Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 32/2013-T
Data da decisão: 2013-08-09  Selo  
Valor do pedido: € 13.726,80
Tema: Artigo 9.º do Código do Imposto do Selo, redução do preço
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PROCESSO ARBITRAL N.º 32/2013-T

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. A A... - SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A., pessoa coletiva n.º …, com sede na … em …, na qualidade de sociedade gestora do fundo de investimento imobiliário fechado B... - FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO, contribuinte fiscal n.º …, requereu a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos nº 1 e 2 do artigo 10º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante designado “RJAT” e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, tendo em vista a decisão de indeferimento da decisão da reclamação graciosa a que se refere o processo de Reclamação n.º … da AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (que sucedeu à Direcção – Geral dos Impostos, adiante designada por ATA), ora requerida.

 

  1. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi validado e aceite em 8 de Março de 2013 pelo Ex.º Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante designado por “CAAD”), tendo sido a ATA notificada da apresentação do aludido pedido na mesma data.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a), do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente tribunal arbitral, tendo aceite a designação nos termos legalmente previstos.

 

  1. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído no CAAD, no dia 10 de Maio de 2013 para apreciar e decidir o objecto do presente processo.

 

  1. Em síntese, a Requerente sustenta a sua pretensão no seguinte:

 

  • A 29 de Dezembro de 2008, B... - FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO, por um lado, e "C..., S.A." e "D...- Sociedade Imobiliária, S.A.", por outro, celebraram contrato-promessa de compra e venda, de arrendamento e de opção de compra e venda de um conjunto de bens imóveis determinados.

  • A "D...- Sociedade Imobiliária, S.A" comprometer-se-ia unilateralmente, por sua vez, em caso de cessação, por caducidade, ou incumprimento, dos contratos de arrendamento dos referidos bens imóveis anteriormente referidos, a adquirir ao Fundo, caso este assim o pretendesse, os prédios relativamente aos quais se verificasse tal cessação ou incumprimento.

  • Em caso de incumprimento pela "D...- Sociedade Imobiliária, S.A" da obrigação de recompra dos prédios, o preço global de aquisição dos bens imóveis pelo Fundo seria reduzido para 70 % do valor inicialmente fixado.

  • A 29 de Dezembro de 2008, em execução do referido contrato promessa, o Fundo adquiriria à "C..., S.A" e à "D...- Sociedade Imobiliária, S.A", pelo preço convencionado de €5.719.500,00, os bens imóveis em causa.

  • O Imposto do Selo da verba 1.1. foi liquidado pela Notária, aquando da celebração da escritura, sobre a totalidade do preço de aquisição, liquidando-o no montante de € 45.756,00.

  • No mesmo dia, a sociedade gestora do Fundo procederia ao pagamento da referida importância.

  • A Notária que interveio na celebração do contrato depositaria esse montante nos cofres do Estado a 20 de Janeiro de 2009.

  • Aquando da escritura de compra e venda, tal como vinha previsto no contrato-promessa de compra e venda, o Fundo e a "D...- Sociedade Imobiliária, S.A" celebraram um contrato de arrendamento, através do qual a segunda sociedade, na qualidade de locatária, se comprometeria a manter ou ocupar os prédios adquiridos pelo Fundo.

  • A 28 de Abril de 2012, o Fundo comunicaria a resolução dos contratos de arrendamento à "D...- Sociedade Imobiliária, S.A".

  • As partes, Fundo, "D...- Sociedade Imobiliária, S.A" e, em substituição da "C..., S.A", entretanto, a 15 de Abril de 2009, dissolvida e liquidada, a chamada "F...- Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A" celebraram, a 5 de Junho de 2012, nova escritura publica, mediante a qual formalizaram a redução do preço de aquisição prevista no contrato-promessa inicial, de que informaram nesse dia a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT.).

  • Dessa escritura pública da redução do preço de aquisição, este baixou de € 5.719.500,00 para € 4.003.650,00.

  • Dessa redução de preço teria resultado uma correspondente redução do Imposto do Selo a pagar de € 45.567,00 para € 32.029,00, ou seja, menos € 13.726,80.

  • O pedido de reembolso foi contudo indeferido, sustentando-se que a mencionada redução do preço posterior à escritura de aquisição seria inoponível à ATA, já que a base da liquidação do Imposto do Selo, como a base da liquidação do IMT, é o preço indicado no contrato e não o que resulta de declarações negociais posteriores ao contrato.

  • Entende a Requerente que o indeferimento em causa implica o locupletamento da administração tributária, sem qualquer justificação legal, através de imposto que lhe não era devido, pelo que se verificaria um enriquecimento sem causa;

  • Entende igualmente que esse indeferimento implica a violação, além do art.º 9°, n.º 1, do Código do Imposto do Selo, que determina que o valor tributável do Imposto do Selo é o que resulta da Tabela Geral sem prejuízo do disposto nos restantes n.ºs desse artigo e dos artigos seguintes, dos princípios da tributação de acordo com a capacidade contributiva e da verdade material;

  • A requerente invoca ainda que, segundo o art.º 270° do Código Civil, as partes podem subordinar a um acontecimento futuro ou incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução, dizendo-se, no primeiro caso, suspensiva a condição e, no segundo caso, resolutiva, e que o artigo 275° do C.C. declara, por seu turno, os efeitos do preenchimento da condição retroagem à data da conclusão do negócio, a não ser que, por vontade das partes ou pela natureza do acto, se hajam de reportar a outro momento.

  • Na sua resposta, a ATA vem tecer as seguintes considerações:

  • É manifesta falta de enquadramento da pretensão da Requerente na chamada jurisdição arbitral.

  • O que as partes chamam dever de devolução de parte do preço não é mais que o dever de a "… - Sociedade Imobiliária, S.A." proceder ao pagamento à Requerente, a título de uma cláusula penal, da indemnização resultante de não manter arrendados os prédios vendidos, pelo que tal indemnização não pode ser, assim, qualificada como de redução de preço.

  • Segundo o artigo 9.º, n.º 4, do Código do Imposto do Selo, por outro lado à tributação dos negócios jurídicos sobre bens imóveis, prevista na Tabela Geral, aplicam-se as regras de determinação da matéria tributável do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Bens Imóveis (C.I.M.T.);

  • O artigo 12.º, n.º 2, do C.I.M.T. estabelece, por sua vez, que o Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) incide sobre o valor constante do acto ou contrato ou sobre o valor patrimonial dos imóveis, consoante o que for maior;

  • Nos termos do artigo 45.º, n.º 1, do C.I.M.T., na verdade, se, antes de decorridos oito anos sobre a transmissão se vier a verificar a condição resolutiva ou se der a resolução do contrato, pode obter-se, por meio da reclamação graciosa ou impugnação judicial, a anulação proporcional do IMT.

  • Segundo o n.º 2 dessa norma legal, por outro lado, os prazos para deduzir a reclamação ou impugnação com esse fundamento contam-se a partir da ocorrência do facto, sendo, em tal caso, segundo o n° 3, o imposto anulado em importância equivalente ao produto da sua oitava parte pelo número de anos completos que faltarem para oito.

  • Ainda que tivesse havido resolução do contrato, não haveria, assim, direito, fora do mecanismo citado, a obter a pretendida restituição do Imposto do Selo.

  • Realizou-se no dia 19 de Junho de 2013, pelas 11.00 horas a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, da qual foi lavrada a respectiva acta que se encontra junta aos autos.

  • As partes procederam à produção de alegações escritas, que foram igualmente juntas autos.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

 

B.1. Factos dados como provados:

 

  1. A requerente A... - SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A., é sociedade gestora do fundo de investimento imobiliário fechado B... - FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO (doravante designado “Fundo”).

  2. Em 29 de dezembro de 2008, o Fundo, a sociedade G... Investimentos Imobiliários e Turísticos, S.A., pessoa coletiva n.º … ("G...") e a sociedade H... – Sociedade Imobiliária, S.A., pessoa coletiva n.º … ("H..."), celebraram um contrato-promessa de compra e venda, de arrendamento de bens imóveis e opção de compra e venda ("Contrato-Promessa").

  3. De acordo com o referido Contrato-Promessa, as Partes estabeleceram o seguinte;

  4. O Fundo prometeu comprar à G... e à H..., que prometem vender-lhe, um conjunto de bens imóveis, entre os quais se incluem os bens imóveis infra descritos – conforme cláusula 1.1. e anexo 1 do Contrato-Promessa junto como doc. n.º 3 da pi:

N.º Ordem Bem

Fração Autónoma

Registo Predial

Freguesia

1

A

Pombal

2

A

N.ª Sr.ª da Piedade

3

A

Alcobaça

4

B

Alcobaça

5

C

Alcobaça

6

C

Mira D'Aire

7

D

Mira D'Aire

8

E

Mira D'Aire

9

-

Pousos

10

X

Vialonga

 


 


 

 

  1. O Fundo e a H... prometeram, simultaneamente com a compra e venda dos Prédios, celebrar entre si, relativamente a cada um desses Prédios, um contrato de arrendamento, de acordo com o qual o Fundo seria "senhorio" e a H... "inquilina" dos Prédios, nos termos estabelecidos no anexo II do Contrato-Promessa, conforme cláusula 1.2 do Contrato-Promessa junto como doc. n.º 3 da petição inicial;

  2. A H... comprometeu-se ainda, de forma unilateral, no caso de cessação ou incumprimento de qualquer dos contratos de arrendamento a celebrar, nos termos do Contrato-Promessa, relativamente aos Prédios, conforme cláusula 8.9 do Contrato-Promessa, a comprar ao Fundo, caso este assim o pretendesse, os Prédios relativamente aos quais se verificasse tal cessação ou incumprimento.

  3. Mais estabeleceram as partes no referido Contrato-Promessa, que:

  4. em caso de incumprimento pela H... da obrigação de recompra dos Prédios, o preço global de aquisição dos Prédios pelo Fundo seria reduzido para 70% do valor inicialmente fixado, ou seja, de € 5.719.500 para €4.003.650, nos termos indicados na tabela infra, conforme a cláusula 8.11 do Contrato-Promessa junto como doc. n.º 3 da petição inicial:

Fração Autónoma

Registo Predial

Freguesia

Preço sem redução

Preço com redução

A

Pombal

€896.500

€627.550

A

N.ª Sr.ª da Piedade

€467 .000

€326.900

A

Alcobaça

€ 150.500

€105.350

B

Alcobaça

€280.000

€ 196.000

C

Alcobaça

€200.000

€ 140.000

C

Mira D'Aire

€100.000

€70 .000

D

Mira D'Aire

€ 15.000

€10.500

E

Mira D'Aire

€97.000

€67 .900

-

Pousos

€2.977.500

€2.084 .250

X

Vialonga

€536.000

€3 75.200

Total

 

 

€5.719.500

€4.003.650

 

  1.  


 


 


 

 

  1. O Fundo pagaria à H... e à G..., na data da aquisição dos Prédios, a totalidade do preço inicialmente fixado, de €5.719.500;

  2. Em caso de incumprimento pela H... da obrigação de recompra decorrente do incumprimento dos contratos de arrendamento, seria devolvido ao Fundo o montante correspondente a 30% desse valor, por forma a obedecer à redução do preço estipulada.

  3. Em 29 de Dezembro de 2008, por escritura pública de compra e venda celebrada no cartório Notarial de … ("Escritura"), o Fundo adquiriu os Prédios às sociedades G... e H..., em cumprimento do disposto no Contrato-Promessa, como segue:

  4. [Quadro]


 

  1. O preço total de aquisição dos Prédios então fixado correspondeu ao preço que foi inicialmente acordado no Contrato-Promessa, ou seja €5.719.500.

  2. À data da Escritura, o Fundo pagou à G... e à H... 70% do referido preço de aquisição.

  3. Ficou estipulado que remanescente do preço de aquisição (correspondente a 30% do preço global), seria pago pelo Fundo, para cumprimento do estabelecido no Contrato-Promessa, contra a entrega de garantia bancária à primeira solicitação emitida por um banco português ou internacional com sede ou sucursal em Portugal de reconhecido prestígio e de primeira ordem destinada a garantir a obrigação de devolução ao Fundo de 30% do preço dos Prédios, em caso de incumprimento, por parte da H..., da obrigação de compra estabelecida entre as Partes para o caso de haver incumprimento pela … dos contratos de arrendamento dos Prédios previstos no Contrato-Promessa.

  4. No acto foi liquidado pela Notária Imposto do Selo no valor de €45.756,00, correspondente à aplicação da taxa de 0,8% sobre o valor total de aquisição dos Prédios, de €5.719.500,00 (valor esse superior à soma do valor patrimonial tributário de cada um dos Prédios).

  5. O Imposto do Selo no montante de € 45.756,00 foi integralmente pago pelo Fundo em 29 de Dezembro de 2008, tendo sido entregue pela respetiva Notária nos cofres do Estado em 20 de Janeiro de 2009

  6. A Notária não liquidou IMT, dada a isenção consagrada na redacção do artigo 49°, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (E.B.F.), em vigor aquando da celebração da escritura de compra e venda.

  7. Na mesma referida data (29 de Dezembro de 2008), tal como previsto no Contrato-Promessa, o Fundo e a H... celebraram contratos de arrendamento relativos a cada um dos Prédios, nos termos dos quais a H... se comprometeu a manter ou ocupar os estabelecimentos comerciais instalados nos Prédios, na qualidade de sua arrendatária.

  8. Em reunião ocorrida em 16 de Outubro de 2011, a H... comunicou ao Fundo a impossibilidade de cumprir integral e pontualmente o pagamento das rendas devidas ao abrigo dos Contratos de Arrendamento supra-referidos, tendo sido negociada uma moratória parcial no pagamento das rendas, mediante a qual se permitia à H... o pagamento de 50% da renda por um período máximo de 3 meses, após os quais a H... se obrigaria a compensar os montantes não pagos nos seis meses seguintes.

  9. Entre Dezembro de 2010 e Abril de 2011, a H... não procedeu ao pagamento das rendas devidas relativamente aos Prédios.

  10. Face ao incumprimento, foi celebrado, em 31 de Março de 2011, um aditamento aos Contratos de Arrendamento, nos termos do qual a H... se comprometeu a proceder, nos termos aí fixados, ao pagamento das rendas em dívida ao Fundo.

  11. Não obstante o Aditamento celebrado, a H... não procedeu ao pagamento das rendas devidas, permanecendo em mora e, consequentemente, em incumprimento dos Contratos de Arrendamento até Março de 2012.

  12. Em 26 de Março de 2012, e após as diligências acima descritas, o Fundo exerceu a sua opção de venda relativamente aos Prédios, para o que, agendou a escritura de compra e venda dos imóveis por parte da H... junto do Cartório Notarial de …, em …, para o dia 30 de Abril de 2012.

  13. Tendo procedido à comunicação da resolução dos Contratos de Arrendamento dos Prédios à H... em 28 de Março de 2012.

  14. A referida escritura de compra e venda dos Prédios agendada para dia 30 de Abril de 2012 não foi celebrada, por falta de comparência da H....

  15. Face ao referido incumprimento, o Fundo, de acordo com o disposto na cláusula 8.11 do Contrato-Promessa, exigiu a redução do preço de aquisição dos Prédios em 30%, ou seja, para o valor global de €4.003.650,00.

  16. Assim, as Partes, nas quais se inclui a F... em substituição da G... (porquanto em 15 de Abril de 2009, ocorreu a dissolução e liquidação da G... tendo a globalidade do seu património sido transmitido para a sua única acionista, a I..., Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A. que, por sua vez, foi liquidada e dissolvida em 31 de Julho de 2009, tendo a globalidade do seu património sido transmitido para a sociedade F... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A.) celebraram, em 5 de Junho de 2012, no Cartório Notarial de …, uma nova escritura pública, para formalizar a redução do preço de aquisição dos Prédios nos termos previstos no Contrato-Promessa.

  17. Em 5 de Junho de 2012, o Fundo informou a Autoridade Tributária e Aduaneira ("ATA") de que a Redução de Preço iria ter lugar.

  18. Em 3 de Outubro de 2012, o Fundo apresentou, junto do Serviço de Finanças de …, um pedido de reembolso, no montante de €13.726,80, correspondente à diferença entre o Imposto do Selo pago e o que resultaria da aplicação da taxa legal daquele imposto (0,8%) ao valor de 70% do preço de aquisição dos imóveis acima referidos, ou seja, €4.003.650,00.

  19. No referido articulado, consta o seguinte:

“Nestes termos, tendo o valor de aquisição de cada um dos prédios adquiridos pelo Fundo em 29 de Dezembro de 2008 através da escritura junta como doc. n. º l sido reduzido em 30% - cf escritura pública junta como doc. n. º 2 -, deve a liquidação de Imposto do Selo relativa à aquisição desses prédios - de que ora se reclama - ser corrigida, em função da redução do preço de aquisição dos mesmos, nos termos supra expostos e o Imposto do Selo pago em excesso, no valor de €13.726,80, ser reembolsado ao Fundo.”

  1. Mais se pode ler na mesma peça:

“Termos em que se requer a V. Exa. a retificação da liquidação do Imposto do Selo devido pela aquisição dos prédios referidos na escritura pública junta como doc. n.º 1, de acordo com a redução do preço de aquisição dos mesmos titulada na escritura pública junta como dos. n.º 2; e o reembolso ao Fundo do Imposto do Selo pago em excesso, no valor de€ 13.726,80.”

  1. Na sequência dessa apresentação, a ATA emitiu um projeto de indeferimento do Pedido de Reembolso apresentando, por considerar que a Redução de Preço não tem quaisquer efeitos em sede de liquidação do Imposto do Selo.

  2. AATA fundamentou o Projeto de Indeferimento com base (i) na ausência de prova, por parte do Fundo, do pagamento do Imposto do Selo devido aquando da aquisição dos Prédios por escritura pública de 29 de Dezembro de 2008; e (ii) no alegado facto de "celebrado o contrato de compra e venda, este [ter] produzi[do] de imediato os seus efeitos, de acordo com o art.º 879º do Código Civil, incluindo a transmissão da propriedade e a obrigação para o comprador de pagar os preços acordados.", pelo que a redução de preço resultante do contrato de compra e venda seria insusceptível de produzir efeitos perante a ATA.

  3. No referido projecto de decisão, pode ler-se, para além do mais, que:

“Assunto: reclamação graciosa n..º […]

Exmos, Senhores,

No âmbito da reclamação graciosa acima identificada, fica esse Fundo de Investimento notificado para, no prazo de 10 dias a contar da presente notificação, exercer, querendo, o direito de participação na decisão, na modalidade de audiência prévia [ ... ]”

  1. Discordando do Projeto de Indeferimento, o Fundo exerceu o direito de audiência prévia relativamente ao projecto de decisão, em 22 de Novembro de 2012, apresentando o documento comprovativo do pagamento do Imposto do Selo devido pela aquisição titulada pela escritura de 29 de Dezembro de 2008, consistente no recibo emitido pela Notária ao Fundo do recebimento da importância de €45.756,00 entregue com vista à extinção dessa obrigação.

  2. Em 6 de Dezembro de 2012, a ATA notificou o Fundo da decisão do Pedido de Reembolso, na qual manteve o indeferimento, sustentando que, ainda que já não estivesse em dúvida o pagamento do Imposto do Selo pelo Fundo, a mencionada redução do preço posterior à escritura de aquisição ser inoponível à ATA, já que a base da liquidação do Imposto do Selo, como a base da liquidação do IMT, é o preço indicado no contrato e não o que resulta de declarações negociais posteriores ao contrato.

  3. Na decisão referida consta o seguinte:

“a reclamação graciosa acima identificada foi indeferida por despacho de 30/11/2012, conforme fundamentação que se junta.”.

 

B.2. Factos dados como não provados:

 

Inexistem.


 

B.3. Fundamentação - da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto dada como provada, que é pacificamente reconhecida e aceite pelas partes, assenta na prova documental apresentada.

Inexiste matéria de facto dada como não provada, porquanto todos os factos com interesse para a boa decisão da causa foram dados como provados.

 

C. DO DIREITO

A questão fundamental que se coloca nos presentes autos é a de saber se, face à escritura pública de 5 de Junho de 2012, que procede à redução do preço da compra e venda de imóveis celebrada por escritura pública de 29 de Dezembro de 2008, o Imposto do Selo liquidado relativamente a este último acto deve ou não ser, correspondentemente, reduzido e, consequentemente, devolvido à Requerente o excedente,

***

Previamente, contudo, coloca a Autoridade Tributária uma questão de índole formal que cumpre enfrentar.

Alega, em suma, a ATA ser manifesta falta de enquadramento da pretensão da Requerente na jurisdição arbitral, na medida em que não se reconduziria a nenhuma das alíneas do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, que dispõe que:

“1 — A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”.

Do ponto de vista defendido pela ATA, a Requerente não estaria a pôr em crise, nos autos, nenhum acto de liquidação, não se verificando igualmente que pretenda atacar nenhum dos restantes tipos de acto cuja apreciação da legalidade a norma acima transcrita comete aos tribunais arbitrais em matéria tributária.

Efectivamente, afirma a ATA, em causa nos autos estaria um pedido de restituição de tributos, com base no enriquecimento sem causa, situação que não estaria abrangida pelo normativo atributivo de competência, supra-transcrito.

Entende-se, contudo, que não assiste razão à ATA, quanto à questão em apreço.

De facto, e como a própria ATA começa por conceder, logo no início da respectiva contestação (ponto 1.), “O presente pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a legalidade de acto de liquidação do Imposto do Selo da verba 1.1. da Tabela Geral do Imposto do Selo no montante de € 13.726,80”.

Tal deverá, com efeito, ser considerado o objecto mediato do presente processo, sendo o objecto imediato1 a decisão do pedido no requerimento datado de 3 de Outubro de 2012, no qual, como resulta do ponto 24 e 25 dos factos dados como provados, a ora Requerente manifestou, inequivocamente, intenção de reclamar daquela referida liquidação, o que foi devidamente compreendido pela ATA, conforme resulta igualmente dos pontos 28 e 31 daquele mesmo rol factual.

Assim, e face ao exposto, deve improceder a excepção de incompetência do Tribunal, suscitada pela ATA na sua contestação.

***

Resolvida a questão prévia colocada pela ATA, uma outra se apresenta, suja resolução é condição para que se prossiga com a apreciação do fundo da causa.

Trata-se, agora, de apurar se a reclamação integrada no requerimento da ora Requerente de 3-10-2012 foi, ou não, tempestivamente apresentada, questão esta que, por se reportar à apreciação da caducidade do direito de agir, se deve apreciar oficiosamente.

A este respeito, dispõe o artigo 70.º/1 do CPPT que:

“A reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e será apresentada no prazo de 120 dias contados a partir dos factos previstos no n.º 1 do artigo 102.º”

Para o que ora releva, este artigo 102.º/1 do mesmo diploma, refere que:

“1 - A impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir dos factos seguintes:

a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributarias legalmente notificadas ao contribuinte;

b) Notificação dos restantes actos tributários, mesmo quando não dêem origem a qualquer liquidação;”.

Face aos critérios legais acima expostos, sempre se haveria de concluir que, em 3-10-2012, já teria expirado o prazo regra de que a Requerente dispunha para reclamar graciosamente da liquidação que contesta.

Contudo, dispõe o artigo 70.º/4 do CPPT que:

“Em caso de documento ou sentença superveniente, bem como de qualquer outro facto que não tivesse sido possível invocar no prazo previsto no n.º 1, este conta-se a partir da data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento ou conhecer o facto.”.

Ora, no caso, a Requerente funda, manifestamente, a sua pretensão na redução do preço, ocorrida na escritura pública celebrada em 5-6-2012, e referida no ponto 21 da matéria de facto supra.

Daí que o prazo previsto no n.º 1 do artigo 70.º do CPPT, se haja de contar desta data, uma vez que foi aquando da própria outorga da escritura que a requerente teve conhecimento desse facto, por nele ter participado.

Contado da referida data de 5-6-2012, o prazo de 120 dias do artigo 70.º/1 do CPPT expiraria a 3-10-2012, data em que o requerimento que incorpora a reclamação relativa ao acto tributário em crise foi apresentado à ATA (facto 23 dado como provado).

Assim, haverá que julgar tempestiva a reclamação apresentada pela Requerente e, consequentemente, a presente acção arbitral.

***

Ultrapassadas as questões que previamente se impunham nos autos, e concomitantemente assente que o objecto mediato dos presente autos é a liquidação de Imposto do Selo, levada a cabo pela Notária que presidiu à outorga da escritura de compra e venda de 29 de Dezembro de 2008, sendo o objecto mediato dos mesmos a reclamação graciosa integrada no requerimento apresentado à ATA pela ora Requerente, a 3 de Outubro de 2012, cumpre então entrar na apreciação do fundo da questão.

Note-se que, no enquadramento que se vem de fazer, trata-se aqui de apreciar a legalidade da liquidação de 29-12-2008, e da subsequente decisão de 6-12-2012, que indeferiu a reclamação da requerente relativa àquela liquidação.

*

O artigo 1.º/1 do Código do Imposto do Selo, vigente à data da liquidação, dispunha que:

“O imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.”.

A referida Tabela Geral, por sua vez, refere-se no respectivo ponto 1.1 ao seguinte:

“Aquisição onerosa ou por doação do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito sobre imóveis, bem como a resolução, invalidade ou extinção, por mútuo consenso, dos respectivos contratos - sobre o valor ... 0,8%”.

Da conjugação das disposições transcritas resulta sem dúvida – e tal não é contestado pelas partes - que estando em causa a aquisição onerosa do direito de propriedade – que é o caso dos autos – o Imposto do Selo será o que resultar da aplicação da taxa de 0,8% sobre o valor do acto de aquisição.

Sobre o que este (o valor do acto) seja, dispunha o artigo 9.º/4 do CIS que:

“À tributação dos negócios jurídicos sobre bens imóveis, prevista na tabela geral, aplicam-se as regras de determinação da matéria tributável do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT).”.

Deve ser, portanto, neste último Código (o CIMT) que se procurará a forma de apurar o valor nos actos análogos àquele que deu causa à tributação questionada nos autos.

Ali, e referente à matéria em questão, encontra-se o artigo 12.º/1, que estatui que:

“O IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior.”.

Assim, e por força da conjugação das disposições legais acima citadas, dever-se-á assentar em que o acto de aquisição de propriedade sobre bens imóveis, corporizado na escritura de 29-12-2008, deveria ser tributado, em sede de Imposto do Selo, no valor resultante da aplicação da supra-referida taxa de 0,8% sobre o valor constante do referido acto, já que é consensual que o mesmo era superior ao Valor Patrimonial Tributário.

Ora, dos factos anteriormente e em sede própria dados como provados, resulta que foi justamente isso que ocorreu, nada havendo, portanto, a censurar à liquidação em causa, que, de forma meridianamente clara, procedeu a uma correcta aplicação do Direito aos factos relevantes.

Conforme ensinava Carlos Alberto da Mota Pinto, a propósito do negócio jurídico mas em termos perfeitamente transponíveis para o acto tributário, invalidade de um acto “provém de uma falta ou irregularidade dos elementos internos (essenciais, formativos)”, sendo que “a ausência de produção dos efeitos ... resulta de vícios ou deficiências ... contemporâneas da sua formação.”2.

Ou seja, e em suma, a validade do acto há-de ser aferida em relação às circunstâncias existentes no momento da sua perfeição. Circunstâncias supervenientes poderão, se a lei assim o determinar, modificá-lo, extingui-lo, ou suspender ou restringir a respectiva eficácia, mas não dar causa à invalidade de um acto que validamente se formou.

Entende-se assim inexistirem causas que gerem a nulidade ou anulação da liquidação de Imposto do Selo, relativa ao acto de aquisição de imóveis de 29-12-2008, em causa nos presentes autos.

***

Aqui chegados, resta, então, apurar se a decisão de 6-12-2012, que integrará, como se viu, o objecto imediato dos presentes autos, é ou não, ela própria, conforme ao Direito.

Face à conclusão que se vem de tirar, poderia parecer redundante a questão agora formulada, na medida em que se entendendo que o acto tributário objecto do procedimento de reclamação graciosa se conteve dentro dos limites da legalidade, se deveria entender que esta, ao mantê-lo, se conformou igualmente com aquela normatividade.

Contudo, atento o desfasamento temporal existente entre o acto tributário primário, e a decisão da correspondente reclamação, ter-se-á de ter em conta a possibilidade da ocorrência de algum facto ao qual a lei confira eficácia extintiva ou modificativa daquele.

A obrigatoriedade de atendibilidade de um facto daquela natureza, na decisão do procedimento de reclamação graciosa, se não acatada, será susceptível, portanto, de gerar a ilegalidade da respectiva decisão.

E é de apurar isso que, agora, se trata.

*

Antes de prosseguir, contudo, convirá desde logo ter presente que, embora de uma forma geral seja de difícil definição, o objecto da incidência do Imposto do Selo no caso concreto é o acto (negócio3) jurídico de aquisição do direito de propriedade sobre bens imóveis.

Este objecto de incidência, em ordem a determinar-se o imposto devido, haverá, obviamente, de ser quantificado, ou seja equiparado a um valor, ao qual a taxa do imposto será aplicada, de modo a obter-se o montante devido.

No caso sub-iudice, como se aludiu já, o CIS, no seu artigo 9.º/4, impõe que, nesta matéria, se apliquem as normas de determinação da matéria tributável do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT).

Estas, por sua vez, como se viu também, para o que aqui interessa, dispõem que o imposto incidirá sobre o valor (artigo 12.º/1 do CIMT):

  1. constante do acto ou do contrato; ou

  2. sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis;

consoante o que for maior.

A quantificação do valor sujeito a imposto pretende, assim, ser objectiva, ou seja pretende reportar-se ao valor (na medida do possível) real e concreto do acto ou negócio tributado, e não ao valor que, subjectivamente, aquele terá para as partes. Deste modo, a referência ao valor constante do acto ou contrato feita no elenco dos critérios de determinação do valor tributável em causa, terá subjacente o entendimento de que esse corresponderá, por regra, ao valor, tanto quanto possível, real daquele.

Assim, e a rematar, entende-se aqui que não é o valor atribuído pelas partes que é efectivamente tributado, mas antes o valor objectivo do acto ou negócio, sendo aquele um mero índice ou reflexo deste. O que se tributa, enfim, é um acto, e o valor deste é, dentro de certos limites (o mínimo do VPT), o que dele se fez constar.

*

Do que vem de se dizer resultará com clareza que a vontade das partes na fixação do valor constante do acto ou negócio, sob a perspectiva tributária que ora nos ocupa, não relevará qua tale, enquanto manifestação de vontade subjectiva, mas antes e apenas enquanto reflexo do valor real e objectivo do negócio.

Nesta perspectiva, e, repete-se, do ponto de vista tributário que nos ocupa, apenas serão susceptíveis de reclamar relevância as vicissitudes da referida vontade que, demonstradamente, se reportem a um desfasamento inequívoco entre aquela e o referido valor.

Será esse o caso, por exemplo, de uma redução do negócio por erro ou dolo, nos termos do artigo 911.º do Código Civil. Nessas circunstâncias, em que a vontade que relevou como índice para a quantificação da prestação tributária foi viciada, e por isso se desfasou do valor real do negocio que a devia determinar, poder-se-á sustentar uma redução da correspondente prestação tributária. Contudo, tal redução assentará, não directamente no vício ou desvio da vontade, mas no desfasamento entre esta e a realidade efectivamente tributada.

Nesta linha de raciocínio, começa a ficar nítido que a argumentação da Requerente, assente na relevância jurídico-civilística da vontade das partes, e nos efeitos que da lei civil daquela resultam e são garantidos, passa ao lado do busílis da questão.

Com efeito, a manutenção da tributação decidida não retira efeitos ou contraria qualquer das normas do Código Civil relativas à condição, e invocadas pela requerente, como sejam as dos artigos 270.º e 276.º daquele Código.

O que delas não retira a ATA, e delas não resulta, é efeitos fiscais, ao nível da tributação contestada pela Requerente, efeitos esses que, de resto, não estão contidos na estatuição daqueles normativos.

Acresce que, ao contrário do que a argumentação da Requerente pressupõe, a redução do preço não se dá em função de uma condição do próprio negócio tributado em sede de Imposto do Selo, cuja restituição é peticionada.

Com efeito, compulsada a escritura pública junta como documento 4 da petição inicial, verifica-se que da mesma não consta qualquer condição nesse sentido. A redução do preço dá-se sim por força de uma obrigação assumida num contrato-promessa à parte, e não na escritura que constitui o acto tributado.

Isto mesmo é reconhecido pela Requerente, por exemplo, nos pontos 22 (“Verificou-se, assim, o incumprimento, por parte da H..., de todas as obrigações que sobre ela impendiam nos termos do Contrato-Promessa”) e 23 (“Face ao referido incumprimento, impôs-se, de acordo com o disposto na cláusula 8.11 do Contrato-Promessa, a redução do preço de aquisição dos Prédios pelo Fundo, em 30%”) da petição inicial.

Esta separação física, por assim dizer, da fonte da obrigação de redução do preço, apenas torna mais impressiva a distinção jurídica que há que reconhecer entre o acto - contrato de compra e venda, por um lado, e o acto – redução do preço, por outro. Com efeito, este não é, por qualquer modo, uma continuação ou concretização daquele, mas antes um acto novo e autónomo, que o tem por objecto, mas que, inclusive, tem uma causa que é lhe externa.

Ora, conforme se viu já, o Imposto do Selo, na matéria que nos ocupa, será um imposto sobre actos, pelo que, em rigor não só o valor do acto de 29-12-2008 é de facto o nele feito constar pelas partes, como o próprio acto de redução de preço, de 5-6-2012, é um outro acto que, provavelmente, deverá ele próprio ter sido tributado em sede de Imposto do Selo, nos termos do ponto 15.1 da tabela anexa ao CIS.

De resto, igualmente de um ponto de vista substancial, e tendo presente o atrás exposto, de onde resulta que o que é tributado na situação em apreço é, não a vontade das partes, mas o efectivo valor do negócio, do qual aquela é um índice, será inegável que a ocorrida redução do preço em 2012, é irrelevante para a questão do apuramento do real valor dos bens adquiridos pela Requerente em 2008. Ou seja, concretizando, ou nesta data os bens valiam o valor que lhe foi atribuído pelas partes na escritura pública subjacente à liquidação de Imposto do Selo contestada, ou não. Mas a resposta sempre será uma ou outra, independentemente da redução de preço efectuada, já que esta não tem a virtualidade de alterar a realidade passada. Repete-se que se entende que o que é tributado é o valor real do negócio à data em que é realizado, do qual o valor então declarado pelas partes é um dos índices, e não a própria declaração, esta sim susceptível de ser alterada, nos termos das normas civilísticas invocadas pela Requerente.

Deste modo, e se as partes declararam os valores que declaram na escritura subjacente à liquidação impugnada, é porque, à data, os mesmos teriam alguma correspondência com o valor real dos bens transaccionados, correspondência essa suficiente para, nos termos legais, servir de base à tributação então liquidada. E o cumprimento ou incumprimento de um contrato meramente obrigacional, entre as mesmas ou outras partes, é insusceptível de alterar o valor passado de um bem. Daí que, se no quadro de uma relação obrigacional complexa, a disciplina contratual estabelecida pelas partes implica que uma delas veja um débito perdoado ou tenha direito a uma prestação que é contratualmente tratada como devolução parcial de uma contraprestação anteriormente cumprida, tal será insusceptível de contender com o valor real dos bens concretamente envolvidos naquela obrigacional complexa.

No limite, a situação poderá ser melhor compreendida, mediante um exemplo análogo mas mais extremo, como seria o de alguém vender a outrem um imóvel por x, mas consignar-se que na ocorrência de um evento futuro e incerto, como seja o de determinado clube de futebol ganhar determinada competição, aquele preço deveria ser reduzido ou aumentado em y%. Evidentemente, que a circunstância desportiva condicionante, se bem que legal e civilmente eficaz, é totalmente alheia ao valor real do bem envolvido, e que regulação estabelecida pelas partes para o quadro normal (na ausência da ocorrência futura e incerta), é a que terá mais correspondência ao valor real do negócio, correspondendo, materialmente, a variação condicional a uma espécie de aposta.

Do mesmo modo, in casu, e como intuiu a ATA na sua contestação, a redução do preço operada não é, manifestamente, um aperfeiçoamento ou correcção daquele em função do que se apurou posteriormente ser o valor real dos bens à data do negócio tributado, mas antes uma sanção, por um lado, e uma compensação, por outro, derivadas de um incumprimento contratual, externo ao próprio negócio cujo preço foi alterado.

Um outro exemplo, completará a ilustração do que se tem ensaiado demonstrar: o caso de alguém comprar um imóvel pelo preço indicado por uma avaliação pericial e independente, com a condição de passados uns anos (3, por exemplo), se proceder a uma nova avaliação pericial e independente, devendo o preço ser reduzido na medida da desvalorização que eventualmente esta avaliação verifique. Neste caso, é manifesto que a redução do preço subsequente, se bem que legal e civilmente eficaz, se deve a circunstâncias supervenientes, e que o valor à data da aquisição era o fixado, afigurando-se manifestamente indefensável a posição de que a redução do preço subsequente se reporta a um menor valor do negócio previamente celebrado, à data em que o foi, na medida em que tal valor havia sido fixado por perícia independente.

Tudo isto para concluir que, embora se conceda que os índices do artigo 12.º/1 do CIMT integram presunções, que nos termos do artigo 73.º da LGT, admitirão prova em contrário, se entende que uma mera redução, subsequente, do preço é insusceptível de per si infirmar as referidas presunções, mais ainda num contexto como o apresentado nos autos, de onde resulta com elevado grau de segurança que a redução do preço nada tem a ver com o efectivo e real valor dos bens adquiridos por meio do negócio tributado, na data em que o foram.

*

Conclui-se assim que, ao contrário do que alega a requerente (pontos 61.º a 80.º da petição inicial), não se verifica qualquer violação, in casu, dos artigos 9.º do CIS e 12.º do CIMT, pelo contrário.

Com efeito, o valor sobre o qual incidiu a liquidação é, de facto, “o valor constante do acto” que lhe serve de base, chamando-se aqui uma vez mais a atenção para a circunstância de que a redução do preço na qual a Requerente funda a sua pretensão se dá em função de obrigações geradas por um outro acto – o contrato promessa – que não o tributado.

Do mesmo modo, face aos factos dados como provados e não provados, e a tudo o mais que se vem de expor, entende-se não se verificar qualquer violação dos princípios da verdade material ou da capacidade contributiva, ao nível legal ou constitucional, conforme pretende a Requerente (artigos 81.º a 102.º da petição inicial), já que, como se disse, não resulta por qualquer forma dos autos que os prédios adquiridos pela Requerente em 29-12-2008 tivessem, nessa data, valor inferior ao que então lhe foi atribuído na escritura celebrada naquela data, acrescentando-se aqui uma vez mais que naquela escritura não se faz qualquer menção a uma possível redução de preço nem, muito menos, à possibilidade de os bens adquiridos valerem menos do que aí se indicou.

Por fim, e pelas mesmas razões, considera-se que não se verifica qualquer enriquecimento sem causa do Fisco, ao contrário do que consta dos pontos 103.º a 111.º da petição inicial, independentemente de se considerar que tal não serviria de causa de anulação de um acto tributário (quando muito serviria de base de pretensão indemnizatória a exercer em sede de acção administrativa comum), uma vez que não se demonstra que o imposto em crise se haja liquidado por valor superior ao legalmente devido.

 

D. Valor do processo

De harmonia com o disposto no artigo 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 13.726,80.

 

E. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €918,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

F. Decisão

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

a) julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido;

 

b) condenar a Requerente nas custas do processo, no montante de €918,00, devendo ter-se em conta os pagamentos entretanto efectuados.

Lisboa, 9-8-2013

 

O Árbitro

 

(José Pedro Carvalho)

1 Neste sentido, cfr., por exemplo, o Ac. do STA de 16-11-2011, proferido no processo 0723/11, em cujo sumário se pode ler: “A impugnação judicial de indeferimento de reclamação graciosa tem por objecto imediato a decisão da reclamação e por objecto mediato os vícios imputados ao acto de liquidação.”

2 “Teoria Geral do Direito Civil”, 3.ª Edição Actualizada, Coimbra Editora, p. 605.

3 Cfr. o supra-transcrito artigo 9.º/4 do CIS, que se refere à “tributação dos negócios jurídicos sobre bens imóveis”, sendo que, como é sabido, o negócio jurídico será uma subespécie do acto jurídico, entendendo-se por este um facto jurídico (juridicamente relevante) voluntário, por oposição aos factos jurídicos (juridicamente relevantes) involuntários ou naturais (a este propósito, cfr. CAMP, op. cit., p. 353 e s.).