Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 669/2015-T
Data da decisão: 2016-03-28  IRC  
Valor do pedido: € 45.871,67
Tema: IRC – Competência material do Tribunal Arbitral
Versão em PDF

 

Decisão Arbitral

 

 

I.                   RELATÓRIO

 

A… (Portugal), S.A., pessoa colectiva número … com sede na Estrada…, …, em Coimbra, com o capital social de €16.750.000, 00 (dezasseis milhões, setecentos e cinquenta mil euros), apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), com o objectivo de obter a declaração de ilegalidade do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado e, consequentemente, do acto de autoliquidação de IRC relativo ao exercício de 2010, na medida correspondente à não dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma do pagamento especial por conta efectuado em sede de IRC, no montante de €45.871,67.

 

 

A Requerente funda o seu pedido nos seguintes argumentos:

 

a)      A colecta de IRC prevista no artigo 45.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRC, compreende, a colecta das tributações autónomas em IRC, pelo que se há-de também entender que a colecta do IRC prevista no artigo 90.º, n.º 1, e n.º 2, alínea c), do Código do IRC, na redacção em vigor em 2013, abrange também a colecta das tributações autónomas em IRC;

 

b)     Donde que a negação da dedução do PEC à colecta em IRC das tributações autónomas viole a alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC (anteriormente a 2010, artigo 83.º; e desde 2014 passou a ser a alínea d) do referido n.º 2 do artigo 90.º do CIRC);

 

c)      Em consequência, quer o indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado, quer a autoliquidação de IRC (incluindo as suas taxas de tributação autónoma) relativa ao exercício de 2010, padecem de vício material de violação de lei, porquanto não deve ser vedada a dedução do pagamento especial por conta à parte da colecta de IRC correspondente às taxas de tributação autónoma. Ou, subsidiariamente, porquanto a própria liquidação das tributações autónomas será em si mesma ilegal caso se entenda não lhe ser aplicável o artigo 90.º do CIRC (ausência da base legal exigida para efeitos do procedimento de liquidação e cobrança – artigo 8.º, n.º 2, alínea a) da LGT, e artigo 103.º, n.º 3, da Constituição).

 

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Presidente do CAAD em 13.11. 2015 e automaticamente notificado à AT.

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 15.01.2016.

 

A AT respondeu, defendendo a sua absolvição da instância, face à verificação da excepção de incompetência do tribunal ou, caso assim não se entenda, a improcedência do pedido atendendo, em síntese, aos seguintes fundamentos:

a)    O pedido de pronúncia arbitral sub judice tem por objecto imediato a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e por objecto mediato o acto de autoliquidação de IRC, incluindo taxas de tributação autónoma, relativo ao exercício de 2010;

 

b)   Atento o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º e 2.º, alínea a), ambos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03.11, verifica-se a excepção de incompetência material do presente Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o pedido supra;

 

c)    Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT determina-se que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação da declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

 

d)   Por força da remissão do n.º 1 do artigo 4.º do RJAT, a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais constituídos nos termos desse diploma fica na dependência do disposto na Portaria n.º 112-A/2011, designadamente quanto ao tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos;

 

 

e)    Dispõe-se no artigo 2.º, alínea a) da Portaria 112-A/2011 que a vinculação da AT à jurisdição referida tem por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, com exceção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”;

 

f)     Na situação sub judice sempre se impunha a precedência obrigatória de reclamação graciosa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 131.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), o que a Requerente não logrou apresentar;

 

g)   Isso, ainda que, sem prejuízo de, como se concluiu na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa sub judice, ser ainda, abstractamente, possível suscitar a ilegalidade dos actos de autoliquidação nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 78.º da LGT;

 

h)   Com efeito, a jurisprudência tem provido o entendimento – que não se questiona –, de que, atenta a natureza administrativa do procedimento revisão oficiosa, é passível a sua equiparação ao disposto no artigo 131.º, n.º 1 do CPPT, para efeito de subsequente impugnação da respetiva decisão de indeferimento.

 

i)     Todavia, tal equiparação está legalmente vedada em sede arbitral, estando excluída da competência material dos tribunais arbitrais a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º do CPPT, mas tão só de revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da LGT;

 

j)     Com efeito, o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011 exclui, literalmente, do âmbito da vinculação da AT à jurisdição arbitral, “(…) as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação (…) que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do CPPT.”, aí não se referindo a revisão oficiosa prevista no artigo 78.º da LGT.

 

k)    Deste modo, se é certo que o contribuinte que não tenha apresentado tempestiva reclamação graciosa não esteja, ipso facto, impedido de pedir a revisão do acto de retenção ao abrigo do artigo 78.º da LGT, dentro do condicionalismo aí previsto, e impugnar judicialmente a decisão que indefira o pedido de revisão (cf. artigo 95.º, n.º 2, alínea d), da LGT), também não é questionável o entendimento de que a AT apenas se vinculou, nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, à jurisdição dos tribunais arbitrais se o pedido de declaração de ilegalidade de ato de autoliquidação tiver sido precedido de recurso à via administrativa de reclamação graciosa.

 

l)     Ademais, verifica-se que na situação sub judice o alegado “acto de autoliquidação” não foi efectuado de acordo com instruções genéricas emitidas pela AT, sendo forçoso concluir que sempre se impunha a precedência obrigatória de reclamação graciosa nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT.

 

m)  Pelo que nestes termos o acesso à tutela jurisdicional arbitral encontra-se, por maioria de razão vedada, pois que aqui a reclamação graciosa sempre seria obrigatória nos termos do artigo 131.º do CPPT, conforme exigido no artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011.

 

n)   Por impugnação defende a Requerida que não há uma liquidação única de IRC, mas, antes dois apuramentos, isto é, dois cálculos distintos que, embora processados, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º do mesmo código, são efectuados com base em parâmetros diferentes, pois cada uma se materializa na aplicação das suas próprias taxas, previstas nos artigos 87.º ou no 88.º do CIRC, às respectivas matérias colectáveis determinadas igualmente de acordo com regras próprias.

 

o)   Os pagamentos por conta do imposto devido a final, de acordo com a definição do artigo 33.º da LGT são “as entregas pecuniárias antecipadas que sejam efectuadas pelos sujeitos passivos no período de formação do facto tributário”, constituindo uma “(…) forma de aproximação do momento da cobrança ao do da percepção do rendimento de modo a colmatar as situações em que essa aproximação não pode efectivar-se através das retenções na fonte.”

 

p)   Portanto, em boa lógica, só faz sentido concluir que a respectiva base de cálculo corresponda ao montante da colecta do IRC resultante da matéria colectável que se identifica com o lucro/rendimento do exercício do sujeito passivo.

 

q)   Assim sendo, a delimitação do conteúdo da expressão utilizada pelo legislador no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC, montante apurado nos termos do número anterior”, e no n.º 1 do art.º 105.º do CIRC, “imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º”, deve ser feita de forma coerente, ou seja, sendo-lhe consequentemente atribuído, em ambos os preceitos, um sentido unívoco.

 

r)     O que equivale a dizer que corresponde ao montante do IRC calculado mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria colectável determinada com base no lucro e nas taxas do artigo 87.º do Código. 

 

s)    Por simples decorrência das considerações precedentes que conduziram à conclusão de que as deduções referidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC são efectuadas ao “montante apurado nos termos do número anterior”, entendido como o montante do IRC apurado com base na matéria colectável determinada de acordo com as regras constantes do capítulo III e das taxas do artigo 87.º do mesmo Código e descendo ao caso concreto, é possível estender tal conclusão à dedução relativa aos pagamentos especiais por conta.

 

t)     Em suma: a natureza jurídica do PEC, revelada pela sua configuração como “instrumento ou garantia de pagamento do tributo por conta do qual é exigido, e não como imposição a se (cfr. Acórdão do TC supra citado), bem como pela função que lhe está associada no combate à evasão e fraude fiscais, liga indissociavelmente este pagamento ao montante do IRC apurado sobre a matéria colectável determinada com base no lucro (capítulo III do Código).

 

u)   Sendo, por isso, manifestamente destituída de qualquer base a pretensão da Requerente de dedução do montante suportado em sede de pagamento especial por conta à colecta produzida pelas tributações autónomas no ano de 2010.

 

 

v)    Mesmo que fosse configurável o pagamento de juros indemnizatórios na situação em apreço nos auto, o seu cômputo teria sempre como termo inicial a data em que ocorreu a notificação da decisão que indeferiu o procedimento de revisão oficiosa, ou seja, a 14.08.2015 e, nunca, o momento indicado pela Requerente no seu pedido.

 

Foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em face do teor da matéria contida nos autos, tendo-se relegado o conhecimento da excepção invocada pela Requerida, na sua resposta para a decisão a proferir a final.

 

II.                MATÉRIA DE FACTO

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

A)    A Requerente entregou no dia 31 de Maio de 2011 a sua declaração de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2010, tendo inscrito, no campo 365 dedicado às tributações autónomas, o valor de €45.297,38;

 

B)    De acordo com a declaração de rendimentos entregue, no exercício em causa a A… apurou prejuízo fiscal no valor de €1.098.627,78, tendo no entanto apurado um montante total de imposto a pagar de €574,29, imposto este que se encontra pago, e o qual resultou do apuramento de tributações autónomas em sede de IRC no montante de €45.871,67, abatido do montante de €45.297,38 em retenções na fonte sofridas, a cujo reembolso a A… tinha direito;

 

 

C)    O sistema informático da AT impede que se inscreva o valor relativo às referidas taxas de tributação autónoma em IRC, deduzido, dentro das forças da colecta de IRC resultante da aplicação destas taxas, dos montantes de pagamentos especiais por conta ainda disponíveis (a começar pelos mais antigos) para abate à colecta do IRC;

 

D)    O sistema informático da AT, através do qual é autoliquidado o IRC, não permite que os contribuintes deduzam, para efeitos do apuramento do IRC por si devido, os pagamentos especiais por conta ao IRC resultante das tributações autónomas apuradas;

 

E)    O acto de liquidação (autoliquidação) sub judice não foi efectuado de acordo com quaisquer instruções genéricas emitidas pela AT;

 

F)     A 4 de Fevereiro de 2015, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa contra o acto de autoliquidação de IRC acima identificado, pugnando pela aceitação da dedução do montante suportado a título de pagamento especial por conta em sede de IRC (€124.278) ao montante da colecta apurado em sede de tributações autónomas;

 

G)   Sobre o pedido de revisão oficiosa referido recaiu projecto de decisão de indeferimento, proferido pelo Exmo. Sr. Director de Serviços da Direcção de Serviços de IRC, de 29.06.2015, sustentado na Informação n.º I2015…, onde se negou o direito de a contribuinte poder deduzir o montante do pagamento especial por conta à colecta produzida por tributações autónomas;

 

H)    A 2.07.2015, pelo ofício n.º…, de 30.06.2015, a Requerente foi notificada para, querendo, no prazo de 15 dias, exercer o respectivo direito de audição, de acordo com o disposto no artigo 60.º, n.º 1, al. b) da LGT;

 

I)       A Requerente não se pronunciou sobre o projecto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, tendo o projecto de decisão sido transformado em definitivo, por despacho do Exmo. Sr. Director de Serviços de Direcção de Serviços do IRC, de 31.07.2015, com base na Informação n.º I2015…;

 

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT e a prova documental junta aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

Este Tribunal firmou a sua convicção na consideração dos documentos juntos aos autos pelas Partes.

 

III.             MATÉRIA DE DIREITO

 

Na resposta apresentada, vem a AT invocar a excepção de incompetência material que, a verificar-se, conduzirá à absolvição da instância. Assim vejamos:

 

O pedido de pronúncia arbitral sub judice tem por objecto imediato a decisão de indeferimento da revisão oficiosa apresentada pela Requerente e por objecto mediato o acto de autoliquidação de IRC, incluindo taxas de tributação autónoma, relativo ao ano 2010.

 

De acordo com o disposto nos artigos 16.º do CPPT, 13.º do CPTA e 101.º do CPC, subsidiariamente aplicáveis ex vi do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, a determinação da competência material dos tribunais é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria.

 

Em consequência, tendo em conta que a procedência da excepção invocada pela AT, a verificar-se, obsta ao conhecimento das demais questões suscitadas, importa delimitar o âmbito de competência da jurisdição arbitral tributária e aferir se a competência do tribunal abrange, ou não, a decisão de indeferimento da revisão oficiosa apresentada pela Requerente e o acto de autoliquidação de IRC.

 

Tem sido abordada em diversos processos arbitrais julgados no âmbito do CAAD, a questão da incompetência material dos tribunais arbitrais – Veja-se a este propósito os acórdãos proferidos no âmbito dos processos n.ºs 236/2013, de 22 de Abril de 2014, 48/2012, de 06.07.2012, 73/2012, de 23.10.2012 e 76/2012, de 29.10.2012, cujas decisões acompanhamos.

 

Assim, antes de mais, importa atender ao disposto no n.º 1 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, segundo o qual o Governo foi autorizado “a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária”, devendo, segundo o seu n.º 2, “constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.”

 

Concretizando a referida autorização legislativa, o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, “instituiu a arbitragem tributária limitada a determinadas matérias, arroladas no seu artigo 2.º ”fazendo “depender a vinculação da administração tributária de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça” (vide a fundamentação do acórdão arbitral proferido no Processo n.º 76/2012 acima referido).

 

O âmbito da jurisdição arbitral tributária ficou, assim, delimitado, em primeira linha, pelo disposto no artigo 2.º do RJAT que enuncia, no seu n.º 1, os critérios de repartição material, abrangendo a apreciação de pretensões que se dirijam à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos (alínea a)).

 

Através da Portaria n.º 112-A/2011, de 20 de Abril (adiante Portaria), o Governo, pelos Ministros de Estado e das Finanças e Justiça, vinculou os serviços da Direcção-Geral de Impostos e da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, sendo que a estes serviços corresponde, presentemente, a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro, que aprova a estrutura orgânica desta Autoridade, resultante da fusão de diversos organismos.

 

Nesta Portaria, estabelecem-se condições adicionais e limites de vinculação tendo em conta a especificidade das matérias e o valor em causa.

 

 

Dispõe o artigo 2.º da Portaria, o seguinte:

 

 

Artigo 2.º

Objecto da vinculação

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

 

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.”

 

Nos termos do citado artigo 2.º, alínea a) da Portaria resulta, claro, que são excluídas da arbitragem todas as pretensões conexas com actos de “autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta”, a não ser que tais pretensões tenham sido precedidas de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT).

 

Ora, o pedido apresentado pela Requerente diz respeito à declaração de ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado relativamente ao acto de autoliquidação de IRC relativo ao ano 2010.

 

Subsume-se, portanto, a situação em análise na primeira parte da norma prevista na alínea a) do artigo 2.º da Portaria, na medida em que esta em causa a declaração de ilegalidade de um acto de autoliquidação.

 

Não obstante, prevê-se que apenas as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário estejam excluídas do âmbito de competência do CAAD.

 

Deste modo, importa verificar se o acto de autoliquidação sub judice foi precedido de recurso à via administrativa nos termos do artigo 131.º do CPPT, que respeita aos casos de autoliquidação.

 

Assim, dispõe o artigo 131.º do CPPT, o seguinte:

 

Artigo 131.º

Impugnação em caso de autoliquidação

1 – Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de dois anos após a apresentação da declaração.

2 - Em caso de indeferimento expresso ou tácito da reclamação, o contribuinte poderá impugnar, no prazo de 30 dias, a liquidação que efetuou, contados, respetivamente, a partir da notificação do indeferimento ou da formação da presunção do indeferimento tácito.

3– Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do nº 1 do artigo 102.º.”

 

Ora, da matéria de facto carreada para os autos, resulta que o acto de autoliquidação em apreço, foi objecto de pedido de revisão oficiosa e não de reclamação graciosa prévia, como se prevê no n.º 1 do artigo 131.º acima descrito.

 

Sendo, assim, é de concluir, por mera interpretação declarativa, que a possibilidade de pedir aos tribunais arbitrais a declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta prevista no artigo 2.º, n.º 1 a), do RJAT, deve ser entendida em sintonia com o regime previsto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º do CPPT, sendo necessária a reclamação graciosa prévia nos casos em que ela também o é nos tribunais tributários.[1]

 

Neste sentido, foram já proferidos vários acórdãos do CAAD[2], todos no sentido de que a referência expressa ao precedente “recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do CPPT”, deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através de reclamação graciosa que é o meio administrativo ali indicado.

 

Deste modo, tendo em conta que a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa quanto ao acto de autoliquidação de IRC e não reclamação administrativa, não se pode deixar de entender que, por força do disposto no artigo 4.º do RJAT, a AT não se encontra vinculada ao tribunal arbitral no caso em análise.

 

Donde, “ (…) a falta de vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao tribunal arbitral traduz-se na imediata impossibilidade de eficácia subjectiva de um julgado que, se fosse proferido por este tribunal nas matérias excluídas, não produziria quaisquer efeitos sobre a parte que haveria de o executar, consubstanciando, portanto, falta de jurisdição, a qual é delimitada em função da matéria e, portanto, consubstancia a incompetência material deste tribunal (…) e a falta de jurisdição do tribunal para dirimir o litígio configura efectivamente a excepção dilatória da incompetência do tribunal para qualquer outra, fazendo-se, atenta a natureza arbitral do tribunal, uma leitura integrada do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, com o n.º 1 do seu artigo 4.º e, ainda, com o mencionado artigo 2.º da Portaria de Vinculação.”[3]

 

Em suma: entende-se que o artigo 2.º da Portaria só pode ser objecto de uma interpretação literal, uma vez que se configura como uma declaração unilateral de vontade por parte da AT.

Tendo em conta os princípios gerais de interpretação constantes do artigo 9.º do Código Civil, não nos parece possível interpretar o artigo 2.º da Portaria, de modo a incluir o artigo 78.º da LGT.

 

Conquanto, o pedido de revisão oficiosa pode ser processualmente alternativo ou complementar à reclamação graciosa, do ponto de vista dos direitos e garantias dos contribuintes, mas considerando a natureza voluntária da arbitragem, a interpretação do disposto no artigo 2.º da Portaria não deve, em caso algum, traduzir-se numa restrição da esfera de liberdade da AT, enquanto parte, de estabelecer os limites da sua vinculação.

 

Assim, é este Tribunal Arbitral materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido objeto do litígio sub judice, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT e dos artigos 1.º e 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT e artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT, que obsta ao conhecimento do pedido e à absolvição da instância da AT, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29.º, nº1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

Razão pela qual se julga procedente a excepção de incompetência deduzida pela AT, absolvendo-se a Requerida da instância.

 

Fica deste modo prejudicado o conhecimento da questão de mérito.

 

 

IV.             DECISÂO

 

Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

 

A)    Julgar procedente a excepção dilatória de incompetência deste Tribunal em razão da matéria invocada pela Requerida e, em consequência, absolver a Requerida da instância;

 

B)    Condenar a Requerente nas custas do presente processo, por ser a parte vencida.

 

 

 

V.                VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A, n.º 1 a) do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é de €45.871,67.

 

 

VI.             CUSTAS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.142,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerente.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 28 de Março de 2016

 

 

 

A Árbitro,

 

 

 

Magda Feliciano

 

 

 

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)

 



[1] Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pp. pag. 131.

[2] Decisão n.º 48/2012-T, de 6.07.2012, Decisão n.º 236/2013-T, de 22.04.2014.

[3] Decisão n.º 17/2012-T, de 14.05.2012.