312.915,19, tendo sido aplicado o coeficiente de localização “habitação” na respetiva avaliação. [cf. Documento 5 junto à P. I. e Doc. 1 junto à Resposta]

c) O referido prédio urbano é um terreno para construção, com a área de 667 m2, para o qual foi autorizada pela Câmara Municipal de Lisboa a construção de um edifício com 17 pisos (5 dos quais em cave) e uma área de construção total de 7.511 m2, sendo 2.668 m2 destinados a estacionamento, 1.363 m2 destinados a comércio/escritórios e 3.480 m2 destinados a habitação. [cf. Documentos 5 e 6 juntos à P. I. e Doc. 1 junto à Resposta]  

d) Foi com base nas áreas indicadas na planta constante do documento 6 com a P. I. (intitulada “Planta do Lote Municipal n.º 2001/…”) que o terreno em causa foi inscrito na respetiva matriz predial em 01/03/2005 e subsequentemente avaliado em 27/05/2005. [cf. Docs. 2 e 3 juntos à Resposta]

e) Em 20 de março de 2015, a AT efetuou a liquidação de Imposto do Selo, no montante total de € 23.129,15, reportada ao ano de 2014 e referente ao aludido prédio urbano.

f) Na sequência dessa liquidação de Imposto do Selo, a Requerente foi notificada das notas de cobrança que seguidamente se discriminam [cf. Documentos 1 e 2 juntos à P. I. e Documento 11 junto ao requerimento da Requerente, de 14/01/2016]:

 

Identificação do documento

Data limite de pagamento

Prestação

Valor a pagar (€)

2015…

abril/2015

1.ª

7.709,73

2015 …

julho/2015

2.ª

7.709,71

2015 …

novembro/2015

3.ª

7.709,71

           

g) A mencionada liquidação de Imposto do Selo resultou da aplicação da verba 28.1 da TGIS ao referenciado prédio urbano. [cf. Documentos 1 e 2 juntos à P. I. e Documento 11 junto ao requerimento da Requerente, de 14/01/2016]

            h) Em 18 de junho de 2015, a Requerente procedeu ao pagamento integral do valor correspondente à 1.ª prestação da mencionada liquidação de Imposto do Selo, no montante de € 7.709,73. [cf. Documento 1 junto à P. I.] 

i) Em 16 de julho de 2015, a Requerente procedeu ao pagamento tempestivo e integral do valor correspondente à 2.ª prestação da mencionada liquidação de Imposto do Selo, no montante de € 7.709,71. [cf. Documento 1 junto à P. I.] 

j) Em 30 de novembro de 2015, a Requerente procedeu ao pagamento tempestivo e integral do valor correspondente à 3.ª prestação da mencionada liquidação de Imposto do Selo, no montante de € 7.709,71. [cf. Documento 11 junto ao requerimento da Requerente, de 14/01/2016]

k) Em 25 de fevereiro de 2015, a AT efetuou a liquidação de IMI, no montante total de € 6.938,75, reportada ao ano de 2014 e referente ao aludido prédio urbano. [cf. Documento 3 da P. I. e junto com o requerimento da Requerente, de 14/01/2016]

l) A Requerente procedeu ao pagamento integral das três prestações atinentes àquela liquidação de IMI, o que fez tempestivamente em 30/04/2015 (1.ª prestação), em 30/07/2015 (2.ª prestação) e em 30/11/2015 (3.ª prestação). [cf. Documento 4 da P. I. e junto com o requerimento da Requerente, de 14/01/2016]

m) Em 29 de julho de 2015, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. sistema informático de gestão processual do CAAD]

*

§2. FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.

*

§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, e nos documentos juntos aos autos.

*

III.2. DE DIREITO

A Requerente argui a existência de diversos vícios, formais e materiais, nos quais funda o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo controvertida. Concretamente, a Requerente invoca, como vícios formais, a falta de autor do ato de liquidação – que, segundo a Requerente, gera a nulidade da liquidação – e a falta de audição prévia; e, como vícios materiais, a duplicação de coleta, a inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS por violação dos princípios constitucionais da legalidade, da justiça e da igualdade e da imparcialidade, e a violação da norma de incidência tributária constante da verba 28.1 da TGIS.

O art. 124.º do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT, estatui que o tribunal deve apreciar prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, seguidamente, os vícios que conduzam à sua anulação (n.º 1). No concernente aos vícios que consubstanciem inexistência ou nulidade, o julgador deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine, segundo o seu prudente critério, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos. No tocante aos vícios que constituam anulabilidade, é estabelecido o mesmo critério, que só não será aplicável se o impugnante tiver estabelecido uma relação de subsidiariedade entre os vícios imputados ao ato – o que é permitido pelo art. 101.º do CPPT – pois nesse caso é dada primazia à sua vontade (desde que o Ministério Público não tenha arguido outros vícios) (n.º 2).

As regras emanadas desta norma legal sobre a ordem de conhecimento de vícios destinam-se a tutelar o interesse do impugnante com a máxima economia processual, omitindo pronúncia sobre vícios invocados quando o vício ou vícios já reconhecidos impedem a renovação do ato com o mesmo sentido. Efetivamente, o estabelecimento desta ordem de conhecimento dos vícios pressupõe que, conhecendo de um vício que conduza à eliminação jurídica do ato impugnado, o tribunal deixará de conhecer dos restantes, pois, se o julgador tivesse de conhecer de todos os vícios imputados ao ato, seria indiferente a ordem de conhecimento. Isto significa, pois, que o reconhecimento da existência de um vício implica que se considere prejudicado o conhecimento dos restantes vícios.

A tutela dos interesses ofendidos é mais estável quando a decisão impede a renovação do ato lesivo dos interesses do impugnante e será mais eficaz quando permitir ao interessado, em execução de julgado, obter uma melhor satisfação dos seus interesses, ofendidos pelo ato anulado.

Assim, se se tratar, por exemplo, de um vício de violação de lei – como seja uma norma de incidência tributária –, a anulação do ato impedirá a prática de um novo ato tributário em que se aplique a mesma norma que baseou o ato anterior, o que se traduzirá na impossibilidade de praticar um novo ato que imponha tributação ao impugnante.

Como se infere do que se vem de dizer, é tendo em consideração a execução do julgado anulatório e a influência que nela tem o tipo de vício que fundamentou a anulação que se justifica o estabelecimento de uma ordem de conhecimento dos vícios do ato impugnado.

Volvendo ao caso concreto, consoante acima já se frisou, a Requerente argui vícios formais e vícios materiais, sendo que, no âmbito dos primeiros, invoca o vício de falta de autor do ato de liquidação controvertido, que qualifica como gerador de nulidade daquele ato tributário.

Atento o disposto no art. 124.º do CPPT e o que deixámos dito a propósito desta norma, impor-se-ia pois ao Tribunal começar por apreciar o alegado vício de falta de autor do ato de liquidação controvertido, atenta a prioridade de conhecimento de vícios que é referida no n.º 1 daquele mesmo artigo.

No entanto, desde logo, constitui nosso entendimento que a existir alguma invalidade radicada na falta de indicação do autor do ato, a mesma deverá ser apreciada na perspetiva do respetivo ato de notificação – gerando a sua nulidade, caso se verifique essa falta (art. 39.º, n.º 12, do CPPT) – e não na do ato de liquidação controvertido (ato notificado), o qual será meramente ineficaz (e não inválido) se o respetivo ato de notificação for nulo (art. 36.º, n.º 1, do CPPT). Caso se venha a justificar, voltaremos adiante a esta questão.

Acresce que, como refere Jorge Lopes de Sousa [1], «não parece justificar-se em todos os casos é que se dê prioridade aos vícios geradores de inexistência e nulidade com simultâneo não conhecimento dos restantes vícios geradores de mera anulabilidade, no caso de procedência dos primeiros. Com efeito, pode acontecer que, embora os vícios geradores de mera anulabilidade sejam de menor gravidade, seja a anulação com base nestes que fornece mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos.». Ora, no caso concreto, resulta evidente que mesmo que se viesse a entender que o ato de liquidação controvertido era nulo, por ausência de indicação do respetivo autor, tal invalidade não seria impeditiva da renovação do ato, tanto mais que o respetivo prazo de caducidade não se mostra ainda esgotado (cf. art. 39.º do CIS).  

Nesta parametria, os vícios imputados pela Requerente ao ato impugnado que fornecem mais estável e eficaz tutela dos seus interesses são os sobreditos vícios materiais consubstanciados em duplicação de coleta, inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS por violação dos princípios constitucionais da legalidade, da justiça e da igualdade e da imparcialidade, e violação da norma de incidência tributária constante da verba 28.1 da TGIS, entre os quais a Requerente não estabeleceu uma relação de subsidiariedade.    

Dentre estes, começar-se-á pela apreciação do vício de violação da norma de incidência tributária constante da verba 28.1 da TGIS, pois, a verificar-se, afastará definitivamente a possibilidade de impor à Requerente um novo ato tributário praticado ao abrigo daquela mesma norma. Além disso, só importará proceder à apreciação da questão da inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS se e na medida em que a interpretação e concretização da solução normativa resultante da mencionada verba envolver a subsunção à respetiva previsão legal de situação sub judice.   

Posteriormente, se a interpretação e concretização da solução normativa resultante da mencionada verba 28.1 envolver efetivamente a subsunção à respetiva previsão legal da situação sub judice, passar-se-á, na medida do que for necessário em ordem à resolução do litígio, à apreciação do vício de inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, do vício de duplicação de coleta e, por fim, dos vícios formais alegados.  

*

§1. DA INTERPRETAÇÃO E DELIMITAÇÃO DO ÂMBITO DE INCIDÊNCIA OBJETIVA DA VERBA 28.1 DA TGIS

 

No epicentro do dissenso que opõe as partes neste processo, está a norma de incidência tributária constante da verba 28.1 da TGIS, pelo que se impõe, naturalmente, começar por proceder à interpretação desta norma, tendo em vista aferir o seu escopo e, dessa forma, delimitar aquele que é o seu campo de aplicação.

 A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, introduziu diversas alterações ao Código do Imposto do Selo e aditou à TGIS a verba 28, com a seguinte redação (cf. art. 4.º):

«28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 — Por prédio com afetação habitacional— 1 %;

28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.»

Posteriormente, a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (LOE 2014), alterou a redação da verba 28.1 da TGIS (cf. art. 194.º), tendo esta passado a ter o seguinte teor (redação aplicável ratione temporis à situação sub judice): 

 «28.1 — Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI— 1 %»

A interpretação da norma de incidência constante da verba 28.1 da TGIS não poderá deixar de ser efetuada com base nas diretrizes hermenêuticas que dimanam do art. 11.º da LGT e do art. 9.º do Código Civil, normas que estatuem o seguinte:

Art. 11.º da LGT, epigrafado «Interpretação»:

«1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.

3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender -se à substância económica dos factos tributários.

4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.»

Art. 9.º do Código Civil, epigrafado «Interpretação da lei»:

«1. A interpretação não deve cingir -se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de cor respondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.»

A propósito desta tarefa interpretativa, data venia, apropriamo-nos aqui dos seguintes considerandos vertidos na decisão arbitral proferida no processo n.º 53/2013-T do CAAD[2]:

A relevância do texto da lei é especialmente acentuada em matéria de interpretação de normas de incidência do Imposto do Selo, que se reconduzem a uma amálgama, sob uma denominação comum, de um conjunto incongruente de tributos de naturezas completamente distintas (sobre o rendimento, sobre a despesa, sobre o património, sobre actos, etc.), que não deixa margem apreciável para aplicação do critério interpretativo primordial, que é a unidade do sistema jurídico, que reclama a sua coerência global.

A reconhecida falta de coerência do Imposto do Selo é particularmente exuberante no caso desta verba n.º 28.1, apressadamente incluída à margem do Orçamento Geral do Estado, por um legislador fiscal sem orientação fiscal global perceptível, que vai implementando sucessivamente normas de agravamento fiscal à medida dos revezes da execução orçamental, das imposições dos credores institucionais internacionais (representados pela «troika») e da fiscalização do Tribunal Constitucional.

Na verdade, embora na «Exposição de Motivos» da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª, em que se baseou a Lei n.º 55-A/2012, se faça referência à louvável preocupação do Governo de «reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento» e ao seu empenho «em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho», é manifesto, por um lado, que essas razões de equidade, decerto existentes, não começaram a valer em meados de 2012, já existindo no início do ano, quando entrou em vigor o Orçamento Geral do Estado e, por outro lado, que o alcance da verba n.º 28.1, ao tributar acrescidamente os prédios com afectação habitacional e não também os prédios que a não têm, deixa entrever que as preocupações de equidade social e a proclamada intenção de repartição dos sacrifícios por todos, atinge muito mais alguns do que propriamente todos.

Neste contexto, não existindo elementos interpretativos seguros que permitam detectar coerência legislativa na solução adoptada na referida verba n.º 28.1 ou o acerto ou desacerto da solução adoptada (relevante para efeitos interpretativos à face do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), o teor do texto legal tem de ser o elemento primacial da interpretação, em conformidade com a presunção, imposta pelo mesmo n.º 3 do artigo 9.º, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

Dito isto. Analisada a redação – quer a primitiva, quer a atual – da verba 28.1 da TGIS, verificamos que esta norma possui um cariz fulcralmente remissivo, pois o respetivo conteúdo regulativo relevante depende da normatividade ad quam constante do Código do IMI.

Na verdade, seja quanto à incidência objetiva, com a referência a “prédios urbanos” e ao “valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis”, seja quanto à fixação da matéria coletável, com a referência ao “valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”, o teor regulativo desta verba 28 da TGIS resulta da devolução – nos termos de uma remissão geral – para o conjunto regulativo que se encontra no Código do IMI.

Aliás, esse aspeto resulta reforçado pelo n.º 2 do art. 67.º do CIS, que determina que às matérias não reguladas no CIS respeitantes à verba 28 da TGIS aplica-se, subsidiariamente, o disposto no Código do IMI.

Nesta parametria, cumpre então coligir as normas do Código do IMI que se afiguram pertinentes para a compreensão e, logo, para a aplicação da verba 28.1 da TGIS.

No Código do IMI, o conceito de “prédio” surge assim definido (art. 2.º):

«1. Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.

2. Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.

3. Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.

4. Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.»

Seguidamente, nos arts. 3.º a 5.º do CIMI, são enumeradas as espécies de prédios existentes, a saber:

Prédios rústicos (art. 3.º):

«São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:

a) Estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);

b) Não tendo a afectação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.

2 – São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afectação.

3 – São ainda prédios rústicos:

a) Os edifícios e construções directamente afectos à produção de rendimentos agrícolas, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores;

b) As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º

4 – Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.»

Prédios urbanos (art. 4.º):

«Prédios urbanos são todos aqueles que não devem ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.»

Prédios mistos (art. 5.º):

«1. Sempre que um prédio tenha partes rústica e urbana é classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal.

2. Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio é havido como misto.»

Posteriormente, no art. 6.º do CIMI, são indicadas as espécies de prédios urbanos:

«1. Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.

2. Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3. Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.

4. Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.»

Sobre o “valor patrimonial tributário”, o art. 7.º do CIMI estatui o seguinte:

 «1. O valor patrimonial tributário dos prédios é determinado nos termos do presente Código.

2. O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos com partes enquadráveis em mais de uma das classificações do n.º 1 do artigo anterior determina-se:

a) Caso uma das partes seja principal e a outra ou outras meramente acessórias, por aplicação das regras de avaliação da parte principal, tendo em atenção a valorização resultante da existência das partes acessórias;

b) Caso as diferentes partes sejam economicamente independentes, cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes.

3. O valor patrimonial tributário dos prédios mistos corresponde à soma dos valores das suas partes rústica e urbana determinados por aplicação das correspondentes regras do presente Código.»

Sob a epígrafe “conceito de matrizes prediais”, o art. 12.º do CIMI estatui o seguinte:

«1. As matrizes prediais são registos de que constam, designadamente, a caracterização dos prédios, a localização e o seu valor patrimonial tributário, a identidade dos proprietários e, sendo caso disso, dos usufrutuários e superficiários.

2. Existem duas matrizes, uma para a propriedade rústica e outra para a propriedade urbana.

3. Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.

4. As matrizes são actualizadas anualmente com referência a 31 de Dezembro.

4. As inscrições matriciais só para efeitos tributários constituem presunção de propriedade.»

 Ainda a propósito das matrizes prediais, importa atender ao n.º 1 do art. 13.º do CIMI, do qual decorre que «[a] inscrição de prédios na matriz e a actualização desta são efectuadas com base em declaração apresentada pelo sujeito passivo».

No respeitante à determinação do valor patrimonial tributário, importa convocar as seguintes normas do CIMI:

- Art. 38.º do CIMI, epigrafado «Determinação do valor patrimonial tributário»:

«1. A determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços resulta da seguinte expressão:

Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv

em que:

Vt = valor patrimonial tributário;

Vc = valor base dos prédios edificados;

A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;

Ca = Coeficiente de afectação;

Cl = coeficiente de localização;

Cq = coeficiente de qualidade e conforto;

Cv = coeficiente de vetustez.

2. O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos apurado é arredondado para a dezena de euros imediatamente superior.»

- Art. 45.º do CIMI, epigrafado «Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção”:

«1. O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.

2. O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

3. Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º.

4. O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.

5. Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente.»   

À face do teor literal da verba 28.1 da TGIS, estão sujeitos a esta norma de incidência tributária os prédios urbanos de valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00, que sejam prédios habitacionais ou terrenos para construção com edificação, autorizada ou prevista, para habitação.

Atentas as normas do CIMI acima citadas, temos que são habitacionais os edifícios ou construções licenciadas pelos municípios para esse fim ou, na falta de licenciamento, que tenham como destino normal essa utilização (art. 6.º, n.º 2, do CIMI); assim, são prédios habitacionais os referidos edifícios ou construções, sendo pois estes que estão sujeitos à verba 28.1 da TGIS. No tocante aos terrenos para construção, apenas estão abrangidos pelo âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS aqueles para os quais esteja autorizada ou prevista a edificação para fins habitacionais, na aceção resultante da definição de prédio habitacional que é dada pelo n.º 2 do art. 6.º do CIMI; desta forma, estão excluídos da sujeição à verba 28.1 da TGIS, os terrenos para construção relativamente aos quais esteja autorizada ou prevista edificação para outros fins que não os habitacionais, nomeadamente, para fins comerciais, industriais ou para serviços.        

A correção desta interpretação, quanto ao âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS é confirmada pela ratio legis percetível da restrição do campo de aplicação da norma aos prédios habitacionais – restrição que se manteve quanto à afetação (habitação) na posterior alteração legislativa que veio alargar o âmbito de incidência aos terrenos para construção –, no contexto das «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», que o art. 9.º, n.º 1, do Código Civil também consagra como elementos interpretativos.

Efetivamente, a limitação da aplicação do imposto aos prédios habitacionais e aos terrenos para construção em que esteja prevista ou autorizada a construção de habitação, revela a intenção de não onerar o setor produtivo e as empresas em geral e, nesse sentido, não se pretendeu abranger no âmbito de incidência do imposto nem os prédios afetos a serviços, indústria ou comércio, isto é, os prédios afetos à atividade económica, nem os terrenos para construção relativamente aos quais esteja prevista ou autorizada edificação para esses outros fins. Tal resulta compreensível num contexto em que a economia se encontrava em espiral recessiva, publicamente proclamada ao mais alto nível, com as taxas de desemprego a atingir níveis históricos, com avalanche de encerramento de empresas devido a insustentabilidade económica. Sobre a ratio legis da introdução da verba 28 da TGIS, vejam-se, entre outras, as decisões proferidas nos processos n.ºs 50/2013-T, 132/2013-T 132/2013-T, 181/2013-T, 182/2013-T, 183/2013-T, 185/2013-T, 100/20114-T, 238/2014-T, 290/2014-T, 428/2014-T, 518/2014-T, 707/2014-T e 756/2014-T do CAAD.    

            Tendo presente essa situação e sendo consabido e público que a reanimação da atividade económica e o aumento das exportações são as portas de saída para a crise, compreende-se que, pese embora a necessidade premente de aumentar as receitas fiscais, não se tomassem medidas legislativas que dificultassem a atividade económica, designadamente o agravamento da carga fiscal que a dificulta e afeta a competitividade em termos internacionais.

            Por isso, é de concluir que os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS os prédios não habitacionais e os terrenos para construção relativamente aos quais esteja autorizada ou prevista a edificação para fins diferentes da habitação. 

A encerrar esta exegese da verba 28.1 da TGIS, importa, ainda, referir que os arts. 38.º a 46.º do CIMI não têm qualquer relação com a classificação dos prédios urbanos, pois naquelas normas apenas são indicados os fatores a ponderar na respetiva avaliação; sendo que, no que especificamente concerne ao art. 45.º do CIMI, quando ali se faz referência ao «edifício a construir» está a fazer-se a ponderação do destino do terreno, que é algo que, no contexto do CIMI, não implica afetação e ocorre antes desta (neste sentido, ver a decisão proferida no processo n.º 53/2013-T do CAAD). 

*

            §2. DA (NÃO) APLICAÇÃO DA VERBA 28.1 DA TGIS AO CASO SUB JUDICE

Como resultou provado, o prédio urbano em causa nestes autos é “um terreno para construção, com a área de 667 m2, para o qual foi autorizada pela Câmara Municipal de Lisboa a construção de um edifício com 17 pisos (5 dos quais em cave) e uma área de construção total de 7.511 m2, sendo 2.668 m2 destinados a estacionamento, 1.363 m2 destinados a comércio/escritórios e 3.480 m2 destinados a habitação” (cf. facto provado c)). Trata-se, pois, de um terreno para construção para o qual está autorizada a edificação para habitação, comércio e serviços.

Constitui nosso entendimento que a interpretação que fizemos da verba 28.1 da TGIS mostra-se particularmente perentória num caso como o presente em que, no terreno para construção em causa, está autorizada a edificação simultaneamente para fins habitacionais e para outros fins, concretamente para comércio e serviços.

É que, em tal circunstancialismo, não consta da matriz nem é utilizado para efeitos de IMI um valor patrimonial tributário da parte destinada a habitação, um outro valor patrimonial tributário da parte destinada a comércio e ainda um valor patrimonial tributário da parte destinada a serviços. Com efeito, o que estabelece o CIMI, segundo o citado art. 7.º, n.º 2, al. b), e consta da matriz é que o valor do prédio é a soma dos valores das suas partes, portanto, de todas as suas partes, seja qual for a respetiva afetação.

Neste enquadramento, não pode ter acolhimento a posição da Requerida no sentido de “o Tribunal determinar apenas a anulação da liquidação na parte referente à afectação não habitacional daquele prédio, sendo de manter a liquidação na parte correspondente à afectação habitacional do mesmo, porquanto tal afectação se insere na norma de incidência da verba 28.1 TGIS” (cf. artigo 189.º da Resposta). Com efeito, se se trilhasse esse caminho estar-se-ia inelutavelmente a desconsiderar o valor do prédio tal qual o mesmo é definido no art. 7.º, n.º 2, al. b), do CIMI e, em vez dele, estar-se-ia a considerar os valores parcelares de cada uma das partes do prédio, segundo as respetivas afetações, o que consubstanciaria evidente violação daquela norma legal.

Insista-se que o CIMI apenas se reporta, conforme resulta do art. 7.º, n.º 2, al. b), ao valor do prédio como resultante da soma de todas as suas partes objeto de avaliação autónoma, não legitimando, pois, configurar valores do prédio parcelares – mesmo que estes sejam concretamente determináveis – referentes apenas a certas partes economicamente independentes do prédio (na perspetiva da aplicação da verba 28.1 da TGIS, aquelas que possuem afetação habitacional), desconsiderando as partes com outras afetações (in casu, para comércio e serviços).

Assim, se se procedesse como a Requerida propugna, estar-se-ia a considerar, para efeitos da fixação da incidência da verba 28.1 da TGIS, valores que não correspondem ao valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI (e, logo, para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS), ou seja, estar-se-ia a adotar um valor patrimonial tributário que não encontra acolhimento na lei.

Atento o exposto, sobre o prédio urbano em apreço – “terreno para construção, com a área de 667 m2, para o qual foi autorizada pela Câmara Municipal de Lisboa a construção de um edifício com 17 pisos (5 dos quais em cave) e uma área de construção total de 7.511 m2, sendo 2.668 m2 destinados a estacionamento, 1.363 m2 destinados a comércio/escritórios e 3.480 m2 destinados a habitação” – não incide o Imposto do Selo previsto na norma de incidência tributária constante da verba 28.1 da TGIS.

Consequentemente, a liquidação controvertida padece de vício de violação de lei da verba 28.1 da TGIS, por erro sobre os pressupostos de direito, o que implica a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação.

*

Atenta a procedência da peticionada declaração de ilegalidade da liquidação controvertida, por vício que impede a renovação do ato, fica prejudicado, por inútil, o conhecimento dos restantes vícios que lhe são imputados pela Requerente. 

*

§3. DO REEMBOLSO DAS QUANTIAS PAGAS E DO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

            A Requerente peticiona, ainda, a condenação da AT ao reembolso do imposto pago indevidamente, no montante de € 23.129,15, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.

            O art. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que se deve entender, em conformidade com o disposto no art. 100.º da LGT, aplicável ex vi alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT, como abrangendo o pagamento de juros indemnizatórios, em consonância, aliás, com o disposto no n.º 5 do mesmo art. 24.º do RJAT.    

            O art. 43.º, n.º 1, da LGT determina que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, estatuindo o n.º 4 do art. 61.º do CPPT que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

            No caso concreto, verifica-se que a ilegalidade da liquidação controvertida, por erro nos pressupostos de direito, é imputável à AT por, naquela liquidação de imposto, ter procedido à incorreta interpretação e aplicação da disposição constante da verba 28.1 da TGIS, pelo que a Requerente tem direito, em conformidade com o disposto nos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, ao reembolso do montante de imposto indevidamente pago – € 23.129,15 – e aos juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos arts. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, calculados desde as datas dos pagamentos das respetivas prestações – 18.06.2015, 16.07.2015 e 30.11.2015 (cf. factos provados h), i) e j)) –, à taxa resultante do n.º 4 do art. 43.º da LGT, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos.      

***

 

IV. DECISÃO

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

a)      Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, declarar ilegal e anular a liquidação de Imposto do Selo impugnada nos presentes autos, no valor total de € 23.129,15, respeitante ao ano de 2014 e ao prédio urbano (terreno para construção) inscrito sob o artigo … na matriz predial urbana da freguesia do…, concelho e distrito de Lisboa; 

b)      Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente o valor total do Imposto do Selo indevidamente pago – € 23.129,15 –, acrescido de juros indemnizatórios nos termos legais, desde as datas em que os pagamentos das correspondentes prestações foram efetuados – 18.06.2015, 16.07.2015 e 30.11.2015 – até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos; 

c)      Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.

*

VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 23.129,15.

*

CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, o montante das custas é fixado em € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

*

Lisboa, 18 de março de 2016.

 

O Árbitro,

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)

 

 

[1] Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume II, 6.ª edição, Lisboa, Áreas Editora, 2011, p. 341.

[2] Todas as decisões arbitrais que forem referidas estão disponíveis em www.caad.org.pt/tributario/decisoes.